domingo, 31 de maio de 2020

Wapixana

Toy art da etnia Wapixana
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
216Wapixana
Aruak
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PR7832Funasa 2010
Guiana 6000Forte 1990
Venezuela17INE 2001


Além do vale do rio Uraricoera, os Wapichana ocupam tradicionalmente o vale do rio Tacutu, ao lado dos Macuxi, os quais habitam também a região de serras mais a leste de Roraima. Atualmente, os Wapichana são uma população total de cerca de 13 mil indivíduos, habitando o interflúvio dos rios Branco e Rupununi, na fronteira entre o Brasil e a Guiana, e constituem a maior população de falantes de Aruak no norte-amazônico.

Nomes

No que é hoje o território wapichana, distribuídos entre o vale do rio Branco (no Brasil) e o vale do Rupununi (na Guiana), distinguiam-se, até os anos trinta e quarenta do século XX, os seguintes grupos: Vapidiana-Verdadeiro, Karapivi, Paravilhana, Tipikeari, Atoradi (também grafado Aturaiú ou Atorai), Amariba, Mapidian (Mapidiana, Maopityan) e Taruma (Farabee, 1918; Herrmann, 1946).
Jovens Wapixana

Segundo Herrmann (1946), com base no registro do missionário beneditino M. Wirth, os Vapidiana-Verdadeiro localizavam-se desde a serra Urocaima, entre os rios Parimé e Surumu; os Karapivi, nos rios Surumu, cotingo e Xumina; os Paravilhana, no rio Amajari; os Tipikeari, entre os rios Uraricoera, Mocajaí e Cauamé; e os Atoradi, na serra da Lua. Os Amariba, Mapidiana e Taruma, etnônimos registrados por Farabee, localizar-se-iam principalmente no vale do rio Rupununi.

Nas fontes coloniais, tais etnônimos são dados por povos ou “nações” distintas. Farabee afirma que, historicamente, os Wapichana teriam se expandido em direção ao leste, e neste processo teriam incorporado estes grupos, próximos lingüística e culturalmente, que beiravam a extinção, em virtude de epidemias advindas do contato com os brancos.

Tal hipótese é sustentada por autores posteriores como Butt-Colson (1962) e Migliazza (1980). Não há, porém, comprovação documental de uma expansão dos Wapichana em direção ao leste, tendo por epicentro o vale do rio Uraricoera, sequer da ocorrência de epidemias que tenham vindo a dizimar estas populações entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX, como sugere Farabee.

Mais plausível parece ser a hipótese de Janette Forte e L. Pierre (1990) de que, ao mesmo tempo em que tais etnônimos, designando sub-grupos dialetais, teriam caído em desuso, o etnônimo Wapichana teria se alargado de modo a abranger todos os sub-grupos, entre os quais ainda se verifica ligeira variação dialetal. Tal hipótese condiz mais com a imagem projetada pelos próprios Wapichana, que hoje vêem uma única distinção, posta em termos de variação dialetal, entre os habitantes do vale do rio Uraricoera e aqueles do Tacutu/Rupununi.

 Língua

Do ponto de vista da classificação genética, a língua Wapichana é considerada como pertencente à família Aruak (ou Arawak) (Rodrigues, 1986). O termo Arawakan corresponde ao emprego mais geral da denominação da língua Arawak ou Lokono falada na Venezuela, na Guiana, no Suriname, na Guiana Francesa e em algumas ilhas antilhanas. Outro termo usado para designar a família Aruak é Maipuran.

Especialmente para os Wapichana que vivem no lado brasileiro, nos arredores dos centros urbanos, o zelo pela língua materna é bastante significativo, pois, como atesta o levantamento sociolingüístico elaborado por Franchetto (1988), há duas realidades no que concerne ao uso da língua nativa pelos Wapichana.

Aqueles que habitam as proximidades dos centros urbanos convivem com uma situação de bilingüismo envolvendo o português e o Wapichana, com uma crescente predominância da língua portuguesa, especialmente, entre as gerações mais jovens. Diferentemente, para aqueles que vivem em malocas mais distantes das cidades e mantém contatos constantes com os parentes na Guiana, a língua materna se mantém numa situação quase plena de monolingüismo.

Segundo Migliazza (1980), mais de 80% dos Wapishana podem falar a língua nacional com a qual estão em contato, ou português no Brasil ou o inglês na Guiana, e 30% deles podem também falar Makuxi ou Taurepang, ambas línguas pertencentes à família Karíb.

Na realidade, considerando a facilidade de se ultrapassar a divisa entre os dois países, é comum encontrar, no lado brasileiro, pessoas que falem, além de sua língua materna, o português e o inglês. Há, por outro lado, pessoas mais velhas que moram em malocas distantes e de difícil acesso e que falam apenas sua própria língua.  Na época da pesquisa de Migliazza (1985), o número de falantes do Wapishana girava em torno de 60% da população. Segundo os dados do Núcleo Insikiran de Formação Indígena, em 2003 esse percentual encontrava-se reduzido para apenas 40%.

 Localização

A região de campos (ou do lavrado) compreende a área que vai do rio Branco ao rio Rupununi, região de divisão das águas das bacias do rio Amazonas e do rio Essequibo. Configuração singular circundada por floresta e montanha, pertence geologicamente ao escudo cristalino das Guianas que margeia a planície amazônica e, mais alta do que esta última, encontra-se de 91 mil a 152 mil metros acima do nível do mar. Ao norte e a oeste, os campos são limitados abruptamente pela cordilheira da Pacaraima; ao leste e ao sul, a transição para a floresta amazônica se faz de modo mais lento, adensando a vegetação e amiudando as montanhas.
Terra Indígena Wapixana

Em território brasileiro, na porção nordeste de Roraima, as aldeias wapichana localizam-se predominantemente na região conhecida por Serra da Lua, entre o rio Branco e o rio Tacutu, afluente do primeiro. 

Em Tabalascada 90,0% dos habitantes são Wapixana e os Macuxi são produto de casamentos inter-étnicos.

Povos indígenas da região norte do Brasil (Macuxi) e da Venezuela compartilham a mesma cosmovisão do surgimento do mundo. Descreve-se a organização hierárquica da comunidade e suas lideranças eleitas por uma assembleia, bem como a articulação com outras comunidades no seio do Conselho Indígena de
Roraima (CIR). Descreve-se o alto grau de articulação institucional da educação indígena no estado e a entrada de estudantes indígenas a universidades. A comunidade é atendida por uma equipe multiprofissional que, além de enfermeira, odontólogo e médico, tem agente indígena de saúde, agente de saneamento básico e microscopista, estes últimos oriundos da comunidade. 

No baixo rio Uraricoera, outro formador do rio Branco, as aldeias são, em sua maioria, de população mista, Wapichana e Makuxi. Aldeias mistas, Wapichana e Makuxi ou Wapichana e Taurepang, ocorrem igualmente nos rios Surumu e Amajari.

A extensão contínua do território wapichana, no Brasil, foi abusivamente retalhada para fins de demarcação oficial, ao final dos anos oitenta. Àquela época, foram recortadas pequenas áreas indígenas, em que os Wapichana viviam uma verdadeira situação de confinamento, em terras cercadas e, em sua maioria, invadidas por fazendas de gado. Vivem em diversas Terras Indígenas, muitas das quais são compartilhadas com outros povos, como os Makuxi, os Taurepang, os Ingarikó e os Patamona.

Para conhecer o longo processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ver o especial preparado pelo ISA,

Na Guiana, as aldeias wapichana concentram-se entre os rios Tacutu, Rupununi, e Kwitaro, limitando ao norte, nas montanhas Kanuku, com o território Makuxi; ao sul, sua ocupação se estende à vizinhança do território Wai-Wai.

 População

Em 1997 os Wapichana eram uma população estimada entre 10 mil e 11 mil indivíduos. Em área brasileira, estimava-se cerca de 3 mil a 4 mil indivíduos em aldeias, e em torno de mil pessoas em cidades e fazendas. Segundo dados da Funasa de 2008 a população total wapichana é de 7 mil indivíduos. Para a Guiana, a estimativa mais recente é a de Forte (1990): em torno de 6 mil.

Afastando-se do modelo etnográfico para as Guianas (Rivière, 1984), o padrão aldeão wapichana apresenta, em primeiro lugar, uma grande estabilidade, - aldeias como Malacacheta e Canauanim já são mencionadas pelo viajante Henri Coudreau, que as visitou na década de 1880, com a mesma localização atual - e ainda, alta densidade demográfica: as aldeias wapichana no Brasil apresentam uma população média de 150 habitantes. Mais altas são as cifras apresentadas para as aldeias em área guianense, em torno de 500 habitantes (Forte, 1990).

 Histórico do contato

Habitantes de uma fronteira, fruto de partilha colonial, os povos indígenas dos campos e serras do médio e alto rio Branco - entre eles, os Wapichana - vivenciaram um duplo processo colonizatório a partir de meados do século XVIII. Vindos do vale amazônico, os portugueses inicialmente atingiram a população indígena no rio Branco por meio de expedições para apresamento de escravos e, em fins do século, ali estabeleceram aldeamentos.

Já os holandeses, por sua vez, alcançaram a região através de uma extensa rede de troca de manufaturados por escravos índios. Após a cessão da Guiana aos ingleses, no bojo das guerras napoleônicas, o interior da colônia permaneceria, por longo tempo, intocado: sua organização administrativa viria a ocorrer apenas ao final do século XIX, a ocupação consolidando-se já no século XX.

Ao longo do século XIX, a colônia inglesa, centrada na produção de açúcar na região costeira, empenhou-se na importação maciça de trabalho indígena, em substituição ao trabalho escravo africano. Assim, a pecuária nos campos do rio Rupununi, apoiada em mão-de-obra indígena, teria início na década de 90 do século XIX, em pequena escala, atingindo moldes empresariais apenas na década de 30 do século XX.

Para o vale do rio Branco, pode-se igualmente dizer que, apesar desta primeira fase de escravização e aldeamento no século XVIII, o contato se intensifica com a ocupação fundiária, que se inicia com a chegada de colonos civis na segunda metade do século XIX. Com efeito, a colonização civil, que consolida a economia pecuária da região, inaugura a espoliação de territórios indígenas.

A ocupação de terras nesta região fez-se acompanhar de mecanismos de arregimentação da população indígena para as camadas mais baixas da sociedade regional que então se formava.

Segundo o cronista Lobo D´Almada (1861 [1787]), os Paravilhanos, Aturahis e Amaribás localizavam-se entre as cabeceiras do rio Tacutu e o Rupununi. Os Wapichana, por sua vez, ocupavam as serras vertentes do rio Mau até as do rio Parimé.

O relato do viajante R. H. Schomburgk (1903 [1836-9]), que explora a região entre os anos 30 e 40 do século XIX, fornece pistas importantes sobre as trajetórias seguidas pelos povos no rio Branco em período imediatamente posterior ao século XVIII. Depreende-se de seu relato que, nas primeiras décadas do século, os povos habitantes da área oeste do rio Branco estavam em refluxo para áreas ainda mais a oeste, em direção à bacia do rio Orinoco, e passavam por processos de absorção entre etnias, o que talvez possa responder pela desaparição de alguns etnônimos em fontes posteriores.

No leste do vale, Schomburgk igualmente observa um processo de refluxo territorial: os Wapichana e outros povos habitantes entre as serras da Lua e Carumá, tais como os Atorai e Amariba, teriam migrado para o extremo leste.

Julgava ainda, embora equivocadamente, que os Paraviana houvessem migrado em direção ao Amazonas. A menção à suposta  migração dos Paraviana é, no entanto, importante pelo que atesta de sua desaparição àquela altura do século XIX, embora fossem tidos como um dos povos mais numerosos no rio Branco no século XVIII (Ribeiro de Sampaio, 1872 [1777]).

Pode-se supor que, brutalmente atingidos pela escravidão e pelo aldeamento empreendidos pelos portugueses no século XVIII, como o foram, os Paraviana cedo hajam se incorporado aos Wapichana. Tal processo parece ter ocorrido lentamente, ao longo do século XIX e início do XX, entre os povos que Schomburgk então considerava “aparentados” aos Wapichana, ou seja, Atorai e Amariba, bem como os Tapicari e Parauana, pois que, nos anos 30 do século XX, o lingüista e missionário beneditino M. Wirth a todos relacionaria como grupos dialetais dentre os Wapichana.

As epidemias, que se sucederam desde o período colonial, decerto contribuíram para uma depopulação. Sabe-se que uma epidemia de varíola, iniciada no rio Negro, na década de 80 do século XIX, provavelmente se disseminou no rio Branco, trazida pelos índios que fugiam dos batelões em quarentena. Outra epidemia, dessa vez a gripe, de grandes proporções, veio a grassar na Guiana, atingindo sobretudo a população Atorai e Wapichana, ao final dos anos 20 do século XX.

Durante o século XIX, o recrutamento forçado de mão-de-obra indígena não cessou no rio Branco, canalizado, nas primeiras décadas do século, para as povoações no rio Negro. Tal demanda tendeu a crescer exponencialmente com a exploração do caucho e da balata no baixo rio Branco, a partir dos anos 50 do século XIX.

Já ao final dos anos 80, o viajante francês H. Coudreau (1887) veio a descrever, em tons fortes, uma economia regional que dependia inteiramente da mão-de-obra indígena. A utilização dessa mão-de-obra persiste no quadro da economia pecuarista que se instala nas últimas décadas do século.

Entre fins do século XIX e início do XX, a colonização civil, tanto nos campos do Rio Branco quanto nos do Rupununi (já sob domínio inglês) , trouxe em seu bojo a ocupação do território wapichana, bem como o recrutamento sistemático de sua mão-de-obra para o trabalho nas fazendas brasileiras e inglesas. Avassaladora, a ocupação fundiária encurralou aldeias e provocou fugas em massa da população, sobretudo, naquela altura, da área brasileira para a colônia inglesa. Fluxo inverso se registrou mais recentemente, nos anos 1970.

A ocupação do território wapichana na primeira década do século XX coincidiu ainda com o início da atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, de modo muito mais intensivo, de missionários beneditinos. Muito embora as aldeias wapichana distassem do centro missionário beneditino no Rio Surumu, foram alvo de constantes viagens de desobriga, além da escolarização ministrada por irmãs beneditinas nas aldeias mais próximas ao núcleo urbano de Boa Vista e, por fim, do recrutamento sistemático de crianças para educação no internato mantido pelos missionários no rio Surumu. Quadro análogo se desenha na vizinha Guiana, onde a evangelização dos Wapichana foi iniciada pelos jesuítas à mesma época.

 Quadro mais recente

As aldeias wapichana ainda são afetadas pelo recrutamento da mão-de-obra, tanto para o trabalho doméstico quanto para as fazendas que recortam seu território. Dos anos setenta ao início dos noventa, a exploração da mão-de-obra wapichana recaiu sobretudo na população proveniente de aldeias em território guianense que, perseguida politicamente pelo regime de Forbes Burham, tendia a submeter-se ao salário vil e às condições mais adversas de trabalho no Brasil.

As aldeias são ainda objeto de intenso assédio pelos partidos políticos em períodos de campanha eleitoral. Sem escapar às práticas correntes no país, no que tange às populações carentes, a compra de votos ali se faz homem a homem, no caso de candidatos operando individualmente, em distribuição de cobiçadas latas de óleo ou sardinha, ou então, quando o partido controla a máquina governamental, os presentes atingem toda a aldeia: desde a campanha eleitoral de 1994, quase todas as aldeias wapichana, do Uraricoera ao Tacutu, passaram a ostentar não só tratores, mas também antenas parabólicas oportunamente doadas pelo governo do Estado de Roraima.

