só proteje quem ama - só ama quem conhece

só proteje quem ama - só ama quem conhece

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Coripaco

Toy Art Coripaco

#____   NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
43CoripacoCuripaco,
Curripaco,
Kuripako
Aruak

UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
AM1504Siasi/Sesai 2012
Colombia7827Arango e Sánchez 2004
Venezuela4925INEI 2001


Os Koripako, que falam um dialeto da língua baniwa, vivem na Colômbia e no Alto Içana (Brasil). Já os Baniwa vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no Alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM).

Ambas etnias aparentadas são exímias na confecção de cestaria de arumã, cuja arte milenar lhes foi ensinada pelos heróis criadores e que hoje vem sendo comercializada com o mercado brasileiro. Recentemente, têm ainda se destacado pela participação ativa no movimento indígena da região. Esta corresponde a um complexo cultural de 22 etnias indígenas diferentes, mas articuladas em uma rede de trocas e em grande medida identificadas no que diz respeito à organização social, cultura material e visão de mundo. Informações abrangentes sobre essa área cultural estão na página Noroeste Amazônico.

Nomes e Linguas

 Desde os tempos coloniais, o nome Baniwa é usado para todos os povos que falam línguas da família Aruak ao longo do Rio Içana e seus afluentes. Deve-se enfatizar, porém, que não se trata de uma auto-designação. É um nome genérico usado por esses índios quando se fazem representar em contextos multiétnicos ou diante do mundo não-indígena. Walimanai significa "os outros novos que vão nascer" e é uma auto-designação usada em contraste com os antepassados, Waferinaipe, os heróis culturais e divindades que criaram e prepararam o mundo para os vivos, os seus descendentes, os Walimanai de hoje. Essas comunidades indígenas mais freqüentemente usam como auto-designações os nomes das suas fratrias como Hohodene, Walipere-dakenai ou Dzauinai.

Os Coripaco, que vivem na Colômbia e no Alto Içana (Brasil), são aparentados dos baniwa e falam um dialeto da língua baniwa, mas não se identificam como subgrupo baniwa. Os Coripaco moram em comunidades ao longo do Rio Guainía (nome do Rio Negro fora do Brasil, acima da conexão com o canal de Casiquiare) e de seus afluentes e no Alto Içana. Na Venezuela, são chamados de Wakuenai, auto-designação que significa "os da nossa língua", e moram em comunidades ao longo do Rio Guainía e de seus afluentes. Há um outro grupo de língua aruak distinta, chamado Baniva, que mora na vila de Marôa, no Guainía.

Jovens baniwa concludentes de ensino fundamental e médio se apresentam ao público na Escola Pamáali. Foto: João Claudio/EIBC

A despeito de terem uma identidade específica, a etnia Coripaco é muito próxima da Baniwa, de modo que as informações relativas aos Baniwa nos demais itens desta seção podem, em grande medida, ser estendidas aos Coripaco.

 Histórico da ocupação

Como seus vizinhos do Rio Uaupés, os Baniwa vivem atualmente às margens dos rios principais, mas contam que seus antepassados não viviam tão próximos aos rios e construíam suas malocas em geral nas cabeceiras dos principais igarapés. Até os dias de hoje, os Baniwa apontam antigos lugares de moradia atualmente desabitados. Muitos dos velhos dizem que ainda chegaram a ver esteios em pé em alguns desses lugares, restos das velhas malocas dos antigos. Na região do Alto Içana, uma antiga e importante maloca localizava-se na cabeceira do igarapé Pamari, uma área ocupada desde antigamente pela fratria Walipere-dakenai (ou Siuci em língua geral), que significa "netos das cinco estrelas" (a constelação das Plêiades). Dizem os Walipere-dakenai que ali foi a moradia de seu primeiro líder, Vetutali (ou Wetsudali), um poderoso guerreiro antepassado de todos os Walipere-dakenai atuais. Conta-se que, no tempo da escravidão, Vetutali e muitos outros Baniwa foram levados como escravos pelos portugueses. Quando o navio que o levava prisioneiro já baixava pelo Rio Negro, Vetutali e um companheiro Hohodene atiraram-se na água e conseguiram escapar, retornando então para o Içana.

Assim como os Walipere-dakenai, os Hohodene falam de um líder antepassado chamado Keruaminali, que também fora levado pelos brancos, tendo permanecido por algum tempo em Barcelos até conseguir fugir e retornar ao Içana. Como Vetutali, Keruaminali, ao regressar à sua terra, foi morar nas cabeceiras de um igarapé, o Uaraná, afluente do Rio Aiari. Os Walipere-dakenai passaram então a ocupar uma grande extensão de terras, delimitada ao sul pelo Rio Içana, entre a boca do Pamari até as imediações da atual aldeia de Tamanduá. Ao norte, os limites deste território alcançam o Rio Cuiari, já na Colômbia. Os Hohodene se estabeleceram na região interfluvial Içana/Aiari, mais precisamente nas cabeceiras dos igarapés Quiari, Uirauassu e Uaraná. Alguns Walipere-dakenai foram morar próximo aos Hohodene e desde então há muitos casamentos entre os dois grupos. De acordo com os Hohodene e os Walipere-dakenai, a fuga e o retorno desses dois líderes marcam um momento importante de sua história, pois é quando o Içana volta a ser repovoado após um esvaziamento quase absoluto, resultante do tempo da escravidão e descimentos.

Com o tempo e a influência de missionários, militares, e comerciantes brancos, os Baniwa foram progressivamente se transferindo de suas antigas malocas, no interior da mata, para as margens do Içana. A população baniwa cresceu muito e os Walipere-dakenai, por exemplo, se espalharam por todo rio. Os Hohodene desceram o Quiari e ocuparam toda a extensão do Rio Aiari. Há comunidades baniwa que se estabeleceram em tempos mais recentes até no Rio Negro, abaixo de São Gabriel da Cachoeira. Alguns Walipere-dakenai e Hohodene estão morando nas proximidades de Barcelos. Mesmo assim, a área acima descrita continua a ser seu território por excelência, reconhecido pelo conjunto dos grupos baniwa.

 Localização e população

A bacia hidrográfica do Rio Içana tem suas nascentes na Colômbia, mas logo em seguida passa a delimitar a fronteira com o Brasil, adentrando o território brasileiro na direção sudoeste depois de um pequeno trecho. A extensão do Içana é de cerca de 696 Km. Das cabeceiras até o limite Colômbia/Brasil são 76 Km. Serve de fronteira com a Colômbia por mais 110 Km e daí até a foz, no Rio Negro, são mais 510 Km. No Brasil, apresenta 19 cachoeiras.
Território Coripaco

Em suas nascentes, o Içana é um rio de água branca e vai mudando sua cor para avermelhada e preta após receber as águas do igarapé Iauareté (ou Iauaiali, como chamam os Baniwa e Coripaco) e outros. Os maiores afluentes do Içana são os rios Aiari, Cuiari, Piraiauara e Cubate, todos eles rios de água preta. O Içana deságua no Rio Negro acima da foz do Rio Uaupés.

Os Baniwa estão distribuídos em 93 povoados, entre comunidades e sítios, perfazendo, no ano de 2000, um total aproximado de 15 mil indivíduos, estando cerca de 4.026 no Brasil. Em solo brasileiro, os povoados estão localizados no Baixo e Médio Içana e nos rios Cubate, Cuiari e Aiari. Os Baniwa também estão presentes em comunidades do Alto Rio Negro, nas cidades de São Gabriel, Santa Isabel e Barcelos. Os Coripaco estão apenas no Alto Içana e somavam, no Brasil eem 2000, aproximadamente 1.115 pessoas.

Existe uma missão salesiana em Assunção do Içana desde 1952. Há outras quatro bases missionárias ao longo do Rio Içana, todas elas mantidas pela Missão Novas Tribos do Brasil: Boa Vista, localizada na foz, Tunuí, no médio curso, São Joaquim e Jerusalém, na parte alta do Içana (entre os Coripaco). Em São Joaquim, há também um Pelotão de Fronteira do Exército.

 Histórico do contato

A primeira referência documental conhecida sobre os Baniwa menciona sua aliança com os Caverre (um grupo Piapoco do Rio Guaviare), no início do século XVIII, contra expedições guerreiras karib envolvidas na obtenção de escravos para os espanhóis. Os Baniwa também são mencionados em fontes portuguesas da mesma época como tendo sido trazidos como escravos, provavelmente pelos Manao do Médio Rio Negro, do Alto Rio Negro ao Fortaleza da Barra. Há registros no Arquivo Público de Belém do Pará de que os Baniwa foram capturados em grande número entre os anos de 1740 e 1755, e enviados para Belém. É possível também que tenham absorvido refugiados de outros povos indígenas durante as guerras de captura de escravos na primeira metade do século XVIII.

Com a intensificação da colonização no Rio Negro, na segunda metade do século XVIII, doenças introduzidas pelos brancos começaram a espalhar a morte entre os Baniwa. Apesar da impossibilidade de se fazer estimativas, os registros mencionam várias epidemias graves de sarampo e varíola nas décadas de 1740 e 1780. O seu efeito, aliado à deterioração geral das condições de vida e ao abastecimento garantido de mercadorias pelos "brancos", convenceu muitos Baniwa a deixarem suas terras e irem para as cidades coloniais recém-fundadas no Baixo Rio Negro. Ali trabalhariam para os brancos na agricultura, no Serviço Real e na coleta de produtos da floresta. Quando não era possível persuadir os que ficaram em suas terras, os militares portugueses - às vezes aliados a outros povos aruak, como os Baré - recorriam à força. Há vários casos registrados de "descimentos" na década de 1780 com ataques armados a aldeias baniwa, aos quais os índios resistiam, o que lhes valeu a reputação de "belicosos".

A permanência dos índios nas cidades coloniais era, em geral, temporária, pois as vilas coloniais do final do século XVIII eram constantemente assoladas por doenças, sofriam grandes perdas demográficas e freqüentes deserções por parte dos índios descidos das regiões dos altos rios. Os Baniwa estavam entre os que constantemente desertavam. Os que permaneceram nas vilas coloniais foram assimilados à população branca ou cabocla.

Ao final do século XVIII, as colônias portuguesas e espanholas atravessaram um período de desorganização que permitiu aos povos nativos recuperar-se parcialmente das perdas sofridas e se reorganizar. Dentre eles, estavam os Baniwa que retornaram às suas terras nesse momento e procuraram reconstruir sua sociedade. Mas não tiveram trégua: por volta de 1830, os comerciantes brancos voltaram ao Alto Rio Negro. Muitos eram caboclos que viveram durante longos períodos nas aldeias indígenas e eram aliados úteis dos militares dos fortes de São Gabriel e Marabitanas, no Alto Rio Negro, na arregimentação de mão-de-obra indígena para o Serviço Real, indústria e extração de produtos da floresta ou serviços domésticos nas casas das famílias da elite de Manaus. O que os militares precisassem os comerciantes faziam em troca da proteção ao seu negócio. Houve também vários casos registrados de militares que tinham seu próprio comércio ou se tornaram comerciantes ao deixar o Exército. O naturalista Alfred Russell Wallace, que visitou a região na metade do século, menciona casos de ex-soldados que se tornaram comerciantes no Içana e continuaram recebendo auxílio e proteção do comandante de Marabitanas em troca de forçar índios Baniwa a trabalhar para eles na coleta de salsaparilha. Os Baniwa foram muito prejudicados por esse sistema, embora sempre que possível se mantivessem longe dos brancos.

A crescente resistência à dominação branca entre os índios do Alto Rio Negro culminou numa série de movimentos messiânicos entre os Baniwa, Tukano e Warekena, desencadeados a partir de 1857. Surgiram as figuras dos profetas baniwa, que instituíram uma nova forma de organização religiosa chamada "o canto da cruz", ou "a religião da cruz", que perdurou até o início do século XX e cuja memória ainda se mantém viva em certas partes da região. O sistema simbólico acionado neste e em outros movimentos posteriores consistiram em um entrelaçamento intencional de determinados símbolos cristãos com os temas e preocupações subjacentes da religião baniwa: a cruz e o açoite como símbolos de sofrimento ritual; as festas dos dias-de-santo e as danças sagradas do herói cultural, Kuwai, como símbolos de purificação; e as figuras de Cristo Salvador e Nhiãperikuli/Kuwai/pajé poderoso como símbolos de salvação e imortalidade.

O primeiro movimento messiânico foi liderado por Venancio Anizetto Kamiko, um Baniwa da fratria Dzauinai, do alto Guainía, o mais famoso entre todos os profetas desde meados do século XIX até sua morte em 1903. Segundo as fontes escritas, ele realizava grandes cerimônias entre as comunidades do Içana em que ele pregava, na presença de uma cruz. Sofria de catalepsia e, durante os ataques da doença, dizia que ele morria, viajava ao céu, onde comunicava com Deus, que lhe deu ordens de perdoar as dívidas dos índios aos comerciantes brancos. Atraiu um grande contingente de seguidores que acreditava em seus poderes e que ele era emissário de Deus. Logo, chegou a um momento em que ele profetizava a destruição do mundo por um grande incêndio do qual seriam salvos somente os Baniwa do Içana que dançavam em rodas, dia e noite, cantando a música dos ritos de iniciação. Segundo as fontes orais que os Baniwa e outros povos do Alto Rio Negro contam até hoje, Kamiko pregava a observância rigorosa do jejum, rezas cerimoniais e a total evitação de relações sociais e econômicas com os brancos (militares), como meios de se obter a salvação no paraíso prometido. As narrativas contam que ele pregava também contra a bruxaria e feitiçaria nas comunidades Baniwa, pois ele procurava instalar uma nova ordem moral entre os seus seguidores.

Outros líderes proféticos, discípulos do Kamiko - como Alexandre, que atuava mais no rio Uaupés -, pregavam a inversão da ordem sócio-econômica existente, após a qual os brancos serviriam aos índios em compensação para o tempo em que os índios ficavam dominados pelos brancos. Todas as narrativas orais relativas a esse tempo deixam claro que os messias colocavam seu poder e conhecimento contra a repressão dos brancos e que a chave para a sua sobrevivência estava na autonomia em relação à influência devastadora do contato. Mas com a repressão militar a esses movimentos, os messias e seus seguidores não tiveram outra escolha senão refugiar-se em áreas inacessíveis. Em seguida, muitos Baniwa se recusaram a obedecer às ordens dos militares para retornar aos assentamentos ribeirinhos; embora outros obedeceram com relutância. Os messias continuaram, no entanto, gozando de grande influência por toda a segunda metade do século XIX e durante as primeiras décadas do XX, fazendo suas curas e aconselhando os índios que vinham visitá-los de todos os cantos da região.

