quarta-feira, 3 de junho de 2020

Waiwai

Toy Art etnia Waiwai
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
213Waiwai
Karib
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
AM/PA/RR2914Zea 2005
Guiana 170Weparu Alemán 2006


Os índios que se identificam e são identificados como Waiwai encontram-se dispersos em extensas partes da região das Guianas. São falantes, em sua maioria, da família lingüística Karib. Constituíram-se a partir de processos seculares de troca e de redes de relações na região. Em tal rede, são historicamente reconhecidos como especialistas no fornecimento de sofisticados raladores de mandioca, papagaios falantes e cães de caça. Têm fama até os dias de hoje de grandes viajantes em suas expedições em busca de “povos não vistos” (enîhnî komo).

 Nomes e co-residentes

A etnogênese Waiwai constitui – conforme a bibliografia etnográfica da região das Guianas e tal como ocorre também com vários outros etnônimos ameríndios – um complexo de relações entre visões sobre estas comunidades indígenas que se chamam Waiwai e visões destas comunidades sobre si e sobre outros. Usa-se aqui o nome “Waiwai” no sentido que lhe dão os índios que se identificam e são identificados atualmente por ele, ou seja, sabendo-se que ele não corresponde a uma única unidade étnica substancial que exista em si, mas sim a uma invenção motivada tanto por projetos políticos quanto intelectuais.
Homens Waiwai
Muitos índios que vivem atualmente nas comunidades Waiwai se reconhecem e são reconhecidos por denominações menos englobantes, como é o caso dos Hixkaryana, Mawayana, Karapawyana, Katuenayana e Xerewyana (yana designa "coletivo"), entre outros. Foram (e seguem sendo) as famosas expedições dos Waiwai em busca de “povos não vistos” (enîhni komo) que permitiram (e seguem permitindo) uma intensa troca com outros povos numa ampla rede regional. É desta rede que surgiram (e seguem surgindo) diversos casamentos e convites para famílias inteiras viverem nas comunidades Waiwai, como foi o caso dos índios acima citados.

Depois de 1950, quando os Waiwai permitiram a instalação da UFM (Unenvangelized Field Mission) – em trabalho conjunto atualmente com a MEVA (Missão Evangélica da Amazônia) – estas expedições passaram a contar com o apoio material (como a disponibilização de motores de popa e até mesmo esporadicamente do avião da missão) e imaterial (como o discurso da salvação evangélica) desta missão. Um dos frutos do contato permanente com a missão – e, aos poucos, com outros agentes não-indígenas, como a Funai e a Funasa, além de contatos esporádicos com pesquisadores e a população ribeirinha, entre outros – foi o uso do termo “Waiwai” para designar não apenas a língua Karib predominantemente falada entre eles, mas também para referir-se ao coletivo como um todo, que eles passaram a chamar de “comunidades Waiwai” (ou Wai-Wai) de tal ou tal lugar.

 Língua

A língua Waiwai, que pertence à família lingüística Karib, constitui o idioma principal utilizado pelos habitantes das comunidades Waiwai. Até o início dos anos 2000, havia várias outras línguas também faladas nestas comunidades, cada uma por parentelas de outros índios que se intercasaram com os Waiwai ou que migraram em massa para conviver com os Waiwai durante a fase de sua centralização em grandes aldeias entre 1950 e 80.

Ainda em 1980, além desta língua predominante (que todos aprenderam), havia parentelas falando outras línguas Karib (Katuena, Hixkaryana, Xerew, Karapayana) ou línguas da família lingüística Arawak (Mawayana, Wapixana). Havia também indivíduos de línguas maternas que se extinguiram ou foram quase esquecidas (Parukoto, Taruma, Cikyana), além de algumas pessoas de povos vizinhos, que vieram morar com seus esposos Waiwai, falando outras línguas (Makuxi, Tiriyó, Atroari). Hoje a maioria dos jovens que nasceu nas comunidades Waiwai fala somente esta língua dominante.

A partir da década de 1990, algumas comunidades Waiwai (como por exemplo, a de Mapuera), grandes demais para sustentar a população devido à escassez de recursos, começaram a passar por uma fase de descentralização. Desde então, muitos dos povos que moraram entre os Waiwai estão voltando para suas áreas originárias e fundando novas aldeias onde a sua própria língua é dominante. Esse é o caso dos Hixkaryana, Karapayana, Katuena e Xerew. Os Mawayana, reduzidos a uma meia-dúzia de sobreviventes que ainda sabem falar a sua língua materna, continuam a conviver entre os Waiwai e os Tiriyó.

Tais processos de centralização e descentralização ajudam a esclarecer porque a língua Waiwai se transformou em língua franca na região, sendo aquela predominantemente falada nas Assembléias Gerais na região, que começaram a ser organizadas a partir de 2003.

Missão e escrita

Desde a sua chegada em 1949, os irmãos Hawkins, missionários-lingüistas norte-americanos da Unevangelized Fields Mission (UFM), aprenderam a língua Waiwai, publicaram artigos analisando a sua estrutura e desenvolveram uma ortografia para ensinar aos Waiwai (e aos outros povos que a eles se juntaram) a ler e escrever. Robert Hawkins escreveu lições sobre a língua para outros missionários e traduziu a Bíblia para o Waiwai [ver item Relações atuais com não-índios]. Até meados dos anos 80, missionárias-professoras ensinaram a forma escrita de Waiwai (e um pouco da língua portuguesa) para as crianças nas escolas, e treinaram os alunos mais interessados em serem monitores. Hoje há somente uma missionária que ainda ensina (no Mapuera), mas alguns dos monitores que ela treinou agora são professores nas suas próprias comunidades. Em outras comunidades, os professores são Makuxi ou neo-brasileiros, que falam e ensinam somente o português; e em ainda outras, por falta de escolas, as crianças não estão aprendendo nenhuma língua escrita.
Mulheres Waiwai

Os primeiros Waiwai a serem treinados para o magistério pelos estados de Roraima e Pará estão começando a ensinar a língua indígena em algumas comunidades, mas, além da literatura religiosa, faltam materiais escritos em Waiwai. A maioria dos homens fala um pouco de português (que aprendem mais durante visitas às cidades do que nas escolas), alguns fluentemente, enquanto a maioria das mulheres somente entende um pouco (ou nada), situação essa que lentamente está mudando.