Além disso, há o sistema escolar. A escolarização indígena foi iniciada em Roraima pelos missionários católicos na primeira década do século XX. Não se pode dizer, porém, que a escolarização religiosa tenha tido incidência significativa nas aldeias wapichana, pois que, dentre os adultos mais idosos hoje, aqueles escolarizados no período constituem raras exceções. A escolarização sistemática passou a ocorrer, com efeito, a partir do período militar, quando foram implantadas escolas nas aldeias. No final dos anos 90, todas as aldeias contavam com escolas primárias; o ensino secundário era fornecido na aldeia Malacacheta, bem como na cidade de Boa Vista.

 Aldeia e suas relações

Espalhadas pelo campo, as casas compõem, à primeira vista, um desenho aleatório. Ligam-nas umas às outras estreitas trilhas, imperceptíveis ao olhar menos treinado, secundárias em relação ao caminho largo que leva ao pátio do centro religioso e da escola e deste, à saída da área. Focalizadas mais de perto, as trilhas finas, quase perdidas entre as casas mais afastadas, se adensam entre casas mais próximas, e apontam para conjuntos sociológicos, quais sejam, as parentelas.

Filhas casadas preferem, quando possível, construir suas casa na proximidade da casa materna. Junto à mãe, criam seus filhos, com ela partilham do trabalho e do alimento. Os caminhos que ligam suas casas falam, assim, de trocas cotidianas: da carne que, caçada pelo marido, a filha ciosamente ofertará à mãe e às irmãs; da ajuda no parto e nas doenças; do caminho às roças que todas perfazem juntas pela manhã; das tardes passadas ao fiar o algodão ou ralar a mandioca, enquanto as crianças brincam no terreiro da avó. A circulação do caxiri, bebida de mandioca, ainda que, para fins cerimoniais, envolva um maior número de parentelas não necessariamente chega a envolver toda a aldeia; o caxiri “doce” – isto é, de baixo teor alcoólico-, feito para o consumo cotidiano, é produzido e partilhado aqui, neste circuito íntimo de mãe e filhas.

 Atividades produtivas

Os Wapichana obtêm recursos para a sobrevivência essencialmente na agricultura, que é realizada mediante a técnica tradicional, isto é, a coivara. Normalmente, as famílias possuem suas próprias roças, mas isso não impede que umas realizem mutirões coletivos nas roças das outras.

O processo se dá da seguinte maneira: a família proprietária da roça solicita o trabalho dos demais membros da maloca nos períodos de necessidade, tais como: nas épocas de limpa, de colheita etc. e, durante o período em que realizam o trabalho conjunto, a família beneficiada oferece a todos a alimentação necessária e sua bebida típica - o caxiri. Esse processo se repete para todas as famílias que precisem do trabalho do grupo.

Dentre os produtos cultivados destacam-se o feijão, o milho e, em especial, a mandioca. A utilidade do feijão e do milho assemelham-se ao uso empregado por não-índios; ou seja, o feijão faz parte do prato cotidiano, enquanto o milho tanto é consumido na sua forma natural quanto em seus derivados, tais como, a canjica, a pamonha etc. A mandioca, entretanto, é o alimento básico e mais tradicional deles. É consumida na forma natural e em alimentos derivados, tais como, o beiju, a farinha e a tapioca, mas, sobretudo, é utilizada na produção de bebidas especiais, como pajuaru, saboruá e caxiri, servidas tanto cotidianamente (muitas vezes como alimentação) como por ocasião de solenidades.

Pajuarú ou Caxiri


O Pajuarú, a bebdia fermentada de mandioca da etinia difere-se do cauim por não ter o processo de mastigação para a quebra do amido.

No processo de produção ancestral a mandioca é descascada (raspada), depois passa pelo chamado processo 'cevar', arejando bem os grãos para se evaporar bem o ácido cianídrico (temperatura de ebulição é ambiente, de aproximadamente 26°C).


A seguir a massa é parcamente peneirada e retiram-se apenas as partes grandes, como a caroeira, que são os restos da casca da mandioca que não foram totalmente triturados, deixando apenas o farelo da massa pronto para ser levado ao forno.

O forno é pré-aquecido e a massa é colocada e prensada juto ao fundo, para se fazer o beiju. A formação do beiju se dá pelo aquecimento que causa a ligação entre as moléculas de amido. 

Uma das principais características do Pajuaru (ou Caxiri como também é chamado na região) é que o beiju é bem groceiro, com grãos pequenos e grandes misturados.

Em seguida, colocam-se ramos de Periquiteira (Trema micrantha, planta da família das canabáceas) sobre os beijus umedecidos, que por fim é coberto com pano grosso ou plástico,  e colocado para repousar por dois dias.

A segunda caracteristica do Pajuaru, como já foi dito,  é que invez de usar a amilase salivar, usa-se enzimas da Periquiteira para quebrar o amido em açucares.

Ao final do processo dá-se a fermentação alcoólica em panelas de metal.



Outros Recursos

Também buscam recursos na caça e na pesca, que cada vez mais são realizadas com instrumentos da cultura não-indígena, como anzóis, redes de pesca, armas de fogo etc. Todavia, sobretudo nas malocas mais distantes dos centros urbanos como o Pium, por exemplo, ainda fazem uso da flecha e da lança para a realização dessas atividades. São igualmente importantes as atividades de coleta e extrativismo de produtos vegetais, tais como bacaba, buriti, açaí, dentre outros.

Outra atividade relevante é a pecuária, particularmente, a criação coletiva de gado, a qual é administrada pelo tuxaua de cada maloca e que visa prover a comunidade de recursos. São também comuns as criações de ovinos e suínos, as quais são administradas por cada núcleo familiar.

 Cosmologias

Cosmogonia e a força criativa da fala

No começo, dizem os Wapichana, “quando o céu era perto, tudo falava, era  puri”, magia. Céu e terra eram então indiferenciados, bem como indiferenciados eram os seres que os habitavam, porque sua fala era uma só.

Era sobretudo plástico aquele mundo original, e a força de o moldar encontrava-se na palavra: “Antes falava e mudava as coisas. Tudo agora já está feito”. Eficaz, criativa, a palavra provocava transformações contínuas, que deram ao mundo a feição que ele ainda hoje guarda: cachoeiras, rios, montanhas assim se criaram, em batalhas verbais entre os demiurgos.

O tempo de antes está, porém, irremediavelmente perdido. O mundo, tal como o conhecemos hoje, apresenta-se como o reverso da plasticidade original; o mundo está pronto e é “duro”, resiste à intervenção humana. Isto porque, explicam os Wapichana, a fala perdeu sua força produtiva - propriedade, originalmente, de toda fala. Sua magia hoje só se manifesta no interior do discurso ritual.

O mundo de hoje é, assim, resultado da ruptura de uma ordem primordial, ruptura que diferenciou o tempo e o espaço e provocou a especiação [diferenciação entre as espécies]. A especiação, por seu turno, repousou sobre uma distribuição desigual da fala: perderam-na muitas espécies, motivo básico pelo qual se tornaram outras espécies - ou, como gostam de dizer os Wapichana, qualidades -, fazendo com que a fala articulada seja hoje atributo quase exclusivo da humanidade, que a distingue dos outros entes que povoam o mundo. Assim, a fala articulada é, aos olhos dos Wapichana, o que os faz humanos.

Udorona, o princípio vital

Udorona é princípio vital que se encontra na fala, no sangue, na respiração; prova disso, dizem os Wapichana, é que quando morremos ficamos brancos e frios.

À diferença da respiração e da fala, o sangue é componente da pessoa transmitido e partilhado. Para os Wapichana, o sangue, com efeito, é obtido por transmissão: recebemo-lo de pai e mãe, em partes igualmente distribuídas. É, além disso, partilhado: irmãos, pais e filhos de um indivíduo possuem o mesmo sangue. Os limites da consangüinidade estão dados neste grupo, limites estes que são ditos sõtokon, “minhas pontas”: “ponta é como planta, o que nasce do mesmo pé”.

A respiração é componente pessoal da alma: no ventre materno não a possuímos; apenas a obtemos quando, pela primeira vez, inspiramos. A respiração, em certa medida, acompanha o valor da fala, questão que se apreende com maior nitidez no contexto da magia: soprar e falar são atos homólogos, que surtem o mesmo efeito encantatório, por serem ambos alma.

Sopro, fala, o atributo fundamental da alma é a leveza. A alma - sopro e fala conjugados na magia - é o que, no homem, pode ainda restaurar a criatividade da fala original, seu poder de transformar o mundo.

Por sua vez, a fala, do ponto de vista wapichana, é índice exponencial da alma. Sua existência no homem é o que o singulariza, o que não o deixa diluir-se entre as coisas do mundo. Índice também da vida humana, comprova-o o murmúrio rouco e inaudível dos mortos, cuja inteligibilidade é sinônimo de morte.

A fala é, ainda, um princípio eminente da razão. Crianças pequenas são ditas madoronan, termo cuja tradução literal é “sem alma”, porque ainda não falam. De modo correlato, querem com isso dizer os Wapichana que crianças não têm discernimento - “criança não tem juízo” -, motivo pelo qual se lhes deve perdoar as tolices que cometem.

Ambos, fala e discernimento, desenvolver-se-ão concomitantemente no processo de socialização do indivíduo, culminando em plena sociabilidade. Assim, em seu auge, a faculdade de falar perfaz o homem, aquele que é capaz de dialogar com seus semelhantes. Nesta linha, diz-se ainda madoronan com referência àqueles que estão fora de si, por estarem seja bêbados, seja tomados por sentimentos violentos, como a raiva, o ressentimento, a paixão: estes agem erraticamente e não falam, recusam o diálogo.

A fala é princípio estritamente pessoal: “Para formar uma criança, os pais ajudam com o sangue; o sopro e a fala são dela mesmo. A gente ensina a falar, mas a udorona da gente não pode fazer o outro falar”.

O potencial de fala precisa ser desenvolvido socialmente: às crianças, evidentemente, se ensinam a falar. Este fato, que poderia passar por corriqueiro aos nossos olhos, para os Wapichana se reveste de alto valor simbólico, dada a equivalência entre a fala e a alma: ensinar a falar é processo de humanização, que só ocorre no interior de plena sociabilidade.

Além de pessoal, a fala é princípio cumulativo, que só encontra sua plenitude na velhice, quando, para os Wapichana, somos mais alma do que corpo. Nesta concepção imbrica-se o conhecimento, necessariamente envolto na competência oratória; falar bem é o corolário da sabedoria, que só existe na proporção da alma.

Em suma, correlato da alma, a fala é, da perspectiva dos Wapichana, valor central na definição do humano.

Pensadores refinados, os Wapichana não postulam que a alma habite suporte ou recipiente corporal, nem que se localize - imagem a que estamos habituados - em uma parte específica do corpo, seja coração ou cabeça. Udorona é o princípio vital propriamente dito, força que, por si, nos movimenta e anima. Indissociável do corpo, udorona é o princípio dinâmico que lhe confere movimento, autonomia e vontade. Sua realidade é ainda apreendida na sombra forte que projetamos ao sol.

Morte

A morte se atesta pela total cessação da respiração, da pulsação e da fala, o que pode ocorrer sem ser em definitivo, nos desmaios, no coma alcoólico e demais lapsos da consciência, eventos todos designados pelo mesmo verbo, maokan, morrer. Na morte, diz-se udorona 'umakon naa, “a alma se vai”, ou, de forma mais eloqüente, diz-se que “alguém se calou”, umashadan.

O destino após a morte não é objeto de alta elaboração; ao contrário, diante da questão, os Wapichana apenas reiteram que “ninguém sabe para onde vai udorona”. A morte não representa o fim da udorona, mas o fim de sua existência individuada; na morte, o que não perdura é a pessoalidade. Ainda que alguns creiam que udorona possua uma existência após a vida terrena, esta é uma existência sem identidade, para a qual opera o paulatino estranhamento dos mortos.

Destino diverso, note-se, seguem apenas os xamãs após a morte: permanecem em uma árvore chamada Toronai, que existe no alto, no céu ou no topo das serras mais altas e inacessíveis, onde se casam novamente e podem ter filhos.

Esvaindo-se a udorona, a morte produz dois outros aspectos que, embora distintos entre si, são ambos designados, eufemisticamente, porawaru, o vento. Udikini, ao contrário da força vital constituída na udorona, é a sombra mais fraca que projetamos ao sol. São ditos udikini os retratos e as imagens da televisão; tal como estes, udikini não passa de uma sombra pálida que, ocasionalmente, aparece aos vivos: "você reconhece, mas ela não está mais, ela já morreu". Inócua aos vivos, udikini pode apenas produzir barulhos nos locais que um dia freqüentou. Às vezes, esconde-se nos redemoinhos, mas, via de regra, pode ser percebida na casa em que habitava, pois procura estar junto a seus antigos pertences terrenos.

Poder-se-ia sugerir que udikini, definida pelos Wapichana como sombra, é a lembrança que o morto carrega de seus pertences em vida, mas, reversamente, lembrança do morto evocada pelos objetos que um dia foram seus. Lembrança que vai pouco a pouco cedendo, ao entrarem os objetos em novo uso e nova posse: em seis meses, mais ou menos, dizem os Wapichana, udikini desaparece.

Outra coisa é desfazer-se a lembrança de alguém, um rosto e uma história: isto constitui o ma'chai, termo que se refere tanto ao cadáver quanto ao seu espectro. “Udorona - dizem os Wapichana - ninguém sabe para onde vai; quem volta é ma'chai”.

Ma´chai, o cadáver e o espectro que este libera, é ente extremamente perigoso e letal, que tem o terrível poder de tudo apodrecer. A dor do luto e a memória dos mortos tornam os viventes vulneráveis aos ataques de ma´chai. Para evitá-los, o esquecimento é um imperativo. Ninguém o vê, ninguém o escuta, ninguém, em suma, o reconhece. O apagamento de sua memória é o requisito para a continuidade da vida. Como explicam os Wapichana, recorrendo sempre à comparação com o mundo vegetal: “veja o algodão, nunca lembra o pé de onde foi arrancado”. Em coletivo, libertos de sua feição individual, os mortos acedem à condição de antigos e, na distância que o esquecimento produz, já não representam ameaça ao tempo dos vivos.

 Práticas funerárias

O enterro e demais disposições do luto dizem respeito à parentela do morto, muito embora não haja uma divisão estrita de papéis entre afins e consangüíneos; a seu pedido, mesmo os vizinhos não aparentados podem colaborar.

O tempo de tomar tais providências corresponde ao de se velar o corpo. Este, no mais das vezes, permanece no telheiro exterior à casa, enrolado em sua rede ou totalmente coberto por um lençol.

Não há demonstrações ostensivas de emoção; ao contrário, o lamento dos parentes é grave e comedido. Os demais moradores da aldeia acorrem facultativamente a “espiar o corpo”, comentam em voz baixa a causa da morte. Crianças, mães de bebês de colo e doentes não participam do velório.

Em tempos passados, o corpo era enterrado em sua própria casa que era abandonada pelos parentes, mas esta prática caiu em desuso, hoje há um cemitério nas proximidades da aldeia.

Nos dias que seguem, a ameaça do ma´chai paira sobre toda a aldeia: é preciso não estar só, é preciso deixar a lamparina acesa durante toda a noite; luz e convívio que se oponham frontalmente ao escuro solitário de uma cova.

As crianças, mais vulneráveis do que os adultos à proximidade do ma´chai, devem ser protegidas: assistir enterros, seguir cortejos fúnebres, ou mesmo pisar involuntariamente no rastro de féretros lhes provocam disenteria, seu ventre incha, e a disenteria assinala um processo de decomposição análogo àquele por que passa o cadáver.

Os que mais facilmente se deixam levar pelo ma´chai são os consangüíneos. Vários são os casos de mortes que se seguiram à morte de pais, filhos ou cônjuges. Porém, mais do que sujeitos, os consangüíneos são, eles próprios, veículo de contágio, desde que se considera que, no luto, entram em um estado dito dipshan, “estado de putrefação”. A putrefação do cadáver igualmente os atinge: “é um mistério, esse, porque a gente ainda não morreu, e já está podre”.

