Kushma, vestimenta tradicional Ashaninka, observe que os homens usam listras verticais e gola "V", enquanto as mulheres usam listras horizontais e gola "U". |
Os trançados, cordões e tecidos trançados desempenham um papel fundamental na vida cotidiana das comunidades indígenas, são utilizados tanto para funções práticas, como o armazenamento de objetos pessoais e alimentos, quanto para expressar a estética corporal, estabelecendo conexões entre diferentes grupos sociais.
Na vida da aldeia são essenciais para transportar e processar os alimentos necessários à subsistência diária. Cestos trançados são utilizados para colher, armazenar e transportar frutas, raízes e outros produtos da natureza. Esses objetos desempenham um papel central nas atividades de sustento da comunidade, permitindo a organização e o compartilhamento dos recursos alimentares.
Além de sua função prática também desempenham um papel significativo na expressão da identidade cultural e na estética corporal das comunidades indígenas. Eles contribuem para a individualização sexual e etária, definindo papéis de gênero e marcando diferentes fases da vida, como rituais de iniciação e funerários.
Os objetos trançados, como cintos, tipóias ou suportes para ornatos plumários, são adornos utilizados para realçar a beleza e transmitir símbolos culturais. Eles refletem a conexão profunda entre a sociedade e o corpo de seus membros, intermediando a ação social e transmitindo significados culturais.
A preservação e valorização desses tecidos trançados são importantes para as comunidades indígenas. No entanto, a inserção desses artefatos nos museus, que remonta ao século XIX, muitas vezes não representa a totalidade da produção cesteira das sociedades indígenas. A seleção dos objetos exibidos nos museus é influenciada por interesses individuais e logísticos, resultando em coleções que podem não refletir a diversidade e a riqueza cultural dessas comunidades.
A abordagem museológica dos tecidos trançados muitas vezes foca apenas na técnica produtiva dos artefatos, desconsiderando outras dimensões importantes, como a material-prima utilizada, a forma de confecção, a decoração e a função de cada objeto. É essencial considerar a visão e a categorização indígena dos tecidos trançados, reconhecendo sua importância como expressões culturais e não apenas como peças artesanais.
Trançados de Fibras e Palhas
Trançados de fibra de palha são comumente encontrados em comunidades indígenas, onde as plantas nativas fornecem matéria-prima abundante. Essas fibras são extraídas das plantas, geralmente por meio de um processo de secagem e tratamento, para garantir a maleabilidade e resistência necessárias para a tecelagem. Os trançados com fibras de palha podem ser usados para criar uma variedade de objetos, como cestos, esteiras, bolsas e chapéus. Esses materiais naturais conferem aos produtos um aspecto rústico e uma conexão com a natureza.
Trançados de fibras e palha, aqui vemos um cesto platiforme Tikuna da comunidade AMATÜ, detalhe do arremate de borda com reforço entretraçado |
A fibra de arumã (Ischnosiphon polyphyllus) é uma planta da família das matantáceas; uma espécie de cana de colmo liso e reto, que oferece superfícies planas, flexíveis, que suportam o corte de talas milimétricas;
Esse colmo é descascado, raspado, ariado e pode ser tingido ou mantido na cor natural; também usado com casca, que lhe confere maior resistência e uma cor pardo clara laqueada. O arumã, ou guarimã é utilizado pelos povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão, onde a planta, que tem várias espécies, cresce em regiões semi-alagadas.
É um material extremamente importante para os Ticuna e Baniwa, entre outros. A Associação das Mulheres Artesãs Ticuna de Bom Caminho, AMATÜ, por exemplo, foi criada com a finalidade de organizar a produção e comercialização dos artesanatos de mais de 120 artesãos, visando a valorização e divulgação da cultura Ticuna.
Os Ticuna possuem um profundo conhecimento sobre as plantas da região e têm habilidades tradicionais de extração e processamento da fibra de arumã.
Os artesãos Ticuna dominam a técnica de trançado dessa fibra, produzindo cestos, bolsas, esteiras e outros objetos utilitários. O trançado da fibra de arumã é uma tradição transmitida de geração em geração e desempenha um papel cultural importante.
Além de garantir retorno financeiro à aldeia, o uso da fibra de arumã na comunidade Ticuna está intimamente ligada à sua relação com a natureza e ao respeito pelos recursos naturais. Os Ticuna têm um profundo conhecimento sobre as plantas e suas propriedades, incluindo as características da fibra de arumã e as melhores formas de usá-la. Eles seguem práticas sustentáveis de coleta, garantindo a preservação das plantas e a renovação dos recursos naturais.