Na década de 1870, o boom da borracha havia atingido o Alto Rio Negro. Os patrões locais que trabalhavam para grandes empresas de exportação de borracha, tais como J.G. Araújo de Manaus, tomaram o controle de terras e recursos naturais de vastas áreas da região, explorando-as com seus exércitos de seringueiros. O Içana e seus afluentes ficaram sob o controle de um comerciante espanhol, Dom Germano Garrido y Otero, seus irmãos e seus filhos, que controlaram a região por mais de 50 anos. Garrido instalou uma espécie de sistema feudal, aparentemente com centenas de Baniwa a seu serviço. Colocou seus filhos e colaboradores como "Delegados dos Índios" em aldeias estratégicas, manipulou relações sociais de compadrio e casamento com os índios, manteve um abastecimento regular de mercadorias, controlou o comércio no Içana e submeteu ao endividamento um número de índios suficiente para servir de exemplo.

Os Baniwa se lembram de Garrido como o patrão mais poderoso de seu tempo, e também do terror e da perseguição dos militares do Forte de Cucuí que, na virada do século, caçavam os índios do Içana e Uaupés para servir de armadores, invadiam malocas, roubavam produtos comerciais dos índios, enganavam trabalhadores indígenas e também faziam contrabando. À semelhança dos seringueiros colombianos no Uaupés dessa época, os militares eram temidos, como comprovam os registros de aldeias inteiras buscando refúgio em áreas inacessíveis ou fugindo logo que viam surgir um branco. Embora a criação de missões salesianas, a partir de 1914, e de postos do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), a partir de 1919, tenha ajudado a controlar a situação, parece ter tido efeitos mínimos no Içana, pelo menos, no início. O regime extrativista continuava em operação, intensificando-se durante a Segunda Guerra Mundial.

As narrativas baniwa sobre essa época são repletas da violência, fugas e terror que marcavam as suas vidas. No entanto, nos anos 20 e 30, surgiu um outro profeta chamado Uétsu do sib Adzanene, no Alto Guaínia, filho de Kamiko, que novamente fizera campanha contra a bruxaria entre as comunidades Baniwa para restabelecer a ordem moral e a felicidade. Conta a história que Uétsu teve poderes iguais ao pai, liderando um grande movimento, realizando festas e consolidando um grupo de discípulos que o considerava como "rei". Comunicava-se com as almas dos mortos e com Deus, que lhe avisou de eventos que iam acontecer. Foi morto pelos seus inimigos; no entanto, os descendentes dos seus discípulos continuam até hoje visitando o seu túmulo para lhe pedir proteção.

Logo após a morte de Uétsu, apareceu entre os Baniwa, no final da década de 1940, Sophie Müller, uma missionária fundamentalista norte-americana da Missão Novas Tribos, pregando o protestantismo evangélico e, desse modo, reativando as esperanças milenárias entre os índios. Ela iniciou a sua evangelização entre os Kuripako na Colômbia, estendendo esse trabalho entre os Baniwa do Içana em 1949 e 1950. Pelo menos no início, a conversão dos Baniwa ao evangelismo tinha todos os sinais de uma continuação do movimento iniciado por Uétsu. Muitos Baniwa consideravam Müller como um messias, vinham de todos os lados para ouvir a sua pregação e se converter à nova fé. Em alguns aspectos, a sua missão lidava com o mesmo problema interno que lidavam os profetas: o da bruxaria, que ela identificou em inúmeros lugares. A solução que ela pregava, porém, era o abandono total da pajelança, das festas de caxiri e toda a sabedoria dos antepassados para adotar o novo modo de vida de "crente". A maior parte da população acreditava em sua mensagem milenarista, e que ela era uma emissária de Deus que vinha para anunciar "o fim do mundo".

Na mesma época em que Müller andava no Içana, padres salesianos começaram a abrir uma missão no baixo Içana, num confronto direto com o avanço do evangelismo protestante na região, criando uma situação de conflito aberto entre os seguidores da Sophie e os dos Padres. Müller foi forçada pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) a sair do país em 1953; no entanto, ela manteve contato com os Baniwa do Içana, através de seus pastores e outros missionários da Missão Novas Tribos, até a sua morte no início dos anos 90. Num total, ela trabalhou mais de 40 anos entre os Kuripako do Guaínia, foi responsável pela tradução do Novo Testamento em três dialetos Baniwa, pela formação de dezenas de pastores, assim como a construção de inúmeras igrejas nas comunidades Kuripako e Baniwa. Até hoje, a população Baniwa mantém a divisão entre crentes e católicos, que corresponde aproximadamente às comunidades Walipere-dakenai e seus cunhados dos rios Içana, Cuiary e Aiary (os crentes); e os Hohodene e Dzauinai no Aiary e Baixo Içana (os católicos). Porém, a afiliação a essas duas religiões, ou a nenhuma delas, é fluida em muitas comunidades.

Durante as duas últimas décadas, os Baniwa enfrentaram uma nova onda de penetração "branca", a serviço da política de segurança nacional do Estado ou dos interesses de companhias mineradoras. A partir dos anos 1970, quando foi anunciada a construção da rodovia Perimetral Norte que atravessaria suas terras, seguida pela construção de pistas de pouso e, desde 1986, da implantação do Projeto Calha Norte, a área recebeu freqüentes visitas de comissões do alto escalão do governo federal. Agravando a situação, desde o início da década de 1980, garimpeiros e, em seguida, companhias mineradoras, protegidos pela Polícia Federal, invadiram o território baniwa, trazendo a destruição ambiental e vários casos de violência.

Diante dessas invasões, os Baniwa inicialmente reafirmaram sua postura histórica de autonomia com relação aos brancos. Os capitães das comunidades baniwa reivindicaram o controle sobre seus recursos minerais e se colocaram contra a presença de mineradores brancos em suas terras. A pressão constante exercida pelas empresas, apoiadas pela repressão da Polícia Federal, acabou gerando graves divisões internas: algumas comunidades ficaram a favor da entrada das empresas, outras não. Ao mesmo tempo, o Projeto Calha Norte ameaçou diminuir drasticamente o território não só dos Baniwa mas de todos os índios do Alto Rio Negro. Nessas circunstâncias, vários líderes surgiram para organizar melhor a resistência. A participação ativa desses líderes na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), fundada em 1987, e na política partidária, e a criação de diversas associações locais de comunidades baniwa - tais como a Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), a Organização das Comunidades Indígenas do Rio Aiary (ACIRA), entre outras - representam uma nova configuração de articulações políticas que vêm definindo as demandas concretas e específicas destas comunidades.

Para saber a respeito do processo de demarcação das TIs e da criação da Foirn, ver o item Terras e organizações indígenas do verbete Etnias do Rio Negro

 Organização social e política

A sociedade baniwa hoje se subdivide em várias fratrias ou conjuntos de sibs - como os Hohodene, os Walipere-dakenai e os Dzauinai - tradicionalmente localizadas em determinados trechos dos rios da região. As fratrias são exogâmicas (ou seja, seus membros não podem casar-se entre si) e, no passado, há evidência de que foram organizadas em grupos lingüísticos correspondendo a dialetos da língua baniwa - tais como os coripaco, karom e outros -, semelhante ao que ocorre em algumas áreas dos povos tukanoanos. Mas hoje, devido a deslocamentos e migrações históricas, provavelmente os únicos grupos lingüísticos que continuam a manter a sua identidade são os Coripaco da Colômbia, cujo nome se refere a um dialeto (Kuri- = negativo; -pako = eles falam) e os Wakuenai (Waku- = nossa fala; -enai = coletivo; ou "Os da Nossa Língua").

Segundo a tradição da fratria dos Hohodene, eles são o sib de maior rank de um agrupamento de cinco sibs - os Maulieni, os Mulé dakenai, os Hohodene, os Adzanene, e os "irmãos menores dos Adzanene" (Alidali dakenai), cujos ancestrais '"nasceram" ao mesmo tempo na época da criação. É marcante nessa fratria seu sentimento de identidade baseada em lugares de emergência mítica e território comum. Há evidência, no mito de criação dessa fratria, de que existe uma relação hierárquica associada a papéis cerimoniais entre os sibs: o primeiro sib a "nascer" foram os Maulieni, os avós dos Hohodene, que são o sib "maaku", ou servos, que limpavam o terreno onde iam nascer os outros sibs; o segundo sib a nascer foram os Mulé-dakenai, os irmãos maiores dos Hohodene e o sib de chefes, que arrumavam os banquinhos para todo mundo sentar na sala cerimonial; o terceiro grupo a nascer quando o sol estava a pino, foi os Hohodene, os "filhos do Sol", grupo guerreiro, e o grupo mais alto na hierarquia pois nasceram no meio; depois, os Adzanene e seus irmãos menores.

Cada fratria consiste de pelo menos quatro ou cinco patri-sibs ordenados conforme a emergência dum grupo de irmãos ancestrais míticos, de mais velho a mais novo. Em alguns casos, o nome da fratria é o mesmo do sib considerado mais alto na hierarquia de irmãos. Por exemplo, os sibs Tuke-dakenai, Kutherueni, e outros pertencem à fratria dos Walipere-dakenai, o sib-irmão mais velho na hierarquia; e os Kathapolitana são um sib-irmão mais novo que pertencem à fratria dos Dzauinai, o sib-irmão mais velho na hierarquia. Os Baniwa traçam descendência pela linha paterna. O núcleo das comunidades locais consiste no grupo de irmãos descendentes da família fundadora, com as suas famílias. Os laços entre irmãos, tal como nos níveis das fratrias e sibs, formam a base dum sistema de ordem hierárquica de acordo com a idade relativa. O significado da ordem, porém, está sujeito a variações locais na prática.

As regras de casamento entre os Baniwa prescrevem a exogamia frátrica e expressam uma preferência para casamento com os primos cruzados patrilaterais. A troca direta de irmãs freqüentemente ocorre entre linhagens e sibs de afins preferidos e, em alguns casos, mostra-se uma preferência para casamentos entre pessoas de sibs pertencentes a fratrias diferentes mas da mesma posição na hierarquia. Os casamentos geralmente são monógamos (embora existam casos de poligamia) e arranjados pelos pais do noivo e noiva.

A virilocalidade é o padrão de residência predominante; porém, a regra de serviço do noivo freqüentemente produz situações de uxorilocalidade temporária ou permanente. As comunidades, portanto, podem incluir afins e até evoluir em comunidades multi-frátricas ou multi-sibs, ou ainda, em casos de antigos parceiros de troca, em metades. A intolerância dos missionários evangélicos tem modificado consideravelmente os padrões de residência e o casamento entre primos cruzados, contribuindo assim à uxorilocalidade permanente.

Tradicionalmente, o grupo de irmãos descendentes da família fundadora constitui o nível político mais importante da comunidade. O chefe de uma comunidade local era o irmão mais velho do grupo de irmãos da família fundadora. No entanto, há tantas exceções a esta regra atualmente que não está claro se ela ainda permanece. As histórias orais indicam a existência de grandes líderes de guerra no passado, mas a guerra foi abandonada pela maioria das fratrias no final do século XIX.

Os líderes das comunidades, ou capitães, variam em seu exercício de autoridade, mas todos devem ter a aprovação da comunidade - principalmente o grupo dos velhos - em qualquer decisão, e a expectativa é que os capitães ajam como intermediários em assuntos internos e como interlocutores em relações com estranhos. Além disso, eles organizam trabalhos conjuntos, presidem reuniões e atividades religiosas, distribuem a produção comunitária, e reforçam os padrões de comportamento comunitário. Caso um capitão não cumpra as suas obrigações, os velhos da comunidade decidem por consenso a sua substituição. Nas comunidades evangélicas, a estrutura de autoridade religiosa se sobrepõe à hierarquia tradicional dos velhos, podendo até reforçá-la. Com a criação de novas associações políticas desde a década de 1990, tem surgido vários jovens líderes vinculados ao movimento indígena regional. Estes jovens líderes, porém, permanecem sob o controle e a censura da autoridade política tradicional de suas comunidades.

 Ecologia e subsistência

As duas atividades básicas de subsistência dos Baniwa são a agricultura e a pesca, que são de importância econômica e cultural complementar e igual. A intimidade dos Baniwa com as matas é grande. Todo homem saberá dizer onde se encontram as melhores terras para a colocação de roças, onde procurar frutas e onde buscar a caça. Na área dos Walipere-dakenai há muitas porções de terra firme e por isso não lhes falta espaço para abertura de novas roças. No entanto, não possuem igapós em suas terras, ao contrário de seus cunhados Dzauinai que vivem Içana abaixo, numa região com muitos lagos. Os Dzauinai da comunidade de Juivitera, por outro lado, não tinham terra firme para plantar e atualmente dispõem apenas de uma pequena ilha situada bem no meio do grande igapó existente no médio Içana. Contam que esta ilha foi "feita" pelos Walipere-dakenai, que lhes trouxeram terra em muitas viagens de canoa. Nessa época, as mulheres Walipere-dakenai que se casavam com os Dzauinai padeciam por não terem mandioca para fazer beiju suficiente, e foi por este motivo que eles resolveram fazer um lugar para que seus cunhados pudessem colocar melhores roçados.

Próximos aos antigos locais de moradia, os Baniwa apontam também a existência de manchas de terra preta que, quando possível, são aproveitadas para roças por sua boa produção. Há também as velhas capoeiras, de onde se retira uma grande quantidade de remédios. Além das grandes divisões ecológicas - terra firme (não inundável), campinarana (floresta arbustiva com folhas duras e rijas, em solos arenosos) e igapó (floresta inundada durante a maior parte do ano) - os Baniwa demonstram um conhecimento mais fino e detalhado das diferenças nas matas de sua área. Isto está patente, por exemplo, nas narrativas de origem dos vários grupos baniwa. Numa versão dessas histórias, conta-se que quando o criador Nhiãperikuli foi retirando o casal ancestral de cada um dos grupos (Walipere-dakenai, Hohodene, Dzauinai, Adzanene etc.) do buraco da cachoeira de Uapui, no rio Aiari, cada um deles foi viver em um local determinado, no centro do mato, onde há patauazal.

De fato, as formas como os Baniwa percebem seu ambiente não só contêm as macrodivisões apontadas acima com base em estudos de ecologia, como também promovem um refinamento no interior dessas categorias. Estas unidades "científicas" recebem nomes específicos na língua baniwa: hamariene (campinarana), édzaua (terra firme) e arapê (igapó), embora não designem especificamente o tipo de vegetação ou o tipo de solo, pois se referem mais precisamente a uma paisagem, com um tipo de vegetação e um tipo de solo associados. Por exemplo, o termo hamariene designa um ambiente "claro", uma característica marcante das formações de campinarana, pois a mata é mais aberta se comparada à terra firme.

