sábado, 30 de janeiro de 2016

Amondawa

Toy Art Amondawa

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
5Amondawa
Tupi-Guarani
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
RO113Siasi/Sesai 2012


Contatados na década de 80, os Amondawa vivem na TI Uru Eu Wau Wau, em Rondônia, onde também habitam outros povos de língua kagwahiva.

 Nome

"Amondawa" é um nome que foi dado por outros povos a este e, de acordo com a tradução de um informante, significa “os que andam sempre no caminho do rio”. Edmundo Peggion registrou que os Amondawa chamam a si próprios de Mbo’uima’ga, o nome de um grande antepassado. Vera da Silva (2000), que esteve entre os Amondawa, registrou, alternativamente,  que esse povo se autodenomina Envuga.

 Lingua

Os Amondawa falam a língua kagwahiva, da família linguística Tupi-Guarani. Essa língua é falada atualmente pelos Amondawa e também pelos Tenharim, Jiahui, Parintintin, Juma, Jupau (Uru eu wau wau) e Karipuna de Rondônia, povos que, além da língua, compartilham diversos elementos culturais, de organização social e casamentos, sendo conhecidos por "povos Tupi-Kagwahiva".

 Localização

Os Amondawa tem uma aldeia junto ao Posto Trincheira, na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, localizada no estado de Rondônia, ao sul da capital Porto Velho. Há indivíduos vivendo em outras aldeias de povos vizinhos. Nessa mesma Terra Indígena também vivem outros povos kagwahiva como os Uru-Eu-Wau-Wau (Jupaú) e Juma e também os Oro Win, de língua txapakura.
Território Amondawá

Segundo Tari, chefe dos Amondawa, o Posto Trincheira é local de habitação recente. Antes da chegada da chamada “frente de atração” da Funai, os Amondawa viviam nas proximidades do rio Cautário.

Em relação ao conjunto dos povos kagwahiva, os Amondawa e seus vizinhos Jupaú e Karipuna são conhecidos como os Kagwahiva meridionais. Além dos Jupaú, Juma e Amondawa, diversos grupos indígenas isolados também vivem na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau.

 Aldeia

Até meados dos anos 2000 os Amondawa viviam em duas grandes casas comunais, Tapya (casa comunal). Hoje, as casas, em sua maioria, são de madeira com uma base de tijolos e telhado de telhas de barro. O chão das casas é de cimento queimado, preferencialmente com um aditivo verde e em um único caso com piso de cerâmica.

Do ponto final da Linha Eletrônica, na confluência entre algumas das linhas que dão acesso ás fazendas produtoras de leite e a uma escola municipal, há uma pequena estrada que vai direto até a aldeia. (...)

Embora as casas estejam todas juntas, a aldeia Amondawa não se confunde com o Posto indígena Trincheira. (...) No conjunto de casas próximas e que são comumente definidas como a aldeia trincheira pelos visitantes, pode-se deslocar para fora do conjunto central a escola, a casa da FUNASA, que é compartilhada com o CIMI, e a casa do Chefe de Posto da Funai.

Depois se chega ao conjunto de casas que se distribuem na forma de um semicírculo com um pátio central. A nordeste estão as casa de um grupo e a sudeste estão as casas do outro.
Percebe, então, que muito embora os Amondawa tenham abandonado a construção de casas comunais, não abandonaram o padrão residencial destas. (...)
[Peggion, 2011]

 População

Segundo informações dos Amondawa, antes do contato eles viviam nas proximidades do rio Cautário (no interior da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau). Dos cerca de 160 indivíduos contatados, logo depois restavam apenas 45:

[…] Na época dos primeiros contatos, os Envuga/Amondava contavam com cerca de 160 indivíduos. Suas malocas principais situavam-se às margens do Igarapé Cojubim, onde moravam até 1986, quando foram levados para o posto de contato Comandante Ari, com o fim de receberem tratamento de saúde. Em 1991 sua população contava apenas com 45 pessoas, fixadas no Posto Indígena Trincheira, lugar muito próximo aos colonos da região. Neste lugar, alguns índios foram atraídos pela bebida, contraíram tuberculose e sofreram aliciamento por parte de madeireiros. Por estes motivos, a FUNAI resolveu transferi-los daquele local para um outro lugar mais interiorizado na área indígena, com o objetivo de afastá-los dessas relações conturbadas com os colonos”
[Silva, 2000:19]
No início de 1986, mais de 180 índios dos mondauas passaram cerca de um mês no acampamento. Em 1987, 46 deles apareceram em Alta Lídia. Onde estariam os outros 140?, não se sabe”
[Leonel 1995:126]
Os Amondawa, em 2003, somavam 83 indivíduos. Em 2005 chegam a  86, vivendo numa única aldeia (Kaninde). Os dados da FUNASA, de 2010, registraram 107 indígenas dessa etnia.

Os povos da TI Uru Eu Wau Wau, entre eles os Amondawa, passam por um momento de grande desequilibrio entre os gêneros, havendo muito mais homens do que mulheres. Isso tem tido diversas consequências para a realização de casamentos ideais segundo as regras tradicionais.

 Histórico do contato

Em 1986, os Amondawa aproximaram-se do Posto Comandante Ary para curar seus doentes, já acometidos por doenças como gripe e pneumonia (Leonel, 1995), decorrentes da intensa ocupação da região pela frente de colonização.

No início dos anos 1980, a Funai estabeleceu os primeiros contatos com o povo denominado Uru-Eu-Wau-Wau, na região central do estado de Rondônia e pouco tempo depois, com os Amondawa.

Depois de serem tratados, os Amondawa partiram para a mata e ficaram, no entanto, registrados como um subgrupo Uru-eu-wau-wau. Não houve mais notícias deles por um ano e quando retornaram em 1987 eram em bem menor número:

Um dos maiores grupos era o de Mondaua. A FUNAI, apesar de convidada, nunca foi à sua aldeia, nem em qualquer das mais distantes, como as do Cautário, São Miguel, Serra do Tracuá, Pacaás Novos ou Muqui. A primeira vez que visitaram o posto, eram mais de sessenta, bastante agressivos, arrombaram os depósitos e serviram-se dos brindes que lhes eram destinados. No início de 1986, mais de 180 índios dos mondauas passaram cerca de um mês no acampamento. Em 1987, 46 deles apareceram em Alta Lídia. Onde estariam os outros 140?, não se sabe”
(Leonel 1995:126)
Tari, chefe dos Amondawa, diz que o posto Trincheira é local de habitação recente. Antes da chegada da chamada “frente de atração” da Funai, os Amondawa viviam nas proximidades do rio Cautário. Tiveram um período de aliança com os Jupaú, que foi rompida devido a diferenças internas.

Em tempos recentes, sabe-se que os Amondawa chegaram a viver próximos dos Jupaú (povo mais conhecidos pelos brancos como Uru-eu-wau-wau). Mas, por questões de diferenças internas, partiram para longe. A reaproximação parcial ocorreu apenas depois do contato. Ainda assim, a aliança entre eles é muito difícil e são poucos os casamentos acordados entre os dois grupos.

 Organização social

Os Amondawa se organizam em um sistema de metades, no qual toda pessoa pertence à metade do pai e deve se casar com alguém da metade oposta. Esse sistema de metades patrilineares e exogâmicas é característica dos vários povos de lingua kagwahiva (Amondawa, Uru-Eu-Wau-Wau, Tenharim, Jiahui, Juma, Parintintin e Karipuna). Entre os Amondawa e Uru-eu-wau-wau (Jupaú) essas metades são denominadas Mutum-Nygwera e Arara.