O Umbigo
O termo "umbigo" é utilizado para descrever o início do trançado de cestos, inspirado na nomenclatura dos índios Tiriyó (Frikel 1973:15), o "umbigo" simboliza o centro e nascedouro do artefato trançado.
De acordo com a classificação proposta por Adovasio (1977), os "centros dos cestos" são classificados em três categorias principais: sarjado, torcido e costurado. No entanto, o autor não atribui nomes aos tipos mais comuns, considerando que há tantas variantes que uma taxonomia universalmente aplicável e aceitável é impossível.
No caso dos trançados entretorcidos, o tipo "umbigo asterisco" é obtido colocando os elementos da urdidura em posição radial e envolvendo-os com uma trama, adicionando gradualmente novas talas ao urdume. O trabalho continua seguindo o esquema de trançado torcido.
Segundo as três categorias principais em que divide o trançado: sarjado, torcido e costurado, procedimento que também adoto. Entretanto, ele não atribui nomes aos tipos mais correntes que
seleciona como paradigmas, mesmo porque considera que as
variantes são tantas que " . . . o estabelecimento de uma taxonomia universalmente aplicável e aceitável é impossível".
Dessa forma, a fibra de arumã desempenha um papel significativo na cultura Ticuna do Bom Caminho, representando sua conexão com a natureza, suas tradições ancestrais e a preservação de suas práticas artesanais.
Trançados com Fios e Tecidos
Por outro lado, os trançados feitos com fios de tecidos, como algodão e linho, geralmente envolvem a utilização de técnicas de tecelagem mais complexas. Nesse caso, os fios são obtidos por meio de processos de fiação e tingimento, muitas vezes com uso de corantes naturais. Os tecidos são então trabalhados em padrões específicos, como padrões de trama e urdidura, para criar peças de artesanato, como tapetes, mantas, roupas tradicionais e objetos decorativos. A tecelagem com fios de tecidos permite uma maior variedade de cores, texturas e padrões, proporcionando um aspecto mais refinado ao artesanato.
As escolhas entre o uso de fibras de palha ou fios de tecidos podem depender de vários fatores, incluindo a disponibilidade dos materiais locais, as tradições culturais e as preferências estéticas das comunidades indígenas. Ambos os tipos de trançados têm um valor cultural significativo, preservando técnicas tradicionais e transmitindo conhecimentos ancestrais de geração em geração.
Já os Makuxi fazem grande uso do bacuri (Platonia insignis), uma planta amplamente utilizada, principalmente pela comunidade da região do Planalto das Guianas, na fronteira entre o Brasil, a Guiana e a Venezuela. Essa planta é altamente valorizada devido à sua versatilidade, sendo tanto a palha quanto o coquinho aproveitados na confecção de artefatos e utensílios.
Eles extraem as fibras da palha e as trabalham meticulosamente para criar cestos, esteiras, chapéus e outras peças artesanais. Os artesãos Makuxi possuem habilidades tradicionais de trançado, transmitidas de geração em geração, e a palha do bacuri desempenha um papel importante nesse processo.
Eles também coletam os frutos maduros do bacuri, chamados de coquinhos e o utilizam como matéria-prima para a criação de objetos decorativos, como colares, pulseiras e enfeites. Os Makuxi têm grande conhecimento sobre as propriedades do coquinho e sua utilização na confecção de artefatos que possuem significado cultural e estético para a comunidade.
Os Macuxi fazem um trabalho interessante com a palha do buriti, como este interessante cesto bosliforme, em que usam o talo para estruturar o trançado sarjado de folhas, em padrão de espinha. |
Ourikuri
A palmeira do ouricuri, conhecida cientificamente como Syagrus coronata, desempenha um papel fundamental na cultura e na história dos povos indígenas Fulnio. Essa espécie de palmeira é nativa do nordeste do Brasil e é especialmente valorizada pelos Fulnio, que a consideram sagrada e a utilizam em diferentes aspectos de sua vida cotidiana.