Além disso, há termos na língua baniwa para designar tipos de vegetação específicos, que se referem a uma gama enorme de variações identificadas do interior das categorias acima apontadas. Trata-se de um sistema de classificação baseado na percepção da dominância de diferentes espécies em porções específicas da mata. Por exemplo: o termo punamarimã é decomposto em punama (= patauá) e rimã (= concentração), podendo ser traduzido por "área de patauá", ou mesmo "patauazal". Segundo os Baniwa, o punamarimã consiste em um tipo de vegetação específico que ocorre no interior da mata de campinarana, ou seja, a presença de uma espécie dominante indica, nesse sistema, uma sub-unidade tipológica específica. Este recurso classificatório é empregado de modo generalizado, de maneira que todas as diferentes porções de suas matas, na terra firme, na campinarana ou no igapó, recebem nomes específicos.

Os Baniwa consideram os solos da floresta de terra firme conforme um gradiente de cores que varia de amarelo a preto. A terra preta ocorre em vários pontos de seu território, como é o caso do tipo mukulirimã, que é uma das melhores terras, propícia inclusive para cultivos de milho. Consideram justamente a coloração escura e a textura grossa para a escolha do local onde abrir um roçado. Um outro critério empregado por seus antepassados seria o de degustar a terra: quanto mais azeda mais imprópria à roça, quanto mais saborosa (comparando com o sabor de castanha) mais apropriada. Quanto à campinarana, apontam que em geral o solo é arenoso, à exceção dos tipos uaparimada, mapuruti e kuiaperimã que são sensivelmente mais escuros, prestando-se à abertura de pequenos roçados.

Embora a pesca seja uma atividade realizada o ano inteiro, é na estação seca do verão que acontecem as grandes expedições de pesca nas lagoas do Médio Içana. Os Baniwa conhecem muitas técnicas de pesca incluindo o uso de armadilhas e redes, iscas, arcos e flechas, facões e lanças e o timbó. Tanto a pesca quanto a agricultura são atividades sincronizadas com uma variedade de indicadores ambientais e calendários míticos e, antigamente, eram vinculadas a uma série de rituais importantes.

Provavelmente são as atividades comerciais e extrativas que mais têm contribuído a modificar os seus padrões de subsistência. Desde cedo na história de contato, os Baniwa têm participado numa série de atividades extrativas tais como a piaçava, borracha, sorva, castanha, minerais. Já que a distribuição desses recursos é desigual, a migração sazonal de mão-de-obra se tornou um padrão comum. As atividades comerciais incluem a produção de artesanato (cestos, raladores de mandioca, redes, acangataras) e mandioca para vender aos comerciantes, ou nos mercados urbanos. Os Baniwa são excelentes artesãos. São os únicos fabricantes dos raladores de mandioca feitos de madeira e pontas de quartzo, que são distribuídos em toda a região, por meio das trocas interétnicas e dos comerciantes. Atualmente, são os principais produtores de urutus e balaios para venda, tecendo as peças nos mais diferentes tamanhos, tipos de desenho e coloração.

Para conhecer mais a respeito dessa atividade, acesse o site Arte Baniwa.

 Cosmologia

Na cosmologia baniwa, o universo é composto por múltiplas camadas, associadas a várias divindades, espíritos, e "outra gente". De acordo com o desenho de um pajé Hohodene (ver figura ao lado), o cosmos é basicamente composto por quatro níveis: Wapinakwa ("o lugar de nossos ossos"), Hekwapi ("este mundo"), Apakwa Hekwapi ("o outro mundo") e Apakwa Eenu ("o outro céu").

Um outro pajé elaborou um esquema mais complexo ainda, consistindo de 25 camadas: 12 de baixo da terra, e 12 acima. Cada uma das camadas debaixo da terra é habitada por "gente" com características distintas (gente pintada todo de vermelho, gente com boca larga etc.). Acima da camada do nosso mundo são os lugares de diversos espíritos e divindades relacionados aos pajés: espíritos-pássaros que ajudam o pajé em sua procura de almas perdidas; o Senhor das Doenças, Kuwai, que o pajé procura para curar as doenças mais graves; os pajés primordiais e Dzulíferi, o Senhor de pariká e tabaco; e finalmente, o lugar do Criador e Transformador Nhiãperikuli, ou 'Dio' que é um paraíso, a fonte de todos os remédios, onde mora também o gavião real, Kamathawa, o querido de Nhiáperikuli.
Cosmologia Baniwá

A cosmogonia baniwa (isto é, o tempo do começo do mundo) é composta por um conjunto complexo de mais de 20 mitos protagonizados por Nhiãperikuli, iniciando com o seu aparecimento no mundo primordial e terminando com sua criação dos primeiros antepassados das fratrias baniwa e seu afastamento do mundo. Mais do que qualquer outra figura do panteão baniwa, Nhiãperikuli foi responsável pela forma e essência do mundo, razão pela qual pode ser considerado o Ser Supremo da religião baniwa.

O nome de Nhiãperikuli significa "Ele dentro do osso", referindo-se à sua origem. Resumindo a história, no começo do mundo, tribos de animais selvagens andavam devorando pessoas. Um dia o chefe dos animais pegou um osso do dedo de uma dessas pessoas devoradas e o jogou rio abaixo. Uma velha estava chorando pela perda de seus parentes; então o chefe mandou-lhe buscar o osso no rio. Tinha três pequenos camarões dentro, que ela catou e levou para casa. Lá eles se transformaram em grilos. Ela deu-lhes comida e eles começaram a cantar e crescer. Depois ela os levou para a roça e deu-lhes novamente comida.

Eles continuaram se transformando, crescendo e cantando, até que apareceram como gente: três irmãos chamados Nhiãperikunai ("Eles dentro do osso"). A velhinha os advertiu para que ficassem quietos, mas eles começaram a transformar tudo e assim eles fizeram o mundo. Quando terminaram, voltaram para se vingar dos animais que mataram seus parentes. A história conta então uma série de atos de vingança em que os heróis acabaram restabelecendo a ordem no mundo. Entretanto, depois de um tempo, o chefe dos animais - querendo matar os três irmãos - fez uma roça nova e chamou os irmãos para queimá-la. Enquanto eles iam para o centro da roça, o chefe tocou fogo nas bordas. Mas os irmãos fizeram um pequeno buraco numa árvore de ambaúba, entraram e o tamparam. Quando o fogo (descrito no mito como uma conflagração que queimou o mundo inteiro) se aproximou, a ambaúba estourou e os três irmãos saíram voando, salvos das chamas e imortais. Desceram no rio, sopraram sobre o chefe dos animais, e lá tomaram banho.

Neste resumo, percebe-se que a situação do começo é de caos e catástrofe e, na mitologia baniwa, há outras situações semelhantemente catastróficas, que também representam um prelúdio para uma nova ordem, quando as forças caóticas seriam dominadas. Aqui, o osso é o veículo simbólico dos seres que recriaram a ordem neste novo mundo. Porém, a destruição catastrófica do mundo ainda permanece como possibilidade efetiva. Quando o mundo estiver infestado por um mal insuportável - como é representado nos mitos - as condições serão então suficientes para a destruição e a renovação.

O segundo grande ciclo na história do cosmos diz respeito aos mitos de Kuwai, que têm importância central na cultura baniwa, explicando pelo menos quatro questões maiores sobre a natureza do mundo: como a ordem e os modos de vida dos antepassados são reproduzidos para todas as gerações futuras; como as crianças devem ser instruídas sobre a natureza do mundo; como as doenças e o infortúnio entraram no mundo; e qual a natureza da relação entre seres humanos, espíritos e animais, que é a herança do mundo primordial.

O mito contra a vida de Kuwai, a criança de Nhiãperikuli e Amaru, a primeira mulher e tia de Nhiãperikuli. Kuwai é um ser extraordinário, cujo corpo é cheio de buracos, consiste de todos os elementos do mundo, e cujos zumbidos e cantos produziram todas as espécies animais. O seu nascimento coloca em movimento um processo rápido de crescimento, em que o mundo em miniatura e caótico de Nhiãperikuli se abre até o tamanho do mundo na vida real.

Kuwai ensina à humanidade os primeiros ritos de iniciação. Durante o período de reclusão dos meninos, porém, ele transforma em monstro e devora três iniciandos que havia quebrado o jejum, comendo nozes de uacú assado. No final do ritual, porém, Nhiãperikuli mata Kuwai, empurrando-o dentro de um enorme fogaréu, um inferno que queima a terra, reduzindo o mundo novamente em seu tamanho miniatura. Das cinzas de Kuwai nascem os materiais vegetais com os quais Nhiãperikuli fez as primeiras flautas e trombetas sagradas que seriam tocadas nos ritos de iniciação e cerimônias sagradas por todos os Walimanai. Amaru e as mulheres, então, roubam esses instrumentos do Nhiãperikuli, provocando uma longa caçada em que o mundo se abre pela segunda vez, enquanto as mulheres, fugindo do Nhiãperikuli, tocam os instrumentos pelo mundo inteiro. Após uma guerra contra as mulheres, os homens recuperam os instrumentos e, com eles, Nhiãperikuli procura os primeiros antepassados da humanidade.

Dessa maneira, o mito de Kuwai marca a transição entre o mundo primordial de Nhiãperikuli e um passado humano mais recente, que é trazido diretamente para a experiência das pessoas vivas nos rituais. Por isso, os pajés dizem que Kuwai é tanto deste mundo atual quanto do antigo, e que ele vive no "centro do mundo". Para os pajés, ele é o "Senhor das Doenças" e é quem mais procuram em suas curas, pois seu corpo consiste em todas as doenças - inclusive veneno, que é a 'causa' mais freqüente da morte das pessoas até hoje - cujas formas materiais ele deixou nesse mundo na grande conflagração que marcou sua "morte" e afastamento. Dizem os pajés que Kuwai tem cabelo no seu corpo inteiro como a preguiça preta wamu. Kuwai enreda a alma dos doentes, abraçando-as (como a preguiça), e sufocando-as caso nenhuma ação seja tomada; mas ele também permite que o pajé recupere e devolva as almas aos seus donos.

Uma decorrência fundamental da cosmogonia baniwa é que o mundo está permanentemente manchado pelo mal, pela doença e pelo infortúnio. Os pajés o chamam de maatchíkwe, lugar do mal; kaiwikwe, lugar de dor; ekúkwe lugar podre devido a tantos mortos apodrecendo debaixo da terra. Em contraste, os outros mundos do cosmos - principalmente o de Nhiãperikuli - são considerados lugares belos, sem doença, sem maldade, eternamente novo. Mas, como uma pessoa doente, este mundo de humanos precisa constantemente ser livrado do mal, da bruxaria e feitiçaria que as pessoas praticam e que levam a morte e sofrimento. Esse é o papel do pajé que são os "guardiões do Cosmos", e os rezadores que benzem o mundo nos rituais de iniciação, fazendo-o seguro para as novas gerações.

 Vida religiosa

A vida religiosa baseia-se tradicionalmente nos grandes ciclos mitológicos e rituais relacionados aos primeiros ancestrais e simbolizados pelas flautas e trombetas sagradas, na importância central do xamanismo (pajés e rezadores, ou donos-de-canto) e em uma rica variedade de rituais de dança, chamados pudali, associados aos ciclos sazonais e ao amadurecimento de frutas.

Os rituais de iniciação tradicionalmente são celebrados na época das primeiras chuvas e amadurecimento de certas frutas, quando se tem uma turma de meninos de dez a treze anos, prontos para receber os ensinamentos sobre a natureza do mundo. É absolutamente proibido para as mulheres e os não-iniciados verem as flautas e trombetas sagradas, sob pena de morte.

O ritual tem três fases: na primeira, chamada wakapethakan, ou "nós açoitamos", o dono do ritual (o responsável pela organização de todo o trabalho e o dono da casa onde o ritual é realizado) manda os homens buscarem frutas no mato e as mulheres fazerem caxiri. Quando tudo esá pronto, no dia marcado, os homens descem para o porto onde estão escondidos as flautas e trombetas sagradas, se pintam de preto e se preparavam para a chamada. Um velho, o benzedor do ritual, fica junto com os meninos, com os olhos tapados, na porta da casa do ritual e, com um bastão na mão, chama os antepassados do sib três vezes.

Na terceira vez, os homens com os instrumentos de Kuwai sobem do porto e fazem uma procissão na praça, parando em frente da casa, onde deixam os instrumentos no chão. O velho tira o pano que tapa os olhos dos meninos e os mostra os instrumentos, explicando o seu significado, as proibições de falar sobre eles, e como eles vão ficar em reclusão por um mês (hoje, umas duas semanas), até estarem prontos para sair da casa do ritual. A partir daí, os meninos ficam em reclusão, jejuando com frutas do mato, aprendendo as histórias sagradas, e - o mais importante - fazendo todo tipo de cesto.

No final do período, o dono do ritual convoca o velho e dois companheiros a realizar o ritual mais importante - o benzimento da pimenta, chamado Kalidzamai. Por uma noite inteira, os velhos entoam um cântico, enquanto os homens tocam os instrumentos e tomam caxiri, recriando - no seu pensamento - as viagens de Amaru pelo mundo inteiro com os instrumentos enquanto Nhiãperikuli e os homens a perseguiam. Nesse cântico, os velhos benzem a pimenta e o sal, que depois são servidos para os iniciandos com um pedaço de beijú. Terminado o benzimento, ao raiar o sol, os velhos entregam a pimenta benzida para o dono do ritual e ele convoca os meninos a ficar, um por um, em frente dos velhos benzedores para ouvir os conselhos deles de como viver no mundo depois de terminada a sua iniciação. Depois de dar os conselhos, o velho levanta o açoite e surra três vezes o peito do iniciando.

Terminado a fase de reclusão, começa a etapa de saída da casa, wamathuitakaruina, ou seja, a fase de reintegração na vida como adultos. Os iniciandos são pintados pelas suas mães de vermelho, e ornamentados com cocares e penas de garça. Com as peneiras de mandioca que eles fizeram durante a reclusão nas mãos, eles fazem uma fila e, ao sinal, saem da casa enquanto os homens cantam. Saem e entram três vezes e, na última vez, cada um apresenta a sua peneira para uma menina, escolhida para o ritual de saída, chamada kamarara, "como se fosse uma esposa". Nesse momento o ritual termina, em meio a muita alegria e festa, com a nova geração de adultos que a sociedade produziu.