 Localização e população

O movimento de centralização e descentralização marca tanto a ocupação territorial – que se baseia fortemente na autonomia dos grupos locais, mas também em jogos políticos na conjuntura atual, que envolve o contato e a negociação permanente com não-índios [ver item Relações atuais com não-índios] – quanto a concentração e a dispersão da população em diferentes momentos históricos na região que abrange o Rio Essequibo na Guiana [ver box: Waiwai na Guiana], os Rios Anauá e Jatapuzinho em Roraima, os Rios Jatapu e Nhamundá no Amazonas, e o Rio Mapuera no Pará.
Terra Indígena Waiwai

A bibliografia atesta que nos últimos 50 anos o convívio constante com não-índios – inicialmente com missionários norte-americanos da Unevangelized Fields Mission (UFM), posteriormente com a Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) e com agentes da Funai, Funasa, além de contatos esporádicos com pesquisadores e a população ribeirinha, entre outros – inaugurou um processo de concentração das casas coletivas que outrora estavam dispersas entre os dois lados da Serra do Acarai, divisa do Brasil com a Guiana. Mas o surgimento de novos padrões de assentamento implantados pelos missionários – que resultaram em grandes aldeias como, por exemplo, a de Mapuera – não significa que a importância da autonomia dos grupos locais tenha deixado de existir ou de fazer sentido, muito pelo contrário. Ao que tudo indica, esse processo de centralização está atualmente sendo seguido por outro de re-dispersão, como demonstram a migração e criação de novas comunidades waiwai, como as de Catual, Soma, Samaúma, para citar apenas alguns entre muitos outros exemplos.

O espaço oficialmente reconhecido consiste em Terras Indígenas que abrangem parte dos Estados do Amazonas, Pará e Roraima:

TI Nhamundá-Mapuera (PA), com 2.218 pessoas em 2005;
TI Trombetas/Mapuera (AM/RR/PA), com 500 pessoas em 2005;
TI Wai-Wai (RR), com 196 pessoas em 2005.


Os Waiwai na Guiana

por Stephanie Weparu Alemán, Antropóloga, Iowa State University

A população waiwai na Guiana ocupa duas aldeias na região sul do país [em 2006]. A primeira delas é a aldeia de Masakinyari (“lugar do Mosquito”), localizada mais ao sul, no alto curso do rio Essequibo. O número de seus habitantes varia entre 130 e 170, variação que depende da estação do ano, das extensas visitas inter-aldeias e do número de famílias wapixana, que flutua constantemente. Os moradores de Masakinyarï mantêm contato constante com comunidades waiwai no Brasil localizadas do outro lado da Serra de Acaraí.

Até a década de 1950 havia muitas pequenas aldeias waiwai e de outros grupos ao longo do alto Essequibo. A junção de algumas delas formando aldeias maiores se devia em parte à presença da Unevangelized Fields Mission, responsável pela fundação da aldeia de Konashenay (“Deus ama você aqui”). Essa aldeia cresceu ao ponto de chegar a ter 500 habitantes, até que sua população voltou a se dividir em grupos menores.

A aldeia de Masakinyarï conta com membros da aldeia de Sheparyimo (aldeia do “Cachorro Grande”), que existiu do início dos anos 1970 até meados dos 1980, e da população remanescente da aldeia de Akotopono (aldeia da “Velha Arma Grande”), que existiu da década de 1980 até a criação da nova aldeia de Masakinyarï, em 2000. Pouco antes da criação da nova aldeia, muitas famílias e quase todos os Wapixana que ali moravam se mudaram para um lugar no rio Kuyuwini, perto de um local conhecido como pista Parabara. Uma trilha dessa pista para as savanas de Rupununi ao norte permite um maior acesso a aldeias Wapixana e Makuxi, assim como para as cidades de Lethem e Bon Fim, e, no Brasil, para a cidade de Boa Vista.

Essa aldeia em Parabara contava com aproximadamente 70 habitantes em 2006, metade dos quais eram Wapixana. Contudo, a aldeia possui um nome waiwai, Erepoimo (aldeia do “Grande Assador de Potes”), que era como chamava um pequeno acampamento waiwai no alto Essequibo nas décadas de 1940 e 1950.

Ambas as aldeias possuem vínculos familiares com membros de aldeias waiwai no Brasil, razão pela qual há pouca diferença cultural entre essas aldeias nos dois lados da fronteira, a não ser as diferentes relações com os respectivos estados da Guiana e do Brasil. Os guianeses da costa geralmente se referem às aldeias waiwai no extremo sul do país como “Gunn’s Strip” (Pista de Gunn) em referência a uma pista de pouso localizada em uma pequena savana desta região, ou como “Konashen” (or Kanashen), em referência à antiga aldeia missionária.

 Histórico do contato

A dificuldade em determinar quais são efetivamente as primeiras notícias a respeito dos grupos que mais tarde vieram a compor as atuais comunidades Waiwai reside no fato, recorrente na Amazônia Indígena, de que os etnônimos atribuídos a diferentes coletivos indígenas variaram muito no decorrer dos anos. Uma das primeiras informações, ainda que simples referência, data do século XVII (R. Harcourt 1603 [1928]) e outra do século XVIII (Sanders 1721 in Ijzermann 1911 citado em Bos 1985).