Os consangüíneos devem tomar banhos preparados com uma mistura de ervas aromáticas, venenos de pesca e folhas secas de maniva, que, de modo análogo ao processo de purificação da casa, vêm neutralizar o odor dipshan que carregam, cortando suas ligações com o ma´chai. Expressão maior do luto, os banhos podem cessar depois de cerca de um mês, quando, do cadáver, só restam os ossos, que nada exalam e, por este motivo, não são perigosos

 Xamanismo

O xamã é denominado marinao e seus cantos, marinaokanu. Os cantos xamânicos são qualificados pela expressão upurz karawaru, que os Wapichana traduzem por “corrente do marinao”. Tais cantos o xamã entoa, acompanhado pelo ritmo de um molho de folhas de ingá ou pau-tipiti, para “subir”, ou seja, deixar o corpo e permitir que outros entes – em especial xamãs já mortos – se manifestem por meio do seu corpo, enquanto sua alma – udorona – visita os habitantes invisíveis das serras e outros locais. O princípio vital do marinao permanece ligado a seu corpo por meio deste canto-corrente e, por esse motivo, em guerras xamânicas, um marinao tentará cortar a corrente de seu adversário.

Um marinao que não possui um repertório upurz karawaru, ou seja, sua corrente, é dito chanaminuru, um xamã voltado para o mal, que se utiliza do arco-íris para sua subida. Em uma sessão xamânica, os cantos upurz karawaru são intercalados a diálogos, eventualmente estabelecidos entre os entes que se manifestam através do xamã e seus assistentes. Muitas vezes, estes entes expressam-se em línguas estrangeiras, trazendo ao discurso do xamanismo um certo grau de esoteria.

O ponto fundamental da iniciação de um xamã consiste da incorporação, através da ingestão pelas narinas e boca, de certa categoria de plantas – wapananinao – que, mágicas, possuem, estas sim, o dom do canto. Marinaokanu são, portanto, cantos de plantas wapananinao que o xamã guarda em si e que já se mesclaram à sua própria natureza.

Em uma sessão de cura, o canto dirige-se à alma do doente, bem como ao ente que a aprisiona, motivo da doença, operando persuasivamente sua recondução ao corpo. Os cantos não descrevem a batalha pela alma, antes consistem eles próprios em batalha.

Encantações

Os Wapichana glosam puri como “oração” ou “remédio”. São encantações - fórmulas - que têm o poder sobre o mundo tangível e intangível. São assim usadas para o tratamento de doenças - que invariavelmente decorrem da agressão de seres sobrenaturais -, bem como para garantir sucesso na caça, na pesca, na agricultura e quase todas as outras atividades cotidianas, femininas e masculinas. Utiliza-se igualmente puri para cancelar eventuais efeitos nefastos provenientes da inobservância rigorosa do resguardo do luto, do parto e da menstruação, ou ainda, para tornar comestíveis a caça e a pesca, apaziguando seu princípio, os “avós” de cada espécie. Puri é utilizado ainda para atuar sobre a vontade de outrem, em particular na atração amorosa e na vingança.

O conhecimento e utilização de fórmulas puri é, em princípio, acessível a todos. Repertórios, no entanto, variam em extensão: os mais vastos são reconhecidos como atributos de especialistas, os popazo, “rezadores”, muito embora sua aquisição não dependa de qualquer outro requisito além do interesse pessoal neste aprendizado. Adultos plenos, via de regra, possuem um repertório, ainda que restrito, para o tratamento doméstico das doenças dos netos.

A fórmula puri possui uma estrutura fixa, que não permite variações: fórmula curta, que se vale freqüentemente de paralelismo, sua eficácia repousa, em tese, na memorização e na repetição palavra por palavra.

As encantações são a linguagem dos entes que originalmente povoaram o mundo, quando a linguagem exercia um poder criador. Com a ruptura da ordem original, afirmam os Wapichana, aqueles seres transformaram-se em puri. Eis seu paradoxo: aprisionada na encantação, a palavra de todos aqueles entes só se manifesta, hoje, pela voz humana.

Efetuada em fala e sopro, a encantação é entendida como a alma em ato. Assim explicam os Wapichana: “quando a gente usa puri, sopra porque está chamando pela boca, o vento da gente está soprando, é a fala da gente. Está chamando udorona, assim como deus”. Desta propriedade lhe advém força para criar ou modificar realidades.

 Acesso ao conhecimento

Aona puaitapan amazada - “você não conhece o mundo” - é a resposta que escutam invariavelmente os mais jovens quando tentam opinar sobre assuntos considerados graves ou que, no mínimo, escapam à sua alçada. A frase bem resume o modo pelo qual os Wapichana concebem a aquisição do conhecimento. Amazada, o mundo, é noção que enfeixa espaço e tempo e, assim, a frase tem duplo sentido: de um lado, significa que alguém que ainda não correu o mundo não o conhece; de outro, significa que alguém ainda não viveu tempo suficiente para conhecê-lo.

Conhecer espaços mais amplos do que a própria aldeia de origem constitui fator respeitável de conhecimento. É de praxe que rapazes solteiros viajem pelas outras aldeias no Brasil ou na Guiana, ou a trabalho, em fazendas e garimpos que se espalham pelo território wapichana; comumente trazem de volta a esposa e o conhecimento de curas espetaculares, bem como um repertório expressivo de narrativas aprendidas à noite em volta das fogueiras.

No entanto, para os Wapichana, o acesso ao conhecimento, à sabedoria, encontra-se sobretudo associado ao tempo, à idade: os mais velhos são os que necessariamente acumularam o conhecimento pela experiência.

A associação do conhecimento à idade não significa que os mais jovens não possuam repertórios de narrativas; ao contrário, meninas e meninos impúberes, que permanecem, quase sempre, discretos e silenciosos durante a narrativa dos mais velhos, depois são capazes de repeti-la ou mesmo variá-la. Ocorre que, ainda que dominem um determinado repertório, os jovens não se sentem autorizados a veiculá-lo, pois esta autoridade é socialmente reconhecida como atributo da idade.

Os mais velhos, “aqueles que sabem as histórias”, são chamados kwad pazo, termo que os Wapichana letrados traduzem por historiadores; no contexto do culto católico, é dito kwad pazo aquele que interpreta a leitura bíblica. Outros, ainda por associação à letra, usam a metáfora “bibliotecas das aldeias” para se referirem a eles, reconhecendo-os, assim, como detentores de um conhecimento especializado.

Há que marcar uma diferença crucial em relação a outras sociedades amazônicas: o conhecimento entre os Wapichana, associado à idade, é um canal aberto e, em tese, acessível a todos, posto que a velhice é um processo inescapável, que chega inexoravelmente a cada um de nós. Concebendo o conhecimento como um processo necessariamente cumulativo, os Wapichana consideram que um adulto pleno pode ser um kwad pazo, o que não significa que todos o sejam; os mais velhos possuem o potencial, mas não é normativo desenvolvê-lo.

Em suma, o kwad pazo é um sábio, e a sabedoria é um derivativo necessário da experiência de vida. Os kwad pazo, por vezes, são chamados, bem como se auto-intitulam, jocosamente, “restos de kotuanao” [antigos], porque, além de narradores, são igualmente co-participantes de um passado cuja memória os mais jovens não partilham por experiência própria.

Para os Wapichana, o conhecimento em demasia envelhece e, por este motivo, os jovens não devem tentar adquiri-lo, sob pena de encanecer, ou, em caso extremo, enlouquecer. O envelhecimento precoce e a loucura são os motivos mais freqüentemente alegados pelos mais moços para preferirem não dominar as práticas discursivas não coloquiais.

Colorário da velhice, o conhecimento avança à medida que declina o vigor físico, em particular a atividade sexual e reprodutiva. Tal se explica pelo fato de que, para os Wapichana, a aquisição do conhecimento, afeto à esfera da alma, encontra-se na razão inversa da reprodução dos corpos. Entre jovens, as mulheres são mais afetas à esfera do corpo se comparadas aos velhos. No acesso ao conhecimento, assim, o critério idade decididamente subsume o do sexo: a velhice iguala homens e mulheres em seu afastamento do corpo, faz deles mais alma do que corpo.

Fases da vida

Os Wapichana não exibem grupos etários, nem demarcam rigidamente ritos de passagem. Evidentemente, muito embora não recebam maior institucionalização, se reconhecem fases socialmente relevantes na trajetória de um indivíduo.

Indiscriminadas, as crianças são referidas por um só termo, koraidaona. Na puberdade, “quando muda a voz”, um rapazinho passa a ser designado pelo termo tominaru, condição a ser superada apenas com o casamento, quando então acede à condição de daionaoara, termo que significa ao mesmo, tempo homem e marido. O nascimento dos filhos virá a consolidar esta condição adulta. Porém, apenas o tornar-se sogro, com o casamento dos filhos, constitui efetivamente o momento de acesso à idade madura e à respeitabilidade e, em um crescendo, o nascimento dos netos traz a idade adulta em sua plenitude.

O mesmo se aplica às mulheres, com a diferença de que a puberdade feminina se distingue por fases intermediárias que realçam, mais do que na esfera masculina, a entrada na vida sexual e reprodutiva: no despontar dos seios, a menina é dita kadineib'i, tornando-se kashinaru por ocasião da primeira menstruação; no auge da puberdade é dita mawisse, o que designa a mulher jovem e bela. Assim ela será considerada até o nascimento dos filhos, porque mawisse é a mulher que ainda não enfrentou um parto. A partir de então, a determinação pelos filhos torna a trajetória feminina análoga à masculina.

 Nota sobre as fontes

O discurso etnográfico sobre os Wapichana se funda com Henri Coudreau (1887-1888) na década de oitenta do século XIX, época em que o viajante francês explorou o leste do rio Branco, os vales dos rios Tacutu e Rupununi e alcançou o rio Trombetas. Visitava, portanto, os territórios wapichana e atorai na serra da Lua e de seus vizinhos Taruma e Wai-Wai, até o território Pianakoto. Gravemente acometido de febres, Coudreau deteve-se na aldeia de Malacacheta por onze meses, adquirindo uma familiaridade até então impensável com a língua e a vida cotidiana dos Wapichana. A Coudreau cabe, portanto, o primeiro retrato desses índios e de seu território.

Em 1918, o etnógrafo americano William Curtiss Farabee publicou The Central Arawaks, resultado de uma expedição de um ano ao distrito do Rupununi (na então Guiana Inglesa), sob o patrocínio do Museu da Universidade da Pensilvânia. A obra, seguindo um padrão da época, organizava-se em tópicos relativos à mitologia, à organização social, à cultura material e à língua dos povos Arawak na região, isto é, os Wapichana, Atoradi e Mapidiana. A monografia foi objeto de ácida crítica por parte de Walter Roth, então considerado um dos mais distintos estudiosos dos povos indígenas da colônia. Roth, funcionário colonial, vinha dedicando anos ao levantamento de dados etnográficos dos povos guianenses.

Já nos anos quarenta, a antropóloga Lucila Hermmann (1946) veio a empreender um estudo dos Wapichana em área brasileira: baseava-se em dados coletados pelo beneditino D. Mauro Wirth, que missionou entre os Wapichana ao longo da década de trinta. Abordava o parentesco, o ritual e o sistema político, este último sob a ótica das mudanças introduzidas pelo contato.

Após os estudos de L. Herrmann, seguem-se apenas artigos breves de E. Soares Diniz (1967) e de Orlando Sampaio Silva (1980; 1985), datados já dos anos sessenta, que guardam, invariante, a temática das relações de contato.

A antropóloga norte-americana Nancy Fried realizou pesquisa de campo entre os Wapichana nos anos oitenta. No entanto, a divulgação de seus resultados, ao que tudo indica, resume-se a um artigo sobre identidade étnica Wapichana (1985).

No período de 1988 a 1994, a antropóloga Nádia Farage realizou a pesquisa documental e o trabalho de campo entre os Wapichana. Seu trabalho cujo tema são as práticas retóricas wapichana, resultou em uma tese defendida na Universidade de São Paulo em 1997 e em alguns artigos sobre a ética da palavra e os gêneros discursivos entre os Wapichana. A tese desta autora continua sendo a descrição etnográfica atual sobre esse povo.

Dentre os trabalhos mais recentes, estão a dissertação de mestrado de Giovana Acácia Tempesta (2004) sobre as práticas de resguardo entre os Wapichana e os Makuxi; a tese de doutorado de Carlos Alberto Borges da Silva (2005) sobre a Revolta do Rupununi, ocorrida em 1969, no sul da Guiana; e o doutorado do lingüista Manuel Gomes dos Santos que resultou em uma gramática do Wapichana.

Na Guiana, foram realizados os estudos de T. McCann (1972) e, mais recentemente, de Janette Forte e L. Pierre (1990). O estudo de McCann, relatório inédito dirigido às agências de fomento, ocupava-se teórica e praticamente da questão da integração dos Wapichana à sociedade nacional. Realizado pouco tempo depois da assim chamada “revolta do Rupununi” em 1969 – em que os Wapichana, apoiando os fazendeiros brancos locais, insurgiram-se contra o governo central -, o estudo focalizava, com efeito, aquilo que seria a prioridade do governo para aqueles anos: o controle político dos Wapichana através da co-partilha imposta de uma nacionalidade.

O breve ensaio de J. Forte e L. Pierre (1990), fruto de um levantamento da situação sociológica do distrito do Rupununi em 1989, segue as linhas gerais acima apontadas, buscando aferir o grau de integração dos Wapichana, duas décadas depois da revolta, considerada um divisor de águas para as relações inter-étnicas na região.

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Tariana

Toy Art Tariana

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
187Tariana
Aruak
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
AM2067Funasa 2010
Colombia2051988

Os Tariana se reconhecem e são reconhecidos entre as etnias do Uaupés como “filhos do sangue do trovão”, bipó diroá masí. De origem Aruak, hoje a imensa maioria dos Tariana fala a língua Tukano e vive no povoado de Iauaretê ou em comunidades próximas, às margens do Uaupés.

Concomitante ao processo de adensamento urbano em curso em Iarauetê, os Tariana têm buscado articular bens e costumes dos “brancos” – tais como mercadorias, dinheiro, papéis... – com a riqueza herdada dos ancestrais – entre as quais, nomes, enfeites cerimoniais, mitos...
Ritual Tariana
Nestas páginas encontram-se informações específicas sobre este grupo. Dados gerais sobre a história, o modo de vida e a visão de mundo em grande medida compartilhados pelos mais de 20 grupos que habitam a região do alto Rio Negro estão no verbete Etnias do Rio Negro.

 Localização e população

As comunidades Tariana estão distribuídas ao longo do médio e alto curso do rio Uaupés, em três distintos núcleos de concentração. O primeiro e mais importante deles é formado pelas comunidades situadas no povoado de Iauaretê e em suas imediações. Quatro dessas comunidades correspondem aos bairros mais antigos do povoado (São Miguel, Dom Bosco, Santa Maria e São Pedro), ao passo que outras seis estão localizadas a pouquíssima distância (Japurá, Aracapá e Sabiá, à margem direita do rio Papuri muito próximas à sua foz, e Campo Alto, Itaiaçu e Miriti, localizadas às margens do rio Uaupés, a primeira abaixo de Iauaretê e as duas últimas acima).
Território Indígena Tariana

Os outros dois núcleos Tariana estão separados do primeiro por comunidades Tukano, Arapaso e Pira-Tapuia, estando um localizado no alto Uaupés e outro no médio curso desse rio. Ou seja, há um núcleo situado a montante do núcleo central de Iauaretê, formado por duas comunidades (Santa Rosa e Periquito), e outro a jusante, formado por quatro comunidades (Ipanoré, Urubuquara, Piu-Pinu e Nova Esperança).