Os rituais de iniciação para meninas, por sua vez, acontecem logo após a sua primeira menstruação. A organização do ritual é parecida com a dos meninos; as meninas, porém, geralmente são iniciadas individualmente, quando seus cabelos são cortados bem curtos - "como meninos" -, e não lhe são mostrados os instrumentos sagrados. Durante o período da reclusão, a moça aprende a fazer os ralos de mandioca (isto é, de fixar os pedaços de quartzo em desenhos geométricos na tábua já cortada pelos homens), vários tipos de cerâmica (pratos pintados especialmente), os instrumentos de fazer beiju (espanadores); alem de tudo sobre como cuidar as roças, cozinhar etc. No final do benzimento da pimenta, a moça - ornamentada e pintada como os meninos - é instruída a ficar em pé dentro de um balaio de beiju, enquanto um outro balaio ornamentado com penas de garça é colocado invertido sobre sua cabeça, simbolizando o seu status de fazedora de beiju, o pão do dia-a-dia da comunidade. Ela recebe a pimenta benzida, em seguida recebe da sua tia ou avô e do velho benzedor as instruções específicas para meninas, e depois leva surra três vezes como os meninos.

Outro importante ritual praticado tradicionalmente pelos índios da região é o pudali (dabukuri em língua geral), celebrados principalmente em épocas de amadurecimento de frutas, mas também em outras ocasiões como a piracema, a época de desova dos peixes que subiram os rios em grandes quantidades. São ocasiões em que parentes e cunhados se juntam para beber caxiri (ou de mandioca ou de frutas como pupunha) e dançar. Nessas ocasiões alegres, quaisquer conflitos que existam entre cunhados, por exemplo, podem ser contornados.

Existe uma grande variedade de pudali: Mawakuápan, a dança com apitos mawaku, feitos de pedaços de cana de açucar; Wethiriápan, celebradas na época da fruta ingá; Heemápana, quando os participantes tomam caapi (Banisteriopsis sp) e dançam com maracás; Aaliapan, dança dos jaburus; Kapetheápan, dança com açoites, que é a festa de Kuwai, também chamada Kuwaiápan celebradas no início das chuvas; e Kuliriápan, a dança dos surubi- talvez a mais famosa dos pudali Baniwa, quando são fabricadas as flautas surubí em grande quantidade. As flautas são feitas de paxiúba, com cestaria em formato do peixe surubí, pintadas de marrom e branco, e ornamentadas com penas de garça. Ainda hoje, algumas comunidades do alto Aiary fazem essa flauta e realizam a dança. É a flauta e dança que mais distinguem os Baniwa de outros povos da região.

Além dessas danças, os Baniwa - pelo menos os do Aiary até o início do século XX - dançam com máscaras, chamadas hiwidaropathi, que representam diversos espíritos e animais. Koch-Grünberg fotografou essas danças entre as comunidades do alto Aiary no início do século, além de vários instrumentos (flautas) e ornamentos (acangataras, braceleiros, tornozeleiros), os quais já não se vê mais.

Em relação ao xamanismo, há duas categorias principais de xamãs: os donos-de-canto (malikai-iminali) e os pajés (maliiri). Os pajés podem ser cantadores e vice-versa, mas há diferenças na formação, curas e saberes que cada um domina. Os pajés "chupam" (extraem por sucção objetos patogênicos de seus pacientes), enquanto os donos-de-canto "sopram", ou, como eles dizem, "rezam" (cantam ou recitam fórmulas com tabaco sobre ervas e plantas medicinais a serem consumidas pelos pacientes). Somente os pajés usam maracás em seus cantos e danças e o pó sagrado pariká nas suas curas, o qual os leva a um estado de transe. Para os donos-de-cantos, o tabaco e uma cuia d´água são os instrumentos principais. Tanto os pajés como os donos-de-canto têm um extenso conhecimento das plantas medicinais utilizadas nas curas.

Grande parte do poder dos pajés fundamenta-se em seu conhecimento extenso e na compreensão da mitologia e cosmologia, assim como o conhecimento detalhado e sistemático das fontes múltiplas de doenças e suas curas. Através de seu papel de mediador entre os aflitos e os espíritos e divindades do panteão baniwa, os pajés curam, aconselham e orientam o povo, desempenhando assim um dos serviços mais vitais para a saúde e bem-estar contínuo da comunidade. Acredita-se que os pajés 'de verdade' podem se transformar em vários animais poderosos, notadamente o jaguar, e nas próprias divindades. Normalmente, os pajés realizam suas curas em grupos de três ou quatro, com um líder guiando os cantos e ações rituais.

Já os donos-de-canto se valem principalmente de cantos, acompanhados por sopros de tabaco sobre matéria médica (como plantas medicinais). Os velhos, principalmente, são os que cantam ou recitam essas fórmulas para várias tarefas: proteção contra doenças, cura e alívio da dor, ou então para chamar os animais de caça e peixe, para fazer as roças crescerem, entre outras atividades. Os velhos mais instruídos sabem também os cânticos especiais, chamados Kalidzamai, entoados durante os ritos de passagem (nascimento, iniciação e morte). Esses cânticos representam um saber altamente especializado e esotérico das dimensões horizontais e verticais do cosmos e das classes do ser. Essa é a atividade mais sagrada e poderosa de todas as conhecidas pelos donos-de cantos.

Nas décadas de 1950 e 60, graves conflitos religiosos eclodiram nas comunidades baniwa como resultado da evangelização dos protestantes e católicos, introduzindo uma dimensão de tensão antes inexistente entre os especialistas religiosos. As comunidades protestantes, sobretudo, praticamente perderam todos os seus pajés, junto com o culto de flautas e rezadores Kalidzamai. Somente os donos-de-canto menos importantes conseguiram continuar sua prática e conhecimentos sem perseguição. A intolerância dos protestantes provocou uma crise espiritual entre os donos-de-cantos, muitos dos quais alegaram que uma "doença" fez com que eles esquecessem sua arte. Alguns pastores mais radicais, aliás, fizeram campanha contra os pajés do Rio Aiary, o único lugar na área Baniwa onde a pajelança ainda é praticada. Hoje, a instituição está em franco declínio, com apenas meia-dúzia de pajés em todo o território Baniwa no Brasil.

Com a conversão ao evangelismo, todos os pudali foram proibidos pelos missionários e seus seguidores. Portanto, há toda uma geração hoje que nunca viu nem ouviu a música dos pudali. O grande transtorno provocado pela perda desses rituais é evidenciado pelos inúmeros conflitos entre os "crentes" e os "tradicionais" sobre a maneira em que os instrumentos ou foram queimados ou jogados no rio. Otabaco e caxiri, também proibidos, são duas coisas que, segundo os Baniwa, traziam alegria para a alma. Com a sua interdição, naturalmente os conflitos internos também aumentaram. Em seu lugar, os crentes introduziram as leituras do Evangelho, as cerimônias de Santa Ceia (mensal) e as Conferências (cada dois ou três meses), as quais, uma vez consolidadas, substituíram os pudali. Dessa maneira, hoje em dia, entre as comunidades crentes, essas cerimônias fornecem ocasiões de alegria e felicidade, quando - além dos ensinamentos da Biblia - há uma fartura de comida e jogos para todos.

 Nota sobre as fontes

A sociedade e a cultura baniwa permaneceram pouco conhecidas pelos pesquisadores até a virada do século XX, quando o etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg passou vários meses no Içana e no Aiari e deixou os primeiros registros etnográficos confiáveis até então. Antes disso, vários viajantes científicos, como Alexandre Rodrigues Ferreira nos anos de 1780, Johann Natterer na década de 1820, e Alfred Russell Wallace em 1852-3, deixaram as suas poucas anotações sobre os Baniwa, como também fizeram diversos clérigos e militares. A documentação extensa sobre os movimentos messiânicos da segunda metade do século XIX (encontrada no Arquivo Histórico Nacional no Rio de Janeiro, e no Instituto Histórico e Geográphico Brasileiro em Manaus), deixada por oficiais do governo, militares e padres é extremamente útil para a história e, até certo ponto, pode ser aproveitada por seu conteúdo etnográfico. Por outro lado, o valor dessa documentação é limitado pelos interesses de seus autores em controlar "distúrbios" nas fronteiras. Além disso, várias comissões oficiais, tais como a Primeira Comissão Demarcadora dos Limites, deixaram informações valiosas acerca da população (Auquivo em Belém). A etnografia informativa e sensível escrita pelo prefeito da vila venezuelana de Maroa, Martín Matos Arvelo (1912) se refere a uma outra etnia de nome Baniwa, distinta da tratada neste verbete.

Foi o trabalho pioneiro de Koch-Grünberg que iniciou a etnografia Baniwa. Desde então, em intervalos de quase 25 anos, etnógrafos têm trabalhado no Içana e em seus afluentes, produzindo os registros essenciais para o conhecimento da história recente dos Baniwa: Curt Nimuendajú em 1927, Eduardo Galvão em 1954, Adélia de Oliveira em 1971, Berta Ribeiro em 1977. Robin Wright tem se dedicado ao estudo dos Baniwa desde 1976, produzindo artigos e um livro sobre a religião, história, mitologia, guerra, xamanismo, movimentos proféticos e a conversão ao evangelismo.

A produção de Jonathan Hill sobre os Wakuenai da Venezuela inclui artigos sobre o intercâmbio social, a organização social, a religião, o intercâmbio cerimonial e um livro sobre os especialistas cantadores. Do lado colombiano, a tese de doutorado, publicada em 1994, e um artigo de Nicolas Journet oferecem análises da organização política, social e econômica, da guerra, e do intercâmbio cerimonial.

Finalmente temos um livro dos próprios indígenas, A Sabedoria dos Nossos Antepassados, que contém as histórias gravadas, pelo antropólogo Robin Wright, o qual trabalhou em 1976-77 entre os Hohodene e Walipere dakenai, duas fratrias baniwa que moram no rio Aiari. Nesta, o antropólogo fez a primeira versão baseada nas suas gravações; depois a discutiu detalhadamente com os narradores, esclarecendo pontos escuros, e elaborou a segunda versão, a qual foi revisada por diversas pessoas até chegar à versão final. Em 1996, a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Aiari (Acira) aprovou a produção do volume.

Além de elencar fontes de informações sobre a área cultural do Noroeste Amazônico, também apresentamos referências bibliográficas específicas sobre os seguintes povos da região, Baniwa e Kuripako

 Fontes de informação

Coripaco
CASTELLANOS, Juan M. (Ed.). Fepaite, nuestro territorio : Atlas Curripaco. Bogotá : Papawiya, Ñewiam, 1992. 60 p.
CHIAPPINO, Jean; ALES, Catherine (Eds.). Del microscopio a la maraca. Caracas : Ex Libris, 1997. 402 p.
FERNANDES, Carlos. O direito de crer. Eclesia, São Paulo : s.ed., v. 5, n. 54, p. 18-30, mai. 2000.
HILL, Jonathan D. “Músicalizando” o Outro : ironia ritual e resistência étnica Wakuénai. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (Orgs.). Pacificando o branco : cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo : Unesp, 2002. p. 347-74. 
JOURNET, Nicolas. Hommes et femmes dans la terminologie de parenté curripaco. Amerindia, Paris : A.E.A., n. 18, p. 40-74, 1993.
--------. Les jardins de paix : Etude des structures sociales chez les Curripaco du Haut Rio Negro. Paris : École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1988. 473p. (Tese de Doutorado)
--------. La paix des jardins : structures sociales des indiens curripaco du haut Rio Negro. Paris : Institut d’Ethnologie, 1995.
ORTIZ, Francisco (Ed.). Waaku Idana : cartilha para leer y escribir en Curripaco - Aja. Bogotá : Fundación Etnollano, 1993. 64 p.
PROFESSORES BANIWA E CORIPACO. Baniwa Coripako Iemakaa. São Paulo : ISA, 2002. 66 p.
ROJAS SABANA, Filintro Antônio. Ciencias naturales en la mitologia Curripaco. Bogotá : Fundación Etnollano, 1997. 266 p.
ROMERO, Manuel. La territorialidad para los Curripaco. Informes Antropológicos, Bogotá : Inst. Colombiano de Antropología, n. 6, p. 5-32, 1993.

Aweti

Toy Art Aweti

#____   NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
28AwetiAwytyza, Enumaniá, Anumaniá, AuetöAweti

UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
MT195Ipeax 2011


Os Aweti, falantes de uma língua tupi, vivem no centro da região do Alto Xingu, entre os grupos de língua aruak a oeste e sul, e entre os de língua karib a leste. Tradicionalmente, exerceram um importante papel entre os povos alto-xinguanos como intermediários na circulação de notícias ou bens e como anfitriões para os viajantes, mas a perda populacional catastrófica sofrida nas primeiras décadas do século XX, que quase resultou no seu desaparecimento como grupo, fez com que sua presença na área se tornasse menos visível. Certamente, os Aweti constituem o povo menos conhecido do Alto Xingu, e o mesmo vale para sua língua. Com a recuperação populacional, no entanto, os Aweti retomam muito da vida cultural tradicional e têm procurado marcar presença na atual sociedade alto-xinguana.

 Nome

O nome “Aweti” aplica-se originalmente a um dos grupos de fala tupi cuja fusão deu origem aos atuais Aweti. Um desses grupos, de língua semelhante, do qual descendem quase todos os Aweti atuais, conforme sua tradição oral, ,se chamava Enumaniá. Em sua língua, os Aweti se chamam de Awytyza. Talvez esse nome esteja relacionado com a palavra ayté, “homem”; o “-za” indica pluralidade. Os grupos vizinhos também usam nomes semelhantes, como Auyty ou Ahyty.

Nesse nome aparece duas vezes o “y”, uma vogal semelhante ao “i”, pronunciado com a boca quase fechada e os lábios não arredondados, mas com a língua mais para trás, como se fosse um “u”. Possivelmente, Karl von den Steinen - estudioso alemão que primeiro documentou hábitos e costumes de povos indígenas no Brasil Central, inclusive no Alto Xingu -, ao escutar este som, representou-o por um “e” átono e, na sílaba tônica, por “ö”, vogais que no alemão aproximam-se ao “y”.