No século XIX três viajantes fizeram relatos sobre os Waiwai. O primeiro foi o geógrafo inglês Robert Hermann Schomburgk, que realiza suas viagens entre os anos 1835 e 1839, e depois novamente em 1843, na Guiana Inglesa e na região do rio Orenoco. Ele encontra os Waiwai nos dois lados da fronteira Brasil / Guiana Inglesa, delimitada pela Serra Acaraí, com duas aldeias ao sul no rio Mapuera e uma ao norte no rio Essequibo, separadas por distância correspondente a dois dias de caminhada. O viajante avalia a população destas três aldeias em 150 pessoas. Nos relatos de Schomburgk se encontram vários dados que indicam a existência de uma ampla rede de relações de troca entre os diferentes grupos desta região. Infelizmente os dados diretos em relação aos Waiwai são poucos, mas indiretamente lhe é contado, pelos grupos vizinhos (como os índios Mawayana e Taruma, por exemplo), que os Waiwai eram conhecidos na região por suas habilidades no plantio de algodão e na caça e, especialmente, pelos seus cães de caça, além de seus cobiçados raladores de mandioca.

O próximo viajante, o geólogo britânico Barrington Brown (1876, 1878), encontra em novembro de 1870 os índios Taruma, Wapixana e Mawayana voltando de uma expedição comercial com os Waiwai, que, sem contato com os brancos, obtinham mercadorias – como ferramentas, panos e miçangas – trocando-as por seus raladores de mandioca e cães de caça com esses grupos vizinhos. Por esta via indireta, Brown recebe a informação de que os Waiwai estão naquele momento somente ao sul da serra Acaraí.

Em 1884, o terceiro viajante, o geógrafo francês Henri Coudreau (1899), encontra os Waiwai no Mapuera, perto da região ao sul da serra Acaraí, enquanto a área ao norte da serra era ocupada somente pelos Taruma. Coudreau avaliou a população dos “Ouayeoue” (Waiwai) em três ou quatro mil pessoas, aproximadamente, sendo sete aldeias de 300 habitantes, mas este número é considerado exagerado (por Fock 1963, por exemplo). Como já nos relatos de Schomburgk, também Coudreau aponta para a existência de uma ampla rede de trocas dos Waiwai com vários outros grupos desta região, relatando relações comerciais dos Waiwai ao norte com os Wapixana, os Atorai e os Taruma, no leste com os Pianokoto (Tiriyó), e nos rios Trombetas-Mapuera com os Mawayana e os Xerew, entre outros. Depois de sua morte, sua esposa, Olga Coudreau (1900), deu seguimento às expedições. Ao contrario do marido, que escreveu que os Waiwai e os Mawayana não possuíam bens europeus, ela descreve suas habilidades de troca por estes cobiçados artigos, como miçangas, espelhos, facões, pentes e machados.

No final do século XIX, os Waiwai continuavam em contato com os índios Taruma, estabelecendo também relações pacíficas com os Tiriyó do Trombetas-Paru de Oeste, enquanto estavam em guerra com os povos habitantes do médio Mapuera, do grupo Parukoto (Fock 1963: 5). A área de ocupação waiwai correspondia, portanto, à zona de cabeceiras do Mapuera, limitada ao norte pela serra Acaraí. Ao sul de seu território, habitavam outros povos, hoje integrados aos Waiwai e que subiram progressivamente para o norte, repelidos pelo avanço das frentes extrativistas na bacia do Trombetas. De norte a sul, eram os seguintes povos: Tutumo, Mawayana, Xerew e Katwena (Yde 1965: 319, mapa).

Como o caminho das viagens de reconhecimento nesta área se dava geralmente de norte para o sul, com os viajantes saindo da Guiana e não do Brasil, as informações se referem apenas aos índios da região fronteiriça. Por serem mais acessíveis a estas expedições, que transmitiam doenças, assim como pelos contatos comerciais com os Taruma e Wapixana, os Waiwai sofreram, por volta de 1890, um forte abalo demográfico, devido à propagação de doenças antes desconhecidas entre eles. Isto provocou um aumento dos casamentos intertribais. Antes deste período já ocorriam freqüentemente casamentos entre Waiwai e outros povos e depois, no final do século, os Waiwai intensificaram este processo com os índios Parukoto (principalmente os Xerew e os Mawayana) ao sul, e com os Taruma, ao norte (Fock 1963: 267).

No século XX

No início do século XX, os Waiwai se dividiam em duas áreas: ao norte, na serra Acaraí, e, a leste, o grupo do alto Mapuera. A primeira década é marcada por conflitos intertribais, que realçaram a separação dos dois subgrupos e que, ao mesmo tempo, provocaram forte diminuição da população. Os conflitos ocorreram entre os Waiwai e os Parukoto. Já em dezembro de 1913, quando Farabee visitou os Waiwai, as guerras haviam cessado e os antigos inimigos Parukoto eram integrados a eles, sendo, porém, os Parukoto em maior número (cf. Howard 2001: 234-235).

Nos anos 1919, 1922 e 1923 o missionário Fr. Cuthbert Cary-Elwes S.J. visitou os Waiwai e também fala da proeminência de suas atividades comerciais com os Taruma e os Wapixana (cf. Colson e Morton 1982). Os Waiwai e os Parukoto, do norte e leste, continuavam habitando a região montanhosa, mas o grupo do norte começava a ocupar também o alto Essequibo, na Guiana Inglesa, onde são mencionados por Walter E. Roth no início de 1925. Antes que Roth pudesse ir encontrar os Waiwai, como planejado em sua viagem, os Waiwai foram ao seu encontro, tendo corrido a notícia de um viajante que estava na área com mercadorias como sal, anzóis e machados. As relações comerciais com os Taruma haviam cessado, pois, como afirma esse autor, os Taruma dessa área estavam praticamente extintos e os remanescentes integrados aos Waiwai (Roth 1929: IX, X).