A população dos Tariana no Distrito de Iauaretê foi estimada, em 2004, em cerca de 1.300 indivíduos. Há ainda um número desconhecido de famílias Tariana que hoje vivem na cidade de São Gabriel da Cachoeira e em outras comunidades ou centros urbanos do Rio Negro, como Santa Isabel e Barcelos.  Em termos populacionais, o povoado de Iauaretê concentra a grande maioria da população Tariana.

 Língua
Hoje a língua Tariana, da família Aruak, é falada apenas por indivíduos pertencentes a sibs de posição hierárquica inferior. A explicação que dão para isso está relacionada ao fato de que, uma vez vivendo no Uaupés, os homens da maior parte dos sibs passou a se casar com mulheres Wanano e Tukano, de modo que as crianças nascidas dessas uniões foram se habituando às línguas maternas. Seguindo a regra da exogamia lingüística característica da região, homens Tariana não se casam com mulheres de sua própria etnia. Hoje praticamente todos são falantes do Tukano, que funciona como língua franca no Uaupés. Sua língua original é muito próxima à dos Baniwa, grupo aruak que ocupa praticamente toda a extensão do rio Içana.

 História

É consenso entre os Tariana e seus vizinhos que os Tariana não são originariamente do rio Uaupés, tendo ali chegado em tempos passados, e se estabelecido pelas imediações de Iauaretê muito antes da chegada dos brancos. Mais precisamente, seu lugar de origem é a cachoeira de Uapuí, localizada no alto curso do rio Aiari. Em termos de distância geográfica, este afluente do rio Içana é muito próximo ao curso do alto Uaupés, para o qual teriam atravessado por caminho terrestre. Este deslocamento em direção sul é um evento que a narrativa mítica tariana situa logo após seu surgimento como “gente” (masa). Ou seja, embora sua origem tenha se dado ao lado daquela de outros grupos de língua Aruak que ainda hoje habitam a bacia do Içana, o processo de crescimento e dispersão dos Tariana como grupo ocorre à medida que se deslocam da bacia do Içana para a do Uaupés. Em algumas versões de sua origem mítica, há alusões a respeito de conflitos com os Baniwa, que os teriam levado a empreender a migração rumo sul.

Ao longo do percurso em direção à região de Iauaretê, há alguns sítios de parada mais ou menos prolongada, nos quais é estabelecida uma ordem hierárquica entre os ancestrais tariana que surgiram no rio Aiari. Outros ancestrais dos Tariana vêm também a aparecer nesses locais, sendo incorporados ao final da escala hierárquica. Essas personagens míticas são os ancestrais dos diversos sibs patrilineares que compõem aquilo que hoje se designa como a “etnia Tariana”, um grupo exogâmico distinto no contexto do rio Uaupés.

Presença missionária

Desde seu início, com as primeiras explorações a mando da coroa portuguesa no século XVII, a história da colonização do rio Negro só veio a ter uma mudança significativa com o fim do ciclo da borracha (1870-1920) e, de modo geral, a decadência da economia extrativista do Amazonas. A partir de então, as missões salesianas irão assumir papel preponderante, valendo-se de vultuosas subvenções do Governo Federal e concentrando suas ações em um amplo projeto de catequese dos povos indígenas da região.

No final do século XIX, os salesianos foram precedidos por missionários franciscanos que procuraram estabelecer aldeamentos no rio Uaupés, chegando a obter grandes concentrações de índios Tariana na localidade de Ipanoré, bem como de índios Tukano em Taracuá. O projeto missionário franciscano do Uaupés foi, porém, interrompido com a expulsão de três missionários pelos Tariana de Ipanoré, em 1883, motivada por haverem exibido do púlpito da igreja da missão uma máscara de Jurupari, utilizada nos rituais de iniciação masculina e expressamente proibida à contemplação das mulheres (Koch-Grunberg, [1909/10]1995:15-6; Stradelli, [1889]1990:281).

Nas primeiras décadas do século XX, a implantação das Missões Salesianas no Uaupés abre uma nova fase na história regional, uma vez que irão por várias décadas desempenhar um papel de autoridade local, fazendo às vezes do próprio Estado Nacional na fronteira com a Colômbia. Seu projeto de “catequese e civilização dos índios” viria, assim, contar com generoso respaldo de verbas oficiais, o que praticamente lhes permitiria assumir o monopólio das relações com os povos indígenas do Uaupés. Nesse sentido, viriam a se responsabilizar por coibir os excessos até então praticados por comerciantes brasileiros e colombianos que freqüentavam este rio.

Nesse período, por ocasião da visita de Curt Nimuendaju ao Uaupés no ano de 1927, Iauaretê já constituía o centro da principal área de ocupação dos Tariana nesse rio. De acordo com o etnólogo, que então realizava uma viagem de reconhecimento pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), “na volta grande que o rio Uaupés descreve abaixo de Umari-Cachoeira começa o território da tribu Tariána, a zona mais populosa de todo o Uaupés. 14 estabelecimentos desta tribu (inclusive um no baixo Papuri) com 479 habitantes encontram-se num trecho do rio que em linha reta não tem mais que 2 kilometros. Somente um sítio, Anayá-rúa com 12 pessoas está situado em território colombiano” (Nimuendaju [1927]1982:156).

Na relação das quatorze aldeias fornecida por Nimuendaju, Iauaretê situa-se entre as maiores, com 51 pessoas. Em território colombiano, a muito pouca distância, havia um posto aduaneiro, na confluência dos rios Papuri e Uaupés, motivo pelo qual Nimuendaju lamentava a ausência absoluta de uma autoridade brasileira. Segundo ele, esta situação facilitava os abusos então praticados por balateiros colombianos contra a população indígena.

Além disso, os missionários salesianos, que em 1920 haviam implantado uma missão no baixo Uaupés, já haveriam àquela altura percebido a importância do lugar, e planejavam a instalação de uma nova missão de Iauaretê. A intolerância dos missionários para com a cultura tradicional dos índios era anotada por Nimuendaju como um dos vários males que pesavam sobre o bem estar das populações indígenas do alto rio Negro, que, então, recomendava a implantação de um estabelecimento do SPI em Iauaretê que “lhes tomasse a dianteira” e fizesse cessar os abusos dos colombianos.

O SPI; os salesianos; a FAB

Nos anos seguintes, o SPI e a Missão Salesiana do Rio Negro iniciam paralelamente suas atividades no lugar. Para o ano de 1932, há uma relação nominal de índios morando em torno do posto do SPI que totaliza 163 pessoas, sendo 142 Tariana, 15 Pira-Tapuia, quatro Tukano e dois Kubeo. Essa população habitava duas grandes malocas e outras 24 casas menores localizadas a seu redor (SPI - Posto Indígena do Uaupés, 1932; SPI – Relatório da Primeira Inspetoria, 1930-31). O Posto Indígena e a Missão vieram a se implantar nas margens direita e esquerda do Uaupés, respectivamente, logo abaixo da grande curva do Uaupés mencionada por Nimuendaju, onde este rio recebe as águas do rio Papuri. É ali que se encontra a cachoeira da onça, Yaiwa-poewa em tukano e, na língua geral, Iauaretê.

O primeiro internato começou a funcionar em maio de 1930, abrigando os primeiros quinze alunos indígenas, com três missionários que passaram a ali residir permanentemente. A partir daí, tem início a construção de aterros e prédios – a casa dos salesianos com internato para meninos, a casa das irmãs com internato para meninas, a futura igreja, o hospital e diversos barracões para hospedagem, serraria e olaria – cujo andamento dependeria largamente da mão-de-obra dos índios.

Ao final da década de 30, o quadro de missionários em atuação em Iauaretê é bem maior, e a missão já possui uma infra-estrutura suficiente para abrigar anualmente, e de maneira regular, cerca de 250 alunos indígenas em seus internatos para meninos e meninas. Pelas estatísticas disponíveis nos relatórios anuais da Missão, nota-se um aumento progressivo de plantações e campo de criação de animais, mas há também indicações de que o sustento dos internatos dependia em grande medida das contribuições em farinha que os pais dos alunos internos eram persuadidos a entregar aos padres – um paneiro, cerca de 25 kilos, por aluno interno por ocasião da matrícula anual. Em 1950, a missão contava com 40 empregados, sendo a maior parte ex-alunos dos internatos, e Iauaretê já se consolidava como a maior casa missionária que os salesianos mantinham em toda a região do rio Negro.

A principal expectativa dos missionários era a de que, ao retornar a suas comunidades de origem, os ex-alunos servissem como disseminadores de seu programa, atuando como catequistas e intermediários no processo de abandono das malocas em favor da constituição de comunidades compostas por casas barreadas e alinhadas em torno de uma capela. Os padres ainda exigiam o abandono dos rituais com as flautas sagradas e a entrega dos instrumentos e adornos cerimoniais. Em suma, em troca da “civilização”, eles exigiram a própria riqueza dos índios. E inúmeros foram os expedientes de que lançaram mão para obtê-la: negar sacramentos, proibir a entrada nas missas ou recusar trocas de artesanato ou farinha pelas mercadorias da despensa. Os rituais, o conhecimento e os objetos dos brancos só poderiam, assim, ser obtidos a um custo muito alto. Pois aquilo que os índios deviam entregar possuía um valor equivalente ao da “civilização”: como dizia um dos homens Koivathe hoje empenhados no fortalecimento de sua própria cultura, “os antigos já tinham muita civilização, só que os padres não entenderam...”.

Ainda que os índios da região tenham efetivamente trocado as malocas pelas comunidades – a última caiu em 1961 entre os Tuyuka do alto rio Papuri –, já naqueles anos os missionários lamentavam uma certa inconstância de seus ex-alunos quanto a adesão à moralidade e novos hábitos cristãos. Mas não duvidavam de sua conversão, dada a avidez que em muitas comunidades constatavam por sacramentos, capelas e imagens de santos. E, assim, imputavam a comerciantes e balateiros colombianos certos estragos à sua obra catequética. Com efeito, nos relatos das viagens de itinerância realizadas pelos missionários de Iauaretê pelo Papuri e alto Uaupés entre as décadas de 40 e 60 constam inúmeros registros de comunidades esvaziadas ou desertas, casos em que todos ou boa parte dos moradores haviam sido “enganchados” por colombianos. Trabalhando nos seringais daquele país, muito do que se aprendera na missão era esquecido, em troca, na visão dos salesianos, da aquisição dos “piores vícios”.

Sugundo alguns depoimentos, o domínio do português e outros conhecimentos adquiridos nos anos de internato era o que encorajava um ex-aluno a deixar os afazeres na comunidade para arriscar uma estadia no seringal, contrariando as recomendações dos próprios missionários. Nem tudo se esquecia, portanto, como imaginaram os missionários. Os números que aprendiam com os padres puderam ser usados por muitos de seus ex-alunos para o cálculo de dívidas e de saldos. Assim, muitos deles podiam saber quando era a hora de voltar para casa, e argumentar com seus patrões em bases matemáticas.

Não obstante, para o ano de 1951 os salesianos registram com destaque a existência de 350 ex-alunos nas comunidades localizados no raio de influência da missão, ressalvando que “o único grande problema de conservar bons estes ex-alunos é o problema do trabalho”. Se permanecessem na missão, como carpinteiros, alfaiates, pedreiros, tudo ia bem, mas partindo para a Colômbia “em pouco tempo se perdem”. Ainda que buscassem pelos meios disponíveis mantê-los em sua órbita, os salesianos já percebiam que “não se poderá continuar sempre assim”. A persistência da procura de mão-de-obra indígena na região do alto Uaupés mesmo após o fim do ciclo da borracha devia-se à demanda pelo produto que ressurgiu na Amazônia durante a Segunda Guerra Mundial. Naqueles anos, quando a borracha proveniente das plantações asiáticas deixou de ser exportada, companhias norte-americanas instalam-se em pequenas cidades existentes no noroeste amazônico.

Quanto ao Posto do SPI, há indicações de que deixara de funcionar a partir 1932, tendo sido reaberto em 1943 com a instalação de uma estação telegráfica. Não tardou, porém, a ser novamente fechado, o que ocorreu em 1952 em meio a uma discussão quanto à destinação de verbas federais aos índios do Uaupés e à criação de uma outra unidade administrativa do órgão na cidade de São Gabriel da Cachoeira. Atritos entre funcionários do SPI e missionários parecem ter ocorrido em muitas ocasiões. Do lado do SPI, alguns dos funcionários que passaram pelo posto de Iauaretê registram queixas quanto às precárias condições de trabalho e falta de verbas que enfrentavam, enquanto assistiam o crescimento progressivo da infra-estrutura salesiana do outro lado do rio (SPI – Relatório da Primeira Inspetoria, 1930-31). Os missionários, por sua vez, comentam em muitos de seus relatórios os “comportamentos imorais” de alguns dos servidores do órgão indigenista, referindo-se à sua participação nas festas e caxiris indígenas, que na sua visão consistiam em intoleráveis orgias a serem abolidas o mais rápido possível.

Nesse cenário, a Missão Salesiana parecia se incumbir do papel de autoridade da fronteira, o que fica atestado pela extensa troca de ofícios entre o Padre-Diretor de Iauaretê e diversas autoridades colombianas nas décadas de 40 e 50. O principal assunto tratado nesses documentos dizia respeito ao agenciamento do trabalho indígena nos seringais, uma questão que os salesianos buscavam intervir por meio de gestões junto a juízes, corregidores de indígenas e outras autoridades da Comissária de Mitú, capital do Uaupés colombiano. Há também várias indicações de negócios fechados entre a Missão e comerciantes colombianos ligados às companhias americanas acima mencionadas, bem como com a Caja de Credito Agrícola, banco que financiava o negócio do caucho na Colômbia.

A autoridade que a Missão vinha exercendo na fronteira viria, a partir de 1958, ser ainda legitimada pelo apoio permanente que a Força Aérea Brasileira passaria a lhe prestar. Ao longo de nove anos antes dessa data, os salesianos de Iauaretê mobilizaram uma enorme quantidade de índios para a construção de uma pista de pouso em um terreno adjacente à Missão. A evolução desse enorme trabalho é pontuada nos relatórios anuais, que envolveria os alunos dos internatos e os moradores permanentes de Iauaretê para o desmatamento e aterro do local da pista. A decisão de construir um campo de pouso para aviões se devia ao fato de que as corredeiras do Uaupés à altura de Iauaretê não permitiam o pouso do hidroavião Catalina, que começou a atender as missões ao final dos anos 40.

O problema do aliciamento da mão-de-obra indígena pelos colombianos viria a diminuir progressivamente até o final da década de 60. Em questão de mais alguns anos, os seringais do Uaupés colombiano seriam finalmente fechados. O apoio da FAB e o fim da saída de gente para a Colômbia são elementos que parecem abrir uma nova fase de crescimento de Iauaretê.

Desdobramentos do Plano de Integração Nacional

Ao início da década de 70, não havia, em termos demográficos, grandes diferenças entre o povoado de Iauaretê e a própria sede municipal, São Gabriel da Cachoeira. O primeiro contava com 431 moradores permanentes, o segundo com 668 (Radambrasil, 1976:364-6). Estatísticas da Prelazia do Rio Negro para os anos de 1968 e 1969 mostram, inclusive, que as atividades missionárias nesse momento eram significativamente mais intensas em Iauaretê, onde os números de alunos, população e comunidades atendidos eram maiores do que em São Gabriel (Prelazia do Rio Negro, 1969 e 1970).