As metades definem a pessoa kagwahiva. Cada metade possui um conjunto de nomes pessoais e, assim, é possível saber se um indivíduo é Mutum ou Arara. É através delas que os indivíduos são nomeados, recebem um cônjuge, participam das atividades cotidianas e estabelecem alianças políticas. Entre os Tenharim e os Amondawa, a aliança com “estrangeiros” parece ser contemplada pelo sistema dualista, que estabelece uma relação interior-exterior entre as metades: a metade Mutum está para o interior assim como a metade Gavião (no caso dos Tenharim) está para o exterior.

Nas festas Yreru’a, uma metade deve servir bebida e comida à outra e durante momentos rituais, um indívíduo de uma metade deve pintar os indivíduos da outra. A incidência das metades verifica-se tambem na cultura material, principalmente nas flechas e cocares, cujas emplumações são combinações de penas de mutum, arara ou gavião.

 Nominação

O sistema de nomes dos Kagwahiva esta mais para categorias de idade do que propriamente para identificadores individuais. A nominação funciona da seguinte maneira: quando uma criança nasce, recebe um nome que a classifica em idade, sexo e metade. Quando nasce o segundo filho do casal, e se for do mesmo sexo do filho anterior, o recém-nascido recebe o nome do irmão acima dele e este mais velho recebe novo nome e assim sucessivamente. Segundo os Amondawa, as crianças mudam de nome para a cobra não pegar.

Ao contrário do que é comum entre os Tupi, os nomes Amondawa fazem parte de um corpus muito bem definido: eles pertencem às metades exogâmicas. Há nomes mutum e nomes arara, como pode-se ver na tabela abaixo.

Numa sociedade que se organiza através de um sistema de metades exogâmicas, o nascimento de uma criança pode gerar um “efeito-dominó”, fazendo com que todas as pessoas da mesma metade mudem de nome. “Quando a criança é Arara, todos os Arara mudam de nome e quando é Mutum, todos os Mutum”. Assim, um indivíduo, ao mudar de nome, altera a configuração da totalidade de sua metade.

Parece haver momentos chaves para algumas mudanças importantes de nome. Poderíamos separá-los da seguinte maneira:

Nascimento (os recém-nascidos de cada metade recebem sempre os mesmos nomes).
Iniciação (quando o rapaz atinge uma certa idade, muda de nome e de status).
Casamento (para os homens não é obrigatório, mas as mulheres devem mudar de nome quando casam).
Maturidade (quando o primeiro filho homem passa pela iniciação ou quando a primeira filha mulher se casa).
Velhice (o nome permite identificar os homens que já saíram da maturidade e, portanto, não participam ativamente da vida política da aldeia).
Os nomes, então, não só classificam metades, eles definem a pessoa e o momento da vida, sendo este  um dos grandes problemas atuais para os Amondawa e Jupaú: o repertório de nomes é limitado e a população tem crescido. Em tempos recentes, numa mesma aldeia, é possível encontrar mais de uma pessoa com o mesmo nome.

A tabela abaixo mostra nomes Kagwahiva (classificação linguistica que incluiu os Amondawa e os Uru-eu-wau-wau, ou Jupaú) de acordo com a faixa etária. Embora não correspondam necessariamente aos nomes atualmente em uso, representam a classificação obtida a partir de um informante:

HOMEMMULHER 
Idade ARARAMUTUMARARAMUTUM
00-AwipMbitetéMorãgTape
 01-10TangãeKwembuPote'iPote'i
 11-15Pure - TebuKoariMbore'iPoti'i
 16-20JuvipáTarupMboroapKunha'té
 21-25MburiJurip - Pure'iErea'i - KunhavéMboriaté
 26-30PurapYvakáMboropóMande'i
 31-35MboakaraMoarimãKunha'póAdiju
 36-40MboriaMboava - Vaipá - PuruenKunhavijuUmby
 41-50PaeronMemoáKunhahãJava
 51-60JaríUyraMbore'aMytãg
 61-70JeikáAuyMborikáJaté
 71-80MboaviMohã
 81-90IpoáJayra
 91-Jawy
Organização política
Entre os  Amondawa, cada chefe agrega um grupo local elementar. Quando um indivíduo funda uma nova aldeia torna-se chefe, papel que poderia não representar na aldeia anterior. Esse chefe é um sogro, já que dificilmente um homem aventura-se a fundar uma nova aldeia se não tiver condições de arregimentar seguidores para morar próximos dele: é necessário que seja um sogro com prestígio o bastante para levar consigo um conjunto razoável de aliados. Fundar um novo lugar torna o chefe a figura focal do grupo em formação; quem o segue, em geral genros, esperam dele condições mínimas, senão o abandonam.

A ambiguidade é justamente o que caracteriza a relação entre sogro e genro amondawa e, consequentemente, a definição do grupo doméstico. O jogo político dá-se justamente no plano de constituição das alianças, em que se busca segurar os filhos homens e trazer genros para viver próximo.

As disputas entre facções funcionam como um jogo de alianças, pois quando um sogro resolve mudar e construir nova aldeia, arrisca-se a partir sozinho. Nem passa pela cabeça de um jovem homem (sem genros) partir para constituir nova aldeia. Quando muito, casais estabelecem acampamentos que funcionam como válvula de escape, localizados, em geral, em lugares “de propriedade” do grupo doméstico do sogro.

 Atividades produtivas
Entre os Amondawa, os homens da aldeia saem pela manhã para o trabalho e passam o dia em grande roças, principalmente de mandioca para a produção de farinha.

As atividades econômicas dos Amondawa seguem o mesmo estilo dos grupos domésticos, mas alguns roçados estão voltados para produtos com inserção no mercado regional. Parte dos roçados dos Amondawa são roças de coivara com diversos produtos e parte são monoculturas como café, algodão, feijão e milho.

Além das roças, os Amondawa possuem cerca de 30 cabeças de gado que pertencem a toda a comunidade. O gado vive solto, e muitas vezes invade os roçados destruindo as plantações.

A pesca é colocada em plano secundário.

A falta de acesso aos rios maiores da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau faz com que o trânsito pela área seja sensivelmente reduzido. Assim, produtos como o açaí e a castanha-do-Brasil, muito apreciados pelos Amondawa, são desprezados economicamente, ano após ano.

 Cosmologia e mitologia
Mbahira
Mbahira é referência central no cosmos Kagwahiva -  ele que roubou o fogo e deu a cultura para os Kagwahiva. Foi, também, o primeiro aliado, e tornou-se o sogro prototípico. Suas ações vão desde o advento da cultura até iniciativas debochadas e depreciativas com seus companheiros, que tentam constantemente imitá-lo.

É um herói trickster que vive dentro das pedras do mundo Kagwahiva . Não é possível encontrá-lo, mas seus vestígios estão sempre presentes, denotando sua contemporaneidade. Como mora na pedra, sua farinha é de pedra, seus utensílios e objetos em geral são todos de pedra.

Mbahíra é da metade Mutum (ver Organização social) e as pedras são o signo da permanência. Assim como Mbahíra, a metade Mutum é associada à estabilidade: Nygwera, partícula associada à essa metade e presente em todos os Kagwahiva, é sempre explicada como algo permanente, que remete a um passado imemorial.