De 1925 a 1950, aproximadamente, inicia-se um movimento de migração dos Waiwai rumo ao alto Essequibo. Abandonam a região de serra e cabeceiras para viver à margem de rios maiores. A comissão de limites anglo-brasileira, em 1935, confirma este movimento: a maioria dos índios Waiwai estava no Essequibo, Guiana Inglesa, enquanto o Mapuera era habitado por outros povos (Xerew, Mawayana etc.) do grupo Parukoto, misturados com alguns Waiwai. Com efeito, Waiwai e Parukoto tinham uma língua e modos de viver parecidos. Os Parukoto, procedentes do médio Mapuera, tinham introduzido entre os Waiwai por exemplo o uso de canoas, característico dos grupos amazônicos (Fock 1963: 8-9).

Até 1950 a situação dos Waiwai não sofreu grandes modificações a não ser territoriais, conforme puderam constatar vários visitantes de missões etnográficas e oficiais: em 1938, a expedição Terry-Holden, do American Museum of Natural History (ver Aguiar 1942); e em 1947, Peberdy, representante do governo da Guiana (Peberdy 1948).

Presença missionária

No início de 1950, ocorreram grandes transformações na vida dos Waiwai com a intervenção de uma “frente missionária” no alto Essequibo: a Unenvangelized Fields Mission / UFM (Cruzada de Evangelização Mundial), atraindo para a Guiana Inglesa a grande maioria da população do Mapuera e do Nhamundá. O repórter evangélico Homer E. Dowdy relata em seu livro Christ’s Witchdoctor: From Savage Sorcerer to Jungle Missionary que no início deste empreendimento estão os missionários Neill, Rader e Robert Hawkins, três irmãos do Texas cujo objetivo era instalar-se nas regiões indígenas não evangelizadas para, em nome de sua missão, salvar as almas para Cristo, trazendo-lhes o evangelho. Antes de fazer o contato com os Waiwai, os dois irmãos mais velhos, Neill e Rader, conviveram 10 anos com os Macuxi à beira do Rio Branco no Brasil.

Em 1948, quando quiseram contatar os Waiwai, os Hawkins não receberam autorização do governo brasileiro e por esta razão resolveram viajar para a Guiana Inglesa, onde também lhes foi negada primeiramente a autorização (Dowdy 1963: 33). Apenas no ano seguinte, em janeiro de 1949, quando o agente então responsável fora transferido, seu sucessor lhes concedeu a autorização para visitar os Waiwai no Essequibo.

A “Missão entre os Waiwai” foi fundada por vários missionários, e em 1949 poucos Waiwai viviam no lado inglês. Mas no lado brasileiro, na região fronteiriça, a população indígena era considerável. Desde o início o interesse dos missionários consistia em fazer incursões em território brasileiro (baixando o Mapuera e avançando até o rio Nhamundá) e atrair várias centenas de índios para a missão no território da então Guiana Inglesa (Frikel 1970: 29-30). Para atrair os índios, os missionários enviaram mensageiros indígenas para oferecer-lhes itens muito apreciados como anzóis, espelhos, facas e miçangas, bem como para contar-lhes que “o mundo acabaria numa enorme fogueira e que poderiam mostrar o caminho para a salvação de uma vida melhor” (Almeida 1981). Com esta atração, a população desta área aumentou de 80 pessoas para mais de 250, em apenas três anos, formando um conglomerado de grupos, incluindo os Waiwai, os Mouyennas (Mawayena), os Xerew, Piskaryenna e os Hixkaryana (Yde 1960: 83, e 1965: 1 e 9). A concentração rapidamente resultou em uma única aglomeração, Kanashen ou Konashenay aldeia artificial criada pela Missão, cujo nome deveria traduzir a idéia de que “Deus ama você aqui” para a atrair os índios a irem viver neste lugar.

Corre uma série de relatos e versões sobre a assim chamada “conversão” dos índios Waiwai, exemplificada de maneira paradigmática pela trajetória de Ewka, um xamã e líder carismático que se tornou uma referência importante tanto para os índios quanto para os não-índios, como demonstram diferentes experiências etnográficas e fontes que datam de distintos tempos. Segundo Dowdy, que dá a Ewka (e a seu livro) o título de Pajé de Cristo, trata-se da trajetória de um xamã selvagem que virou um missionário da selva, marcando a história dos índios Waiwai, que junto com seu líder teriam trocado o medo dos espíritos kworokyam pela fé em Cristo.

Dowdy relata as primeiras relações de Ewka com kworokyam – “o centro da vida espiritual dos Waiwai” (1963: 23) – que se manifestou para o jovem xamã em um sonho com os porcos do mato. Sob a guia do(s) espírito(s) do porco do mato, Ewka se iniciou nos conhecimentos xamânicos, assumindo o pacto de não comer a carne deste animal em troca de sua ampla ajuda, por exemplo, nas curas e na caça. Quando os missionários chegaram, Ewka prontificou-se a ensinar-lhes o idioma waiwai e, nas inúmeras horas de ensino da língua, ouviu as descrições do Deus dos missionários e de Seu Filho Jesus. Aos olhos dos missionários, que estudaram os modos e jeitos Waiwai (incluindo sua língua) para catequizá-los e fazê-los seguir o caminho de Deus (que traduziram por “Kaan yesamarî”), não passou despercebida a importância da troca de ekatî- alma e, em particular, a troca de yekatî yewru, alma-olho - para os Waiwai e por isso traduziram o Espírito Santo por “Kiriwan Yekatî”, ou seja, o “Espírito Bom” de Deus. Pregavam que tinham que estar em constante processo de troca com este para não serem punidos no purgatório e poder, ao contrário, subir para o céu. Com prestigiosos presentes como, por exemplo, motores de popa e shorts vermelhos, os missionários consideravam que poderiam conquistar Ewka especialmente se ele pudesse ver que Jesus era o espírito bom, infinitamente maior que os espíritos ruins que segundo os missionários eram representados por kworokyam e que eles traduziram por Diabo. Desta consideração dos missionários surgiu a proposta feita à Ewka de que ele não apenas matasse um porco do mato, mas também comesse a sua carne, pois assim poderia provar para si e para todos que os espíritos nada podiam com alguém que estava protegido por Deus. Assim ocorreu, dando início, segundo Dowdy, a conversão primeiramente de Ewka e depois dos grupos que o seguiram. Já em 1956, quase cada semana havia uma confissão pública da nova fé em Cristo durante as reuniões e cultos semanais instituídos em Kanashen nas quartas, sextas e aos domingos.