Um dos aspectos mais marcantes da importância do ouricuri para os Fulnio é encontrado nas pinturas rupestres de esteira de ouricuri na Serra do Cavalo, também conhecida como Foklasá. Essas pinturas são uma expressão artística única e uma manifestação cultural que revela a relação profunda entre os Fulnio e a palmeira do ouricuri. As esteiras feitas a partir das folhas do ouricuri são utilizadas pelos Fulnio para diversos fins práticos, como a construção de casas tradicionais e a confecção de cestas, redes e outros utensílios. As pinturas rupestres retratam essas esteiras e representam a importância da planta na vida e na identidade do povo Fulnio.
Além disso, o ouricuri desempenha um papel central no ritual sagrado dos Fulnio, também chamado de "ouricuri". Esse ritual é realizado anualmente e envolve a coleta do ouricuri e a extração do óleo da palma, que é utilizado em diversas práticas tradicionais, como rituais de cura e cerimônias religiosas. O ouricuri é considerado uma fonte de vida e fertilidade pelos Fulnio, e o ritual do ouricuri é um momento de renovação e conexão com suas raízes culturais.
A palmeira do ouricuri é um símbolo de resistência e resiliência para os Fulnio. Ao longo dos séculos, enfrentaram desafios e adversidades, mas a ligação com o ouricuri permaneceu forte e intacta. A planta desempenha um papel crucial na subsistência, no artesanato, na espiritualidade e na transmissão de conhecimento ancestral. Através do ouricuri, os Fulnio mantêm vivas suas tradições, sua identidade e sua conexão com a natureza.
É importante reconhecer e valorizar a importância da palmeira do ouricuri para os Fulnio e para a preservação da diversidade cultural e biológica. A proteção desse recurso natural e o respeito pela cultura e sabedoria dos Fulnio são fundamentais para garantir a continuidade dessa rica herança e para promover a sustentabilidade ambiental e cultural da região.
Em suma, a palmeira do ouricuri desempenha um papel central na vida e na cultura dos Fulnio. Suas pinturas rupestres, suas esteiras e o ritual sagrado do ouricuri são exemplos claros da importância dessa planta sagrada para a identidade e a subsistência desse povo indígena. Reconhecer e valorizar a importância do ouricuri é essencial para preservar a história, a cultura e a relação harmoniosa entre os Fulnio e o ambiente natural que os cerca.
O Tipiti
Tipiti é um utensílio tradicional utilizado em diferentes regiões do Brasil, principalmente por comunidades indígenas e agricultores familiares. Existem dois tipos principais de Tipiti: o Tipiti de Peso e o Tipiti de Torção.
O Tipiti de Peso é usado como uma espécie de peneira e recipiente para colocar a massa de mandioca ralada em seu interior. É aplicada uma força para esticá-lo, seja através de um puxão com as mãos, da colocação de um objeto com determinada massa ou até mesmo com o peso de uma ou duas pessoas sentadas em uma haste de madeira que está atravessada em uma das extremidades. O Tipiti de Peso pode ser feito com diversos materiais, dependendo da disponibilidade da matéria-prima local. Por exemplo, no Piauí, é comum utilizar a fibra de coco babaçu, uma palmeira da espécie Attalea speciosa, que possui frutos com sementes oleaginosas e comestíveis amplamente utilizados na culinária regional. A fibra é colhida durante o período de preparo das roças para o plantio de legumes.
Já o Tipiti de Torção é feito de talas da palmeira jacitara (Desmoncus polyacanthos). Consiste em um tubo flexível de fibras que é operado por meio de torção pelas mãos. Esse tipo de Tipiti tem a função de espremer a massa de mandioca, permitindo a extração do líquido amido conhecido como "tucupi" em algumas regiões. A torção aplicada ao Tipiti comprime a massa, liberando o líquido.
Tanto o Tipiti de Peso quanto o Tipiti de Torção são exemplos de tecnologias tradicionais que demonstram a criatividade e o conhecimento dos povos indígenas e agricultores na utilização de materiais disponíveis na natureza. Esses utensílios desempenham um papel importante no processamento da mandioca, uma cultura alimentar fundamental em várias partes do Brasil, especialmente na produção de farinha e outros derivados. Além disso, o uso desses utensílios também contribui para a preservação das técnicas tradicionais e o fortalecimento da identidade cultural dessas comunidades.
A física do Tipiti
A aplicação de força em um tipiti com massa de mandioca num tipiti de peso é consideravelmente grande, observando as mudanças no volume e na pressão interna. É interessante notar que a pressão interna na massa da substância segue as características da mecânica dos fluidos.