Era o tempo do Plano de Integração Nacional (PIN), que havia sido anunciado pelo Governo Federal em 1970 prometendo obras de infra-estrutura e colonização na Amazônia. Foi então que a cidade de São Gabriel começou a se transformar, ainda que para a região do alto rio Negro tenham sido desaconselhados programas de colonização agrícola como os que viriam a ocorrer às margens das grandes rodovias na Amazônia. Mesmo os moradores de Iauaretê, distantes cerca de duas semanas a remo pelos rios Negro e Uaupés, puderam acompanhar as mudanças que começaram a se processar nessa cidade. Alguns vieram inclusive a trabalhar no Batalhão de Engenharia e Construção do Exército (BEC) e em firmas de construção e topografia que se instalaram em São Gabriel entre 1972 e 1973 para a construção da estrada que ligaria esta cidade até Cucuí (povoado de origem militar situado na fronteira Brasil/Venezuela) e de um trecho da Perimetral Norte, que acabou sendo abandonado alguns anos depois. A cidade se inchou com a chegada de soldados e outros forasteiros, o comércio cresceu e as ruas começaram a ser pavimentadas.

Nesse momento, apesar de Iauaretê já possuir o status de Distrito Administrativo do município de São Gabriel da Cachoeira, não havia atuação visível da Administração Municipal. A Missão Salesiana, por outro lado, já mantinha em funcionamento, além do colégio e internatos, hospital, serraria, olaria, marcenaria e uma fábrica de vassouras, controlando toda a atividade comercial existente. Para o ano de 1975, aponta-se uma produção de 13 toneladas de cipó titica e uma pequena quantidade de sorva e breu, toda ela comercializada pelos religiosos diretamente com compradores de Manaus. Embora decadente, o controle da atividade extrativista seguia assim sendo monopolizado pela Igreja. Em termos de infra-estrutura, Iauaretê já contava com energia elétrica fornecida por um gerador da Celetramazon (companhia energética do Estado do Amazonas) e era abastecida por um avião de carga da FAB a cada 15 dias (Radambrasil, 1976:364-6).

Assim, enquanto São Gabriel crescia e assistia à chegada de novas instituições públicas, em Iauaretê o Estado continuava a se fazer presente por intermédio da Missão, na forma de significativos repasses de recursos que a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) fazia à Prelazia para a manutenção dos internatos (Prelazia do Rio Negro, 1969 e 1970) e do apoio aéreo prestado pela FAB. Mas ali também, embora em ritmo mais lento, surgiriam novidades.

Mudanças no sistema escolar
Ao final dos anos 60, o sistema escolar implantado pelos salesianos começa a passar por transformações, com a abertura das primeiras escolinhas nas comunidades da área de influência da Missão a partir de 1965 e com a criação de um Grupo Escolar misto em Iauaretê em 1968. Iniciava-se uma reorganização na estrutura educacional dos internatos, que envolvia o aparecimento dos primeiros professores indígenas. Em 1968, havia nas escolinhas das comunidades e no Grupo Escolar da Missão 23 professores no Distrito, sendo cinco missionários e 18 indígenas (Prelazia do Rio Negro, 1969); no ano seguinte o número de professores passa para 27, sendo quatro missionários e 23 indígenas. Na Missão e nas escolinhas, o número de alunos alcançava a marca dos 460 (Prelazia do Rio Negro, 1970).

Em meados da década de 70 houve a abolição definitiva do ensino de ofícios (marcenaria, alfaiataria etc.) e o início da implantação de classes ginasiais, com a incorporação de um currículo comum a todas as escolas públicas do país. Um novo colégio com estruturas metálicas e alvenaria viria a ser construído, envolvendo mais uma vez o trabalho de muitos alunos internos, cujo pagamento era feito em materiais escolares. É nessa nova instituição, Colégio São Miguel Arcanjo, que, em 1975, se oficializa a nova grade curricular de quinta a oitava série. Isto é, a oferta de educação escolar seguia aumentando, e uma primeira turma de professores indígenas, depois de já ter concluído os estudos médios em São Gabriel da Cachoeira, seguiria nos anos seguintes para Belém, aonde, em cursos de férias, viriam a obter uma licenciatura universitária.

Além do Colégio São Miguel, havia então mais de 30 escolinhas nas comunidades e mais de 40 professores indígenas em todo o Distrito. O número de alunos atingia a casa dos 1.200, sendo pouco mais de 400 na missão e o restante nas comunidades (Oliveira, 1981). Esse é o quadro do final dos anos 70, no qual a população indígena local vai assistir ao início do processo de fechamento dos internatos, que é concluído em 1988, depois de cerca de 50 anos de vigência em Iauaretê.

Alternativas e impasses econômicos
Em 1976, outro órgão federal veio a se instalar no povoado de Iauaretê, o Funrural, responsável pelo início do pagamento de aposentadorias rurais para pessoas com mais de 65 anos. Em 1979, havia 157 pensionistas que recebiam esse benefício no Distrito (Oliveira, 1981: 132). O Plano de Integração Nacional do Governo Federal também repercutiria em Iauaretê na forma da reabertura do antigo posto indígena que o SPI mantivera até os anos 50. Agora através da Funai, o posto voltava a funcionar no âmbito do “Plano Alto Rio Negro”. Este plano recomendava ações principalmente nos campos da saúde e agricultura, assinalando ainda uma grave falta de alternativas nas comunidades quanto à comercialização de produtos e a extrema dependência da Missão para a obtenção de mercadorias a essa altura indispensáveis (Silverwood-Cope, 1975; 1976). Ainda que não tenha saído efetivamente do papel, o conceito de desenvolvimento comunitário proposto no Plano Alto Rio Negro, baseado na diversificação agrícola e formação de cooperativas indígenas, viria a ser incorporado pelo discurso missionário, resultando em algumas ações práticas.

Nesse sentido, uma cooperativa indígena para comercialização de artesanato, apoiada pela Funai, Missão e políticos regionais, passou a funcionar em 1978. Chamada Lidi (Lideranças Indígenas de Iauaretê), essa instância não chegou a se instituir como pessoa jurídica. Com filiais no Papuri e alto Uaupés, a implantação de uma cooperativa era coerente com outras palavras de ordem que aparecem nos textos salesianos desse período, como “promoção humana e social” e “comunidades de base”, entre as quais novos cargos – por ex., catequistas, professores, animadores – eram instituídos e novas práticas econômicas estimuladas – por ex., roças comunitárias e plantio de pastos para criação de gado (Prelazia do Rio Negro, 1970).

O interesse gerado pela cooperativa foi grande, mas depois de pouco tempo veio o fracasso, em geral justificado pela inaptidão administrativa de seus dirigentes. Mesmo assim, as relações comerciais continuaram se adensando, e é a partir de então que o engajamento de alguns índios na atividade comercial autônoma passa a ocorrer. Segundo Ana Gita de Oliveira (1981), todas essas mudanças começaram a atrair novos moradores para Iauaretê, muitos deles valendo-se de suas relações e parentesco por afinidade com os Tariana dali para fixar moradia.

No início dos anos 80, outro impulso, em direção diversa, levou muitos homens de Iauaretê para garimpos na serra do Traíra e na serra dos Porcos. Há histórias de longas temporadas passadas nesses locais distantes, de perdas e de pequenos ganhos. Muitos perceberam logo que uma fonte mais segura de renda, e talvez menos sacrificada, seria levar mercadorias para vender a outros garimpeiros ao invés de garimpar. Mas nesses casos foram muitas as perdas, fracassos e dívidas, resultantes de calotes e fechamento da área pela Paranapanema, empresa de mineração que em 1985 obteve licenças do governo federal para iniciar operações na serra do Traíra.

O refluxo do garimpo levou à busca de uma outra opção que surgiu também no início da década, mas que durou igualmente muito pouco tempo: o trabalho para os narcotraficantes na Colômbia. “A gente fazia de tudo por lá, colhendo folhas, limpando o terreno...”. E, nesse trabalho, novamente longas estadias fora de casa. O rendimento do negócio levou a que alguns pensassem em começar a plantar a coca em seus próprios sítios, mas a Polícia Federal (PF) não o permitiria. Várias plantações foram queimadas no rio Papuri em operações que mobilizaram muitos agentes da PF em meados dos anos 80.

Em contrapartida, nesse período também se inicia a distribuição de material agrícola pela Prefeitura Municipal e pela Funai, assim como a assistência técnica em agropecuária nas comunidades por índios recém-formados nessa especialidade. Surgem novos cursos para capacitar e/ou reciclar professores indígenas, e, com isso, a introdução do ensino de nível médio na Escola São Miguel. Paralelamente, os internatos são fechados definitivamente (1988) e, supostamente em conseqüência disso, é apontado o “êxodo rural”. Iauaretê começa então realmente a se parecer com uma pequena cidade.

Com efeito, a década de 80 vai assistir a uma intensificação das relações entre os índios do Uaupés e outros atores. Se até então suas referências externas principais eram missionários ou funcionários da Funai, nessa nova fase militares, mineradoras, políticos e outros agentes vão entrar em cena, abrindo novos canais de conversação para os índios, assim como agregando novas dimensões de complexidade ao cenário local.

Organizações Indígenas e o Projeto Calha Norte
O crescimento acelerado do povoado a partir do final dos anos 80, a instalação do 1º. Pelotão Especial de Fronteira da região em Iauaretê e a constituição das primeiras organizações indígenas no bojo de uma acalorada discussão sobre a definição das Terras Indígenas são os principais temas do enredo que se vai assistir na década seguinte.

Iauaretê vai entrar nos anos 90 como uma localidade significativamente diferenciada no contexto regional. Já possui algumas características que tornam este centro missionário algo distinto dos outros mantidos pelos salesianos na região, como Taracuá, Assunção do Içana e Pari-Cachoeira. Sua posição geográfica, na confluência de duas zonas densamente povoadas – rio Papuri e alto Uaupés –, responde em grande parte por isso. Sua localização na linha da fronteira vai garantir que os processos deflagrados nos anos 70 ganhem novos contornos na década seguinte, quando a região do alto rio Negro como um todo passará a ser tratada pelo Estado sob o viés geopolítico da segurança nacional. O futuro que alguns de seus moradores já lhe haviam desenhado vai ecoar nas negociações com autoridades de órgãos do Governo Federal que terão lugar nos anos seguintes, e, em um contexto de militarização, “explosão demográfica” e reconhecimento de territórios indígenas, projetos contraditórios irão ensejar conflitos entre os grupos indígenas locais que até então não se conhecia.

Apontam 1980 como a data de fundação da primeira organização indígena, a Ucidi (União das Comunidades Indígenas do Distrito de Iauaretê), que, na verdade, baseou-se na experiência de constituição da proto-organização Lidi na década anterior (acima mencionada). Em 1988 surge a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e uma nova organização indígena em Iauaretê a ela ligada, a Unidi (União das Nações Indígenas do Distrito de Iauaretê). Ao mesmo tempo, de 88 para 89, é instalado o Primeiro Pelotão Especial de Fronteira (1o PEF) em Iauaretê.

Com efeito, a chegada dos militares e o surgimento de um movimento indígena no alto rio Negro, baseado na formação quase instantânea de uma federação de organizações indígenas, são duas faces da mesma moeda, uma moeda que passou a circular na região à medida que um órgão militar do Governo Federal, o Conselho de Segurança Militar (CSM), passou, em meados da década, a comandar um programa governamental de colonização da fronteira norte amazônica, o polêmico Projeto Calha Norte.

Foi então que apareceu uma certa “comissão de autoridades” visitando Iauaretê com a finalidade de discutir com os índios a possibilidade de criação de uma “Colônia Indígena” ali. Tratava-se de uma proposta de demarcação da área, e que vinha acompanhada de muitas promessas. Anos antes, em 1983, o Governador do Amazonas descartara a idéia de um município em Iauaretê, mas os militares dessa comissão já chegavam prometendo o progresso, com muitas mercadorias, zinco para cobrir as casas e máquinas de costura. As autoridades vinham ciceroneadas por lideranças tukano de Pari-Cachoeira, o centro missionário salesiano do alto rio Tiquié. Com efeito, nessa região, ao sul de Iauaretê, o Projeto Calha Norte já era uma realidade, como também um acordo entre Paranapanema e os índios de lá que havia garantido a essa empresa a prerrogativa da exploração mineral na serra do Traíra. A comissão que chegava vinha para tratar com os índios a implementação dos novos planos que os militares estavam idealizando para a região. Era o Projeto Calha Norte que chegava a Iauaretê.

Não obstante as reservas quanto à implantação do Projeto Calha Norte na região do alto rio Negro – expressas em duas assembléias gerais que reuniram índios de toda a região no ano de 1987 e que resultaram a fundação da Foirn –, lideranças indígenas de Pari-Cachoeira já mantinham, por intermédio da Superintendência da Funai em Manaus, interlocução constante com os militares do Conselho de Segurança Nacional no sentido de implementar o modelo de ordenamento territorial preconizado pelo Calha Norte. Em Pari-Cachoeira, tal modelo foi posto em prática entre 87 e 88 e implicou na criação oficial de um mosaico formado por “Colônias Indígenas” e “Florestas Nacionais”: reduzia-se a área destinada aos índios e em seu entorno eram criadas outras unidades territoriais, cujo caráter de proteção ambiental não consistia, entretanto, num obstáculo à exploração empresarial de seus recursos naturais e minerais.

Paralelamente, naquele final dos anos 80 vinha ocorrendo uma reciclagem na pastoral indigenista das missões salesianas. Após terem sido denunciados em 1980 por crime de etnocídio no Tribunal Russel em Amsterdã, os salesianos começaram paulatinamente a se alinhar com o discurso indigenista do Cimi (Conselho Indigenista Missionário, órgão da linha progressista da CNBB), ao mesmo em tempo que assistiam à montagem de estrutura paralela de poder na região pelo Calha Norte. O desencontro que se configurou entre a igreja local e o Projeto Calha Norte veio a favorecer a aproximação de algumas lideranças indígenas da Foirn ao indigenismo não-governamental católico – essa foi uma mudança e tanto, porque, como vimos, os militares brasileiros aplaudiram por muitos anos a obra catequética de caráter nacionalista no rio Negro. E assim formou-se um quadro de referências divergentes, que de certa forma disponibilizou códigos contraditórios que alimentaram uma polarização das posições assumidas pelos índios do alto rio Negro entre 1988 e 1990.

As Colônias Indígenas foram apresentadas em uma reunião realizada em Taracuá em junho de 1988 como o verdadeiro caminho do progresso para os índios do Uaupés e Tiquié. Para obter serviços de saúde, educação e projetos econômicos a serem proporcionados pelo Governo Federal, seria preciso que admitissem os termos vigentes em um decreto presidencial de 1987, o qual havia feito a distinção entre índios aculturados e não-aculturados. Bastaria que os índios do Uaupés se reconhecessem como habitantes da primeira categoria e a eles destinar-se-ia uma colônia e seus benefícios. Diziam os militares que os índios do rio Negro não poderiam ser considerados isolados ou arredios, mas sim índios já integrados e interessados em receber benefícios do governo. Os Tariana de Iauaretê já haviam pensado até em converter a cidade em município; agora, através da sua Ucidi, como poderiam hesitar em aderir a tal proposta? Não faltou coerência nessa decisão, portanto.

Porém, outras comunidades tariana de rio abaixo parecem ter se mostrado mais sensíveis aos questionamentos que eram levantados com relação a tal modelo. Colônia, como o próprio nome já diz, significava “colonização”, de modo que, caso fosse aceita, os índios passariam a trabalhar para mineradoras e madeireiras que viriam para a região. Com a criação de uma nova associação no Distrito em 1988, a Unidi, essas comunidades passaram a buscar apoio externo junto à Foirn e ao Cimi. Criou-se então uma séria divisão na área. Chegou-se a sugerir uma separação: caso Iauaretê se tornasse uma colônia, então que se demarcasse um perímetro, um “quadrado”, onde poderia até ser “posta uma prefeitura”. No caso das comunidades abaixo, prefeririam “ser livres”. Trabalhar para os brancos é outra coisa que se conhece muito bem no Uaupés, desde muito tempo atrás. E sabe-se muito bem o grau de exploração que pode vir embutido na formação dessas relações. Ou seja, a essa decisão também não faltou coerência.

