Toy Art da etnia Truká |
# | Nomes | Outros nomes ou grafias | Família linguística | Informações demográficas | |||||||||
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198 | Truká |
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Habitantes seculares da Ilha da Assunção, no rio São Francisco, os Truká tiveram suas terras apropriadas desde pelo menos o século XVIII por poderes municipais, eclesiásticos e posteriormente estaduais. Nos dias de hoje, a comunidade truká luta pela conclusão do processo de reconhecimento oficial de seu território, bem como pela expulsão de posseiros não-indígenas e de narcotraficantes, uma vez que está localizada no chamado “Polígono da Maconha” no sertão pernambucano.
Localização e economia
Os Truká habitam a Ilha da Assunção, no médio curso do rio São Francisco, município de Cabrobó. A Terra Indígena Truká está inserida em região conhecida como “Polígono da Maconha” e os índios vêm denunciando o uso indevido de suas terras para esse plantio. Desde pelo menos o final da década de 1990 traficantes ameaçam índios e funcionários da Funai. Em abril de 1999, a polícia federal queimou 20 mil pés de maconha, mas as ameaças (incluindo tiros e emboscadas) não cessaram.
Terra Indígena Truká |
Suas principais atividades produtivas estão voltadas para a agricultura e a pesca. Assim elencam os produtos que cultivam, destacando a importância do milho em sua tradição: “Nós plantamos cebola, arroz, manga, macaxeira, mandioca, goiaba, coco, coentro, alface, tomate, melancia, pimentão, pimentinha, cachi, cenoura, beterraba e milho. Quando nós dizemos: ‘só milho!’ é uma expressão de que está tudo bem”.
Os Truká também coletam e eventualmente caçam. Assim Deodato Truká relata sua vida no tempo em que suas terras passaram a ser apropriadas pelos não-indígenas:
“Passamos muita privação, de dia trabalhávamos na roça, à noite nós pescávamos, ou passávamos em cima de uma árvore, com a espingarda esperando a capivara. Comia Juá, xique-xique assado, mari (fruta do mato) assada, quixaba, também pegava um anzol, passava um barbante depois uma corda, botava um pedaço de carne e esperava o jacaré morder. Gostava muito de comer gambá e bola, que não pe igual ao tatu nem ao peba”.
Festividades Truká |
Em relação aos posseiros que habitam em suas terras desde pelo menos a década de 70 e a atuação dos representantes do governo estadual, os Truká reclamam da exaustão do solo. Como afirma Dena Truká: “Eles nos entregaram um solo morto, a sucata da terra com a herança das ovelhas e das algarobas. O que ficou: a erosão e o sal. A algaroba não dá espaço para outras árvores nativas, como o juazeiro, a quixabeira, braúna, arueira, jurema. Cerca de 40% de nossas terras estão improdutivas por causa da algaroba, do adubo, dos agrotóxicos, das queimadas. Outra coisa que está destruindo é o arroz! Por que ele precisa de muita água e esse desperdício de água estraga o solo todo”.
História
Fontes históricas estimam a fundação de uma aldeia indígena na extremidade ocidental Ilha da Assunção no ano de 1722. Em 1761, a ilha foi elevada pelas autoridades coloniais à categoria de paróquia, recebendo habitantes não-indígenas. Dados de 1789 indicam uma população de 400 pessoas habitando a ilha. Mas uma grande cheia ocorrida em 1792 inundou toda a vila, acarretando a saída de boa parte de seus moradores. Entre os que ficaram, os índios tiveram que enfrentar uma série de disputas relativas à posse da terra e o controle do seu rebanho, sendo continuamente ameaçados por figuras de poder que – segundo registra uma carta de 1857 –, após a Independência do Brasil, apossaram-se da Ilha, convertendo-a em sede da Freguesia de Belém do São Francisco e patrimônio da Comarca Municipal.