As relações que os Waiwai travaram com os missionários se deram em diversos âmbitos e por isso este processo não deveria ser simplesmente chamado de “conversão” ao Cristianismo, mas visto no contexto de uma complexa rede de relações com potências exteriores, fundamentais para a aquisição da própria cultura. Cabe relembrar aqui que, desde os primeiro viajantes, os relatos apontam para um especial interesse dos Waiwai em travar relações com grupos alheios e para a existência de uma ampla rede de trocas com vários outros grupos desta região, como os Wapixana, os Tiriyó, os Mawayana e os Xerew, entre muitos outros. Neste contexto se situa seu acentuado interesse em estabelecer relações com os missionários e seu entusiasmo em aceitar a proposta missionária de atuar como mensageiros indígenas fazendo contato com outros grupos indígenas como, por exemplo: os Xerew do Baixo Mapuera em 1954, os Mawayana do Alto Mapuera em 1955-56, os Tiriyó e Wayana no Suriname em 1957, os Kaxuyana no Rio Cachorro e os Hixkaryana no Rio Nhamundá em 1957-58, dois grupos Yanomami (Xirixana e Waika) em 1958-59 e 1960-62, vários grupos do Tumucumaque (como Tunayana, Wajãpi, Wayana e Kaxuyana) em 1963-65, os Katwena e Cikyana do Trombetas em 1966-67 e os Waimiri-Atroari do Rio Alalaú em 1969-70 (cf. Howard 2001: 285-286). Trata-se de algo que já vinham fazendo antes do contato com os missionários e que, após o contato, puderam fazer com um apoio especial, tendo-se em vista as ferramentas materiais e imateriais da missão.

Em 1971, a missão Kanashen é expulsa da Guiana pelo governo do país, de tendência socialista. Os índios dispersam-se, ficando apenas algumas famílias na área. Uma pequena parte migra para o Suriname, na Missão Araraparu, enquanto a maior parte volta para o Brasil. Os líderes e pastores indígenas Kiripaka e Yakuta, irmão de Ewka, organizaram neste mesmo ano a mudança de 15 famílias para o rio Anauá, no Estado de Roraima. Os demais, chefiados por Ewka, voltam em 1974 ao Mapuera, local de origem. Os missionários expulsos da Guiana se dividiram e passaram a acompanhar o movimento dos índios no lado brasileiro. Uma parte deles se fixou com os Waiwai em Roraima e se integrou à organização missionária MEVA. Outra parte, em 1976, estabeleceu-se no Mapuera, como integrante da MICEB (Missão Cristã Evangélica do Brasil). Nesta época, as expedições de contato em busca de outros grupos indígenas seguem sendo realizadas, inclusive fundando novos lugares de moradia, como é o caso da expedição de contato em busca dos Karapawyana do Rio Jatapu em 1974-1980, fundando quatro anos mais tarde a nova comunidade Waiwai do Jatapuzinho, seu afluente.

 Relações atuais com os não-índios

O interesse dos Waiwai em travar relações com diferentes Outros não se limita ao mundo indígena, nem ao mundo não-indígena (ao qual foi se abrindo e tendo cada vez mais contato nos últimos 50 anos), e tampouco se limita ao mundo humano. No que concerne a suas relações atuais com não-índios, há de se mencionar os missionários (sobretudo evangélicos, mas também católicos em Anauá, na TI Wai Wai), os agentes da Funai, Funasa, do MEC, políticos e autoridades locais, ribeirinhos, comerciantes, pesquisadores, além de fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e posseiros, dentre os quais alguns são considerados agentes de ameaça e/ou pressão.

Desde sua instalação entre os Waiwai no início dos anos 1950, os missionários introduziram o ensino da escrita como forma de cumprir sua meta de catequese. Consideram este um meio privilegiado para difundir a Bíblia, que eles traduziram na integra (o Novo e o Velho Testamento). Em 2001, a UFM International (Pennsylvania/EUA) publica-a em colaboração com a MEVA (Boa Vista/RR) sob o título “Kaan Karitan – A Bíblia Sagrada na língua Uaiuai”, que brilha com letras douradas em cada exemplar de capa dura negra, com mais de 600 páginas (em uma primeira tiragem de 4.000 cópias).

A introdução da escrita certamente constitui um instrumento poderoso para introduzir o Evangelho, mas será que com isso os Waiwai estão efetivamente abandonando sua tradição de transmissão oral dos conhecimentos e suas práticas e concepções cosmológicas? Não há de se perder de vista que, no contexto atual, são os Waiwai (assim como vários povos indígenas) que reivindicam o acesso à escrita e à educação escolar como condição fundamental para sua autonomia. Esse instrumento de comunicação permite aos Waiwai produzirem sua cultura em formato acessível aos não-índios: escrita de projetos, de diversos documentos, nos quais eles são os autores.