Ucidi e Unidi puseram-se assim em disputa, recorrendo a recursos e conexões externas para legitimar suas respectivas e coerentes posições. É de se notar que a posição da Unidi ganhava respaldo legal com a nova Constituição Federal. Mas em seu primeiro ano de existência, a nova Carta não produziu efeitos imediatos sobre o processo que se desenrolava no alto rio Negro, e no início de 89 um conjunto de portarias interministeriais criou várias Colônias Indígenas e Florestas Nacionais na região. Porém, as promessas que haviam sido feitas pelos militares não se cumpriram. Em Iauaretê, um hospital construído pelo Calha Norte permaneceu fechado por mais de dez anos, e a construção da nova pista de pouso e do pelotão do Exército apenas serviu para desalojar várias famílias do bairro de São Domigos Sávio, que tiveram que se deslocar para outras áreas e abrir espaço para as novas instalações militares. Projetos econômicos nunca se viram. Esses acontecimentos levaram à desmoralização da Ucidi, que teve sua diretoria trocada em 1990.

Alguns anos mais tarde, a sigla Ucidi deixaria de existir e em seu lugar apareceria a Oici (Organização Indígena do Centro Iauaretê). Isso ocorre em um contexto de crescimento da Foirn, multiplicação acelerada de organizações indígenas pelo distrito e criação de uma coordenação geral para fazer a ligação com a Federação. No processo de transformação do siglário local (seqüência Lidi, Ucidi, Oici), ocasionado por diferentes conjunturas que se apresentaram aos índios de Iauaretê, houve pelo menos uma constante, pois ser presidente dessas organizações significa ainda hoje ocupar o cargo de “líder geral” de Iauaretê, uma posição criada bem antes do surgimento de organizações indígenas. A incorporação dessa figura no jogo das disputas entre associações indígenas parece ter possibilitado que hoje em dia homens Tariana de sibs inferiores tenham acesso a essa posição, coisa que não ocorria nos seus primeiros anos de existência.

A Unidi, por sua vez, desde sua fundação até hoje continua com a mesma sigla, possui a mesma abrangência e teve sempre uma diretoria baseada na aliança entre um sib Tariana do médio Uaupés e seus cunhados Pira-Tapuia e Arapasso residentes nesse mesmo trecho do rio. Seus membros moram há muito tempo em uma comunidade hoje chamada Nova Esperança, antigamente conhecida por “Cigarro”, Uti-kayá em tukano, e casam-se com mulheres Pira-Tapuia, da comunidade de São Francisco, e Arapasso, da comunidade de Loiro.

O que importa ressaltar é que o antagonismo que se estabeleceu entre Unidi e Ucidi não produziu propriamente novas linhas de fissão em unidades sociais anteriormente homogêneas, mas veio a se configurar em um espaço político que já separava, social e geograficamente, unidades pré-existentes do esquema hierárquico local. Se para fazer sua política os grupos Tariana de Iauaretê reivindicavam, como o fazem até hoje, a importante posição de “chefes” – masá ma’mi-simia kurua, “grupo dos primogênitos maiores”, como se diz em tukano –, os Tariana de rio abaixo certamente se valiam de suas relações estratégicas com os Pira-Tapuia e Arapasso – basúki’, “cunhados”, como se diz em tukano. Tratam-se ambas de relações conceitualizadas no registro mítico, o qual, para todos os grupos do Uaupés, define o campo do parentesco, estabelecendo uma ordem hierárquica entre agnatas – no interior de uma mesma etnia – e prefigurando as relações possíveis de afinidade – entre diferentes grupos etnias. Tais relações correspondem respectivamente aos princípios da descendência e da aliança, dois idiomas que operam simultânea ou alternadamente na atualização local – “Uaupés abaixo” ou “centro Iauaretê”, por exemplo – de uma mesma matriz relacional geral, ou seja, de uma socialidade uaupesiana. Assim, não seria absurdo pensar que aquelas siglas, Unidi e Ucidi, podem ter sido apenas um novo código através do qual diferenças mais profundas vieram a se expressar. Embora ninguém duvide que as colônias indígenas tenham sido um mecanismo usado por militares para restringir os direitos indígenas, elas foram, também, o primeiro sinal que pôde ser percebido pelos índios de Iauaretê de um interesse mais efetivo por parte de autoridades federais pelas suas vidas.

No mais, em Iauaretê não surgiram empresas interessadas em explorar minérios. Além disso, na região como um todo a terra não é apropriada para planos mirabolantes de colonização agrícola, e todos sabem muito bem disso. De todo modo, se na virada dos 80 para os 90 o impasse entre a demarcação de colônias ou áreas indígenas foi a tônica, em questão de cinco anos tudo se resolveu com o reconhecimento integral pelo governo federal dos mais de onze milhões de hectares das Terras Indígenas da região.

 Organização social

No cenário multiétnico do alto rio Negro, os Tariana constituem um dos mais de 20 grupos exogâmicos patrilineares discretos e articulados entre si por trocas matrimoniais, rituais e econômicas. A exogamia é, com efeito, uma das marcas características dessas sociedades, em grande parte dos casos constituindo-se como exogamia lingüística. Assim, principalmente entre os grupos da família lingüística Tukano Ocidental do rio Uaupés, um homem deve tomar como esposa uma mulher pertencente a um grupo diferente do seu, e que tendencialmente fala outra língua.

Mas, além de não se aplicar entre os grupos Aruak, entre os quais a diversidade lingüística ocorre em menor grau, a exogamia de língua vem progressivamente deixando de ocorrer, pois o tukano está se tornando a língua franca no Uaupés, adotada pelos Arapasso, Tariana e grande parte dos Pira-Tapuia, cujas mulheres casam-se freqüentemente com homens Tukano. A exogamia, no entanto, continua vigorando, aplicando-se, além disso, a dois outros níveis de organização social: a fratria e o sib.

No Uaupés especificamente, a fratria é, na maioria dos casos, uma unidade que engloba vários grupos exogâmicos que não devem trocar cônjuges. As fratrias não possuem nomes próprios e os grupos que engloba não são necessariamente vizinhos. Nesse sentido, constitui-se como uma unidade com alto grau de abrangência e com fraca estruturação interna.

O sib, em vários casos referido como clã, é geralmente considerado a unidade básica do sistema social, sendo a este nível que as trocas matrimoniais são efetuadas. Assim, um sib de um determinado nível hierárquico deverá manter troca de cônjuges com sibs de status equivalente pertencentes a outros grupos exogâmicos.

A hierarquia entre os sibs é outra característica marcante no Uaupés, onde aparece sempre associada à origem mítica de seus ancestrais, trazidos ao Uaupés no ventre de uma cobra-canoa. Os que primeiro saíram para a terra através do grande buraco existente em uma laje da cachoeira de Ipanoré são considerados mais velhos, e os que vieram em seguida os mais novos. Os ancestrais dos sibs que formam um grupo exogâmico são, assim, concebidos como uma série de irmãos, cuja seqüência, do mais velho ao mais novo, corresponde a uma escala hierárquica: o primogênito sendo considerado chefe dos demais, ao passo que os irmãos mais novos são considerados seus servidores.

Há, de fato, cinco papéis rituais diferenciados hierarquicamente, pois além de chefes e servidores, que ocupam as pontas da escala, há três outras posições intermediárias ocupadas por sibs específicos, como as de cantores, guerreiros e xamãs. Esta seqüência hierárquica formal foi proposta por Christine Hugh-Jones (1979), que sugere, além disso, uma caracterização dos grupos exogâmicos do Uaupés como “simples” ou “compostos”. Os primeiros seriam formados por apenas uma série de sibs hierarquizados desempenhando suas respectivas funções, já entre os segundos haveria duas ou mais dessas séries.

No que diz respeito à territorialidade, um grupo exogâmico ocuparia um mesmo trecho de rio. Os sibs formam grupos locais, com seus membros residindo em uma ou duas casas comunais multi-familiares vizinhas, as chamadas malocas. Os sibs hierarquicamente superiores situar-se-íam a jusante nas calhas dos rios, e aqueles hierarquicamente inferiores a montante. Uma unidade residencial poderia dessa maneira abrigar todos os membros de um sib ou de um segmento de sib. Mas as malocas persistiram no lado brasileiro do Uaupés somente até o início dos anos 1960, tendo sido definitivamente abandonadas nesse período por pressão dos missionários salesianos.

A influência missionária levou à formação de povoados compostos por um conjunto de pequenas casas familiares em torno de capelas, levando à concentração dos membros de um grupo local em uma mesma comunidade. Em função da regra de residência patrilocal, um grupo local seria formado por um conjunto de homens do mesmo sib agnático e suas esposas, obtidas junto a um grupo exogâmico distinto.

Segundo C. Hugh-Jones (1979:25), a concentração geográfica de um grupo exogâmico em um mesmo trecho de rio corresponderia mais a um ideal, pois na prática a sobreposição de diferentes grupos seria muito freqüente. Da mesma maneira, a associação dos sibs hierarquicamente superiores com as partes jusantes dos rios, e, inversamente, dos inferiores com as partes montantes, não poderia ser tomada ao pé da letra, havendo muito casos em que esta associação não se confirma. A autora menciona que relatos indígenas referentes à história de diversos grupos apontam que um sib poderá retornar ao território do grupo exogâmico a que pertence após um período longo de exílio, mas que via de regra isso não ocorreria. Assim, passa-se que a ideologia de descendência patrilinear é a principal base para a manutenção de laços entre muitos grupos atualmente dispersos geograficamente.

Apesar de seu caráter ideal, as séries de sibs com papéis especializados constituem um modelo que dificulta a incorporação de outros sibs ao grupo bem como sua fissão, mas, na medida em que tal modelo é submetido a migrações e flutuações de população, sua coerência seria comprometida. Ainda assim, a distância entre o ideal e o pragmático não impede que a linguagem dos sibs hierarquizados e com papéis específicos seja, sempre que possível, utilizada e ajustada para conceitualizar situações concretas, e, sobretudo, para reiterar noções de ordem e interdependência entre os grupos indígenas do Uaupés.

A maloca como réplica do cosmos

Nos rituais de troca, grupos exogâmicos que partilham o mesmo território constituem um nível abrangente, replicando ritualmente a atmosfera de consangüinidade que prevalece no interior das malocas, e, em menor escala, em seus compartimentos familiares internos. Nos rituais de iniciação masculina, o grupo exogâmico e o sib, concebidos como uma série de irmãos, são replicados pelo grupo de co-residentes masculinos da maloca.

A replicação do princípio hierárquico que ordena os grupos exogâmicos seria, além disso, o idioma privilegiado da descendência no Uaupés, pois ali não haveria genealogias profundas a definir um sistema de segmentação. Ainda que o conhecimento genealógico apresente certa relevância contextual, e seja usado em certos casos para articular narrativas históricas, são os papéis rituais hierarquizados ocupados por uma série de irmãos descendentes de um ancestral comum que, nos diferentes níveis do sistema, prestam-se a operar a conexão entre o presente e o passado ancestral. Ou seja, todos os níveis – o grupo agnático que reside em uma maloca, o sib e o grupo exogâmico – estruturam-se a partir de um mesmo modelo, estabelecido no mito de origem dos grupos indígenas do Uaupés.

No sistema de segmentação dos Tariana, como marca de sua posição hierárquica, os sibs possuem nomes, cantos, histórias e, no passado, objetos e adornos cerimoniais específicos, que constituíam um patrimônio distintivo. Cada um deles afirma-se detentor de um corpo de conhecimentos particulares.

Alguns sibs tariana “menores”, ou mais novos, com posição hierárquica inferior, ficaram ao longo do caminho em direção a Iauaretê, outros foram enviados pelos sibs “maiores” para outras partes do Uaupés, descendo até as proximidades das cachoeiras de Ipanoré e Urubuquara. Outros, ainda, se dirigiram a localidades do baixo rio Papuri. Os sibs maiores concentraram-se em Iauaretê, onde até hoje vivem seus descendentes.

A implantação da missão salesiana em Iauaretê viria certamente determinar transformações profundas na organização socioespacial dos grupos Tariana estabelecidos em suas imediações. Alguns anos antes da chegada dos salesianos, Nimuendaju ([1927]1982:156) dá conta da existência ali de 14 grupos locais Tariana, em um trecho do Uaupés que, de acordo com o etnólogo, não ultrapassaria dois quilômetros em linha reta. Com a chegada da missão, em pouco tempo as malocas mais próximas transformam-se em comunidades, às quais outros grupos foram estimulados a fixar moradia. Na outra margem, as duas malocas Koivathe então existentes transformam-se assim em uma única comunidade, que décadas mais tarde se dividiria em duas, reestabelecendo a antiga separação do sib em distintas malocas.

O sistema hierárquico do Uaupés logra alcançar certa estabilidade somente em condições específicas. Em primeiro lugar, podemos dizer que, entre os Tariana, as relações de hierarquia que ligam os sibs Koivathe e Kayaroa, chefes e servidores, revestiram-se de maior efetividade no passado. E, em segundo, que mesmo no passado nem todos os sibs pertencentes a essas duas séries estiveram concretamente envolvidos no desempenho de papéis e tarefas estipulados pelos chefes. Aos Mamialikune, por exemplo, situados na última posição hierárquica não recai, de acordo com o relato dos Koivathe, qualquer tipo de atribuição específica. E até hoje parecem gozar de uma autonomia praticamente absoluta. Por serem o único sib ainda falante da língua Tariana, sentem-se perfeitamente à vontade para empreender um projeto próprio de recuperação lingüística, para o que contam com variados apoios externos, de pesquisadores e ONGs. O processo histórico de crescimento e dispersão dos sibs viria então a ensejar, no nível sociológico, o enfraquecimento progressivo das prerrogativas Koivathe, ainda que, ao nível ideológico, a história que ainda contam represente um recurso indispensável para reafirmar sua posição hierárquica no presente.

 Mitologia
Os homens Tariana mais velhos, e em particular àqueles pertencentes às principais linhas de descendência dos sibs maiores, contam porque os Tariana se designam como “filhos do sangue do trovão”, o que remonta a um longo período de gestação da atual humanidade, anterior à sua organização social em grupos exogâmicos compostos por sibs hierarquizados.