Quando a sede foi transferida para Cabrobró, a comarca arrendou por quase uma década toda ilha e um conjunto de ilhotas próximas. Os índios continuaram então à mercê dos arrendadores da terra, tendo que trabalhar para estes em regime de semi-escravidão ou escravidão, e tendo seu gado expropriado pelo Juiz Municipal.
Em 1920, o bispo de pesqueira passa a reivindicar a ilha como patrimônio da Igreja, alegando uma doação feita pelos índios a Nossa Senhora. O cartório da comarca de Belém do São Francisco lavrou a escritura de compra e venda de toda a ilha de Assunção. Os habitantes indígenas passaram então a pagar o foro anual e a serem subjugados pelo bispo, “proprietário” da ilha..
Em meados dos anos 1940, com apoio e mediação dos Tuxá de Rodelas, os Truká passam a reivindicar junto ao SPI (Serviço de Proteção aos Índios, órgão antecessor da Funai) o reconhecimento de seus direitos fundiários sobre a ilha. O SPI consegue então instaurar uma Ação de Nulidade de Venda e Reintegração de Posse. Desde então os conflitos entre a comunidade indígena e os posseiros não-indígenas se acirraram, acarretando inclusive a morte de uma liderança truká.
O estado de Pernambuco, ignorando a ação impetrada pelo SPI, compra então parte da ilha da Assunção para criar, em 1965, um núcleo de Colonização. O recrutamento de colonos não deu prioridade aos habitantes da ilha, atraindo pessoas de fora com lotes individualizados.
Agravando ainda mais a situação da comunidade truká, no final da década de 60 um trecho da ilha foi apropriado por outro órgão estatal e convertido em viveiro de mudas. Com receio de serem expulsos e diante da exigüidade de terras para plantarem, os Truká retomaram o processo de reivindicação territorial, dessa vez junto à Funai. Em 1976, o órgão indigenista deslocou uma equipe (Portaria n. 876/P de 21/06/76) para averiguar a existência de “remanescentes indígenas” e avaliar sua situação fundiária.
Ritual Truká |
Nessa época, os Truká passaram a contar com apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário, instituição da Igreja Católica) na veiculação de sua situação adversa em órgãos da imprensa local e regional. Depois de muito conflito, o trecho que vinha sendo utilizado como viveiro de mudas foi devolvido à comunidade.
Como a indicação de cessão de 500 ha aos Truká feita pela equipe da Funai não foi acordada pelo estado de Pernambuco, uma nova comissão foi designada para realizar o levantamento antropológico em 1980 (Portaria n. 687/E de 05/03/80). No ano seguinte, a Funai obteve a concessão de dois lotes de 14 ha do governo pernambucano para uso temporário de todo o grupo. Em 82 os Truká resolvem ocupar mais um trecho de 70 ha. Finalmente, em 84 a Terra Indígena Truká foi identificada com superfície de 1.659 ha, embora cerca de mil hectares continuassem ocupados por posseiros.
Em 1987, um posto indígena da Funai foi instalado na cidade de Arcoverde, próxima à ilha.
Em 1993 a TI Truká foi finalmente declarada pelo ministro da Justiça como de posse permanente indígena (Portaria n. 315, de 17/08/93). Em 2002 a terra foi delimitada com 5.769 ha, abrangendo a totalidade da ilha. Os Truká ainda aguardam, porém, a conclusão do processo demarcatório por meio da homologação do Presidente da República.
Aspectos cosmológicos
Como na grande maioria das comunidades indígenas no Nordeste, o consumo da jurema e o complexo ritual do toré constituem o cerne da religiosidade Truká e alicerçam sua identidade étnica.