Analisando os dados experimentais fornecidos no trabalho academico de Raimundinha Nunes Gomes Vilanova A FÍSICA DO TIPITI: ESTUDO DA PRESSÃO EM ALAVANCAS INDÍGENAS, observamos que a força aplicada é medida em Newton (N), enquanto o volume é expresso em centímetros cúbicos (cm³). Para uma análise mais adequada, podemos converter as unidades de força de Newton para quilogramas por centímetro cúbico (kg/cm³), considerando que 1 N é equivalente a 0,102 kg/cm³.
Essas foram as medidas realizadas no experimento:
Tipiti sem massa inserida:
Volume: 2260,8 cm³
Tipiti com massa inserida (Medida 1):
Volume: 3235,45 cm³
Força: 8,66 N (0,884 kg/cm³)
Tipiti com massa inserida (Medida 2):
Volume: 2923,34 cm³
Força: 22,22 N (2,267 kg/cm³)
Tipiti com massa inserida (Medida 3):
Volume: 2911,03 cm³
Força: 41,34 N (4,219 kg/cm³)
É importante destacar que a resistência das fibras do tipiti é fundamental para evitar o rompimento durante a aplicação da força, essa resistência é necessária para suportar a pressão exercida pela massa fluida, garantindo que o tipiti seja capaz de extrair os líquidos desejados de forma eficiente.
Arte Indígena em Cordões, Tecidos e Nós
Técnica de acoplamento. Manufatura de rede sobre duas estacas fincadas no chão com fibras de burití: tear de varas alçadas. Apud Roth 1924, etnia Warao |
Sem dúvida, o povo mais talentoso para a arte da tecelagem são os Ashaninka, eles têm uma rica tradição de tecelagem, que é considerada uma forma de arte e expressão cultural.
Contratorcido alternado com o uso de bobinas, rede de dormir feita por indígenas Guianas e Indigens Urbanos do Vale do Urucuí |
A tecelagem tradicional dos Ashaninkas envolve o uso de teares manuais e técnicas ancestrais transmitidas de geração em geração. Eles utilizam materiais naturais, como algodão e fibras vegetais, para criar tecidos intricados e coloridos. Eles produzem uma variedade de peças tecidas, incluindo roupas tradicionais, como saias e vestidos, mantas, bolsas, cestos e outros objetos utilitários. Cada peça é única e reflete a identidade cultural e a criatividade do artesão.
Tecelagem do Kushma, vestimenta Ashaninka. |
A arte de tecer dos Ashaninkas é valorizada não apenas dentro de sua comunidade, mas também reconhecida internacionalmente como um exemplo de habilidade e conhecimento tradicional. É uma forma de preservar sua cultura e promover o orgulho e a identidade indígena. Conta uma antiga Lenda Ashaninka que uma mulher lua enterrou sua Kushma branca e daquele ponto cresceu o algodão pela primeira vez. A Kushma é a vestimenta tradicional Ashaninka, são tingidas com a Catuaba, Trichilia catigua, chamada pelos Ashaninka de kamanporiki e Abiu-de-cacho, chamada, Pouteria sp de kitsapiki.
Aqui vemos um tear pré-colombiano utilizado pelos Ashaninka, com urdume na horizontal, e tramas passadas por uma laçadeira. Observe o gabarito que alinha as carreiras do entretorcido. |
A seguir discorreremos sobre uma categoria de artefatos que inclui cordames, nós e tecidos para múltiplos usos, incluindo adorno corporal, porém com pouca ornamentação. Ornamentos feitos de conchas, cocos, sementes, miçangas, garras de animais, tabocas e, principalmente, penas, são classificados em diferentes categorias.
Adornos de materiais ecléticos, indumentária e toucador, e parcialmente na categoria de Trançados. Para evitar confusões com ornamentos semelhantes feitos com diferentes materiais e técnicas, utilizamos o termo "tecido" como modificador nos descritores. Por exemplo: tipoia tecida, saia tecida, aro tecido, pabeira tecida, abano tecido, etc.
Incluímos definições genéricas os termos para os tratamentos da matéria-prima que a tornam utilizável nessa indústria, tais como: fio de duas pernas, fumada, laçada em volta seca, almofada, etc... Além disso, as técnicas básicas são explicadas em sua forma verbal no infinitivo, por exemplo: a técnica genérica de acoplar e o processo de manufatura específico: acoplado, expresso por um adjetivo e/ou acoplado com malha saltada, etc.