Entre os primeiros demiurgos, na mitologia tariana destaca-se Ennu, o Trovão, assim como o casal de irmãos Kui e Nanaio, Okomi e os irmãos Diroá, que serão os responsáveis, mais tarde, pelo aparecimento dos ancestrais Tariana no rio Aiari. A história desses demiurgos se passa em um mundo em formação. Nesse tempo, Iauaretê já era o cenário onde os Diroá se rivalizaram com uma “gente-onça”, yaí-masa, um grupo canibal que ali vivia e representava um empecilho para o povoamento do rio Uaupés. A palavra Iauaretê é a tradução na língua geral para a expressão tariana Yawi-pani, precisamente, “cachoeira da onça”, um topônimo que faz alusão a esses primeiros moradores do lugar. É a partir da narrativa desse mito que os Tariana fundamentam suas reivindicações como “moradores verdadeiros” de Iauaretê, muito embora seja no rio Aiari que os demiurgos os façam surgir, emergindo da cachoeira de Uapui, considerada o centro do universo por todos os povos Aruak dos rios Negro, Guainia, Içana e Cuiari. Vejamos alguns dos motivos centrais desse mito:

No início, quando não existia nada, só existia um ser [masa bahutígi, pessoa que não aparece], o Trovão, Ennu [Hipéweri Hekoapi]. Em seu corpo ele tinha vários enfeites, a acângatara, o itaboho [cilindro de quartzo usado como pingente de colar], o betâpa’ [enfeite de cotovelo feito de pele de macaco], o yaigi [bastão de comando], o escudo, o kitió [chocalho de tornozelo]; também levava seu cigarro encaixado na forquilha, sua cuia de epadu e sua cuia de bebidas doces. Ele vivia só em sua casa, no alto, e começou a pensar sobre a possibilidade de criar novas pessoas. Mas inicialmente apenas pensou neles. E pensou em um homem e em uma mulher, Kui e Nanaio. Mas ele não sabia ainda como faria. Passou então a preparar os meios [bahuresehe, coisas de propiciar surgimento] para conseguir isto. Ele pegou um cigarro, e pensou num par de pari [esteira de talas] de quartzo transparente, num par de bancos de quartzo transparente, em duas cuias de quartzo transparente com seus dois suportes, em um par de Yaigi de quartzo, em dois cigarros encaixados em suas forquilhas e em duas cuias de epadu. Pensou também em um par de escudos e também em um par de maha poari [acângataras de penas de arara] e em dois pares de brincos de ouro. Pensou ainda em um par de itaboho e em dois pares de kitió. Também pelo seu pensamento, enchia as cuias com bebidas doces: suco de buiuiu, suco de abiu, suco de wéry, caldo de cana, suco de ingá, mel de abelhas e suco de cucura. Eram várias espécies dessas frutas. Depois disso, ele fumou seu cigarro e soprou a fumaça no chão e todas as coisas que havia em seu pensamento apareceram ali. Kui e Nanaio apareceram também, e sentaram-se nos bancos de quartzo, que estavam sobre os paris. Eles não eram pessoas como nós, pois seu corpo não era ainda como o nosso. Chamamo-os de î’ta-masa, literalmente “gente pedra”, [em tariana, hipada-nauiki] não porque fossem feitos de pedra, mas porque a duração de sua vida é indeterminada."
Após o surgimento de Kui e Nanayo, o Trovão dirigiu-se a um lugar chamado diâ-pa’sâro-wi’í na língua tukano (sendo diâ, “rio”, pa’sâro, sem tradução, e wi’í, “casa”). Lá, sentado sobre o que veio a ser uma serra, o Trovão fez surgir os rios e a terra, através de sua saliva e das cinzas de seu cigarro, respectivamente. Mas ainda pressentia que algo estava faltando: assim, jogando seus brincos e uma pena e um osso de macaco de sua acângatara, fez surgir os peixes, as aves e os animais. Os peixes tiveram a forma de seus brincos. O Trovão jogou ainda o ipadu que mascava e uma das castanhas de seu chocalho de tornozelo, que vieram, respectivamente, a dar origem a todas as árvores frutíferas e a todos os outros î’ta-masa que viveram naquele tempo do começo. Até aqui, tudo que surge corresponde aos adornos ou objetos e substâncias cerimoniais do Trovão. Através de seu cigarro, essas coisas que existiram inicialmente em seu pensamento se materializam. Com elas, surgiu o primeiro casal de irmãos, porém ainda não humanos.

Conta-se que esses î’ta-masa do começo eram muitos, incluindo vários tipos de gente (masa). Eles se distribuíram ao longo dos rios e vieram a formar muitos dos acidentes geográficos, sendo uns bons, outros maus. Eles vivem até hoje nas pedras das cachoeiras e nas serras, que, na verdade, são suas casas. O mito tariana apresenta uma lista extensa deles, alguns associados a animais como a onça, a anta, o tatu o macaco zoguê-zoguê, a borboleta; outros possuindo apenas nomes sem tradução e com atributos muito distintos, como o Boraró e Okômi. Boraró é uma espécie de espírito da mata, a quem se atribui a responsabilidade por roubar pessoas para lhes sugar os miolos através de um buraco na cabeça. Dizem ser grande, peludo e fazer uma zoada forte. Já Okômi é aquele através do qual os Tariana deveriam ter se originado. Os î’ta-masa mencionados no mito Tariana moram nas imediações de Iauaretê, em pedras, paranás e ilhas que existem na acidentada região do povoado – com corredeiras, pedrais e a encachoeirada foz do rio Papuri. Okômi morava em uma parte elevada do povoado, conhecida hoje como o “morro do Cruzeiro” (onde está o bairro do Cruzeiro).

Na grande cachoeira de Iauaretê, vivia a gente-onça, Yaí-masa, referidos mais especificamente como Yaípiri-pakâna-masa, “gente onça de dente grande”. Umas das filhas da gente onça veio a se casar com Yetoĩ, o “caba grande”, que vivia na foz do Papuri. Por serem xamãs poderosos, os Yaí-masa sabiam que Okômi iria ser o chefe de um grande e muito poderoso grupo. Por isso, eles o torturaram até a morte. Depois disso, os Yaí-masa convidaram todos as outros î’ta-masa para o banquete em que Okômi seria devorado, pois nenhuma parte de seu corpo deveria restar. O cunhado Yetoĩ foi também convidado, e foi o responsável por impedir a devoração absoluta de Okômi, tendo, disfarçadamente, atirado para o alto três pequenos ossos de um de seus dedos.

Mais tarde, esses ossos caíram no Uaupés com uma trovoada e se transformaram em peixes. Foram recolhidos por Yetoĩ e sua esposa e levados para casa. Foram postos em um matapi (trançado em forma tubular para captura de peixes) de defumar pimenta, onde se transformaram em grilos e começaram a crescer. Mas os grilos começaram a importunar a mulher, que é referida como sua avó. Mais tarde, ela os coloca dentro de um pilão usado para socar ipadu, e, vedando com breu, o atirou ao rio. O pilão boiou Uaupés abaixo, encostando-se à outra margem. Foi então que os irmãos Diroá apareceram pela primeira vez com a aparência humana, e já se chamando Kuenaka, Kali, e Kui, os principais nomes cerimoniais até hoje usados pelos Tariana do sib Koivathe.

Os Diroá são chamados “filhos do sangue do Trovão”, pois foi nessa forma que os ossos de Okômi caíram da casa do Trovão. A palavra Diroá pertence à língua tukano e é traduzida por ”coágulo de sangue”. O aparecimento dos Diroá resulta, portanto, de um longo processo transformativo, em que, inicialmente, pequenos ossos de um demiurgo devorado convertem-se em sangue. O sangue transforma-se em peixes e grilos sucessivamente, até alcançar a forma humana. Os dois últimos estágios se dão por intermédio de artefatos tubulares, o matapi e o pilão, que são recipientes de substâncias de uso ritual, como a pimenta e o ipadu.

O processo não é ainda a origem dos humanos, mas de sua forma, que vem marcada com os nomes então adquiridos pelos Diroá. Os nomes, assim, prefiguram a humanidade. O mito segue narrando os feitos dos Diroá para obter poderes xamânicos e os vários estratagemas que planejam para matar os filhos da gente onça. Eles mantêm com estes uma relação de afinidade, pois, por sua ligação com Yetoĩ, comportam-se como seus cunhados. Vários episódios se sucedem, nos quais os Diroá são chamados a colaborar com os cunhados na abertura de seus roçados ou lhes oferecem dabucuris, os rituais de troca de alimentos entre afins. A gente onça já os odeia e tenta devorá-los sem sucesso. Ao final, ao roubarem o raio da mão direita do Trovão (um osso), os Diroá terminam por aniquilar a gente onça com uma trovoada, em uma ocasião em que faziam festa em sua maloca. Mas matam também o avô Yetoĩ e a sua esposa, que lá também se encontravam. Não há como salvá-los, pois trazê-los novamente à vida faria reviver igualmente os Yaí-masa.

As diferentes versões desse mito tratam da trajetória subseqüente dos Diroá de distintas maneiras. Há versões que articulam o destino dos irmãos Diroá ao mito de origem dos povos Tukano, apontando que, após a morte da gente onça, eles haveriam embarcado na cobra-canoa dos ancestrais Tukano que já descia o Uaupés em retorno ao Lago de Leite. Expulsos da cobra-canoa, voltam à casa do Trovão para cair do oceano e adentrar pelos rios Amazonas, Negro e Içana, onde já surgem os Tariana. Outra versão afirma, de modo importante, que, ao matar a gente onça, os Diroá dirigem-se ao Lago de Leite para avisar os Tukano que já podem iniciar sua viagem em direção ao Uaupés, pois o lugar já se encontra livre de gente canibal. Com efeito, alguns Tariana afirmam que o único grupo canibal que existiu no Uaupés foram os Yaí-masa de Iauaretê, e que, ao serem exterminados, os grupos atuais puderam ali se estabelecer sem perigos.

A versão fornecida pelos Koivathe fala, após o fim da gente onça, da subida dos Diroá à casa do Trovão, onde sua vida irá passar a um cigarro cuja fumaça, ao ser soprada no lago do Trovão, vai dar origem aos Tariana. Desse lago, eles passam a Uapui-cachoeira, no rio Aiari, através de uma zarabatana de quartzo, e iniciam sua jornada em direção ao Uaupés. Nanayo, a primeira mulher criada pelo Trovão, é quem efetua a operação de transportar a vida dos Diroá. Ela o faz ao colocar seu próprio leite no cigarro. O leite da primeira mulher, uma vez associado ao tabaco, é o que propicia que a essência vital dos Diroá venha a dar origem aos Tariana. É essa substância imaterial que, dizem os Tariana, continua a ser transmitida através das gerações junto com os nomes Kuenaka, Kali e Kui.

Mito e história

Há uma passagem da mitologia tariana que conecta, por assim dizer, o mito e a história, isto é, o mundo da gente-pedra ao mundo dos humanos de hoje. Ela trata, precisamente, dos episódios que tiveram lugar ao longo de sua trajetória do Aiari ao Uaupés, até alcançar Iauaretê.

Após seu aparecimento no rio Aiari, os Tariana haveriam crescido e se dividido em vários grupos. Há locais a meio caminho entre os rios Aiari e Uaupés nos quais sua transformação em seres humanos se completa. Já no Uaupés, novos grupos aparecem e as posições de chefia são assumidas por alguns, entre eles os Koivathe. E é em uma “casa de transformação” situada no alto Uaupés – Mawadali, a casa do arumã – que todos os grupos Tariana participaram da cerimônia em que pela primeira vez as flautas do Jurupari foram usadas, evento mítico que marca sua transformação definitiva em seres humanos. Ao chegar a Iauaretê, fixaram-se na Serra do Jurupari. Ali construíram sua grande maloca fortificada, a partir de onde fizeram as guerras com os Wanano e os Arara. Assim segue a narrativa Koivathe:

Foi em Mawadali, a casa do Arumã, aonde os Tariana chegaram sob o comando de Koivathe, que aconteceu a divisão dos grupos Tariana. Ennu, Kui e Nanaio estavam ali e os Tariana chegaram já com a forma humana. Houve então a primeira dança com as flautas do Jurupari, feita pelo Samida [sib subordinado aos Koivathe]. Depois disso, os Tariana saíram da maloca de Mawadali e se dirigiram para a maloca do Ira, situada mais abaixo no Uaupés. Neste local foi preparado o primeiro dabucuri. Eles foram tirar bacaba e prepararam o jurupari. Prepararam a festa a fim de que Samida apresentasse os seus cantos e suas danças de dabucuri [po´oli basa]. Depois dessa festa, eles foram até Paricatuba [parica-uka], já no rio Negro. De lá, subiram pelos rios Negro e Uaupés, passando pelas mesmas casas de transformação que os Tukano haviam parado anteriormente. Só que os Tukano viajavam em sua cobra-canoa, e os Tariana iam de uma casa a outra através de uma zarabatana de quartzo. Em Taracuá, eles entraram na maloca de lá, e continuaram a viagem até Iauaretê, onde encontraram-se com Wa´ûro [chefe dos Tukano], no lado colombiano. Na foz do Papuri, em lado brasileiro, encontraram com Yaí o´a-masa, o avô dos Tukano, aquele que tomava conta dos irmãos maiores. Wa´ûro entregou essa terra porque ele sabia que os donos verdadeiros eram os Tariana, que são os descendentes de Okomi, uma pessoa que muito tempo antes já tinha morado em Iauaretê. Então se dirigiram os Tariana do segundo grupo para a serra do Jurupari.”
Este trecho, ao mesmo tempo em que trata do estágio final da transformação mítica dos Tariana, aproxima o surgimento dos Tariana ao dos Tukano. A zarabatana de quartzo, antes usada pelos Diroá para descer da casa do Trovão ao rio Aiari, é agora o meio através do qual os Tariana percorrem o mesmo caminho que os Tukano perfazem através de uma cobra-canoa. Um caminho que levaria a ambos até Iauaretê, um lugar desde então marcado pelo cruzamento das trajetórias Tariana e Tukano. Para os Tariana em particular, é o lugar onde se inicia uma história de feitos humanos propriamente ditos.

 Rituais

Ao relembrar a origem de seus nomes, os Tariana costumam fazer alusões aos rituais que tinham lugar nas antigas malocas, abandonadas há várias décadas em Iauaretê. A nominação era parte de um ciclo maior, que envolvia a proteção que a criança recebia ao nascer e, na puberdade, a iniciação. Após o nascimento, homens mais velhos da maloca, parentes agnáticos em geral da segunda geração ascendente, “benziam” a criança usando um cigarro e o suco da fruta abiú. Essas encantações eram proferidas de maneira silenciosa, à medida que se soprava o cigarro em suas extremidades. Frases eram retiradas da própria narrativa mítica, assim como outras eram acrescentadas no momento em que as baforadas eram dirigidas à criança. Com essa primeira cerimônia, o recém-nascido tinha o seu coração fortalecido, sendo este igualmente considerado uma alma, o ehêripo’rã, “filho da respiração”. Dizem os Tariana que ainda não se tratava da nominação, mas de uma proteção então administrada à criança - wetiró, “capa” ou “envoltório”, concebidos na forma de paris (esteiras de talo) invisíveis -, que ao mesmo tempo já a preparava para aquilo que seria futuramente.

Para que a criança viesse a adquirir capacidades específicas, como as de cantor, xamã, pescador e assim por diante, uma porção de urucu, devidamente preparado com encantações, era posto em seu umbigo. Ao atingir seus sete ou oito anos de idade, a criança recebia finalmente o nome, em uma nova cerimônia que repetia os mesmos procedimentos. Desta vez, porém, uma encantação específica de nominação era empregada. A ehêripo’rã “era reforçada”, como se diz, o que indica claramente que o nome (wame) constituía um aspecto metafísico da pessoa que vinha incidir diretamente sobre sua alma, aumentando sua “força de vida”, katiró.

Essas operações rituais reencenam o episódio mítico no qual Nanayo, ao passar de seu leite em um cigarro, o investe do princípio vital dos Diroá. Poderíamos dizer que a mesma fumaça, então soprada sobre o Lago do Trovão, é soprada sobre as crianças a serem nominadas. No mito, surgem os Tariana; com a nominação, uma nova pessoa. Lá, é Nanayo que se incumbe da operação; aqui, são os kumu (xamãs) do grupo agnático. Lá, o seu leite; aqui, o suco de abiú. Em ambos os casos, a mesma vida que anima os Tariana. Os nomes, veiculados através das encantações, conectam, assim, o presente ao passado ancestral.

Como os nomes são poucos, várias pessoas recebem o mesmo nome, ainda que se afirme que os nomes devem circular em gerações alternadas. Nesse caso, uma pessoa recebe idealmente o nome do avô. Mas é preciso sublinhar que não se trata de reencarnação, pois ao receber um nome uma criança não se torna o antepassado que antes recebera o mesmo nome. Aparentemente, a relação entre indivíduos de gerações alternadas que levam o mesmo nome seria de “substituição”, como certas frases da encantação de nominação parecem indicar. Além disso, é muito comum que vários indivíduos portem um mesmo nome simultaneamente, sem que haja entre eles uma ligação particular. Antes de tudo, o nome diz respeito à vitalidade que vai permitir o desenvolvimento de certas capacidades ao longo da vida. Assim, há nomes apropriados a xamãs, cantores ou chefes, o que define sua distribuição entre filhos primogênitos e caçulas. Ainda que a aplicação desta regra não seja rigorosa, a associação dos nomes a capacidades específicas é freqüentemente sublinhada pelas pessoas ainda hoje.