Como resultado, os Aweti ficaram conhecidos na literatura por décadas como “Auetö”. Em português, adotou-se o “w” em vez do “u” e trocou-se o “ö”, que não existe nesta língua, pelo “i” — produzindo a forma hoje comumente utilizada: Aweti. Os membros do grupo utilizam-na como sobrenome individual quando adquirem a (carteira de) “identidade” formal na sociedade brasileira.
Samantha Aweti, ganahdora do concurso 'Garota indígena Paulista de 2015' em Baurú
- nasceu no Alto Xingu, mora em SP
Localização

Os Aweti habitam ainda hoje o local onde os encontrou von den Steinen no final do século XIX: a região vizinha aos remansos, canais e poços que formam o ribeirão Tuatuari, numa faixa de floresta alta que o separa do baixo Kurisevo, cerca de 20 km ao sul do Posto Leonardo (Apakwat, “toca da ariranha”, em aweti). Ocupam assim o coração da área do Alto Xingu, o que favoreceu a posição de intermediários nas relações de troca que parecem ter desempenhado no passado.
Território Aweti

Costumam deslocar sua(s) aldeia(s) a cada 15 a 30 anos, permanecendo sempre no interior de uma mesma área, em um diâmetro de uns poucos quilômetros (ainda que tenham chegado pelo menos uma vez a ocupar a margem esquerda do Tuatuarí, onde lembram particularmente de uma aldeia chamada Ajkulula). Porém, o acesso fluvial principal às aldeias sempre foi pelo porto Tsuepelu, no Kurisevo, já mencionado por von den Steinen e em uso até hoje. A maioria das aldeias antigas ainda lembradas ou visíveis encontra-se no caminho reto que liga Tsuepelu ao atual portinho de banho no Tuatuari.

A principal aldeia atual, Tazu’jytetam (“aldeia da pequena formiga de fogo”), localiza-se a cerca de 200 metros do Tuatuari, e a aproximadamente 7 km de Tsuepelu. Há caminhos por terra que a ligam com o Posto Leonardo ao norte, e com a aldeia Mehináku ao sul. Desde 2002, uma nova aldeia vem sendo criada, habitada por uma família extensa e seus associados, localizada também na margem direita do Tuatuari, cerca de 16 km ao norte da aldeia principal, já nas proximidades do Posto Leonardo.

Frequentemente, encontramos mapas em que a aldeia Aweti é localizada erroneamente, perto da fronteira sul do Parque do Xingu, mais ou menos na posição da aldeia atual dos Mehinaku. Esse erro se deu possivelmente na época em que os Mehinaku viviam perto do Posto Leonardo, ao norte dos Aweti.

 Língua

Os Aweti falam uma língua que pertence ao grande agrupamento lingüístico tupi, bem conhecido pelos europeus desde o século XVI, quando encontraram, particularmente, os Tupinambá na costa brasileira e os Guarani na região do atual Paraguai. Dessa forma, o primeiro pesquisador a penetrar o Alto Xingu, Karl von den Steinen, reconheceu sem dificuldades essa afiliação lingüística do aweti.

Como as primeiras informações referentes a essa língua restringiam-se a breves listas de palavras, coletadas pelos primeiros exploradores alemães, acreditou-se inicialmente que o aweti pertencia à família tupi-guarani (a principal família do tronco tupi), assim como o kamayurá, falado por seus vizinhos. No fim dos anos 60, porém, iniciou-se o estudo científico do aweti, e embora tenha sido interrompido na década seguinte, aprendeu-se o suficiente para reconsiderar sua classificação.

Apesar de muitas semelhanças, o aweti difere em vários aspectos cruciais das línguas tupi-guarani, por isso se considera atualmente que constitua uma família separada - pequena, com uma só língua (viva) - dentro do tronco tupi.

Semelhante ao sateré-mawé, é evidente que o aweti se aproxima muito mais das línguas tupi-guarani do que as demais famílias do mesmo tronco, mas as relações exatas no interior deste agrupamento “Mawetí-Guaraní" ainda têm que ser estabelecidas.

Um fato interessante do aweti é a variação existente entre a fala dos homens e a das mulheres. Usam-se, por exemplo, palavras diferentes para dizer “eu” – os homens dizem atít, e as mulheres, itó. Isso faz lembrar o caso do kokama, que se suspeita ser uma língua tupi adotada por um povo que originalmente falava uma outra língua. No caso do aweti, pode-se até especular algo semelhante – vale a pena lembrar que várias narrativas dos Aweti e grupos vizinhos os retratam como resultado de uma fusão de diferentes povos, entre os quais povos de língua semelhante à dos Kamayurá, que é tupi-guarani. Estaríamos, pois, diante de uma língua com uma base tupi (mas não tupi-guarani) que absorveu traços de línguas tupi-guarani — o que explicaria, em parte, sua proximidade com esta família? Pesquisas recentes apontam em uma outra direção, mas essas questões, bem como a influência das línguas aruak e karib, que pode ser resultado da convivência desse povo com os demais alto-xinguanos, requerem maior estudo.

Hoje, na aldeia principal, o aweti é a língua claramente dominante, sendo aprendido como língua principal pela quase totalidade das crianças. Isso mostra que o mero número de falantes pode ser menos significativo do que outros fatores que interferem na vitalidade de uma língua. Nesse caso, apesar da redução populacional traumática, sobretudo na primeira metade século XX, uma série de circunstâncias favoráveis podem ser apontadas, dentre elas a capacidade de manter sua própria aldeia e a unidade interna do grupo (que impediu maiores cisões), e a possibilidade de manter reduzido o número de intercasamentos com membros de outros grupos. Mesmo o relativo isolamento em que se mantiveram até recentemente, tanto perante a sociedade envolvente como no interior do complexo alto-xinguano, pode ter tido nesse sentido um papel positivo.

Desde 1998, vem se desenvolvendo um projeto de documentação da língua e aspectos da cultura aweti, que visa a construção de um acervo digital que inclui gravações em áudio e vídeo, com transcrições, traduções e anotações lingüísticas detalhadas. Isso vem sendo feito em colaboração com projetos semelhantes em andamento entre os Kuikuro e Trumai.

 População

Os Aweti somavam em 2006 cerca de 140 indivíduos, vivendo em duas aldeias de 85 e 55 pessoas respectivamente. Em 2011 a população Aweti soma 195 pessoas - esse número representa uma grande recuperação populacional diante da profunda crise demográfica que enfrentaram no século XX.

Não sabemos quantos eram ao chegar na região, nem exatamente quantos grupos diferentes contribuiram para a formação dos Aweti atuais. Só podemos especular que a aldeia aweti encontrava-se em condições semelhantes as demais aldeias alto-xinguanas, que tinham entre 150 e 300 habitantes por ocasião da visita dos primeiros exploradores, no fim do século XIX.

Como os demais xinguanos, os Aweti experimentaram, nas primeiras décadas do século XX, um agudo declínio populacional. O Cap. Vicente de Paulo Vasconcelos, que visitou sua aldeia em 1924, já os encontrou reduzidos a cerca de 80 pessoas. Os antropólogos que trabalharam no Alto Xingu no final da década de 1940 registraram uma população de menos de 30 pessoas; a epidemia de sarampo de 1954 lhes custaria oito vidas, reduzindo-os a 23 indivíduos.

A partir daí começam a se recuperar: eram cerca de 45 por ocasião da pesquisa que George Zarur fez entre eles entre 1971 e 1972; nos anos de 1990 atingem a marca dos 90, ultrapassando enfim a população do ano de 1924 (PIB 1996:7).

 A chegada no Alto Xingu

Os Aweti chegaram no Alto Xingu muito provavelmente depois que os povos karib alto-xinguanos (os antepassados dos atuais Kuikuro, Kalapalo, Matipu e Nahukwá) ali se instalaram ao lado de grupos aruak previamente estabelecidos na área (ancestrais dos Waurá, Mehináku e dos extintos Kustenau), mas possivelmente algo antes da chegada dos antepassados dos atuais Yawalapíti e Kamayurá. Isso sugere que a entrada dos Aweti na região, e sua própria fixação em seu território atual, tenham se dado entre os séculos XVII e XVIII.

A pesquisa etno-arqueológica recente reforça claramente a hipótese de que uma acomodação de grupos de língua aruak-karib mais antiga tenha constituído a base do sistema alto-xinguano. A penetração dos povos Tupi, dentre outros, na região - provavelmente um efeito das transformações e movimentos continentais desencadeados pela Conquista e colonização, que se acentuam no século XVIII - não poderia certamente ter se dado sem conflitos. O resultado desses conflitos foi, mais do que a expulsão, a acomodação dos recém-chegados. Esta implicou no desaparecimento de vários grupos que foram extintos ou absorvidos por outros, aliados ou inimigos. Deste tempo de guerras, os tupi xinguanos guardam ainda a memória.

Tudo indica que aqueles hoje conhecidos como Kamayurá e Aweti são na verdade os descendentes de uma variedade de contingentes tupi que adentraram a região e aí se instalaram em levas sucessivas. O antropólogo Rafael de Menezes Bastos sugere que o nome "Kamayurá" fosse originalmente aplicado a todos os tupi recém-chegados: Apyap, Karayaya, Arupaci, Ka'atyp, Anumaniá, Wyrapat. Esses grupos desenvolveram políticas de alianças diferenciadas entre si e com os não-tupi, tanto entre os alto-xinguanos quanto entre seus vizinhos/inimigos. Hoje, as diferenças de origem continuam se expressando na fala dos descendentes, e esses ainda se opõem nas disputas políticas no interior das aldeias.

Em suas narrativas, os atuais Aweti se identificam como descendentes de uma combinação entre antigos Aweti e Enumaniá. Referências aos Enumaniá na literatura são escassas, mas existem. Os irmãos Villas Bôas falam dos "Anumaniá" como uma "tribo" desaparecida, aliada dos Aweti. Ambos os grupos teriam invadido a região pelo rio Kurisevo, juntamente com os Bakairi (com os quais os Aweti mantiveram laços estreitos até a saída daqueles da região, no início do século XX), atacando indistintamente todas as "tribos", até eventualmente se fixarem próximos à desembocadura do referido rio. Pouco tempo depois, os Anumaniá teriam se separado e se deslocado para a região da lagoa de Tafununu. Numa visita aos Trumai, então aldeados em Kranhãnhã (sítio na margem direita do Kuluene, abaixo da embocadura do Kuliseu, território de várias aldeias trumai), "lugar relativamente perto da lagoa onde residiam", os homens teriam sido todos massacrados; as mulheres e velhos que não tinham participado da visita refugiaram-se entre os Aweti (Villas Bôas 1970:31-2).

Segundo Bastos, os Enumaniá constituem um dos diversos contingentes tupi que teriam adentrado a região no séculos XVIII-XIX, posteriormente incorporado pelos Aweti. O autor menciona em particular um relato referente a uma guerra dos Kamayurá contra uma aliança Anumania-Wyrawat. Os Anumania, segundo o narrador kamayurá, são os ancestrais dos Aweti, e os Wyrawat um grupo de língua similar ao kamayurá, mas muito parecido com os Aweti, que também absorveram seus remanescentes.

Os Aweti teriam, pois, constituído um segundo pólo de aglutinação dos contingentes tupi. Sua entrada na região nuclear da bacia pode ter sido algo anterior a dos Kamayurá, cuja fixação em Ipavu, antigo território waurá, remonta talvez à primeira metade do século XIX. Na tradição oral kuikuro, a chegada dos Aweti data do tempo em que os ancestrais daqueles karib tinham ainda aldeias no Tafununu — isto é, provavelmente antes de 1750. Segundo uma narrativa aweti, é na região do Tafununu que os Enumaniá, juntamente com aliados (Wyrapat [em Aweti: Wyra’wara] e Bakairi [Makayryza]), partindo de Parua, vão primeiro fazer guerra, para depois se estabelecerem em Tsuepelu, em seu território atual. Embora o narrador se refira apenas aos Enumaniá, o tradutor nos explica: "junto com os Aweti…", indicando que a associação entre os dois povos antecede a fixação em Tsuepelu.

Seja como for, essa fixação representa o momento de acomodação dos Enumaniá e Aweti recém-chegados na teia de relações "pacíficas" que ligava entre si os ocupantes tradicionais da região. Essa acomodação exige uma transformação que o narrador enuncia claramente: é preciso “virar gente", deixar de ser waraju, "índio", quer dizer não-xinguano: abandonar a ferocidade e a guerra. Ela envolve também a adoção de todo um modo de vida, de uma cosmologia, de um complexo de práticas rituais, que constitui o patrimônio comum das tribos da área, e ao qual os grupos formadores dos Aweti também não deixaram de dar sua própria contribuição.

 História recente

O primeiro registro histórico da existência dos Aweti deve-se ao pesquisador Karl von den Steinen. Um mapa para ele desenhado pelo chefe Suyá em 1884 localizava-os entre os habitantes do Kuliseu, abaixo dos Mehinaku e acima dos Kamayurá e Trumai, lado a lado com os "Arauiti". A informação foi confirmada na segunda expedição, de 1887, quando o explorador visitou a aldeia aweti, situada a cerca de hora e meia de caminhada de um porto no Kuliseu, o mesmo porto, chamado Tsuepelu, que utilizam hoje.

Viviam já então perto de uma intrincada rede de canais e lagoas através da qual se podia alcançar os Yawalapiti e os Trumai, assim como (fazendo parte do trajeto por terra) os Mehinaku, os Kamayurá e os Waurá. Quando da visita de von den Steinen, a poucos metros da aldeia aweti erguiam-se efetivamente duas casas de "Arauiti", denominação que "já tinha o inteiro valor de uma designação de tribo", apesar de tratarem-se apenas de duas famílias, formadas por homens aweti casados com mulheres yawalapiti — o que sugere que esses dois grupos tenham tido relações especialmente próximas; ainda recentemente, casamentos entre eles se revelavam importantes na teia do parentesco aweti.

Os Aweti vivem ainda hoje nessa mesma região: o antropólogo George Zarur, que fez pesquisa entre eles na década de 1970, contou aí seis sítios de antigas aldeias.