É importante destacar que algumas técnicas de tecelagem, como entrelaçar e entretorcer, recebem a mesma denominação que suas equivalentes no trançado. A técnica de entretecer é equivalente à de entrecruzar nessa categoria de artefatos. No entanto, esses termos homônimos são facilmente identificáveis, pois as variações aplicáveis são especificadas no tópico Processos de manufatura. Portanto, nos trançados, utilizamos o termo enlaçado e suas variações na técnica básica de entrelaçar. Já nos tecidos, usamos o termo enlace (com ou sem enodapio) como equivalente. Para diferenciar a técnica de entretorcer no trançado e no tecido, utilizamos a forma adjetivada "torcido" no primeiro caso e "entretorcido" no segundo.
Buscamos evitar confusões ao utilizar essa abordagem, tornando a nomenclatura inclusiva e específica ao mesmo tempo, em outras palavras, é possível diferenciar categorias distintas de artefatos, mesmo que compartilhem elementos estruturais significativos.
Mencionamos também as principais fibras têxteis utilizadas pelos indígenas brasileiros, destaca-se o uso do algodão, da família das malváceas, além de fibras de palmeiras e bromélias. Embora raro, também ocorre o uso do linho obtido de plantas de outras famílias botânicas.
Os corantes vegetais utilizados para tingir o fio são discriminados, excluindo corantes de origem animal. Há menção do uso de barro preto (tejuco) como pigmento para tingir fibras entre os Tiriyó, observado também entre os Jurúna e os Tukina, combinado com corantes vegetais ainda não identificados.
O tópico Implementos especifica os objetos utilizados nos processos de fiação e tecelagem.
Como mencionado, o adjetivo "tecido" é utilizado no item relacionado a vestuário e adorno pessoal para distinguir das vestimentas e adornos feitos de outros materiais, como contas de sementes, cocos, conchas, miçangas, cascos, garras e dentes de animais, além de élitros de coleópteros, canudos, palhas, talas e cascas de árvores.
Essa classificação e taxonomia foram baseadas no estudo sobre artes têxteis indígenas do Brasil realizado por B. G. Ribeiro (1956), que se baseou em trabalho de campo com os Jurina, Kayabí, Asurinfe Anweté, além de consultas bibliograficas.
Tingimento dos Tecidos
Tecer e tingir tecidos é uma prática ancestral que tem sido realizada por comunidades indígenas no Brasil ao longo de séculos. Essas culturas nativas desenvolveram técnicas e conhecimentos específicos para extrair pigmentos naturais de plantas, insetos e minerais, que são utilizados para tingir suas roupas e acessórios de forma vibrante e duradoura. Esses pigmentos naturais não só conferem cores aos tecidos, mas também carregam significados culturais e simbólicos profundos.
Um dos pigmentos mais conhecidos e utilizados pelos indígenas brasileiros é o urucum (Bixa orellana). Essa planta, nativa da região amazônica, possui sementes de cor avermelhada que são amplamente utilizadas como corante natural. O urucum é rico em carotenoides, compostos químicos responsáveis por sua coloração intensa. Os indígenas extraem os pigmentos das sementes, que podem ser usados para tingir tecidos de tons que variam do vermelho ao laranja. Além de sua utilidade prática, o urucum também tem significados simbólicos para muitas culturas indígenas, representando a vitalidade, a proteção e a conexão com a natureza.
Outra planta bastante utilizada pelos indígenas para tingir tecidos é a genipapo (Genipa americana). Essa árvore, encontrada em várias regiões do Brasil, produz um fruto de casca escura que contém um suco de cor azulada. Os indígenas extraem o suco do genipapo e o utilizam para tingir tecidos, geralmente produzindo um tom azul ou preto. Além de seu uso estético, o genipapo também possui significados culturais, simbolizando o luto, a espiritualidade e a renovação.
Outro pigmento amplamente utilizado é o açafrão-da-terra (Curcuma longa), também conhecido como cúrcuma ou açafrão-da-índia. Essa planta, nativa da Ásia, foi introduzida no Brasil por meio do contato com os povos indígenas. O açafrão-da-terra produz uma raiz de cor amarelo-alaranjada intensa, que pode ser utilizada para tingir tecidos. Além de sua utilização como corante, o açafrão-da-terra é apreciado por suas propriedades medicinais e é uma importante planta na medicina tradicional indígena.
