quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Zo'é

Indio Zoé em Toy Art
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
239Zo'éPoturuMondé
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
MT625Associação Povo Indígena Zoró Pangyjej 2010



Localizados numa área de refúgio, entre os rios Cuminapanema e Erepecuru, norte do Pará, os Zo'é procuraram manter-se afastados tanto dos povos indígenas vizinhos, que consideram inimigos, quanto dos brancos, que conheciam através de contatos intermitentes. Entraram para a história como um dos últimos povos "intactos" na Amazônia.
Toy Art da Etnia Zo'é com ornamento da cabeça de penas de Abutre Real  original - saiba como ter a sua contato@blemya.com

Os índios do rio Cuminapanema autodenominam-se Zo'é. Trata-se de um classificador ainda em construção, um termo que é apenas usado em situações de contraposição entre um "nós" e os brancos (Kirahi) ou os inimigos (Apam, Tapy'yi), as duas únicas categorias étnicas atualmente utilizadas pelos Tupi. Fora estes termos, os Zo'é não usam etnônimos para designar, por exemplo, grupos indígenas vizinhos. Em algumas circunstâncias, diferenciam os kirahi ete, os brancos verdadeiros, ou seja, os primeiros forasteiros com quem travaram contatos esporádicos há várias décadas (castanheiros e gateiros, da região), e os agentes com quem se relacionam agora, que são apenas kirahi ou kirahi amõ (outros brancos, não-regionais).

O termo poturu, inicialmente utilizado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) para designar este grupo Tupi, refere-se tão somente à madeira com que são confeccionados os adornos labiais embe'po: é o que respondiam os Zo'é quando alguém apontava para eles, indagando um nome.

Os Zo'é são falantes de uma língua da família Tupi-Guarani do tronco Tupi. Toda sua população é monolíngue, com excessão de alguns jovens que aprenderam algumas palavras em português, ouvindo os funcionários da Funai falar no rádio.

 Histórico do contato

Os Zo'é entraram para a história como um dos últimos povos "intactos" na Amazônia. Seu contato com missionários protestantes norte-americanos e com sertanistas da Funai foi largamente noticiado pela mídia, que em 1989 divulgou as primeiras imagens deste povo tupi, até então vivendo uma situação de isolamento.

Os Zo’é têm seu lábio inferior perfurados com 7 ~ 9 anos de idade
A Funai tinha conhecimento da existência do grupo desde pelo menos o início dos anos 70, quando procedeu ao levantamento dos grupos isolados que estavam na rota da construção da rodovia Perimetral Norte (BR-210). Na época, o contato com o grupo do Cuminapanema foi planejado, mas a interrupção das obras da Perimetral levaram a Funai a desistir do contato.

Nesse período, já se dispunha de informações relativamente precisas sobre a localização do grupo. Em 1975, uma equipe do Idesp (órgão do governo do estado do Pará) que realizava mapeamento e pesquisa mineral para a Sudam, encontrou uma clareira, que poderia ser utilizada como pista de pouso. Ao se aproximar, descobriram que se tratava de uma aldeia, com três grandes casas. A equipe resolveu sobrevoar a aldeia, recebendo flechadas dos índios. Antes de interromper os trabalhos, o Idesp localizou, através de sobrevôos, outras três aldeias e comunicou a "descoberta" à Funai, que chegou a designar dois sertanistas para trabalhar na região.

Em 1982, missionários evangélicos da Missão Novas Tribos do Brasil efetivaram o contato com os índios, após terem localizado, num sobrevôo, quatro aldeias. Segundo os missionários, este contato "relâmpago" foi muito tenso e limitado à entrega de alguns presentes.

Nos anos seguintes, de 1982 a 1985, os missionários limitaram-se a realizar sobrevôos para reconhecer a localização das aldeias e lançar presentes. Em 1985, eles voltaram à área e iniciaram a construção de uma base, chamada Esperança, situada a alguns dias de caminhada das aldeias e fora da área de perambulação dos índios. Em dois anos concluíram a edificação de algumas casas e de uma pista de pouso para pequenos aviões. Durante este período realizaram sucessivas incursões rumo às aldeias, efetivando alguns encontros esporádicos com os índios que, segundo os missionários, permaneciam "agitados" e arredios.

Foi em 5 de novembro de 1987, na Base Esperança, que ocorreu o contato definitivo com os Zo'é: um grupo de índios apareceu no morro situado atrás da Base, onde outras famílias foram se reunindo, num grupo de cerca de cem pessoas. Segundo os missionários foi um momento de grande tensão. Comunicando-se através de gestos, os missionários ofereceram presentes e receberam, em troca, flechas, cujas pontas haviam sido quebradas. Nos dias seguintes outros vieram, construindo casas no morro, onde permaneceram por algum tempo.