Yvaga’nga
Outros personagens importantes do panteão Kagwahiva são os Yvaga, seres do céu. O mito de origem dos seres celestes nos conduz aos aspectos espaciais do cosmos Kagwahiva: o mito que narra a origem dos seres celestes é também o mito que aponta uma analogia possível para se entender a oposição presente no sistema de metades. Kracke registrou entre os Parintintin:

Este mito apresenta o retrato de uma nítida oposição entre o céu (no segundo nível) e a parte aqui em baixo – terra, água e árvores. Esta oposição podia oferecer uma analogia às duas metades exogâmicas; seguramente, as aves epônimas acarretam uma oposição alto/baixo, pois as aves associadas com a metade Kwandu (gavião real, arara) voam altas, enquanto aquela ligada com a metade Mytum (o mutum cavalo) é uma ave da terra. Podemos postular a correspondência céu: terra :: metade Kwandu : metade  Mytum"
(Kracke, 1984b:04)
Muito mais do que um sistema de exogamia, as aves das metades podem traduzir o universo aos Kagwahiva. Além disso, tanto da perspectiva da morfologia quanto da cosmologia, é notável a forma concêntrica do sistema de metades: a metade Mutum parece englobar a metade Gavião (no caso dos Amondawa, Arara) em diversos planos da sociedade. A etnografia sobre os Tenharim e os Amondawa demonstra o predomínio dos Mutum.

Anhang

A Mbahira e aos Yvaga celestiais, opõem-se os Anhang, espiritos que vagam pela floresta. Enquanto os dois primeiros auxiliam o ipajé em sessões de cura xamanistica, os Anhang fazem o processo inverso, levando os vivos para morrer na mata. Com os Anhang não há relação possivel.

"A oposição anhang / vivos é gramaticalmente marcada: enquanto Mbahira e os Yvaga'nga (quando agem no presente), como também os seres humanos vivos, tomam inflexões verbais e pronomes humanos, os anhang tomam as formas e as inflexões que se referem aos animais e aos objetos inanimados (por ex.: ahe ou i-, sem discriminação de gênero, em vez de ga / hẽ, "ele" / "ela")"

A associaçao cosmologica entre seres míticos e as metades resulta numa serie de desdobramentos interessantes. Assim como a metade Mutum esta em associaçao com Mbahira, a metade Arara está ligada aos Yvaga'nga. Ambos possuem estes respectivos animais como renymbav, animais de estimação: em diversos mitos Mbahira (ou sua filha) possui um mutum e em mitos que tratam dos Yvaga'nga eles possuem um gavião.

Kariri-Xocó

Toy Art Kariri-Xocó

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
96Kariri-Xokó
Cariri-xocó

Aikaná
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
AL2311Funasa 2009


Seu cotidiano é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda que vendem sua força de trabalho nas diferentes atividades agropecuárias da região. Mas ser índio em Porto Real do Colégio significa ser filho da aldeia e conhecer o segredo do Ouricuri, desde a primeira infância.

Nome

A denominação Kariri-Xocó foi adotada como conseqüência da mais recente fusão, ocorrida há cerca de 100 anos entre os Kariri de Porto Real de Colégio e parte dos Xocó da ilha fluvial sergipana de São Pedro. Estes, quando foram extintas as aldeias indígenas pela política fundiária do Império, tiveram suas terras aforadas e invadidas, indo buscar refúgio junto aos Kariri da outra margem do rio.

Kariri (ou Kirirí), por outro lado, é um nome recorrente no Nordeste e evoca uma grande nação que teria ocupado boa parte do território dos atuais estados nordestinos desde a Bahia até o Maranhão. As referências a Xocó (ou Ciocó) remontam ao século XVIII.

professor Farias com Iradzu da etnia Kariri Xocó
A denominação Kariri-Xocó para se referir ao grupo, identificar a aldeia bem como o posto indígena é, porém, recente, posterior à criação da FUNAI. O posto em Colégio, fundado em 1943, recebeu o nome de Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso, modificado depois para P.I. Kariri. Apesar disso, em 1960 Hohenthal Jr. identifica como Xocó a comunidade indígena de Porto Real do Colégio.

No interior do grupo esta dupla denominação também pode causar disputa ou motivar união. Quando ainda aspiravam conquistar de volta a ilha de São Pedro, juntamente com os Xocó que permaneceram no município sergipano de Porto da Folha, a ascendência Xocó era a mais acionada. Por outro lado, quando perceberam que a conquista das terras da Fazenda Modelo ou Sementeira era politicamente viável, a identidade Kariri se sobrepôs.

 Localização

Os Kariri-Xocó estão localizados na região do baixo São Francisco, no município alagoano de Porto Real do Colégio, cuja sede fica em frente à cidade sergipana de Propriá. As duas cidades estão ligadas pela ponte que serve de eixo entre a região sul e o nordeste brasileiro, como parte da BR-101. A aldeia e o posto indígena estão cerca de um quilômetro da praça central da cidade.

Território Pariri-Xokó

Representam, na realidade, o que resta da fusão de vários grupos tribais depois de séculos de aldeamento e catequese. Seu cotidiano é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda que vendem sua força de trabalho nas diferentes atividades agro-pecuárias da região. Contudo, pode-se dizer que é um grupo que tem sua indianidade preservada pela manutenção do ritual do Ouricuri.

Em novembro de 1978 esta identidade foi revitalizada pela retomada da Fazenda Modelo ou Sementeira, então administrada pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) e por eles considerada parte de seu território ancestral. Esta conquista estimulou uma política de reformulação positiva de sua identidade, quer como "índio" (genérico), quer como Kariri-Xocó.

 Língua

Os Kariri-Xocó não preservaram sua língua. Apenas alguns termos foram mantidos. Clarice Novaes da Mota, em As Jurema told us (1987), faz minucioso levantamento de vocábulos indígenas usados pelos Kariri-Xocó para designar plantas mágicas e medicinais por eles utilizadas. Os mesmos afirmam preservar "na idioma", como se referem à sua língua extinta, expressões mágicas do ritual do Ouricuri.

 População

De acordo com dados fornecidos pela FUNAI, em 1997 a população Kariri-Xocó estava estimada em 1.500 pessoas, número que vinha sendo repetido desde, pelo menos, 1993. Em notícias publicadas na Gazeta de Alagoas de 22-11-92 e 1-10-93, porém, os números variam de "1.700 índios" na primeira data para "2.500 integrantes" na segunda.

Cabe ressaltar que esta última notícia se refere à ida de um representante do grupo à Câmara Municipal de Maceió para pedir apoio dos vereadores à causa das terras indígenas. O número, portanto, neste contexto, não é um dado imparcial. Conforme relatório do primeiro agente do Posto Indígena, havia, em 1944, 166 pessoas identificadas como índios. No início de meu trabalho de campo, em 1979, havia 728 índios registrados no Posto da FUNAI. Em 1983 o número se elevara para 1.050, em parte devido à reocupação de terras da Fazenda Modelo ou Sementeira, que provocou a volta à aldeia de parentes dispersos e tornou vantajoso o casamento misto, numa região de escassez de terras.

Ao tratar da demografia Kariri-Xocó é preciso levar em conta que entre as pessoas que se auto-identificam como índias e como tal são identificadas pelo grupo e pelos não índios, há negros, loiros de olhos azuis e biotipos ameríndios. Ser índio em Porto Real do Colégio significa ser filho da aldeia e conhecer o segredo do Ouricuri, desde a primeira infância. Há, porém uma diferenciação interna.

Se a pessoa tem pai e mãe identificados como Kariri e/ou Xocó, é descendente. Se, além disso freqüenta o Ouricuri, é conhecedor. Para ser realmente membro da aldeia, pois, o ideal é ser descendente e conhecedor. Há, contudo formas atenuantes: a parte não-índia de um casamento misto pode vir a ser um caboclo de entrada se, merecendo a confiança do grupo, for convidado pelo pajé a freqüentar o Ouricuri. Há ainda a condição de cabeça seca, que inclui todos nós que não conhecemos o segredo do Ouricuri.