A aldeia visitada por von den Steinen continha um "rancho de festas" ou "casa de flautas", ao lado da qual havia uma sepultura. Os expedicionários foram devidamente recepcionados pelo chefe “Auayato” (Awajatu), enfeitado com colar de garras de onça e diadema de pele do mesmo animal, com um longo discurso proferido no centro da aldeia. O alemão impressionou-se com as máscaras, com as pinturas nos utensílios, postes e traves de uma das casas (o "rancho dos artistas"), e com a quantidade de dardos que, utilizados na dança pelos outros povos, seriam segundo ele empregados pelos Aweti e Trumai como armas de guerra. Chamou sua atenção também a grande presença de indivíduos de outros grupos: Waurá, Yawalapiti, Kamayurá, Mehinaku, Bakairi, e Trumai. Ehrenreich, que o acom­panhava, escreve:

os mais simpatizados [dos povos da região] parecem ser os Auetös, talvez devido às qualidades pessoaes do seu cacique, que, na verdade, era um velho excellente e respeitável. As suas aldeias eram constantemente frequentadas por índios de todas as outras tribos e serviam, pode-se dizer, de estações postaes; pois ali chegavam notícias e recados de todos os lados para serem transmitidos em direções oppostas"
(1929:255)

As expedições de H. Meyer (em 1895/96 e 1898/99) e M. Schmidt (em 1900/01) reencontraram os Aweti na mesma região. Schmidt pôde visitar a casa de festas, observar as máscaras e flautas e "compor uma pequena coleção etnográfica". Menciona a coexistência de "vários caciques" na comunidade, e registra também um canto do "yauari" (jawari), o dardo de ponta de pedra ou madeira que se apresenta como "principal arma guerreira dos índios auetos". A fase seguinte de exploração dos formadores do Xingu inicia-se com as expedições da Comissão Rondon. O Cap. Ramiro Noronha, que penetrou a região em 1920, não visitou a aldeia dos Aweti, mas alguns desses índios, entre eles um chefe, Tanacú, juntaram-se aos expedicionários. Quatro anos depois, o Cap. Vicente de Paulo Vasconcelos subiu o Kuliseu, indo até a aldeia Aweti, onde se encontrou com o chefe de nome Avaiatú (Awajatu) -  talvez um “neto” daquele encontrado por von den Steinen, dada a norma de transmissão de nomes de avós para netos prevalescente na área -  retratado pelo fotógrafo Cap. Tomaz Reis. Vasconcelos descreve um círculo de 50 metros de raio em que se dispunham seis casas elípticas bem construídas, mas não fala em casa de flautas, e estima a população em 80 pessoas.

Os pesquisadores das décadas seguintes não acrescentaram muito ao conhecimento sobre os Aweti, sendo escassas as menções ao grupo nos trabalhos etnológicos sobre o Xingu. Oberg os apresenta como hábeis comerciantes, agindo como intermediários entre o posto indígena e outras tribos. Essa posição intermediária dos Aweti nas redes de troca, já notada por Ehrenreich, é mencionada também por Galvão, mas pode ser que, no final dos anos 40, estivesse seriamente ameaçada. Um dos grupos então mais reduzidos — Galvão fala deles e dos Trumai como estando "em vias de extinção" — esses Tupi já enfrentavam possivelmente o relativo isolamento que marcaria sua posição na política intertribal na segunda metade do século XX.

 Os Aweti hoje

É notável que os Aweti tenham conseguido manter sua unidade como um grupo distinto, e, em particular, sua identidade lingüística, apesar da catástrofe demográfica que experimentaram.

Contudo, a redução demográfica não deixou de marcar o grupo, especialmente em termos culturais. Várias tradições, passadas de uma geração de especialistas formados para a próxima, foram interrompidas; notadamente não há mais cantores de formação completa na aldeia. O mesmo vale para outras áreas, inclusive para práticas culturais essenciais para a execução da chefia. Também houve, durante décadas, uma falta da “massa crítica” para a execução de grandes festas e rituais intra e intertribais. Só em 1998 os Aweti voltaram a festejar um Kwar’yp, e em 2002 um Jawari. Ainda assim, os jovens da aldeia cresceram sem conhecer, numa base regular na própria aldeia, uma série de rituais, vários dos quais ainda vivos em aldeias vizinhas.

A recente divisão da aldeia também causa preocupações nesse sentido. Aumenta a probabilidade de intercasamentos com membros de outros grupos, o que significa ou uma estagnação demográfica (se o casal se instala na aldeia do parceiro não-Aweti, o que, por várias razões, é o cenário mais provável, independente do sexo do cônjuge Aweti) ou um aumento da presença de outras línguas nas aldeias aweti.

Na aldeia matriz havia, em 2003, somente seis pessoas falantes de outras línguas (sobretudo do Kamayurá, do qual quase todos os Aweti têm no mínimo domínio passivo). Já na nova aldeia, que se constituiu de pessoas vindas tanto da aldeia matriz como de outros lugares, havia uma forte presença de falantes de outras línguas: nove adultos preferiam o Kamayurá (alguns deles nem entendiam bem o Aweti), 12 eram bilingües em graus variados, enquanto 17 adultos tinham o Aweti como língua principal. Mais da metade das 13 crianças cresciam, então, em famílias onde ambos os pais são falantes de outras línguas. Dependerá do comportamento cotidiano, particularmente dos bilíngües, se o aweti manterá sua força nessa aldeia, ou se terá ali uma trajetória semelhante ao yawalapiti.

Etnia Aweti na Cerimônia do KUAUP - Xingu

Ao mesmo tempo, temos que lembrar a presença cada vez mais forte de elementos culturais não-indígenas nas aldeias aweti (como em todas as aldeias alto-xinguanas). O acesso mais fácil à cidade e a chegada da mídia de massa, bem como a presença mais regular de brancos na aldeia, não deixam de ter efeito, pelo menos no plano ideológico e nos interesses, sobretudo da geração jovem. Aos poucos, o cobertor começa a coexistir com o fogo, a televisão com as narrativas orais, e o futebol com o treino para o huka-huka.

Fora das duas aldeias, há alguns Aweti vivendo em outros lugares no Parque Indígena do Xingu, a saber entre os Kamayurá, com os Trumai e no Posto Leonardo. Em nenhum destes lugares a língua aweti é passada para a próxima geração. Há possibilidades de alguns deles voltarem para a aldeia principal, levando suas famílias. Isso significa, certamente, um fortalecimento dos Aweti em termos demográficos e culturais, dependendo do conhecimento e das habilidades das pessoas em questão. Mas, ao mesmo tempo, pode significar um enfraquecimento da língua, com o aumento significativo de falantes de outras línguas na aldeia.

 A aldeia e o cotidiano

A aldeia aweti, como as demais aldeias alto-xinguanas, compõe-se de um conjunto de casas coletivas circularmente dispostas em torno de uma praça central. Em julho de 2003, havia uma dúzia de casas na aldeia principal, enquanto a aldeia nova, ainda em construção, conta com somente duas casas prontas. No centro da praça da aldeia original, ergue-se a casa dos homens, que serve como lugar de reunião masculino.

Tradicionalmente, essa construção, o “rancho” típico das aldeias xinguanas, serve também para guardar as flautas sagradas, denominadas em aweti “karytu”. Nesse caso, a casa dos homens torna-se estritamente interdita às mulheres, a quem não é permitido ver as flautas, e menos ainda identificar os tocadores. O complexo ritual das flautas requer a presença na aldeia de, no mínimo, um “dono” de flautas, que as adquire e permite ou solicita seu uso, e tocadores. O desempenho de ambas as funções envolve a circulação de riquezas consideráveis, supondo a cooperação ritualizada de toda a comunidade. A retribuição devida aos especialistas é onerosa, sobretudo considerando-se que, na aldeia aweti, não existe hoje ninguém que saiba como produzir os instrumentos. Possivelmente por essas razões as flautas não têm sido fabricadas, nem seus rituais realizados por talvez mais de vinte anos, embora seja uma tradição que os Aweti possam agora recuperar.

A praça central é, de modo geral, um espaço principalmente masculino, onde os homens se reúnem para fumar e conversar. Além disso, constitui o espaço “público”, onde se realizam as atividades que concernem à aldeia como um todo e, principalmente, aquelas que envolvem o contato e interação coletiva dos Aweti com estrangeiros de todo tipo, humanos ou não: ali são recepcionados os mensageiros e visitantes de outras tribos ou não-índios, se desenrolam as cenas principais dos grandes rituais (em que se contatam vários seres e espíritos diferentes) e são enterrados os mortos adultos. À noite, a praça é dita pertencer a Karytu, o espírito relacionado às flautas rituais cerimoniais.

Novas atividades e novos interesses - alguns introduzidos pelo contato com o mundo dos “brancos”, outros não - criam novos espaços, simbólicos e físicos, que polarizam também a vida na comunidade. Por exemplo, uma boa parte da comunicação tanto com aldeias vizinhas como com pessoas e instituições do mundo dos não-índios se dá, nos dias de hoje, pelo rádio. Assuntos freqüentes são os referentes a saúde, escola, aquisição e manutenção de bens e equipamentos não-indígenas. Desde 1999 localizado na casa do chefe, o rádio consiste em um recurso cujo controle é presentemente uma das insígnias e fontes de prestígio do chefe designado de uma aldeia xinguana, essencial para a o desempenho de sua tarefa de intermediação entre os interesses da aldeia e instituições e indivíduos fora dela. Por isso, quando há assuntos desse tipo a serem tratados, procura-se essa “casa do chefe”, o mo’atap (que é diferente de uma mera casa comum).

Um outro equipamento tecnológico tem um potencial semelhante: a televisão. A aldeia aweti foi certamente uma das últimas no Alto Xingu a adquirir a sua (o que ocorreu aproximadamente em 1998), juntamente com um gerador de eletricidade a diesel e uma antena parabólica. Agora já não é mais a única na comunidade. Durante o dia, quando o barulho do gerador anuncia que a TV está funcionando, dentro de poucos instantes se vê a correria da criançada em direção ao mo’atap. À noite, são os adultos que se reúnem para assistir o telejornal e talvez um filme. Em alguns casos, a TV pode assumir um papel considerável na aquisição do português. O primeiro lugar na preferência da audiência aweti, entretanto, é claramente o futebol (que se entende também sem palavras).

O futebol é, aliás, um elemento cada vez mais importante na vida cotidiana – trata-se certamente do esporte mais praticado na aldeia, antes mesmo do tradicional huka-huka. A praça central também funciona como campo, e competições futebolísticas são uma oportunidade cada vez mais procurada para encontros intertribais (e inclusive uma oportunidade para conhecer futuros noivos e noivas). Meninas e mulheres também se dedicam ao esporte, e com notável sucesso.

Outros espaços novos, potencialmente comunitários, são aqueles onde se concentram atividades como o atendimento sanitário ou a escola. A casa que servia como núcleo de um posto de saúde, a “farmácia” (motang upap), estava localizada dentro do círculo principal das casas ao redor da grande praça central, indicando a integração bem sucedida do papel social do seu “dono”, o agente (indígena) de saúde (que agora, todavia, retirou-se da aldeia principal, juntando-se à sua família na nova comunidade).

Diferentemente da “farmácia”, a escola está localizada em segundo plano, mais afastado do centro da aldeia, atrás da casa de um dos professores. Os professores ainda estão em formação, e apesar de a escola já funcionar com alguma regularidade durante a maior parte do ano, o currículo e sua organização em geral são ainda assuntos em debate na aldeia (como em aldeias vizinhas).

As casas reúnem em geral um conjunto de famílias elementares ligadas por laços de parentesco e afinidade. À família do “dono da casa” (ogitat) agregam-se, assim, aquelas formadas por seus filhos, genros ou cunhados, além de indivíduos dependentes (viúvos, separados), segundo um ideal de residência patrilocal (o homem vive na casa do pai), flexibilizado, porém, por diversas considerações (o tempo de serviço-da-noiva que o jovem deve ao sogro, a isenção desse de que gozam os filhos de chefes etc). Cada unidade doméstica assim constituída forma, em certa medida, uma unidade de consumo: no centro da casa, entre os esteios centrais, localizam-se o fogo, as chapas e as panelas para a produção do beiju que será consumido por todos os seus moradores.

A produção alimentar cotidiana, todavia, dá-se em bases mais individuais. As roças (ko) são plantadas por um homem, que será seu dono, com a ajuda de sua família nuclear, e seus produtos são colhidos pela esposa. A caça (de aves e pequenos animais, como macacos, uma vez que os alto-xinguanos não consomem a carne da maior parte dos animais terrestres) e a pesca (que constitui a maior fonte de proteínas, principalmente na estação seca) são atividades geralmente desenvolvidas individualmente, ou com a colaboração de familiares ou de um amigo ou parente próximo.

Algumas atividades produtivas são, no entanto, desenvolvidas coletivamente, às vezes com a participação de todos os homens da aldeia: a construção de casas, a derrubada da mata para a abertura de roças, e a pescaria coletiva com timbó. Essa cooperação envolve relações e obrigações rituais entre os homens e os espíritos, e em especial com Karytu, espírito que está associado aos homens como coletividade. Assim, quando alguém deseja realizar uma atividade que exija a cooperação de todos os homens, isto é, que exija o “trabalho de Karytu”, deve promovê-la fornecendo ao “dono” desse ritual os alimentos (beiju e peixe) necessários, que serão entregues a todos os participantes e por eles consumidos coletivamente em frente à casa dos homens.

A produção do sal vegetal é uma das especialidades tradicionais dos Aweti no interior do sistema de trocas alto-xinguano, consistindo portanto não apenas em um produto alimentar, mas também em um meio de aquisição de produtos indígenas como a cerâmica fabricada pelos grupos de língua aruak (especialmente os Waurá) ou os colares de caramujo dos Karib. A produção do sal é uma atividade que requer a cooperação de famílias inteiras, mas algumas das atividades de processamento são restritas a um ou outro sexo.

A base alimentar é a mandioca, em forma de diferentes tipos de beiju, para diversos fins e com diferente valor simbólico. A produção e utilização de polvilho “nobre” e a generosidade são fontes importantes de prestígio. Também são necessárias para exercer um papel significativo na organização das “festas”, dos ciclos rituais, um espaço importante na reprodução constante da estrutura social e política da aldeia, sempre em redefinição competitiva.

A maioria das atividades do cultivo e especialmente do processamento da mandioca são privilégio e dever das mulheres. Por isso, o número de mulheres adultas e produtivas é um fator importante no posicionamento econômico e, portanto, social das casas e famílias. Não é a toa que a prática da poligamia, no caso dos Aweti, predomina entre lideranças, embora teoricamente não seja proibida aos demais. Além da mandioca, plantam-se a pimenta, a batata doce (consumida misturada com mani’oky, uma bebida doce e quente, à base de mandioca, chamada pelos brancos de “perereba”) e, hoje, mamãozeiros, bananeiras e outras frutas introduzidas por não-índios. Faz-se também a coleta de diversos frutos semi-cultivados, como o pequi (especialmente importante na cultura xinguana, figurando destacadamente em seu ritual e mitologia) ou a mangaba. O uso do milho se perdeu entre os Aweti há algumas décadas, mas deve ser brevemente recuperado.