Comunicado o episódio à Funai, esta proibiu os missionários de instalarem-se nas aldeias, o que os levou a atrair os índios para junto da Base Esperança, onde os Zo'é construíram casas e abriram roças. O objetivo da atuação da Missão Novas Tribos estava pautada por três etapas: aprender a língua, iniciar a alfabetização e, através da tradução da Bíblia, transmitir a palavra de Deus aos Zo'é.
Os Zo'és são poligâmicos, é bastante comum que uma mulher se case com vários homens ao mesmo tempo.

Em 1989, a Funai realizou algumas expedições de reconhecimento da situação dos índios e constatou que o estado de saúde do grupo era precário. As relações entre a Funai e a Missão tornaram-se conflituosas e, em outubro de 1991, a Funai assumiu o controle da área, retirando a Missão e implantando uma política assistencial própria.

Assim, foi apenas nesta última década que os Zo'é vêm experimentando a convivência com brancos, que para eles significa: a introdução de tecnologias de alto impacto e consequente atração em torno de postos de assistência, instalados dentro de seu território em função dos interesses dos brancos, a subsequente aparição de novas doenças que, por sua vez, consolidam a concentração de sua população em torno dos postos. Em muitos aspectos, a situação desse povo apresenta similitudes com a dos outros 50 grupos isolados que existem atualmente na Amazônia. Há porém algumas características peculiares, que merecem ser enfatizadas:

mesmo que tenham estabelecido, por sua própria iniciativa, relações de convivência permanente com o posto assistencial há apenas sete anos, os Zo'é já haviam experimentando contatos ocasionais com castanheiros e caçadores de pele há pelo menos 50 anos;
sua localização numa área de refúgio, entre os rios Cuminapanema e Erepecuru, evidencia que durante décadas procuraram manter-se afastados tanto dos povos indígenas vizinhos, que consideram inimigos, quanto dos brancos;

ao contrário das experiências anteriores de contato intermitente, foi no processo recente de contato (1982/90) que sofreram as baixas demográficas mais drásticas, decorrentes da propagação de doenças antes desconhecidas, resultando num processo de contaminação que continua crescente;
devido às difíceis condições de acesso e à inexistência de programas estaduais ou federais de desenvolvimento na região norte do Pará, a área continua relativamente preservada; no entanto, pequenos grupos garimpeiros se implantaram nas margens dos rios que limitam a área: Erepecuru (onde existem várias pistas de pouso) e Curuá. Até o momento, a Área Indígena Cuminapanema/Urukuriana continua apenas "interditada". Uma situação jurídica precária: sua "identificação" começou em 1997, dando-se início ao longo processo de reconhecimento fundiário que garantirá aos Zo'é exclusividade na ocupação e exploração de suas terras.

É um fato que, hoje, os Zo'é saíram do isolamento. A passagem para a convivência permanente com agentes de contato se manifesta no processo de dependência no qual estão inseridos e na reestruturação de seu ritmo de vida e de seu sistema de ocupação territorial em função da presença dos agentes de assistência. Estão visíveis no Cuminapanema todos os elementos de um processo que historicamente acompanha a instauração de uma política assistencial que visa justamente a "proteção".

Ora, a principal particularidade das relações de contato em curso no Cuminapanema relaciona-se ao fato das agências assistenciais terem se antecipado ao convívio mais intenso dos índios com frentes de ocupação regional. A MNTB, e depois a Funai, promoveram intervenções cujo objetivo declarado era garantir e preservar o "isolamento" desta etnia. Uma decisão unilateral, que contrasta com o interesse dos Zo'é em ter acesso ao mundo exterior, em ritmo e segundo categorias de entendimento próprias. Desde que optaram por estabelecer relações de convívio permanente com os brancos em 1987, os Zo'é manifestam uma curiosidade crescente em desvendar e controlar o mundo à sua volta: desejam maior contato com os brancos, querem mais objetos, querem visitar a cidade, querem conhecer outros índios.

 Modos de vida

Como outros povos da região das Guianas, os Zo'é apresentam uma estrutura social descentralizada, marcada pela autonomia política e econômica do grupo local. Em uma mesma aldeia podem habitar mais de um grupo local. Cada casa abriga uma família nuclear ou duas unidades que ocupam espaços separados na habitação, cada uma com seu fogo.

Suas atividades econômicas dividem-se em dois movimentos: relativa sedentarização em função das práticas agrícolas e uma importante mobilidade resultante das atividades de caça e pesca.

Devido a tecnologia lítica (ferramentas de pedra) que os Zo'é utilizavam até pouco tempo, as roças são reaproveitadas ano após ano, replantando-se mandioca e outros produtos nas mesmas clareiras. Por esta razão, há poucas roças e portanto poucas aldeias na área. Contrariamente à esse padrão sedentário, as atividades de caça e pesca levam as famílias à deslocamentos em regiões muito distantes das aldeias, onde permanecem por várias semanas, aproveitando no local a fartura de caça e complementando a alimentação com farinha preparada na aldeia. Essa alternância das atividades voltadas para a agricultura e a preparação de farinha e das expedições à longa distância concretizam-se em uma grande mobilidade na área.