Adornos e nomes

No passado, havia expedientes que permitiam a obtenção de adornos cerimoniais pertencentes a outros grupos. Os objetos podiam ser obtidos por meio de ataques a malocas de grupos inimigos ou permutados em modalidades muito específicas de troca entre grupos aliados. Como o mito de origem tariana deixa claro, os enfeites cerimoniais foram os meios pelos quais o Trovão fez surgir os ancestrais e a nova humanidade. Tal como os nomes, esses objetos são transmitidos dentro do sib através das gerações. Roubá-los de outros grupos significava se apoderar de poderes transformativos alheios.

Mas também os nomes de outros grupos podiam ser, por assim dizer, usurpados. Para tanto, os grupos agnáticos tinham que se valer de outro de seus meios, igualmente obtidos fora: as mulheres. Uma mulher que tivesse um filho de outro homem que não o marido, buscaria preferencialmente os chefes, os bayá (cantores) ou os kumu (xamãs). Uma vez nascida, a criança poderia assim receber dois nomes, sendo benzida pelo pai verdadeiro e pelo adotivo. Através desse mecanismo, um sib poderia vir a obter parte do poder e do conhecimento de outro, embora fosse coisa que poderia acontecer também dentro de uma mesma maloca. O nome que vinha de fora era então traduzido para a língua do grupo do pai adotivo. Com o novo nome, a criança, como novo membro do grupo do pai adotivo, lhe agregava algo da vitalidade do grupo do pai verdadeiro. Evidencia-se assim uma associação entre o nome, a essência ou princípio vital e o próprio sêmen dos homens de um sib. Mas fica igualmente evidente que esse aspecto imaterial do patrimônio de um sib pode ser suplementado pela aquisição de qualidades do mesmo tipo entre outros grupos.

Como apontado por Stephen Hugh-Jones (1979), entre os grupos do Uaupés a nominação passa pela contribuição respectiva dos sexos à concepção do feto – carne e ossos, formados pelo sangue materno e pelo sêmen paterno, correspondendo respectivamente a uma vitalidade exterior e um espírito interior –, operando fundamentalmente a partir da transmissão de essências dentro do grupo agnático, mas depende, por outro lado, das esposas que vêm de fora para a produção dos corpos.

Dabucuris

Os dabucuris são os rituais de trocas que envolvem, geralmente, sibs que mantêm alianças matrimoniais. Mas não se restringem apenas a grupos afins, podendo envolver também sibs pertencentes a um mesmo grupo exogâmico. Vários moradores de Iauaretê ainda descrevem os requintes que envolviam a preparação dos dabucuris no tempo de seus avós. Eram grandes festas, nas quais as caixas de ornamentos rituais eram abertas e instrumentos musicais e cantos específicos eram apresentados de acordo com o que estivesse sendo oferecido: peixe, caça, frutos do mato ou artefatos (bancos ou cestarias). Era também uma ocasião em que o alucinógeno caapi (Banisteriops caapi) era consumido pelos mais velhos, que lhes permitia enxergar e entrar em contato com o mundo mítico invisível.

Os dabucuris eram tratados com antecedência, e o grupo que tomava a iniciativa marcava o dia em que iria visitar a comunidade de seus parentes, já informando aquilo que iriam oferecer aos anfitriões. Estes já se preparavam para receber os visitantes, de maneira que, no dia marcado, havia bebida e comida preparadas em quantidade suficiente para que a festa durasse até dois dias seguidos. Os dabucuris são amplamente realizados hoje nos bairros de Iauaretê, apesar de despidos de uma preparação mais elaborada, e da falta de adornos e instrumentos cerimoniais.

Feiras e dabucuris
Através do livro de atas da comunidade do bairro de D. Pedro Massa, verificamos algumas estratégias para a obtenção de dinheiro, tais como a venda de artesanato feminino produzido nos dias de trabalho coletivo ou a venda de “comida regional”, de pipoca e caxiri nas casas ou em feiras organizadas na comunidade. Como reza o estatuto do bairro, não se tratam propriamente de atividades que visam o lucro individual, pois seu propósito é o de obter a “necessidade básica”, e que, ao lado de coisas como a eleição de um “padrinho” para tomar conta da juventude ou da reiteração permanente por parte dos líderes comunitários para que se evite fofocas e maledicências, concorrem para que se alcance o “bem estar da comunidade”.

Com efeito, nos últimos anos, a venda do caxiri (cerveja fermentada de mandioca) passou a ser uma prática adotada por um grande número de famílias. Alguns dizem que o consumo do caxiri é até mesmo mais alto hoje do que o consumo de bebidas alcoólicas antes da proibição de 1999. Nesse ano, “feiras” passaram a ser promovidas para a venda de beijus, frutas, comida pronta e caxiri. A idéia foi posta em prática em primeiro lugar no bairro do Cruzeiro nas manhãs de domingo. Para isso, foram improvisadas algumas barracas na praça dessa comunidade, que servia tanto aos moradores do Cruzeiro como aos moradores dos outros bairros na venda de seus produtos. Aparentemente, a adesão das mulheres ao negócio foi de tal maneira entusiasmada que em pouco tempo as feiras começaram a surgir também nos outros bairros.

Em princípio, as pessoas que idealizaram a feira pensaram que os produtos que viriam a ser comercializados em maior quantidade seriam frutas e farinha. Era uma tentativa de proporcionar uma ocasião para que aquelas pessoas que tentavam vender seus produtos para os comerciantes locais com pouco sucesso pudessem oferecê-los diretamente aos consumidores. Muita gente, com efeito, reclama de que os comerciantes locais dificilmente aceitam comprar ou trocar por mercadorias aquilo que é produzido na região. Os comerciantes, por sua vez, dizem que as pessoas costumam dar preços a seus produtos tomando por base os próprios preços das mercadorias, o que tornaria inviável sua comercialização sem prejuízos. A feira foi a solução encontrada para o problema, permitindo que aqueles que desejassem vender pudessem chegar à suas próprias conclusões quanto aos preços adequados dos produtos.

Porém, as feiras vieram a ser não apenas uma solução para o problema econômico. Tornaram-se também eventos, dir-se-ia, recreativos. E nesse ambiente, o que prosperou foi a venda de comida pronta e grandes quantidades de caxiri. Com isso, as ocasiões de beber caxiri multiplicaram-se surpreendentemente, pois não há um final de semana sequer em que não são promovidas entre duas a quatro feiras em diferentes bairros. As mulheres do bairro de Santa Maria, que se localiza na margem oposta ao lado mais densamente povoado, começaram a solicitar o uso do centro comunitário do Cruzeiro para promover suas próprias feiras onde os consumidores têm maior facilidade de acesso. Paralelamente, algumas casas também começaram com a venda de caxiri, dando uma opção noturna àqueles que não saciaram totalmente sua sede nas feiras matutinas e vespertinas.

As festas de caxiri continuam sendo realizadas aparentemente no mesmo ritmo de antes, com as famílias das comunidades se reunindo para fazer dabucuris e festejar aniversários e outras datas comemorativas, como dia dos pais e das mães. E agora, quando não há um motivo especial para realizar uma dessas festas, as feiras oferecem uma opção para as pessoas saírem de suas casas. Muito embora o caxiri seja agora vendido, o ambiente em que a feira é realizada é o mesmo centro comunitário dos bairros onde são feitas as festas. E as mulheres, ao invés de rodarem o salão em fila servindo todos os presentes, dispõem-se em mesas centrais com suas grandes panelas, vendendo cuias, jarras e copos da bebida. E pelo que se observa nessas ocasiões, boa parte do caxiri acaba sendo oferecido gratuitamente entre parentes mais próximos e amigos. Assim, essas feiras podem também ser qualificadas como eventos da comunidade.

Nesse contexto, os dabucuris internos aos bairros de Iauaretê respondem tanto à necessidade de criação de uma identidade comensal entre os grupos co-residentes como à de retribuir, e assim estimular, pessoas que estão em posição de aumentar a circulação interna de dinheiro. Neste último caso, a comunidade afirma-se como tal, evidenciando que mesmo pessoas assalariadas são parte de um conjunto maior de relações, ou seja, que aquilo que pode demonstrar a cada mês com seus recursos financeiros não é mais do que aquilo que a comunidade pode promover quando age como um sujeito coletivo. Um detalhe que merece destaque é que feiras e dabucuris podem perfeitamente ser combinados em prol dos fins comunitários.

Mas há que se mencionar que as feiras e o aumento do consumo de caxiri vêm gerando, de acordo com comentários correntes, dificuldades adicionais para “controlar a juventude”, que, em pequenas turmas, hoje vaga pelos bairros movida pelo som dos aparelhos eletrônicos que animam as festas e pelo cheiro do caxiri. As brigas entre as turmas de bairros diferentes estão se tornando um tema do cotidiano do povoado, e o problema passou a ser um dos assuntos de destaque em reuniões de lideranças e assembléias.

 Comércio

O uso do dinheiro em transações de mercadorias e produtos entre brancos e índios no Uaupés já remonta a algumas décadas. A partir dos anos 80, a concentração demográfica e o crescimento dos trabalhos remunerados em Iauaretê induziu o surgimento da atividade comercial aos moldes daquela que se via na cidade. No bairro de São Miguel, houve parentes com certa experiência no ramo comercial em São Gabriel que foram instados a voltar para Iauaretê e abrir um negócio para abastecer a comunidade. Por outro lado, a decadência do extrativismo no Amazonas levava a que antigos regatões que no passado subiam os rios para negociar com as comunidades indígenas passassem a se fixar em São Gabriel permanentemente, abrindo novos estabelecimentos comerciais que viriam a florescer a partir do aumento do número de funcionários públicos, e, mais tarde, dos contingentes militares transferidos para a região. Esses novos varejistas de São Gabriel viriam a ser os novos “patrões” dos índios de Iauaretê que decidiram se embrenhar na vida comercial, junto aos quais passariam a buscar crédito.

Assim, a atual dinâmica de circulação de mercadorias no rio Uaupés possui parentesco próximo à economia da dívida que, até os anos 70, foi central na região como um todo: continua-se adiantando mercadorias a crédito aos índios, porém o pagamento das dívidas já não se faz com breu, balata, seringa e outras resinas ou produtos, ou mesmo com o trabalho, mas com o próprio dinheiro que passou a chegar às mãos indígenas naquela década.

Essas são as circunstâncias históricas que irão favorecer o surgimento de um comércio indígena no rio Uaupés, concentrado especificamente no povoado de Iauaretê. À primeira vista, os comerciantes indígenas parecem ocupar a posição de intermediários, que se encarregam de transportar a Iauaretê as mercadorias disponíveis no comércio da cidade de São Gabriel da Cachoeira. Os já altos preços dos itens obtidos na cidade, todos eles importados de Manaus, praticamente duplicam ao serem oferecidos no comércio local. As enormes dificuldades com transporte e as perdas ocasionadas ao longo da viagem de cerca de quatro dias de barco entre São Gabriel e Iauaretê, assim como a existência de corredeiras intransponíveis no médio Uaupés, que obrigam a uma penosa operação de descarga e transporte terrestre a um outro barco que aguarda no porto de cima, são as justificativas apontadas para o alto custo das mercadorias em Iauaretê. Os preços das mercadorias no comércio local são, assim, absolutamente desproporcionais ao padrão de renda que vem se estabelecendo. Nesse contexto, as dívidas com os comerciantes, “a venda por fiado”, constituem um fato corriqueiro do cotidiano do povoado e as relações entre os comerciantes indígenas e seus fregueses torna-se objeto de grandes cuidados por parte dos primeiros.

Não se pode dizer, portanto, que, apesar do acesso crescente dos índios à moeda, a situação de exploração típica das relações de patronagem que a região conheceu historicamente tenha se diluído, pois a entrada de mercadorias na região permanece sob o controle dos comerciantes brancos de São Gabriel, em sua quase totalidade oriundos da região Nordeste. É o sistema da dívida que parece se reciclar apesar do aumento da circulação de dinheiro.

As múltiplas formas da riqueza

Como se diz em Iauaretê, brancos e índios possuem seus respectivos “instrumentos”, o’mo. Os instrumentos dos brancos são, sem dúvida alguma, os signos da civilização, valores que circulam na produção da vida comunitária em Iauaretê. Assim, pode-se supor que, tal como enfeites trocados ou roubados, as mercadorias vieram a veicular capacidades que se prestaram a incrementar aquelas que os homens recebem através dos ancestrais de seus sibs. Os apeka indígenas constituíam objetificações da força de vida introjetada na pessoa através da nominação. E os apeka dos brancos, as mercadorias, foram igualmente tomados por objetificações de uma capacidade que podia ser manipulada através de um meio xamânico muito particular, os papéra, o dinheiro. Talvez por isso, as mercadorias e o dinheiro puderam ser incorporados como novos recursos para viabilizar a produção da comunidade. Nesse caso, as demandas por empregos, dinheiro e mercadoria em Iauaretê não devem ser interpretadas apenas como “reificação” das coisas dos brancos em sua materialidade ou utilidade técnica. Roupas e dinheiro são, com frequência, referidos como uma “arma” do homem branco, isto é, sua we’tîro, “capa”, ou “proteção”; às vezes se diz até que os brancos já nascem de roupa.

É possível deduzir que, do ponto de vista indígena, o dinheiro foi inicialmente tomado como algo que para os brancos possuía uma importância equivalente àquela que os instrumentos de transformação e os adornos cerimoniais possuem para os índios: são meios e capacidades imprescindíveis na vida de hoje, e que como tais existem em um plano da realidade onde esse presente não é distinto do passado narrado nos mitos. Uma anedota que se ouve freqüentemente em Iauaretê é a seguinte: “os brancos fabricam muitas coisas, já os índios só fabricam gente”. E parece que para continuar “fabricando gente” nos grandes bairros de Iauaretê é imprescindível hoje lançar mão das coisas fabricadas pelos brancos.

A comunidade indígena, como já indicava o estatuto de D. Pedro Massa, não tem realmente “fins lucrativos”, seu propósito é a constituição de pessoas. Mas hoje em Iauaretê, há pessoas e grupos que já intentam novas formas de fusão das capacidades dos índios e dos brancos. Refiro-me a grupos de alta hierarquia que vêm esforçando-se para inscrever suas falas ancestrais nos papéra dos brancos, investindo grande parte de seu tempo na produção de livros de mitologia. Portanto, pode-se concluir que hoje, no Uaupés, os índios estão a afirmar, ao mesmo tempo, uma continuidade e uma descontinuidade com relação a seus antepassados. Se há uma descontinuidade quanto ao “modo de vida”, há uma continuidade paradoxalmente expressa na frase, “a vida do branco é diferente”. Acontece que essa não é uma frase tão simples como parece. Aqui não se está falando de modo de vida, ou o modo como hoje se leva à vida, mas daquela propriedade metafísica embutida nos corpos indígenas na concepção e reforçada através da nominação, o katisehé.

Em Iauaretê, nada disso é contraditório à incorporação progressiva das coisas dos brancos. Isto é, a aquisição progressiva das capacidades dos brancos pode ter transformado o modo de se viver, mas não chegou a corromper a substância imaterial que sustenta a vida dos índios. Ao contrário, elas vieram a suplementar essa capacidade que se herda dos antepassados. E se hoje há bairros que fundamentam sua vida comunitária sobre a obtenção cada vez mais intensa dos itens da civilização, há outras comunidades que, como vimos, começam a rever essa orientação, em especial aquelas onde vivem grupos que, do ponto de vista da chamada “cultura dos antigos”, situam-se em posições elevadas da hierarquia tradicional.

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Esta tese foi publicada no final de 1995 pelo MPEG de Belém dentro da Coleção Eduardo Galvão.

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Gain Panan : e a origem da pupunheira. Dir.: Luiz Fernando Perazzo. Filme Cor , 35 mm, 9 min. e 36 seg., 1995. Prod.: Laboratório de Animação/CPM da Escola de Comunicação da UFRJ.