Há uma clara divisão de trabalho e funções entre homens e mulheres na produção de objetos artesanais, seja de uso prático (bancos, redes, diversos tipos de recipientes, armas e ferramentas, etc.) ou simbólico (máscaras, flautas, adornos etc.). Por exemplo, a fabricação das redes é domínio das mulheres. Os homens produzem armas, bancos e a maioria dos objetos simbólicos, usados nos rituais. Alguns adornos, especialmente não-tradicionais e com potencial de comercialização, são produzidos por indivíduos de ambos os sexos. Em geral, mulheres podem possuir e negociar seus bens da mesma forma que os homens, e ambos participam de encontros rituais de troca (joro’jyt, em Aweti, geralmente conhecidos pelo nome Kamajurá de mojtarã). Poucas plantas são cultivadas para o consumo não-alimentar; entre elas, o urucu, o jenipapo (em Aweti: jukwãngyt e te-typap; para a pintura de objetos e do corpo humano) e o algodão (amatitu, hoje em processo de substituição pelo algodão industrial). Algumas plantas têm vários usos, especialmente a palmeira buriti (tapaj’yp), utilizada, entre outras coisas, para a produção de redes e cordas em geral, e como palha para cobrir as casas. Um adorno tradicional dos povos xinguanos, que às vezes ainda se vê em indivíduos aweti de idade mais avançada, eram as tornozeleiras grossas de casca de embira.

Os Aweti consomem cada vez mais uma série de bens adquiridos nas cidades – utensílios de metal (facas e outras ferramentas, agulhas, anzóis etc.), roupas, armas e objetos de tecnologia não-indígena (lanternas, bicicletas, relógios e toca-fitas etc.). Para tal, dependem hoje menos do que antes da assistência da Funai. Geralmente, um grupo de homens, em sua maioria pais de família, organiza e patrocina conjuntamente a excursão de alguns deles à cidade, para vender produtos de artesanato (bancos, cestaria, armas, redes, plumária etc.) a compradores especializados, e para comprar produtos comerciais diversos — doces e pilhas, peças de bicicletas, chinelos, roupas e, em alguns casos, máquinas para costurar, televisões. O barco vai e volta maciçamente carregado. Entre os Aweti, diferentemente de outros grupos, ainda é rara a importação de alimentos industrializados. Por outro lado, existe uma quantidade considerável de brinquedos infantis e produtos eletrônicos. Se possível, todos os membros da família recebem uma parte das compras, especialmente aqueles que ajudaram na fabricação dos bens trocados. Por isso, as mulheres, ainda que indiretamente e muitas vezes sem nem saber falar português, participam no processo produtivo e consumptivo do mundo global.

 Ciclo de Vida
Fabricando pessoas

As casas coletivas são onde as pessoas xinguanas são formadas como tais, embora a própria concepção provavelmente muitas vezes aconteça no mato ao redor da aldeia, especialmente nas roças ou perto do caminho para a água, onde os casais oficiais, mas particularmente namorados clandestinos, preferem viver seus momentos de intimidade.

Durante a gravidez (como durante a amamentação) a mulher e também o homem têm que respeitar certas restrições alimentares para proteger o bebê das influências patogênicas dos kat, bichos ou “espíritos”. No caso do nascimento do primeiro filho (ou filha), o pai observa um período de repouso imediatamente depois do nascimento, até que caia o umbigo da criança, e depois uma fase de reclusão semelhante àquela da juventude (ver abaixo).

O parto acontece fora, mas perto da casa. A mulher dá à luz de cócoras, com o apoio da mãe, de uma irmã ou tia, mas nenhum homem faz-se presente, com a possível exceção de um pajé (mopat), no caso de um parto de risco. Crianças com claros defeitos físicos, bem como gêmeos, são enterradas e abandonadas, o que também pode acontecer no caso de filhos indesejados, especialmente quando se trata de mães solteiras. No caso de uma gravidez “de risco”, o parto pode hoje em dia acontecer no Posto Leonardo ou em Canarana.

As crianças recebem os seus nomes (que são uma propriedade individual hereditária) dos avós. Como a enunciação dos nomes dos sogros é absolutamente proibida, cada Aweti, homem ou mulher, tem dois nomes, um que é usado pelo pai e seus consangüíneos, e outro usado pela mãe. Os nomes são trocados em algumas ocasiões durante a vida. Os avós, em especial, têm freqüentemente que passar seu nome para um novo neto, e devem então eles mesmos assumir outro(s) nome(s), provenientes mais uma vez de seus próprios avós.

A partir do momento em que uma criança começa a andar e falar, ela torna-se parte da comunidade Aweti; em caso de falecimento, será objeto de cerimônias de luto e receberá uma sepultura no centro da aldeia, como um adulto. Normalmente, os bebês e as crianças pequenas ficam quase o dia todo com a mãe, que os carrega inclusive quando vai buscar água ou quando parte para a roça pela manhã. Quando cresce, a criança pode também ficar com a tia, uma irmã mais velha ou uma avó. Logo passará a maior parte do dia brincando com irmãos, primos e outras crianças na praça central, perto das casas ou no porto de banho.

A introdução da criança aweti a seus deveres sociais dá-se gradativa e ludicamente. As meninas cuidam de irmãos mais jovens brincando de boneca com eles, mas também começam a ralar a mandioca quando se aproximam da puberdade. Os rapazes principiam a acompanhar o pai, tios, irmãos mais velhos ou avôs para a pesca ou a caça. Arco e flecha são seu brinquedo preferido. As crianças participam das danças durante os períodos de festas, sem serem reprimidas quando erram ou brincam.

Em geral, é dificil ver um adulto ralhar com uma criança ou bater nela. A vontade das crianças é respeitada sempre que possível, e é impressionante como crianças (e adultos) conhecem suas habilidades e limitações, tomando desde cedo a iniciativa e assumindo a responsabilidade por seus atos. Um dos sons mais comuns da aldeia é o riso de crianças brincando, imitado inclusive pelos papagaios que por ali estacionam em seu percurso diário.

Por volta dos nove anos começa uma nova etapa na iniciação do jovem aweti. Agora ele é submetido a rituais de fortificação corporal e espiritual, como o vômito ritual após o consumo de bebidas tóxicas, ou a escarificação (o arranhar de dorso, pernas e braços com uma “arranhadeira” [um escarificador] afiada, feita de dentes de peixe cachorra; o corpo ensangüentado é depois limpo com folhas amassadas, em seguida passam-se outras folhas que fortificam o corpo). Alguns meninos passam pela cerimônia da furação de orelhas nessa idade.

O novo membro adulto do grupo emerge de uma transformação corporal e espiritual pela qual os jovens aweti têm que passar. Essa transformação é efetuada por meio da reclusão, um período em que a pessoa fica em um compartimento separado dentro da casa e evita o contato com outros membros da sua família e da aldeia. Ela sairá daí para a vida pública com uma nova identidade social e com novos nomes.

Durante a reclusão, o jovem “preso” recebe comida somente das mãos de pessoas selecionadas, que não estejam tendo relações sexuais – de outra forma, poderá ser atingido por uma doença, pois o estado de transformação em que se encontra implica uma maior vulnerabilidade diante da influência maligna dos kat ou de atos de feitiçaria por parte de inimigos. Durante o dia, o recluso não deixa a casa, saindo apenas à noite para fazer suas necessidades e tomar banho. Ele “trabalha” em sua transformação por meio da ingestão (e vômito) de infusões poderosas, arranhando-se e fazendo outros exercícios.

Quanto mais tempo dura a reclusão, mais efetiva supõe-se ser a transformação. Especialmente no caso de futuros chefes, há registros de reclusões que duraram vários anos. Uma reclusão longa ajuda o jovem a tornar-se um bom lutador de huka-huka, o que aumenta seu prestígio e incrementa potencialmente sua posição social. Por isso, não raras vezes são os pais que insistem no treino e na prática da luta huka-huka.

No caso das mulheres, é comum fazerem-se reclusões de meio ano ou mais. As jovens se esforçam para aproximar-se do ideal estético que prescreve, entre outras coisas, coxas bem grossas. Também não cortam o cabelo durante esse período, de modo que, à saída da reclusão, que se dá muitas vezes por ocasião de uma festa intertribal, são facilmente reconhecíveis, pelo comprimento dos cabelos assim como pela palidez da pele. Nessas festas, elas oferecem ritualmente castanhas de pequi aos chefes das tribos visitantes, e com isso atestam sua maturidade sexual, podendo desde então namorar e casar.

Formando famílias

É comum que os jovens tenham diferentes parceiros antes de casar-se. Há namoros não assumidos (inclusive não tolerados por parte dos pais, por exemplo, por razões políticas) e namoros oficiais, que podem ser considerados como um tipo de noivado. O noivo passa o tempo livre com a moça, os dois conversam muito e se conhecem aos poucos. Também há casos em que o casamento é arranjado entre os pais muito tempo antes de os noivos atingirem a idade de casar-se, especialmente entre primos cruzados, isto é, com filhos da irmã do pai ou com filhos do irmão da mãe. Pelo menos no primeiro casamento, o homem deve ser mais velho do que a mulher.

Se o noivo é de uma outra aldeia, ele usualmente fica na casa de um parente consangüíneo seu – mesmo um parente distante ou meramente classificatório. Em princípio, para um xinguano, é sempre possível determinar a relação de parentesco com qualquer outro xinguano. Isso é necessário para saber de que forma dirigir-se a uma pessoa.

Se o namoro é aceito pelos parentes, especialmente pelos pais dos envolvidos, alguém assume sua aprovação e “faz o casamento”, isto é, leva a rede do noivo para a casa da noiva, colocando-a acima da rede dela. Isto pode acontecer na ausência dos namorados, que muitas vezes são surpreendidos pelo fato de agora estarem casados. A surpresa é ainda maior se o namoro não foi oficial – mas quem viu os dois juntos tem o direito de “fazer o casamento” se isto lhe parece justo.

Na maioria dos casos, o novo esposo vive um período na casa de seus sogros depois do casamento. A duração desse serviço-da-noiva depende de vários fatores, entre eles o prestígio das respectivas famílias. Os filhos de chefes estão possivelmente isentos desse dever, mas nesse caso o pai da esposa deve receber uma outra recompensa.

Depois de certo tempo, o casal fica livre para escolher onde vai morar. Eles podem permanecer na casa dos pais de um dos dois, ou construir sua própria casa. Se decidem mudar de aldeia, o marido deverá preparar uma roça um ano antes. Mesmo se a nova família continua vivendo na casa de outras pessoas, ela passa a constituir uma unidade social específica dotada de seu próprio espaço, onde as redes ficam uma ao lado da outra em torno de um fogo particular (especialmente durante as noites na estação seca). É comum, entretanto, que um dos parceiros visite por períodos a casa dos seus pais ou irmãos, levando ou não os filhos consigo. Em geral, as crianças circulam livremente entre a casa dos pais e a dos avós, de modo que os últimos podem ter um papel significativo em sua formação.

Hoje, na aldeia principal, a maioria das casas abriga somente uma família nuclear, o que difere do padrão mais comum no Alto Xingu. Não está claro se isso é um efeito da redução demográfica, ou se é expressão de uma preferência mais antiga que os Aweti compartilham com alguns outros povos de língua tupi.

Os Aweti temem as conseqüências de intercasamentos com outros grupos, pois o resultado sempre pode ser a partida de um membro da comunidade (e sua família). Hoje, há poucos indivíduos de outros povos morando entre os Aweti, em geral são Kamayurá. Antigamente, havia laços mais estreitos com os Yawalapiti e os Trumai. Há também alguns Aweti vivendo entre os Kamayurá, os Trumai, ou no Posto Leonardo.

Relações extraconjugais com um ou vários parceiros são comuns. Os encontros acontecem clandestina e discretamente, mas mesmo assim são difíceis de esconder diante de uma comunidade tão pequena. Os homens usualmente retribuem os favores sexuais femininos com caça ou peixe. Um homem pode reconhecer a paternidade de uma criança resultante de um destes relacionamentos, especialmente na velhice, quando ele pode passar seus nomes para os netos.

O casamento pode ser desfeito por qualquer um dos parceiros, que leva sua rede ou a rede do parceiro para um outro lugar. Isso não acarreta necessariamente desaprovação da sociedade ou traumas para as crianças, que continuam circulando entre as casas de ambos os pais. Se uma mulher não se casa de novo, ela mesma pode tornar-se uma dona de uma casa e ter sua própria roça.

Envelhecendo

Há poucos velhos entre os Aweti, dado que não indica necessariamente uma alta mortalidade tradicional, mas que está diretamente relacionado às epidemias de meados do século XX. Com a chegada de assistência médica, a mortalidade diminuiu drasticamente – nos últimos 40 anos, os Aweti sofreram pouquíssimas mortes. O xamanismo e o conhecimento dos “raizeiros” hoje convivem com a medicina ocidental, agora também representada por agentes indígenas de saúde nas próprias aldeias.

Os mais velhos continuam ativos e participam normalmente da vida cotidiana. O casal dos anciãos da aldeia mantém sua própria roça; eles vão pescar (muitas vezes juntos, uma ocasião de intimidade para os cônjuges) e participam dos “acampamentos” para as festas intertribais ou para a fabricação de sal. O título de “myrã” (velho) e “aripi” (velha) aplica-se já para adultos com filhos (no início, muitas vezes jocosamente), mas isso não implica que os assim qualificados não possam ter uma vida plena.

O saber dos velhos é altamente respeitado. Mesmo adultos de meia-idade são cautelosos ao dar informações ou asseverar opiniões sobre assuntos de conhecimento de especialistas mais velhos. Usualmente, os jovens não dirigem a palavra a pessoas de gerações anteriores sem convite. Os velhos devem exortar os mais jovens a seguir as tradições, como, por exemplo, levantar-se de madrugada, não usar “roupa de branco”, arranhar-se e lutar o huka-huka.

Morrendo

A morte não é vista como negação da vida, mas como uma outra forma de existência da pessoa. A passagem para esta forma sempre pressupõe a atuação de forças maléficas, usualmente invocadas por inimigos conhecedores de feitiço. Em princípio, não existe morte natural, mesmo quando se é muito velho. Por isso, é comum que depois da morte de uma pessoa, especialmente de um jovem, os parentes acusem alguém de ter atuado como feiticeiro. Essas acusações são a expressão mais grave de conflitos que muitas vezes se originam em outras esferas (especialmente na política), e podem ter conseqüências letais para o acusado.

Os mortos são enterrados no centro da própria aldeia, depois de o corpo ser lavado, enfeitado, e colocado em sua rede. Há casos em que os corpos são transportados por longas distâncias, para não permanecerem em terras estranhas. Há formas de enterros diferentes conforme o status do defunto. Chefes e seus parentes recebem um tratamento especial, sendo deitados numa rede que é pendurada num túnel ligando dois buracos no chão, enquanto pessoas comuns são postas sentadas em um único buraco.

Também serão os mortos de uma linha de chefes que serão comemorados em um kwar’yp, cerimônia que também tem a função de indicar e reafirmar, diante dos chefes da região, o successor do morto quando necessário. O ciclo do kwar’yp começa com o consentimento dos parentes do defunto para a construção de um túmulo especial, yp’jyput, diante da casa dos homens. Essa cerca é a marca da festa e é regularmente limpada, com cantos e soluços de luto, pelos parentes do morto. No dia em que se cortam as árvores kwar’yp (pau do sol) que vão representar os mortos na festa, o yp’jyput é tirado e servirá como lenha para os povos convidados.