 Histórico do contato

Os jesuítas chegaram às margens do rio São Francisco provenientes dos Colégios da Bahia e de Pernambuco. A cidade de Porto Real do Colégio tem este nome por ter-se originado da Residência do Urubumirim, fundada em terras doadas ao Colégio Jesuíta de Recife. Em torno desta Residência foram estabelecidas duas aldeias para fins de catequese, de acordo com a Lei de 4 de junho de 1703. Esta lei se baseava no Alvará Régio de 1700, que determinava que "a cada missão se dê uma légua em quadra para a sustentação dos índios e missionários". A aldeia de Colégio estava a sete léguas a montante de Penedo e a de São Brás, cerca de duas léguas acima de Colégio. A área das duas aldeias seria de "duas léguas de frente por uma de fundo", dimensões que vamos encontrar registadas em toda a documentação oficial e que é mantida pela tradição oral do grupo.

Com a expulsão dos jesuítas em 1759, suas fazendas de gado foram arrematadas em hasta pública. As aldeias indígenas, porém, passaram para a administração de outros missionários ou à leiga, apoiada por um assistente espiritual.

Na aldeia de Colégio viviam Cropotós, Cariris, Aconans, Ceococes (certamente plural de Ciocó ou Xocó) e Prakiós. A aldeia missionária é, pois, o berço do "caboclo", identificação genérica que, no século XIX adquire um conteúdo racista, através do qual a política do Império irá desqualificar as populações indígenas numa política a que o jurista Dalmo Dallari denomina "anti-aldeia". Alegando a inexistência de "índios de raça primitiva", as aldeias são extintas em 17 de julho de 1873 pelo Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

Curiosamente, a tradição oral do grupo, como aliás ocorre entre outras populações indígenas do Brasil, atribui o direito à posse imemorial das terras a uma doação do imperador Pedro II. No caso, a mesma teria ocorrido em sua viagem à cachoeira de Paulo Afonso em 1859. D. Pedro efetivamente esteve em Porto Real do Colégio e foi recebido por um grupo de índios. O episódio está registrado no diário de viagem do imperador que se refere aos índios como "descendentes de raça já bastante cruzada" (Pedro II, 1959: 111). A política fundiária do Império parece reforçar a idéia que desta população fazia o imperador e nenhum termo de doação foi localizado nos arquivos pesquisados.

 Da Rua dos Índios para a fazenda modelo

Uma série de circunstâncias fazem com que 459,4 hectares de toda esta terra fiquem, com as destinações mais diversas, em poder do Estado, quer no Império, quer na República. Em 1978, quando administrada pela CODEVASF, parte destas terras, correspondentes à Fazenda Modelo, é ocupada pelos Kariri-Xocó, que alegam direito de posse imemorial.

A ocupação se dá logo após a chegada ao baixo São Francisco do Projeto das Áreas Inundáveis da CODEVASF, que vem alterar as estruturas fundiárias de toda a região. Da área original os índios já haviam recebido 50 hectares após a criação do Posto Indígena e mantinham preservando-lhe a mata original, as terras do Ouricuri (cerca de 100 hectares, de acordo com o Parecer da FUNAI n. 138/86 GT Port. Interministerial 003/83 Dec. 88 188/83), mantida intacta pelo respeito ao segredo e aos poderes sagrados por parte dos Kariri-Xocó e pelo receio de conseqüências mágicas por parte dos não-índios.

A área indígena foi delimitada como de posse indígena permanente através da Portaria n. 600 de 25-11-91. Pelo Decreto de 4 de outubro de 1993 a área foi homologada com 699,35 ha ( PETI/MN).

Ao invadirem a fazenda, ocupam todas as suas dependências. Aos poucos, porém, com ajuda de uma entidade canadense, a FUNAI vai fornecendo material para que as casas sejam construídas na nova aldeia. Assim, vão abandonando a "Rua dos Índios" no centro de Colégio, onde viviam junto aos não-índios, embora segregados numa rua. Na esquina desta rua estava o Posto Indígena e, junto ao mesmo, a escola. Em 1983 o Posto Indígena foi transferido para a fazenda ocupada. A escola foi desativada, só voltando a funcionar em 1997.

Durante o período de minha pesquisa, a escola da aldeia ministrava aulas até a 4ª série, ocasião em que os alunos deveriam passar a freqüentar o ginásio local. As professoras da escola da comunidade eram em geral descendentes de outros grupos tribais do nordeste e não havia um currículo específico para a escola indígena. Para fazer o 2º grau, índios e não-índios de Colégio deveriam ir a Propriá.

 Remanejamento das atividades econômicas

Com a instalação da Hidroelétrica de Sobradinho, que começou a funcionar em 1979, a agricultura de inundação teve de ser repensada, pois, devido à barragem, o rio já não teria seu ciclo de enchentes e vazantes determinado pelo sistema de seus afluentes. Assim sendo as áreas anteriormente inundáveis são desapropriadas para dar lugar a projetos de agricultura de irrigação.

A rizicultura é a mais atingida, mas de um modo geral toda a região parece parar a espera da instauração da nova ordem. As mudanças atingem os índios enquanto trabalhadores meeiros ou alugados. É neste contexto de mudanças que o momento propício para a tomada das terras é vivenciado pelo grupo.

A Fazenda Modelo também teve suas lagoas de plantio de arroz afetadas pelo novo regime imposto pela barragem de Sobradinho. Tanto assim que a CODEVASF planejava nela criar um programa de piscicultura (1979) , quando a mesma foi invadida pelos Kariri-Xocó.Tendo em vista as modificações provocadas pela barragem de Sobradinho, que inviabilizada a agricultura que obedecia ao ciclo de enchente e vazante do rio São Francisco, as várzeas inundáveis são em grande parte desapropriadas para que se implantem projetos de irrigação baseados em lotes distribuídos num sistema de cooperativa agrícola. Um deles foi o Projeto Itiúba, implantado em 1975 na região de Colégio.

Alguns índios conseguem nele inscrever-se como parceleiros, com acesso a empréstimo bancário pagável com produção agrícola, participação nas reuniões dos cooperativados, devendo obedecer aos horários de abertura da água para irrigar seus lotes e aceitar a supervisão dos agrônomos da CODEVASF, que distribuía a semente de arroz padronizada. A maioria, porém, se sente discriminada. Em 1980, os mesmos Kariri-Xocó que invadiram a Fazenda Modelo pressionam a CODEVASF para que alguns dos seus sejam selecionados como parceleiros. Organizam um piquete à entrada da sede administrativa do Projeto e conseguem que mais índios, em número superior a quarenta, sejam aceitos como parceleiros.

Estes, porém, ficam separados dos primeiros, em lotes de um outro setor, de cuja má qualidade se queixam, passando posteriormente a ser assistidos por um técnico contratado pela Funai. A situação, porém, não é satisfatória e poucos parceleiros, índios ou não, conseguem obter um saldo positivo junto à cooperativa. Alguns vão trabalhar no corte de cana de usinas localizadas no sul do estado de Alagoas em áreas onde esta cultura é recente.

Outra fonte de renda é o uso do barro para a fabricação de tijolos pelos homens, sendo as mulheres do grupo famosas ceramistas. Normalmente a cerâmica é feita na entressafra, quando as mulheres não trabalham na agricultura. Fabricam potes e outras peças utilitárias. Registros antigos se referem a esta atividade como uma alternativa para os períodos de crise. Durante a enchente de 1979, foi a única atividade que pôde ser realizada para ajudar no sustento do grupo. Na Fazenda Modelo ou Sementeira há lagoas com barro de reconhecida qualidade. Entretanto, apesar de ser uma prática secular, já nos fins dos anos 1980 parecia estar diminuindo o interesse das jovens em aprender a tradicional manufatura.

 Organização social e política

A estrutura familiar do grupo em nada difere à encontrada entre as populações rurais pauperizadas. A família se constitui de pai e mãe e filhos menores, havendo unidades em que o pai é ausente.