Além dos pigmentos de origem vegetal, os indígenas também utilizam pigmentos de origem mineral para tingir seus tecidos. O barro e o caulim são exemplos de minerais que podem ser transformados em pigmentos naturais e utilizados para tingir tecidos. Esses pigmentos minerais geralmente produzem cores terrosas, como o marrom e o ocre. O uso desses pigmentos está muitas vezes associado a rituais e cerimônias específicas, carregando significados espirituais profundos para as comunidades indígenas.
É importante destacar que a prática do tingimento de tecidos com pigmentos naturais é muito mais do que uma técnica de coloração. Ela representa um conhecimento ancestral transmitido de geração em geração, refletindo a conexão das comunidades indígenas com a natureza e com suas tradições culturais. O processo de obtenção dos pigmentos naturais geralmente envolve um profundo conhecimento das plantas, minerais e técnicas de extração, bem como um profundo respeito pelo ambiente em que vivem.
Ao utilizar pigmentos naturais, os indígenas valorizam a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Ao contrário dos corantes sintéticos, que podem ser prejudiciais à saúde humana e ao ecossistema, os pigmentos naturais são biodegradáveis e não poluem o meio ambiente. Além disso, as plantas utilizadas para a extração dos pigmentos geralmente são cultivadas de forma sustentável ou coletadas de maneira consciente, evitando a exploração excessiva e o impacto negativo sobre a biodiversidade.
O tingimento de tecidos com pigmentos naturais também desempenha um papel importante na preservação da identidade cultural das comunidades indígenas. As cores e padrões presentes nos tecidos são elementos fundamentais para a expressão de suas tradições, mitos e valores. Cada cor pode representar uma conexão com a natureza, uma manifestação espiritual, um momento histórico ou um símbolo de pertencimento a um determinado grupo étnico.
Além disso, a produção de tecidos tingidos com pigmentos naturais muitas vezes envolve técnicas artesanais tradicionais, como o tingimento manual, o uso de teares manuais e a aplicação de padrões por meio de técnicas como a pintura ou o bordado. Essas habilidades artesanais são transmitidas de geração em geração, contribuindo para a preservação das técnicas tradicionais e gerando fontes de renda para as comunidades indígenas.
A preparação da tinta de Genipapo varia de acordo com as práticas e tradições de cada comunidade indígena. No entanto, aqui está uma descrição geral do processo utilizado para obter a tinta a partir do Genipapo:
O preparo da tintura de genipapo varia de acordo com as práticas e tradições de cada comunidade indígena. |
1- Coleta do fruto: Os indígenas procuram frutos maduros de Genipapo (Genipa americana) em suas áreas naturais. O Genipapo é uma árvore comum em várias regiões do Brasil e seus frutos têm uma casca verde escura que se torna marrom ou preta quando madura;
2 - Preparação da polpa: Os frutos de Genipapo são abertos e a polpa interna é removida. Essa polpa é macerada ou esmagada para extrair o suco contido no fruto.
Fermentação: Em alguns casos, a polpa do Genipapo é deixada para fermentar por alguns dias, o que ajuda a intensificar a cor do suco obtido. Esse processo de fermentação pode variar de acordo com as práticas tradicionais de cada comunidade;
3 - Extração do suco: A polpa macerada ou fermentada é colocada em recipientes, como cabaças ou potes de barro, e água é adicionada para extrair o suco do Genipapo. A mistura é então mexida e agitada cuidadosamente para garantir a liberação completa da cor do Genipapo na água;
4 - Filtragem: Após a extração do suco, ele é filtrado para remover resíduos sólidos da polpa do Genipapo. Isso pode ser feito usando um filtro de pano ou peneira fina para obter um líquido limpo e uniforme;
5 - Aplicação da tinta: O suco do Genipapo obtido é utilizado como tinta para tingir tecidos. O tecido é mergulhado ou imerso na tinta e agitado para garantir que a cor se espalhe uniformemente. Dependendo da intensidade desejada, o tecido pode ser submergido por mais tempo na tinta;
6 - Fixação da cor: Para garantir que a cor do Genipapo seja duradoura, algumas comunidades indígenas realizam um processo de fixação após o tingimento. Isso pode envolver a exposição do tecido ao sol ou ao calor, ou a aplicação de substâncias fixadoras naturais, como açafrão-da-terra.
É importante destacar que essas etapas podem variar de acordo com as práticas e tradições específicas de cada comunidade indígena. Cada grupo pode ter suas próprias variações no processo de preparação da tinta de Genipapo, adaptando-o de acordo com sua cultura, recursos disponíveis e conhecimentos tradicionais transmitidos ao longo das gerações.
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