O kwar’yp (que usualmente homenageia não apenas o morto “nobre”, mas também outros defuntos “comuns”) é o momento em que as almas daqueles que faleceram no período entre uma celebração sua e a próxima definitivamente partem rumo à aldeia eterna dos mortos. O caminho até lá é perigoso; existem, especialmente, pássaros monstruosos que podem atacar e matar, agora definitivamente, as almas dos mortos. Para os vivos, o kwar’yp é a última ocasião para se despedir do morto querido; o choro contínuo de uma noite inteira e os rituais do dia seguinte limpam também as suas almas e marcam o fim do luto.

 Organização social

A base da organização social xinguana, e aweti, são certamente as relações de parentesco e casamento que ligam as famílias e constituem as unidades domésticas. Igualmente importantes, porém, são a instituição da chefia e o sistema ritual.

O problema da chefia no Alto Xingu é bastante complexo: além do título hereditário (karib: anetü; aruak: amulaw/ amunãw; kamayurá: morerekwat; aweti: morekwat), transmitido tanto por homens como por mulheres, há uma série de estatutos nomeados, entre eles os de "dono da aldeia", "dono do meio", "dono do caminho", que estão de alguma forma ligados à função de representação da aldeia no ritual intertribal.

O exercício dessa função, além da filiação a uma linha de titulares, requer uma série de qualidades e competências, lingüísticas em particular. O desenvolvimento destes atributos é a parte da "educação" que entra na formação do chefe, mas é preciso observar que aqui natureza (hereditariedade) e educação são ambas da ordem do fazer, e que esse fazer se exerce nos dois casos sobre o corpo. A aquisição das qualidades pessoais, físicas ou morais (generosidade, autocontrole, mas também beleza e força), que caracterizam o chefe - e o bom lutador (todo chefe foi idealmente um bom lutador) - depende de uma reclusão pubertária bem sucedida (e mais longa que para os homens comuns), durante a qual corpo e personalidade são fabricados, mais que conjuntamente, um através do outro - e esse fabricar é concebido diretamente como um trabalho, realizado pelo pai e comparável ao trabalho investido (através de relações sexuais repetidas) na concepção da criança no ventre materno: em ambos os casos, este pai está "fazendo" o filho, assim como o xamã iniciador "faz" seu aprendiz.

A principal competência necessária ao desempenho da função de representante é provavelmente o domínio dos discursos cerimoniais. Esse domínio se adquire pelo aprendizado especial junto a um parente (pai, em geral) ou, sendo isso impossível, um outro "dono/mestre" desses discursos, nesse caso contra pagamento, e aparentemente apenas sob autorização (mesmo que tácita) da comunidade. O exercício da representação da aldeia, isto é, da chefia como função - e poder - depende, pois, de outros fatores que a hereditariedade, ainda que a chefia "vazia" dos puros titulares continue sendo marcada por ocasião de seus funerais.

Tudo isso faz com que se possa ser “muito” ou “pouco” chefe - e com que haja mais de um “chefe” na aldeia, embora em geral um seja sempre reconhecido como o principal. Essa distinção (morekwat ‘ytoto / morekwat ‘jyt) pode expressar o reconhecimento de uma maior ou menor identidade em termos de substância ("genealógica") entre os chefes ativos e aqueles de quem pretendem derivar sua legitimidade, mas há indicações do uso destes qualificativos para diferenciar, não só os chefes (hereditariamente) legítimos daqueles não tão legítimos, como também os chefes ativos (ou efetivos) daqueles inativos (ou inefetivos). Esta gradação incide assim ao mesmo tempo sobre a legitimidade do título herdado, os méritos do titular, e sua situação no jogo faccional. Há, dessa forma, diversos componentes no estatuto de "chefe" (morekwat), a saber: a filiação (identidade de substância), os atributos físicos e morais cultivados durante a reclusão pubertária, a linguagem aprendida do estilo formal e dos discursos cerimoniais, e a posição de líder de um grupo coeso de parentes e aliados. O não preenchimento de qualquer um destes requesitos implica um distanciamento em relação ao modelo que, como chefes, deveriam encarnar, e é este distanciamento que qualificações como “chefe pouquinho” viriam marcar.

Esse modelo encarna o tipo de civilidade requerido pelas novas condições de convivência na área, em sua dupla dimensão: a da (re)constituição dos grupos locais enquanto comunidades unas, e a de sua interação pacífica - dupla dimensão que se expressa na emergência do chefe como um homem da praça, locus de convergência dos diferentes grupos domésticos bem como, cerimonialmente, dos diferentes grupos locais. Internamente a cada comunidade, o chefe aparecerá como o mediador entre esses grupos domésticos (núcleos potenciais de facções políticas), posição idealmente simbolizada no estatuto especial de sua casa (mo’atap maior que as outras, especialmente decorada, e coletivamente construída).

Externamente, opera a mediação entre as diferentes comunidades, como maestro e pivô do cerimonial intertribal. Essas duas facetas da chefia são interdependentes, da mesma maneira que a presença de outras comunidades se revela, no cerimonial intertribal, essencial à reprodução interna de cada uma: seja à maturação dos seus jovens (furação de orelha dos meninos, saída da reclusão das moças no kwar’yp), seja à partida definitiva das almas de seus mortos para a aldeia celeste (kwar’yp). Essa dupla dimensão, externa e interna, da chefia, revela-se no fato de que cada um desses processos tenha chefes (morekwat) como foco - é preciso um chefe (morto) para que os demais espíritos possam ser devidamente encaminhados (e as mulheres postas em circulação), é preciso um chefe (rapaz) para que os demais rapazes possam ser iniciados - e ao mesmo tempo dependa de uma perfomance ritual intertribal cuja orquestração cabe a estes mesmos chefes.

 Ritual, cosmologia e xamanismo

Os seres sobrenaturais ocupam um lugar importante em várias áreas interligadas da vida aweti. Existem diversos tipos de tais entidades, e seu valor simbólico varia em diferentes ocasiões e com o tempo. Alguns figuram como protagonistas em diversos mitos, muitas vezes compartilhando traços humanos com outros animais, usualmente exagerados, monstruosos, e providos de capacidades e habilidades demiúrgicas, ou aparecendo como “donos” de práticas culturais.

Quando os kat, os “espíritos”, interferem na esfera humana, isso significa usualmente perigo para os homens. Eles são responsáveis por várias doenças. Por isso, o processo de cura inclui a interação com o espírito que a causou, na forma de cerimônias específicas. Durante a primeira fase do ritual, os “preparativos” para a festa (por exemplo, num Jamurikumã ou num Karytu), o respectivo espírito é ocasionalmente representado por membros do grupo que exercem funções como a fabricação de objetos que serão utilizados na festa, ou o desempenho de danças para o “dono da festa” - a saber, o doente ou um aliado seu no processo de cura.

O prestígio dos xamãs (mopat) deriva de sua capacidade de interagir voluntariamente com os espíritos, alguns dos quais seus aliados, outros opositores (as outras pessoas encontram os espíritos somente em sonhos ou na doença). No processo de cura dos aflitos e doentes, as “rezas” dos xamãs, que utilizam o fumo do tabaco, símbolo da comunicação com o mundo sobrenatural e privilégio dos xamãs, são complementadas por ervas e raízes providenciadas por “raizeiros”, outro tipo de especialista.

Hoje há uma divisão conceitual entre “doenças de branco” e “doenças de índio” (as fronteiras entre essas classes podem ser incertas, e a classificação de um caso de doença numa ou noutra pode freqüentemente ser disputada).

Os Aweti têm reconhecidamente laços muito estreitos com espíritos fortes, e os homens acima dos 40 anos são em sua maioria considerados xamãs. Eles têm também, em tempos recentes, retomado várias atividades rituais que tinham caído em desuso em decorrência das perdas demográficas que fizeram faltar oficiantes para o desempenho de todos os papéis rituais requeridos pelas festas. Em 1998, realizou-se o primeiro kwar’yp festejado pelos Aweti há várias décadas.

Ainda em 2002, um outro ritual foi reativado pelos Aweti: os Nahukwá (outro grupo alto-xinguano pequeno) foram convidados para um Jawari, uma alegre competição de dardos atirados com um propulsor característico. Os Aweti / Enumaniá estiveram certamente entre os primeiros entusiastas dessa cerimônia no Alto Xingu: conforme um relato kamayurá, os Enumaniá a teriam aprendido dos próprios Payetá, índios de fala similar aos Kamayurá que a ensinaram também aos Trumai. Comenta o narrador das "lendas waurá" registradas por Schultz:

"Trumai mais sabe Javari. Kamayurá sabe. Waurá pouquinho sabe de Javari. Vovô de Trumai sabe de Javari. Aweti sabe muito de Javari…"
(Schultz 1965/66:48)

Assim, embora tenham perdido muito com a redução populacional e a conseqüente perda de indivíduos importantes, especialistas em práticas e conhecimentos rituais, como os dos cantores, estão hoje demonstrando como pelo menos algumas dessas tradições podem ser recuperadas, como no caso da planejada aquisição de flautas karytu, que lhes permitirá retomar um dos rituais que continua mais vivo em outras aldeias do Alto Xingu.

 Fontes de informação

BASTOS, Rafael J. de Menezes. 1989. A festa da jaguatirica: uma partitura crítico-interpretativa. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.
BORELLA, Cristina de Cássia. 2000. Aspectos morfossintáticos da língua Awetí (Tupí), Tese de Mestrado, UNICAMP.
COELHO DE SOUZA, Marcela. 1994. A Língua Aweti (Tupi, Alto Xingu). (Avaliação Final do Curso de Especialisação em Línguas Indígenas Brasileiras, Museu Nacional). Ms.
COELHO DE SOUZA, Marcela. 2000. “Virando gente: notas a uma história awetí”. In: Franchetto, B. & Heckenberger, M. (orgs.), Os Povos do Alto Xingu. História e Cultura. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. pp. 360–402.
DRUDE, Sebastian. 2002. “Fala masculina e feminina em Awetí”. In: Cabral, A.S.A.C. & Rodrigues, A.D. (orgs.), Línguas Indígenas Brasileiras: Fonologia, Gramática e História. Atas do I Encontro Internacional do Grupo de Trabalho sobre Línguas Indígenas da ANPOLL. Belém: Editora da UFPA. pp. 177–190.
DRUDE, Sebastian. 2005. “Lingüístas e antropólogos Alemães na Amazônia Brasileira”. In: Alves, J.J.A. (org.), Múltiplas Faces da História das Ciências na Amazônia. Belém: Editora da UFPA. cap. 2.8.
--------. 2006a. “On the position of the Awetí language in the Tupí family”. In: Dietrich, W. & Symeonidis, H. (orgs.), Guaraní y "Mawtí-Tupí-Guaraní". Estudios históricos y descriptivos sobre una familia lingüística de América del Sur. Berlin & Münster: LIT Verlag. pp. 11–45.
--------. (org.) 2006b. A documentation of the Awetí language. Por Sebastian Drude e Sabine Reiter e outros. http://www.mpi.nl/DOBES/projects/aweti  | http://corpus1.mpi.nl/ds/imdi_browser/ > DoBeS Archive > Aweti
--------. no prelo. “Tense, aspect and mood in Awetí verb paradigms: analytic and synthetic forms”. In: Harrison, D. & Rood, D. & Dwyer, A (orgs.), A world of many voices: lessons from endangered languages. Berlin & Philadelphia: Benjamins.
EMMERICH, Charlotte e Ruth Maria F. MONSERRAT, 1972. Sobre a fonologia da língua Aweti (Tupi), Boletim do Museu Nacional, 25 (N.S. Antropologia).
HARTMANN, Günther, Xingú. 1986. Unter den Indianern in Zentral-Brasilien. Berlin: Reimer (Katalog, Staatliche Museen Preußischer Kulturbesitz / Museum für Völkerkunde Berlin).
HECKENBERGER, Michael. 1996. War and Peace in the Shadow of Empire: Sociopolitical Change in the Upper Xingu of Southeastern Amazonia. Ph.D. Dissertation. Pittsburgh: University of Pittsburgh.
MEYER, Herrmann. 1990 Bericht über seine weite Xingú-Expedition. Verhdlg. der Gesellschaft für Erdkunde, 23:112-128.
MONSERRAT, Ruth Maria F. e Marilia FACÓ-SOARES. 1983. “Hierarquia Referen­cial em Línguas Tupí”. Ensaios de Lingüística. Cadernos de Lingüística e Teoria da Literatura, 9:164–187. Belo Horizonte.
--------. 1976. "Prefixos pessoais em Aweti". Série Linguística, 3. Rio de Janeiro: Museu Nacional.
RIBEIRO, Berta G. 1979. Diários do Xingú. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
RODRIGUES, Aryon D. 1984/1985. “Relações internas na família lingüística Tupí-Guaraní”. Revista de Antropologia, 27/28:33–53.
--------. 1964. “A classificação do tronco lingüístico Tupi”. Revista de Antropologia, 12:99–104.
SCHMIDT, Max. 1905. Indianerstudien in Zentralbrasilien: Erlebnisse und Ethnologische Ergebnisse in einer Reise in den Jahren 1900–1901. Berlin: Reimer
SILVA, Pedro Agostinho da. 1970. "Estudo preliminar sôbre o mito de origens xinguano. Comentário a uma variante Awetï." Universitas - Revista de Cultura da Universidade Federal da Bahia, 6-7:457-519.
--------. 1972. "Informe sobre a situação territorial e demográfica do Alto Xingu". In: G. Grunberg (org.), La situación del indígena en América del Sur. Uruguay: Tierra Nova. pp. 355-379.
STEINEN, Karl von den. 1894. Unter den Naturvölkern Zentralbrasiliens: : Reiseschilderungen und Ergebnisse der zweiten Schingú-Expedition 1887-1888. Berlin: Reimer
STEINEN, Karl von den. 1940 [1894]. Entre os Aborígenes do Brasil Central. Separata da Revista do Arquivo, n. XXXIV a LVIII. São Paulo: Departamento de Cultura.
VASCONCELOS, Vicente de Paulo T. da Fonseca. 1945. Expedição ao rio Ronuro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.
VELOZZO, Nilo. 1961. Rumo ao desconhecido. Rio de Janeiro.
VILLAS BOAS, Cláudio e VILLAS BOAS, Orlando. 1990. Xingu: os índios, seus mitos. Porto Alegre: Kuarup.
ZARUR, Jorge. 1975. Parentesco, ritual e economia no alto Xingú. Brasília: FUNAI.