As experiências entre as diferentes comunidades Waiwai nas três TIs variam bastante em relação às escolas existentes (ou não) nas comunidades e o acesso de seus professores ao magistério indígena. No Pará, por exemplo, desde 1997 a equipe do Núcleo de Educação Escolar Indígena vem atuando junto a professores da aldeia Mapuera, que conta com 60% da população em idade escolar. Em Roraima, este processo é mais recente, mas já existem diálogos e cooperações entre os Waiwai e o CIR (Conselho Indígena de Roraima) e organizações como a OPIR (Organização dos Professores Indígenas de Roraima), e de mulheres Waiwai com a OMIR (Organização das Mulheres Indígenas de Roraima).

Em relação aos agentes da Funai e da Funasa, as experiências também variam. No Pará, por exemplo, já existe um Waiwai que trabalha na Funai com certa constância, enquanto a mudança de chefes de postos em Roraima é freqüente. Em sua maioria, os programas de saúde estão acoplados ao trabalho conjunto da Funasa com ONGs. Assim, em Roraima, por exemplo, é o CIR que atua junto com a Funasa na área de saúde. Conjuntamente promovem também cursos e especializações para capacitar agentes de saúde waiwai no Jatapuzinho e no Anauá, onde recebem salários para controlar os medicamentos enviados mensalmente e a coleta de lâminas para o controle de malária.

São diversos os programas e projetos desenvolvidos entre os Waiwai. Ao lado de programas de formação de agentes indígenas de saúde e de professores indígenas, há projetos de extração e coleta de produtos florestais (como, por exemplo, a castanha), de criação de animais aquáticos e terrestres (como, por exemplo, o gado), de gerenciamento e processamento de produtos para renda (como, por exemplo, o artesanato), de proteção e vigilância territorial (alguns em parceria com outros agentes indígenas, como por exemplo, os Waimiri-Atroari), entre outros.

Há também os projetos com conseqüências indesejáveis, como o planejamento das Usinas Hidrelétricas de Cachoeira Porteira, de Carona e de Nhamundá, além da Usina Hidrelétrica já construída no Jatapu no final dos anos 1980 e que trouxe agravantes para os Waiwai. Para aliviar as conseqüências desta construção, o governo concedeu aos Waiwai do Jatapuzinho um gerador de luz e uma cota mensal de óleo diesel que retiram na Usina. No mais, o prefeito do Caroebe também fornece uma cota mensal (150 a 200L) de gasolina para a comunidade. E, ainda no Jatapuzinho, existem alguns aposentados que recebem um salário mínimo da Previdência.

 Práticas socioambientais e atividades econômicas

O ciclo anual waiwai se alterna entre a época seca e a época chuvosa, sendo a primeira farta em comida e vida coletiva, e a segunda, ao contrário, marcada pelos recursos mais escassos, fazendo com que as famílias waiwai se dispersem em roças mais distantes.

Em função deste ciclo, mas também pelos problemas decorrentes das grandes concentrações populacionais, as roças se dividem em dois tipos: aquelas situadas perto da aldeia e as mais distantes. Nestas últimas, muitas famílias passam boa parte da época chuvosa, assim como recorrem a elas quando os recursos perto da aldeia não são suficientes para todos.

As roças são preparadas (abrindo-se o espaço pela derrubada, queima e limpa) entre agosto e setembro, quando acaba o período das chuvas, e o plantio é feito entre janeiro e março, em trabalho realizado de forma comunitária. As principais espécies plantadas são: algodão, abacaxi, banana (diversas espécies), cana-de-açúcar, mamão, tubérculos como cará e batatas (diferentes tipos) e, sobretudo, a mandioca brava, da qual fazem, após extrair a toxina, o beiju, farinha e bebidas de tapioca (goma).

Além da agricultura de coivara, suas atividades de subsistência se baseiam na caça, na pesca e na coleta de produtos silvestres. Os principais produtos da caça são: anta, veado, porco do mato, macaco (coatá, guariba, prego), mutum, jacamim, cutia, paca, tatu, jabuti, tucano, araras etc. As aves são também caçadas por sua plumária, pois as penas são utilizadas no artesanato. Desde os anos 1950, os homens waiwai se acostumaram a caçar com espingardas, mas, quando falta munição, seguem usando arcos e flechas, estes também na pesca. Os peixes mais comuns são: trairão (aimara), surubim, pacu, piranha, etc. A coleta traz importante complemento na alimentação, em que se destacam: cajus silvestres, açaí, buriti, pupunha e nozes, principalmente, a castanha-do-pará. A castanha é coletada principalmente para ser comercializada, assim como são a farinha de mandioca, canoas e produtos de artesanato. Com o dinheiro destes produtos vendidos, os itens mais comprados são: motores de popa, roupas, anzóis, linha, munição, sabonete, sal e redes industrializadas.

A produção de artesanato tem aumentado bastante, sobretudo quando os Waiwai desejam adquirir itens industrializados. As mulheres fazem cerâmica, raladores de mandioca, tangas e colares de sementes, entre outros; os homens fazem cestos, pentes, adornos de plumária, arcos e flechas etc. Boa parte do artesanato é levada para ser vendida em Boa Vista, mas também em Manaus, e, nos últimos anos, alguns jovens têm vendido artesanato durante a Festa do Boi em Parintins. Os Waiwai, sobretudo os jovens, também obtêm dinheiro ou mercadorias trabalhando, esporadicamente, nas vilas ribeirinhas, como, por exemplo, em Entre Rios e Caroebe.

 Parentesco e organização sociopolítica

O parentesco waiwai está estreitamente interligado à sua organização sociopolítica, que se baseia na complementaridade entre os sexos, na cooperação entre vizinhanças, nas obrigações do genro em relação ao seu sogro, nas alianças entre irmãos e no reconhecimento de alguns homens como especialmente influentes.