A liderança da aldeia está dividida entre "cacique" e "pajé", estrutura, ao que parece, introduzida pelo primeiro chefe do Posto Indígena. Este também teria acrescentado, aos sobrenomes portugueses de longa data adotados pelos índios, outros que considerou de origem indígena. Assim temos Suíra, Taré, Nindé, Piragibe... anexados a Queirós, Santiago, Pires...

Com o tempo, os cargos foram legitimados e atualmente o pajé e o cacique são escolhidos no Ouricuri, quando não há uma interferência mais direta do órgão tutelar. Há ainda um Conselho formado pelos mais velhos. A essas autoridades "tradicionais" passa a se opor, quando dos preparativos da invasão da Fazenda Modelo e depois dela, um grupo que se autodenomina "liderança" e que se considera mais apto a lidar com as novas estruturas de poder da região.

Na condição de integrados, os Kariri-Xocó participam intensamente do cotidiano da sociedade local, como representantes das camadas mais pobres. Como acontece entre estas, fazem uso do clientelismo e do compadrio como formas de lidar com a ordem estabelecida. O compadrio ajuda a resolver problemas de saúde, obtenção de empregos, vaga na escola. O clientelismo se faz presente sobretudo na política local. Os índios, apesar de tutelados, podem votar e ser votados (Resolução 7.019/66 do TSE). Em 1983 havia um índio vereador na câmara municipal de Porto Real do Colégio.

Os índios nascem e morrem dentro dos rituais da igreja católica. As crianças costumam ser batizadas e registradas. São enterrados no cemitério local dentro do mesmo esquema reservado para os pobres em geral. No que se refere ao casamento, as pessoas devem casar no civil e no religioso. O casamento com não-índios se dá quase sempre por "fuga", com o roubo da noiva. A fuga resolve sobretudo as divergências decorrentes do fato de um dos dois ser índio, pois a "honra" da moça, a ser preservada, exige que se realize o casamento civil, não mais na igreja, que exigiria casar "de véu e grinalda".

Jurema


O ritual da Jurema Sagrada é uma prática espiritual largamente difundida, uma tradição cultural de âmbito espiritual no qual plantas sagradas desempenham papel principal. Diversos povos indígenas do Brasil, principalmente do Nordeste e da região amazônica a praticam. 

O termo Jurema designa várias espécies de Leguminosas dos gêneros Mimosa, Acacia e Pithecellobium. 

Plantas e Prinípio Ativo

No gênero Mimosa, cita-se a Mimosa verrucosa Benth e a Mimosa tenuiflora Willd (ainda comumente chamada de Mimosa hostilis Benth, ou, outrora, Mimosa Nigra ou Acacia jurema Mart, ou Acacia hostilis Mart.). 

No gênero Acacia identifica-se a Acacia piauhyensis Benth. Além disso várias espécies do gênero Pithecellobium também são designadas por esse mesmo nome. A classificação popular distingue a jurema branca e jurema preta. 


Para Sangirardi Jr.(o.c.) a jurema preta é a M. hostilis ou M. nigra, a Jurema branca o Pithecellobium diversifolium Benth e a Mimosa verucosa corresponde a jurema-de-oeiras. Ainda segundo esse autor o termo jurema, jerema ou gerema vem do tupi yú-r-ema – espinheiro. Entre espécies conhecidas como jurema inclui-se ainda jurema-embira (Mimosa ophthalmocentra) e jurema-angico (Acacia cebil), entre outras. 

Lima refere-se a existência de juremas pretas aculeadas e inermes. Das espécies colhidas por ele em Arcoverde (PE), concluiu após análise de renomados botânicos, que ambas podem ser classificadas como Mimosa hostilis Benth ou Acacia hostilis Mart. Reise I e que são possuidoras do mesmo alcaloide.

Souza et al em estudos de revisão identificou dezenove espécies diferentes conhecidas como "Jurema" onde se constata a presença de alcalóides, embora, segundo seu estudo as espécies conhecidas sobretudo como como "jurema-branca" não contenham alcalóides triptaminicos.

Antes mesmo da colonização, o culto era um elemento sagrado praticado por diversas etnias indígenas da região, por conta de suas propriedades psicoativas. O nome popular dessas plantas pode variar de etnia para etnia, de região para região, como Calumbi, Tepezcohuite, Yurema, entre outros.

Para esses povos indígenas, essas plantas sagradas que possuem poderes curativos e espirituais, são utilizadas em rituais de cura, de fortalecimento espiritual, de conexão com os ancestrais e de proteção contra energias negativas. A prática de consumir a Jurema em rituais é conhecida como "Jurema Sagrada" ou "Jurema Preta".

A Jurema, Mimosa tenuiflora e também pode ser chamada de Jurema-preta ou Vinho-de-jurema, contém diversos princípios ativos, como a dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide psicodélico que é capaz de induzir experiências alteradas de consciência. Além disso, a planta também contém outros alcaloides, taninos, flavonoides e compostos antioxidantes.

No ritual da Jurema, a planta é preparada de diversas formas, dependendo da tradição e da região em que é praticada. Em alguns casos, a casca da raiz é cozida em água para produzir um chá ou uma bebida alcoólica, que é consumida pelos participantes do ritual. Em outros casos, a casca da raiz é pulverizada e inalada, ou então é misturada com outras plantas para produzir um unguento que é aplicado na pele.

Além da Jurema, outros vegetais e plantas podem ser utilizados em rituais que envolvem a planta, dependendo da tradição e da intenção do ritual. Algumas das plantas mais comuns incluem a Arruda, o Guiné, a Quebra-pedra, a Malva-rosa e a Catingueira. Cada uma dessas plantas tem suas próprias propriedades medicinais e espirituais, e são combinadas de diferentes maneiras para produzir diferentes efeitos no corpo e na mente dos participantes do ritual.

A prática da Jurema é realizada por diversas etnias indígenas e afro-brasileiras em diferentes regiões do Brasil. As formas de preparação e uso da Jurema podem variar de acordo com a tradição e a região em que é praticada.

Em relação à forma de consumo, a Jurema pode ser ingerida na forma de um chá ou bebida alcoólica, ou então pode ser aspirada como um rapé. Em alguns casos, a casca da raiz é mastigada para produzir uma pasta que é aplicada na pele ou nos olhos.

Entre as etnias indígenas que praticam a Jurema, destacam-se os Fulni-ô, Pankararu, os Tuxá, os Xucuru-Kariri e os Xukuru, que habitam principalmente os estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia. 

Contexto Cultural Brasileiro

Câmara Cascudo estudou as práticas e crenças relacionadas à Jurema em diferentes regiões do Nordeste, entrevistando praticantes e estudando documentos históricos. Ele escreveu diversos artigos e livros sobre o assunto, incluindo "A Medicina Popular no Brasil", "Superstições e Crendices do Brasil" e "O Dicionário do Folclore Brasileiro".

Câmara Cascudo apontou que a Jurema foi alvo de perseguição e criminalização por parte das autoridades coloniais e republicanas, que associavam as práticas relacionadas à planta a "superstição" e "bruxaria". Ele destacou a importância de valorizar e respeitar as tradições culturais dos povos indígenas e afro-brasileiros, incluindo as práticas relacionadas à Jurema.

Severino Diniz

Existem diversos episódios na história do Brasil em que o uso da Jurema foi criminalizado e perseguido pelas autoridades, principalmente durante os períodos colonial e republicano. Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em 1938, na cidade de Catolé do Rocha, no estado da Paraíba.

Nessa época, o líder religioso Severino Diniz havia fundado a "Casa de Jurema", um espaço dedicado à prática dos rituais relacionados à Jurema. A casa era frequentada por pessoas de diferentes regiões do Nordeste, incluindo indígenas e afro-brasileiros que mantinham as tradições relacionadas à planta.