O equipamento material utilizado pelos Zo'é em suas atividades de subsistência é composto por um número limitado de artefatos, sobressaindo os de cerâmica e de trançado, confeccionados pelas mulheres e destinados ao processamento da mandioca.

 Localização e população

Os Zo'é habitam uma faixa de terra firme, cortada por pequenos igarapés afluentes de dois grandes rios, o Cuminapanema e o Erepecuru, no município de Oriximiná, norte do Pará. Trata-se de uma região montanhosa de grandes castanhais, que apresenta maximização dos recursos de subsistência. Além da mandioca, que corresponde a cerca de 90% da área plantada da roça, a castanha-do-pará é o produto mais consumido pelos índios, que utilizam também a casca e a entrecasca para confeccionar a maioria de seus artefatos. O território ocupado pelos índios é entrecortado por pequenos igarapés, onde realizam pescarias com timbó. A relativa escassez de recursos faunísticos nessa zona de ocupação resulta do longo tempo de permanência das aldeias e, portanto, do esgotamento da caça. A área habitada corresponde à uma zona de "refúgio", onde os Zo'é mantiveram-se isolados dos brancos, que conheciam através de contatos intermitentes há várias décadas, e de outros povos indígenas vizinhos, que consideram inimigos.
Territorio Zo'é

Os Zo'é aceitaram a convivência pacífica com os brancos em 1987. Quatro anos depois, estima-se que tenham morrido 45 indivíduos por epidemias de malária e gripe. Em 1991, eram 133; seis anos depois, os Zo´é iniciam um processo de recuperação demográfica e a população cresce chegando a 152 pessoas.

 Fontes de informação

BINDA, Nadja Havt. Representações do ambiente e territorialidade entre os Zo'é/PA. São Paulo : USP, 2001. 209 p. (Dissertação de Mestrado)


CABRAL, A. S. A. C. Algumas evidências lingüísticas de parentesco genético do Jo'é com as línguas Tupi-Guarani. Rev. Cursos de Pós-Graduação em Letras, Belém : UFPA, v. 4, 1996.


--------. Notas sobre a fonologia do Jo'é - Moara : estudos de línguas indígenas. Rev. Cursos de Pós-Graduação em Letras, Belém : UFPA, v. 4, 1996.


GALLOIS, Dominique Tilkin. De arredio a isolado : perspectivas de autonomia para os povos indígenas isolados. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Org.). Índios no Brasil. São Paulo : Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p. 121-34.


--------. Essa incansável tradução : entrevista. Sexta Feira: Antropologia, Artes e Humanidades, São Paulo : Pletora, n. 6, p. 103-21, 2001.


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GALLOIS, Dominique Tilkin; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. O índio na Missão Novas Tribos. In: WRIGHT, Robin (Org.). Transformando os Deuses : os múltiplos sentidos da conversão entre os povos indígenas no Brasil. Campinas : Unicamp, 1999. p. 77-130.


--------. A redescoberta dos amáveis selvagens. In: RICARDO, Carlos Alberto (Ed.). Povos Indígenas no Brasil : 1987/88/89/90. São Paulo : Cedi, 1991. p. 209-14. (Aconteceu Especial, 18)


GALLOIS, Dominique Tilkin; HAVT, Nadja. Relatório de identificação da Terra Indígena Zo'é : Portaria 309/PRES/Funai - 04.04.97. São Paulo : Funai, 1998.


HAVT, Nadja. De algumas questões sobre a participação de “índios isolados” no processo de regularização fundiária : o exemplo dos Zo’É. In: GRAMKOW, Márcia Maria (Org.). Demarcando terras indígenas II : experiências e desafios de um projeto de parceria. Brasília : Funai/PPTAL/GTZ, 2002. p. 85-94.


RODRIGUES, Aryon Dall'Igna. Línguas brasileiras : para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo : Loyola, 1986. 135 p.


--------. Relações internas na família lingüística Tupi-Guarani. Rev. de Antropologia, São Paulo : USP, v. 27/28, p. 33-54, 1984/1985.


SILVEIRA, Maria Luiza dos Santos. Identidade em mulheres índias : um processo sobre processos de transformação. São Paulo : USP-IP, 2001. 377 p. (Dissertação de Mestrado)


THOMAZ, Omar Ribeiro. A periferia de São Paulo descobre os índios Tupi do Cuminapanema. Tempo e Presença, Rio de Janeiro : Cedi, v. 14, n. 262, p. 38-41, mar./abr. 1992.


A arca de Zo'É. Dir.: Dominique T. Gallois; Vincent Carelli. Vídeo Cor, VHS, 22 min., 1993. Prod.: CTI-SP

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