Inexistem clãs, linhagens, metades, classes sociais ou distinções por ordem de riqueza econômica. A consangüinidade e a afinidade são definidas bilateralmente e a terminologia do parentesco se baseia em diferentes critérios, entre os quais: relações de gênero e geração, relações cruzadas versus relações paralelas e idade relativa de irmãos. Do ponto de vista de um indivíduo adulto, são feitas as seguintes distinções: epeka komo (vizinhanças constituídas pelos irmãos e suas famílias), woxin komo (as famílias da parentela do esposo/a que constituem os afins) e tooto makî (pessoas com as quais o sujeito não cultiva relações).

Jovens se casam geralmente entre 16 e 24 anos. A aliança tida como ideal é aquela entre primos cruzados atuais e classificatórios. O genro assume uma série de deveres em relação ao seu sogro (morar perto de sua família, construir uma casa, preparar uma roça, compartilhar alimentos obtidos na caça e pesca etc.). Apenas gradativamente o genro ganha mais independência ou quando se torna sogro, com o direito de exigir os mesmos deveres. Líderes procuram manter tanto seus filhos quanto seus genros perto de si. Eles necessitam uma esposa e caso ela morra, devem casar-se novamente ou abandonar a posição de liderança.

Até a chegada dos missionários era comum cada Waiwai ter vários esposos e esposas ao longo de sua vida (mais freqüente era a monogamia serial, mas poliginia e poliandria ocorriam de vez em quando, mas geralmente eram apenas temporários). Sob influência missionária, novas normas foram instituídas: celibato pré-casamento, monogamia duradoura e ausência de divórcio.

Cada “comunidade Waiwai” constitui uma unidade efetiva da organização política. Inexiste uma organização “étnica”, “tribal” ou regional, apesar das relações entre as diferentes “comunidades Waiwai” serem complexas e significativas, bem como terem surgido Associações (como, por exemplo, a AITA TROMA em Mapuera) em função das novas demandas advindas do contato também complexo com não-índios.

Dificilmente pode-se imaginar um líder de uma comunidade sem certas capacidades de persuasão, pois estas são necessárias para conseguir mobilizar seguidores dispostos a construir uma nova aldeia, novas roças e realizar preparativos necessários para as festas. Mais freqüente que o termo waiwai kayaritomo para designar um líder de uma aldeia, hoje em dia, após o contato mais permanente tanto com outros índios da região quanto com não-índios, passou a ser o termo regional tuxawa. A ele cabe coordenar relações tanto com não-índios quanto internamente, o que faz nomeando líderes de trabalho (antomañe komo) e pastores (Kaan mîn yenîñe komo), que conjuntamente são (re)conhecidos como enîñe komo, aqueles que vêem e cuidam da comunidade.

O controle social nunca se dá por força física, mas por persuasão, pressão da opinião pública e, de modo significativo, por fofoca. Qualquer desacordo é mediado por sofisticados meios de negociação – como, exemplarmente, o diálogo ritual que conhecido por Oho (que impressionou pesquisadores como Fock nos anos 1950) e outras medidas indiretas. O medo de feitiçaria sempre serviu como meio de controle e atualmente os pastores chamam a atenção para o castigo de Deus em caso de conduta considerada inadequada. Em casos sérios o conselho formado pelos líderes (tuxawas, líderes de trabalho e pastores) promove longos encontros com todos os envolvidos em busca de soluções. Algumas disputas chegam a ser discutidas publicamente na igreja ou na umana, a grande casa cerimonial onde também se celebra festividades conjuntamente.

 Rituais e transformações

As duas grandes festividades coletivas entre os Waiwai eram, antes da chegada dos missionários, os festivais shodewika (festas nas quais uma aldeia ia visitar a outra) e os rituais yamo (quando espíritos da fertilidade, invocados por dançarinos com máscaras, moravam na aldeia por vários meses). Nas festas sempre havia fartura de bebidas fermentadas, danças e brincadeiras. Depois de vários anos de presença e insistência dos missionários, os Waiwai aceitaram aos poucos trocar as bebidas fermentadas por bebidas de buriti, uma das transformações ainda introduzida pelo carismático líder Ewka na época em que moravam no alto Essequibo (Guiana).

Hoje em dia, seguem sendo celebradas duas grandes festas que passaram a ser chamadas, com os missionários, Kresmus (uma pronúncia waiwai da palavra inglesa Christmas) ou Festa de Natal, comemorada no fim de ano, e, em abril, a Festa de Páscoa, na qual ocorrem frequentemente batismos. Como seus nomes e suas datas indicam, estas festas incorporaram certas referências cristãs, mas cabe lembrar que a Festa de Natal cai exatamente na época da seca e a Festa de Páscoa coincide com o fim desta época, períodos em que já aconteciam rituais festivos antes da chegada dos missionários. Cabe questionar também se os diversos setores envolvidos na evangelização conseguiram efetivamente substituir as concepções cosmológicas e/ou as filosofias waiwai. Ao que muito indica a lógica da substituição não parece fazer sentido, mas sim uma lógica de transformação e seleção.

Uma transformação relevante diz respeito ao papel dos visitantes nestas festas: este não é mais cumprido por moradores de uma aldeia que vão visitar uma outra, mas por caçadores waiwai ao retornarem para a própria aldeia após uma prolongada caça provedora da comida para a festa. Este retorno é marcado ritualmente por duas chegadas/entradas: na primeira, os caçadores aparecem como “visitantes” devidamente decorados com penas de gavião grande e pequeno (yaimo e wikoko) e carregam toda carne fresca de sua caça ao redor de seus corpos para a grande casa cerimonial chamada umana. Lá atiram flechas em animais (principalmente aves) feitas de madeira e penduradas no alto da umana para este fim.