No entanto, a prática da Jurema foi vista com desconfiança pelas autoridades locais, que a associavam a "bruxaria" e "superstição". Em 1938, a polícia invadiu a Casa de Jurema e prendeu Severino Diniz e outros líderes religiosos, confiscando a Jurema e outros objetos sagrados utilizados nos rituais.

Os líderes religiosos foram acusados de charlatanismo e de atentar contra a saúde pública, e foram levados a julgamento. Durante o julgamento, foram apresentados testemunhos que acusavam a Casa de Jurema de realizar rituais "satanistas" e de oferecer a Jurema a crianças. No entanto, muitos dos depoimentos foram baseados em preconceitos e estereótipos sobre as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas.

Apesar dos esforços de defesa dos líderes religiosos e de intelectuais e ativistas que se mobilizaram em favor da causa, Severino Diniz foi condenado a quatro anos de prisão e a Casa de Jurema foi fechada. O episódio ficou conhecido como "Caso Jurema" e foi um exemplo da perseguição e criminalização das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas no país.

Assim, as contribuições de Câmara Cascudo foram fundamentais para o estudo e o reconhecimento da Jurema como um elemento importante da cultura popular e da religiosidade dos povos do Nordeste do Brasil.

Jurema Protegida por Lei

Existem algumas leis brasileiras que reconhecem a Jurema como patrimônio cultural e imaterial do país, garantindo o direito dos povos indígenas e afro-brasileiros de praticarem seus rituais e tradições. 

As federações religiosas constituíram, no processo histórico das religiões afro-ameríndias, um importante mecanismo de resistência e legalização. Na Paraíba, foi criado no ano de 1966 a Federação dos Cultos Africanos da Paraíba - FECAP, teve como primeiro presidente o pai de santo Carlos Rodrigues Leal.

Até essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. 

Contudo, a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos elementos religiosos da umbanda paraibana. (SANTIAGO, 2008, s/p)

De acordo com Lima (2020), a Federação impôs-se como uma ferramenta de representatividade religiosa que tinha a intenção de catalogar os terreiros do estado.

O governador João Agripino tornou uma importante referência política para as pessoas de religiões afro-ameríndias, no aniversário de 10 anos de criação da FECAP, o ex-governador foi convidado de honra para a celebração. Em suas falas, Mãe Marinalva destacou a aproximação do ex-governador e ex-ministro em atividades religiosas, como a festa de Iemanjá, realizada na praia de Cabo Branco na capital paraibana.

Algumas dessas leis são:

- Lei 11.645/2008: Esta lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Isso inclui o reconhecimento da Jurema como uma das expressões culturais afro-indígenas do país.

Em 2003 a UNESCO reconhece a jurema como prática da cultura imaterial indígena, Reportagem “Xangô no Arruda” do jornal Diário da Manhã, de 03 de março de 1938 e Mãe Marinalva com a mão sobreposta na cabeça do governador da Paraíba, João Agripino, em evento comemorativo da promulgação da Lei 3.443/1966, na Casa de Mãe Cleonice, Cruz das Armas (JP/PB)

- Lei 12.343/2010: Esta lei reconheceu o ofício das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Entre as práticas reconhecidas como parte do ofício das parteiras tradicionais está a utilização da Jurema em rituais de cura.

- Portaria nº 126/2019: Esta portaria do Ministério da Cidadania incluiu a Jurema como patrimônio cultural imaterial do Brasil, reconhecendo a importância da planta e dos rituais associados a ela para a cultura e a religiosidade dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Essas leis e portarias são importantes instrumentos de reconhecimento e proteção das práticas culturais relacionadas à Jurema no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para garantir o respeito e a valorização dessas tradições por toda a sociedade.

Alem dessas leis nacionais, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a cultura imaterial indígena brasileira  (intangible cultural heritage - ICH) como patrimônio cultural da humanidade. Essa categoria abrange tanto os bens materiais produzidos pelas comunidades indígenas, como suas técnicas, saberes e práticas relacionadas ao uso e manejo dos recursos naturais e do território.

O reconhecimento da cultura imaterial indígena brasileira como patrimônio cultural da humanidade foi oficializado pela Unesco em 2003, quando foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Essa lista foi criada em 2003 para reconhecer e proteger os bens culturais imateriais que são considerados importantes para a humanidade e que requerem proteção e salvaguarda.

O reconhecimento da cultura material indígena brasileira pela Unesco é uma forma de valorizar e preservar o patrimônio cultural das comunidades indígenas do país, promovendo a diversidade cultural e o respeito aos direitos dessas comunidades. Além disso, o reconhecimento da cultura material indígena também ajuda a promover a valorização da biodiversidade e dos recursos naturais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura dessas comunidades.

 O ritual do Ouricuri e a dança do Toré

Parece irrefutável que é o ritual do Ouricuri que dá sentido à terra, à família, à identidade, à chefia, enquanto princípio organizador. Estrutura a vida perceptível mediante a ordenação do sagrado, do misterioso, do intangível, daquele reduto da vida indígena que a sociedade nacional não consegue dominar. Durante o trabalho de campo, sempre me foi cobrada uma atitude discreta em relação ao ritual, que costumam denominar nosso segredo, nosso particular. Certamente, por motivo dessa reserva, quer do ponto de vista documental, quer no que se refere a registro etnográfico, as informações são pobres e não correspondem à magnificência de seu significado para a sobrevivência e coesão dos remanescentes indígenas.

Denomina-se Ouricuri o complexo ritual e o local onde se realiza. É praticado por vários grupos do nordeste. Em Colégio as festividades duram 15 dias, nos meses de janeiro-fevereiro. A fartura faz parte da festa e para lá é levado sob a forma de alimentos, tudo o que se consegue acumular durante o ano. Na mata cerrada há uma clareira, o "limpo", onde ocorre o ritual. Em volta do "limpo" há construções de tijolo para alojar as pessoas durante sua permanência. É uma outra aldeia, a taba, construída para fins religiosos.

O corpo ritual do Ouricuri se constitui num conjunto de cantos e danças e na ingestão de jurema, infusão feita da entrecasca da raiz desta árvore, posta a macerar para produzir o vinho. O climax do ritual é o transe resultante do uso da jurema. Neste estado os participantes dizem romper as barreiras entre passado, presente e futuro numa comunhão com seus ancestrais e suas divindades.

Além de orientar as situações sociais vivenciadas pelo grupo, é em torno de seu significado que os Kariri-Xocó se reúnem na luta pela terra. Em 1978 eles saem do Ouricuri para invadir a Fazenda Modelo, depois de um ritual que os fortalece para a luta.

Além do ritual, os índios de Colégio mantém a tradição da dança do toré. Existem duas modalidades. O chamado toré "de roupa" é uma simples forma de folguedo, que pode ser dançado em qualquer festa, com roupas comuns. O toré mais ritualizado, o "de búzios" (espécie de trombeta) "faz parte do segredo, mas não é o segredo". Quando dançado, evoca o segredo do Ouricuri.

Após a invasão da fazenda, usando saiotes de palha e soprando os búzios, os índios de Colégio dançaram um toré de búzios para as autoridades presentes, a fim de mostrar sua condição de "índios verdadeiros".

A dramatização da identidade faz ver que, apesar da longa trajetória de "integração", continuam capazes de se manter índios e fortalecidos pelo segredo do Ouricuri

 Nota sobre as fontes

Os trabalhos dedicados diretamente aos Kariri-Xocó são as teses de doutorado de Vera Lúcia Calheiros Mata, A semente da terra, referente à identidade e a recuperação de suas terras, apresentada no Museu Nacional em 1989, e a de Clarice de Novaes Mota, As Jurema told us, que focaliza o uso das plantas medicinais, na Universidade do Texas em 1987, que retoma o tema no artigo "Sob as ordens da Jurema", publicado na recente coletânea Xamanismo no Brasil, organizada por Jean Langdon. Referente aos Kariri, há também um trabalho de mais de quarenta anos, de Alfonso Trujillo-Ferrari. Da mesma época é o levantamento geral dos índios do médio e baixo São Francisco feito por W.D. Hohenthal Jr.