O mundo, para os Truká, é povoado de Encantados, que são seus ancestrais convertidos em seres espirituais e fortemente associados a elementos da natureza.O dono da mata, por exemplo, é um Encantado chamado Manoel da Obra. Já o Encantado associado ao rio São Francisco é a Mãe D´Água. Assim conta o Truká Pedro Alberto Maciel:
“Uma vez que minha avó estava no Toré, foi buscar água mais as amigas dela. Aí enchia o pote e ele ficava preso no rio, não saia da água. Aí voltou no Toré e disse: ‘ A água não quer sair do rio, não! Está presa como uma pedra!’. Aí falaram pra ela: ‘Vai ao rio e diga à Mãe D´Água que você quer água para o povo dela beber’. Aí foi e pediu, tirou e levou a água”.
Na comunidade, aqueles que têm contato com os Encantados são os “mestres de aldeia” e “juremeiros”. Como afirma Issor Truká, “através deles, nós temos o conhecimento e as informações de como nós devemos proceder e as medidas e os cuidados que devemos tomar. São eles que carregam os nossos costumes e é através do ensinamento deles que eu, junto com outras lideranças, vamos seguindo e tentando conduzir a aldeia truká”.
A respeito do toré, assim relata Antonio Chico, que ocupa a posição de contra-mestre nesse ritual:
“A religião do índio é beber jurema. É ir no mato e fazer as obrigações. Ir no mato para arrancar a raiz da Jurema, no dia do trabalho, depois fazer o Toré, cantando e dançando com a Jurema. Primeiramente é a Jurema, porque é dela que vem a força para o trabalho”.
A fala é complementada pela de Tonho de Chiquinho, Mestre de aldeia:
“Tem que ser todos um corpo só. Temos que cuidar de nós todos, de nosso costume. Nosso costume é dançar toré. O Toré nos dá todo o ensinamento. Os antepassados dão orientação para a gente. (...) Nasci e me criei com o Toré. Cantar, dançar, beber Jurema. Maracá era da boca da noite até amanhecer, era de sábados e quartas. O que eu quero pra mim eu quero para os outros todinhos. Encanto não se pega com a mão. A gente se concentra na Jurema e aquilo entra na cabeça e dá tudo certo. No toré, eu sei o que está acontecendo, está entrando um e saindo outro, porque alguém está soltando pra eu soltar. Eles ensinam tudo. O índio canta para isso”.
De acordo com a memória truká, a prática do toré foi aprendida com os índios Tuxá, de Rodelas, e fora muito perseguida pela polícia. Assim conta Dona Maria de Lourdes Ciriaco:
“Acilão ficou doido! Meu pai era um homem sadio, mas um dia adoeceu com uma febre, ficou doido e depois foi que ele se aleijou. Passava um dia e uma noite acordado, depois um dia e uma noite dormindo. Depois foi Marina e depois Prosperina que ficaram loucas. Eu tinha nove para dez anos e vi quando eles pegaram aqueles cachimbos de ciência do índio. E também tinha uns apitos. Aí defumaram as pessoas que estavam ali. As meninas e Zé Martins e meu pai estavam caídos depois de começar a dançar. Minha mãe disse que ia atrás de um João Amaro, que trabalhava com uma índia velha de Rodelas, de nome Maria Cabocla, pra ajudar a levantar. Eles combinaram ir para Rodelas dançar com os índios de lá. Eles ficaram bons depois de começar a dançar toré. (...) Desse dia em diante, por 10 anos, João Amaro trabalhou com meu pai. Meu pai era mestre e ele contra-mestre. Aí meu pai começou a sofrer, porque a polícia vinha atrás, levava esporro, apanhava, era maltratado (...). Foi nessa luta e morreu com 50 anos”.
Fontes de informação
BATISTA, Mércia Rejane Rangel. De caboclos da Assunção à índios Truká : estudo sobre a emergência da identidade étnica Truká. Rio de Janeiro : UFRJ-Museu Nacional, 1992. 229 p. (Dissertação de Mestrado)
CIMI NORDESTE. Truká : violência, impunidade e descaso. Recife : Cimi-NE, 1992. 35 p. (Série 500 Anos de Resistência)
GERLIC, Sebastián (ed.). Os índios na visão dos índios. Truká. Salvador : Thydêwá, 2003.
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