Após voltarem para suas canoas, os caçadores/visitantes encenam ritualmente a segunda chegada/entrada na umana tocando flautas e carregando desta vez a carne moqueada em grandes awci (um tipo de mochila confeccionado com folhas de bananeira). Na umana, as anfitriãs, que neste contexto são chamadas de donas do suco (yîmîtîn), oferecem aos caçadores/visitantes suco de buriti (you yukun) e beiju, recebendo em troca as carnes frescas e moqueadas para serem preparadas para a comida coletiva.

Durante todos os dias de festa as refeições são coletivas e vários cultos são organizados com uma série de canções, muitas delas compostas especialmente para a festa, que também acompanham danças e um grande número de jogos e brincadeiras, entre as quais figuram tanto referências indígenas mais antigas (p.ex.: as danças dos animais), como também novidades advindas do contato com não-índios (p.ex.: o futebol).

Cada qual a sua maneira, estas danças, jogos e brincadeiras configuram rituais pelos quais os Waiwai traduzem forças e recursos exteriores, como por exemplo: sua relação com os animais e seus poderes (de acordo com suas diferentes posições cosmológicas) através das danças dos animais; forças celestes através da arte plumária; potências espirituais (indígenas e cristãs) através de músicas e invocações; e, entre outras, também sua relação com outros índios e não-índios através do ritual dos visitantes conhecido por pawana.

Xamanismo

Atualmente nenhum Waiwai se declara mais xamã, mas como o xamanismo não pode ser definido de forma reducionista pela presença de xamãs isto não significa que modos de pensar e agir xamanicamente não continuam operantes. Eles se manifestam, por exemplo, sob a forma de acusação de feitiçarias, quase sempre atribuídas aos Waiwai de outra comunidade ou a índios de outros lugares. Assim, nenhuma morte é tida simplesmente como um acontecimento natural, mas sempre em relação a acontecimentos de outra ordem, como é o caso, também, de diferentes experiências e concepções oníricas. Não cabe aqui uma tentativa de desvelar estes domínios que circulam em âmbitos velados. Os Waiwai dizem, neste sentido, que é escondido, que ninguém fala, mas todo mundo sabe e que estas trocas de feitiçarias não voltam para trás não, vão longe.

 Nota sobre as fontes

As fontes de informações sobre os Waiwai podem ser divididas fazendo as seguintes distinções: obras ou relatos de historiadores, viajantes ou missionários, textos de lingüística, livros, teses e artigos acadêmicos e documentos e relatórios da Funai, Funasa e MEC. É importante chamar a atenção que após a instalação da missão entre os Waiwai, os missionários acabaram assumindo um papel de mediadores e tradutores para diversos pesquisadores e viajantes que realizaram suas pesquisas de campo e viagens especialmente nos movidos anos 1950, entre os quais há de se mencionar: os arqueólogos Betty Meggers e Charles Evans (cf. Evans e Meggers 1955, 1960, 1964, 1979, Meggers 1971), o botânico inglês Nicholas Guppy (1954, 1958), o viajante polonês Arkady Fiedler (1968) e os antropólogos dinamarqueses Niels Fock e Jens Yde na primeira expedição etnográfica do Museu Nacional da Dinamarca, em 1954-55, e a segunda, em 1958. Estas expedições resultaram na publicação de uma monografia importante sobre a religião e sociedade waiwai (Fock 1963) e um amplo estudo da cultura material waiwai (Yde 1965).

Seguem múltiplas as fontes de informações em relação Waiwai no final do século passado e no início deste século XXI. Algumas delas assumem papéis mais permanentes, como é o caso do contato com alguns missionários e também com alguns antropólogos, entre os quais podemos destacar: George Mentore, que escreveu seu doutorado na University of Sussex sobre a economia política na aldeia Waiwai Shepariymo baseando-se em sua pesquisa de campo entre os Waiwai da Guiana (cf. Mentore 1983-84, 1984, 1987, 1993, 2005); Peter Roe e Peter Siegel, que também fizeram pesquisa de campo em Shepariymo em 1985 (cf. Roe 1989, 1990 e Siegel 1985, 1987); Catherine Howard, que realizou sua pesquisa de campo de abril 1984 até novembro de 1986 em Kaxmi (Roraima) para seu doutorado na University of Chicago sobre as expedições de contato (cf. Howard 1986, 1991, 1993, 1994, 2001); Ruben Caixeta de Queiroz, que fez pesquisa de campo durante os dois primeiros meses de 1991 e os últimos cinco meses de 1994 no Mapuera (Pará) para o seu doutorado na Université de Paris I et Paris X sobre o encontro intercultural “en anthropologie filmique”, realizou alguns filmes etnográficos e foi o antropólogo coordenador do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Trombetas/Mapuera (cf. Caixeta de Queiroz 1999, 2004); Jorge Manuel Costa e Souza, que realizou pesquisa de campo em 1997 para seu mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina no Jatapuzinho sobre a relação dos Waiwai com a “modernidade” (cf. Costa e Souza 1998); Stephanie Weparu Aleman, que realizou pesquisas de campo de três a cinco meses anualmente entre 1997-2002 para o seu doutorado na University of Wisconsin (Aleman 2006); e, do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo (NHII/USP), os pesquisadores Carlos Machado Dias Junior, que realizou suas pesquisas de campo entre 1997 e 1999 e novamente de setembro 2003 até junho de 2004 em diferentes comunidades Waiwai em Roraima, Pará e Amazonas (cf. Dias Junior 2000, 2006), além de minha pesquisa de campo realizada, por enquanto, de dezembro de 2001 até abril de 2002 e de dezembro de 2002 até janeiro de 2003 no Jatapuzinho (cf. Schuler Zea 2006).

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