Datam do final período colonial as Informações sobre os índios bárbaros dos certões de Pernambuco, de Frei Vital Frescarolo. Também sobre o passado colonial há uma tese de doutorado recente de Pedro Putoni, A guerra dos bárbaros, defendida na Universidade de São Paulo em 1998. O Diário da Viagem ao Norte do Brasil, de Pedro II, mostra os preconceitos do imperador para com os índios que então estavam em vias de perder suas terras.

O Prof. Luís Sávio de Almeida, da UFAL, está orientando duas monografias sobre os Kariri-Xocó de alunas de graduação em História; uma delas sobre o Toré, enquanto dança ritual.

O Museu do Índio, no Rio de Janeiro, dispõe de documentos textuais de 1950 a 1954 e também documentação microfilmada. O professor de fotografia Celso Brandão, do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas, possui material fotográfico sobre indígenas do mesmo Estado.

 Fontes de informação

ANTUNES, Clóvis. Wakona-Kariri-Xukuru : aspectos sócio-antropológicos dos remanescentes indígenas de Alagoas. Maceió : UFAL, 1973. 157 p.
DALLARI, Dalmo. O índio, sua capacidade jurídica e suas terras. In: SANTOS, S. C. (Org.). O índio perante o direito. Florianópolis : UFSC, 1982.
FERRARI, Alfonso Trujillo. Os contactos e as mudanças culturais dos Kariri. São Paulo : Sociologia, ago. 1956.
FRESCAROLO, Vital. Informações sobre os índios bárbaros dos certões de Pernambuco. Rev. do Instituto Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro : IGB, v. 46, 1883.
HOHENTHAL JÚNIOR, W. D. As tribos indígenas do Médio e Baixo São Francisco. Rev. do Museu Paulista, São Paulo : Museu Paulista, n. 12, n.s., 1960.
MATA, Vera Lúcia Calheiros. A semente da terra : identidade e conquista territorial por um grupo indígena integrado. Rio de Janeiro : Museu Nacional-UFRJ, 1989. 375 p. (Tese de Doutorado)
MOTA, Clarice Novaes da. Jurema and Ayahuasca : dreams to live by. In: POSEY, Darrell A.; OVERAL, William Leslie (Orgs.). Ethnobiology : implications and applications. Proceedings of the First International Congress of Ethnobiology (Belem, 1988). v.2. Belém : MPEG, 1990. p.171-80.
--------. Jurema’s children in the forest of spirits : healing and ritual among two Brazilian indigenous groups. Londres : Intermediate Technology Publications, 1997. 133 p. (IT Studies in Indigenous Knowledge and Development)
--------. As Jurema told us : Kariri-Shoco and Shoko mode of utilization of medical plantas in the context of modern Northeastern Brazil. s.l. : Univ. of Texas, 1987. (Tese de Doutorado).
--------. Sob as ordens da Jurema : o pajé Kariri-Xocó. In: LANGDON, E. Jean (Org.). Xamanismo no Brasil : novas perspectivas. Florianópolis : UFSC, 1996. p. 267-95.
--------; BARROS, José Flávio Pessoa de. O complexo da Jurema : representações e drama social negro-indígena. In: MOTA, Clarice Novaes da; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de (Orgs.). As muitas faces da Jurema : de espécie botânica a divindade afro-indígena. Recife : Bagaço, 2002. p.19-60.
--------. Jurema : black-indigenous drama and representations. In: POSEY, Darrell A.; OVERAL, William Leslie (Orgs.). Ethnobiology : implications and applications. Proceedings of the First International Congress of Ethnobiology (Belem, 1988). v.2. Belém : MPEG, 1990. p.167-70.
MUSEU NACIONAL. PETI. Atlas das terras indígenas do Nordeste : Alagoas, Bahia (exceto sul), Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe. Rio de Janeiro : Museu Nacional-Peti, 1993. 93 p.
PEDRO II, Imperador do Brasil. Diário da viagem ao Norte do Brasil. Salvador : UFBA, 1959.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros : povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo : USP, 1998. 256 p. (Tese de Doutorado)
REESINK, Edwin. Raízes históricas : a Jurema, enteógeno e ritual na história dos povos indígenas no Nordeste. In: MOTA, Clarice Novaes da; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de (Orgs.). As muitas faces da Jurema : de espécie botânica a divindade afro-indígena. Recife : Bagaço, 2002. p.61-96.
RONDINELLI, Rosely Curi (Coord.). Inventário analítico do arquivo permanente do Museu do Índio - Funai : documentos textuais 1950-1994. Rio de Janeiro : Museu do Índio, 1997. 150 p.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Amanayê

Toy Art Amanayê
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
4AmanayêAmanaié, AraradeuaTupi-Guarani
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PA131Siasi/Sesai 2012


Amanagé constitui a autodenominação atual dos índios que habitam o alto curso do Rio Capim, mais conhecidos como Amanayé. O nome significaria “associação de pessoas” e aparece nas fontes sob as variantes Manajo e Amanajo. Uma parte dos Amanayé teria assumido o nome Ararandeuara, em referência ao igarapé que habitam.

 Língua

A língua Amanayé pertence à família Tupi-Guarani, classificada pelo lingüista Aryon Rodrigues (1984) junto com as línguas Anambé e Turiwara, de grupos que habitam a mesma região. Hoje em dia os Amanayé não usam mais a língua materna devido ao intenso contato, desde a década de 1940, que ocasionou casamentos com moradores brancos e negros da região do rio Capim, sendo estes últimos oriundos de antigo quilombo do Badajós.

A despeito da língua não ser mais falada, ela é lembrada pelos mais velhos e por parte dos jovens através da articulação de alguns termos nativos mesclados ao português regional

 Histórico do contato

Os Amanayé foram mencionados pela primeira vez na região que constitui, provavelmente, a área de origem deste povo Tupi: o Rio Pindaré. Ali, resistiram por muito tempo às tentativas de aldeamento, quando, em 1755, fizeram um acordo com o Padre David Fay, missionário jesuíta entre os Guajajara da aldeia de São Francisco do Carará. Fay “conseguiu praticar os Amanaios e que se descessem e aldeassem”, junto aos Guajajara, seus tradicionais inimigos.
Território Amanayê

Pouco depois, uma boa parte do grupo mudou-se pacificamente para o Rio Alpercatas, na fronteira do Maranhão com o Piauí, estabelecendo-se perto da Aldeia Santo Antônio. Por volta de 1815, havia apenas 20 remanescentes deste grupo, misturados com negros. Outros Amanayé do Alpercatas continuaram sua migração através do Rio Parnaíba, alcançando o Piauí em 1763, não havendo notícias do que lhes ocorreu depois.

Na segunda metade do século XIX, os Amanayé dos rios Pindaré e Gurupi se situavam na área de influência das “Diretorias Parciais”, onde foram visitados pelo viajante Gustavo Dodt. As “Diretorias Parciais” foram criadas pelo Regimento de 1845 e visavam limitar os abusos praticados por regatões; na prática, porém, essas administrações locais aumentaram a sujeição dos índios, utilizados como mão-de-obra “dócil” e barata. Os aldeamentos do “Diretório”, devido à uma administração caótica, tiveram curta duração (até 1889).

Onde estão os Amanayé?

Os Amanayé estão distribuídos na região do médio rio Capim, onde se localizam as Terras Indígenas Saraua e Barreirinha. A área tradicionalmente ocupada por estes índios situa-se no alto Capim, entre os igarapés Ararandeua e Surubiju, onde foi criada, em 1945, a “Reserva Amanayé”. No entanto, os Amanayé encontram-se fora dessa área.

Encravados no território dos Tembé, os Amanayé estavam, nesse período, divididos entre três aldeias, na margem do Rio Caju-Apará, formador do Rio Gurupi; muito menos numerosos que os Tembé, sua população foi estimada entre 300 e 400 pessoas. Ali “têm muitas relações com a população civilizada, por intermédio dos regatões que os procuram por causa do óleo de copaíba, casca de cravo, rama de abuta e de algum breu”.

Na mesma época, outros Amanayé são mencionados no Rio Moju, onde também encontraram índios Tembé que migravam em direção ao Pará. A partir desse momento não se tem mais informações sobre os Amanayé do Maranhão. Instalados na região dos Rios Moju e Capim, esses índios enfrentaram aldeamento compulsório, extorsões praticadas por regatões e conflitos com fazendeiros. Foram aldeados na Missão Anauéra ou São Fidelis, no Capim. Por serem considerados mais “rebeldes”, missionários atribuiram-lhes um local separado dos Tembé e dos Turiwara.

Em 1873, os Amanayé mataram o missionário da Aldeia, Cândido de Heremence, e um engenheiro belga que transitava na região. As represálias contra os índios levaram uma parte do grupo a se refugiar no Igarapé Ararandeua, onde evitavam o contato com regionais. Segundo Nimuendajú, esses Amanayé passaram então a se identificar como Ararandeuara ou como Turiwara, para dissimular sua identidade.

Quanto aos Amanayé que permaneceram na Missão, passaram a viver sob a administração de uma Diretoria Parcial de Índios, no mesmo local. Ali, continuavam em conflito com povos vizinhos e, em 1880, os Amanayé mataram um grupo de índios Tembé e Turiwara, considerados os “índios mansos” daquela área. Essa ocorrência motivou o Presidente da Província do Pará a providenciar “armas e munições para que esses índios mansos se possam defender dos ataques dos Amanayé". Após esses conflitos, supõe-se que os Amanayé se isolaram definitivamente dos Tembé e dos Turiwara, migrando para as cabeceiras do Rio Capim. A partir do final do século XIX, notícias do grupo aparecem somente através de registros de alguns etnólogos que visitaram rapidamente a região e através de vistorias, também rápidas, do Serviço de Proteção aos Índios.

No final do século XIX, um pequeno grupo formado por índios Amanayé e Anambé, sobreviventes de uma epidemia nas aldeias do Arapari, se encontrava perto das últimas cachoeiras do Rio Tocantins. A maior parte do grupo, entretanto, teria permanecido no Rio Capim, onde o inspetor Luiz Horta Barbosa, logo após a criação do SPI (em 1910), realizou uma expedição. Encontrou um grupo Amanayé liderado por uma mulata chamada Damásia, no Igarapé Ararandeua. Damásia teria assumido a chefia do grupo ainda no final do século XIX e é mencionada como representante do grupo até a década de 1930. Nessa data, os Amanayé do Ararandeua eram aproximadamente 300 pessoas, distribuídas entre quatro aldeias. Nessa mesma área teria ocorrido, em 1941, um ataque, conforme um documento do SPI: índios “Amanajas” ainda não pacificados da região dos rios Surubiju e Carandiru, teriam atacado índios do Capim; segundo os Anambé, os índios arredios seriam cerca de 200 e já tinham aparecido no Igarapé Pimental, afluente do Rio Gurupi. O documento comenta então a necessidade de criação de um Posto Indígena na região.

A criação da Reserva Amanayé, em 1945, destinava-se, supostamente, a esse grupo de 200 Amanayé “não pacificados”, cujos remanescentes constituem, provavelmente, a atual população indígena do alto Capim. Quanto ao grupo de Damásia, a última informação data de 1942, mencionando 17 remanescentes, liderados pelo filho dela e “na maioria mestiços”. Na ocasião, esses Amanayé comentaram sobre o grupo arredio do Garrafão, afluente esquerdo do Ararandeua.

Finalmente, os Amanayé instalados na região do Rio Moju se identificavam como Ararandeuara, conforme Lange. Este viajante publicou, em 1914, a única descrição etnográfica existente sobre o povo Amanayé.

Nimuendajú, em 1926, encontrou um grupo local com a mesma autodenominação, na localidade de Munduruku, próxima do Moju. Os índios do Rio Cairari, também visitados por Nimuendajú, em 1943, foram por ele identificados como Amanayé e Turiwara, mas seriam, na realidade, um subgrupo Anambé.

Na década de 1950 os Amanayé continuavam ocupando as margens do Rio Candiru-Açu, dentro da Reserva. Foram ali visitados pelo sertanista João E. Carvalho, que trabalhava na época na Frente de Pacificação dos Urubu Ka'apor do SPI. Em 1976, havia pelo menos 10 remanescentes do grupo dispersos na Reserva, entre os rios Ararandeua e Surubiju.

 Modo de vida e demografia

Segundo Eneida Assis, as famílias amanayé são nucleares e “quem manda na casa é mulher, o homem dedica-se a assuntos externos” (2002:66). A disposição espacial das casas é formada por residências isoladas cercadas por suas respectivas roças, distribuídas em diferentes pontos da área. As casas são de pau-a-pique, com ou sem reboco. A disposição interna varia de acordo com a família, mas o centro da vida doméstica acontece na cozinha, ao redor do fogão de barro à lenha. É ali que se reúne o grupo doméstico, enquanto as visitas são recebidas na sala. Ao lado da moradia, em geral localiza-se a casa de farinha, que também pode ser um local de encontro entre os que estão trabalhando e visitantes.

A maioria das mulheres se casa entre os 15 e 18 anos, e nessa faixa têm seu primeiro filho. A amamentação se prolonga até um ano de idade, mas a partir do segundo mês são introduzidas as papas de carimã e croeira.

A aldeia da Terra Indígena Saraua é composta por seis casas onde vivem 12 famílias, num total de 72 pessoas, que, somadas a duas famílias que vivem e trabalham na Fazenda Tabatinga (fora dos limites da TI), perfazem um total de 87 indivíduos amanayé no ano de 2002. A aldeia tem uma escola que está sob a administração da Prefeitura de Ipixuna do Pará. Até o momento, não há informações sobre a localidade de Barreirinha.

 Atividades produtivas

Na TI Saraua, os rios, igarapés e lagos formam um “território das águas”, segundo expressão de Assis, pois constituem os espaços de trabalho e lazer da comunidade indígena. A mata é igualmente importante, sendo fonte de alimentos, remédios e caça. A mata derrubada e convertida em roça é considerada uma espécie de extensão da casa, na qual qualquer um pode buscar alimentos sem perigo.

Os igarapés são os lugares privilegiados para a caça, que existe em dois tipos: as grandes (como anta, porção e veado vermelho) e as pequenas (como paca e capivara). Há também muitos pássaros apreciados. Mas a exploração madeireira tem exercido grande influência nesse esquema produtivo, inclusive na pesca, que constitui a principal fonte de alimento para os Amanayé, em razão do assoreamento de lagos e igarapés. A pesca vem sendo ainda prejudicada pela atividade intensiva de pescadores de São Domingos do Capim.

 Fontes de informação

BOGLAR, Luiz. The ethnographic legacy of eighteenth century hungarian travellers in Sout América. Acta Ethnographica Academiae Scientiarum Hungaricae, Budapest, n.4, p. 315-59, 1955.
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