sábado, 9 de abril de 2016

Xucurú

Toy Art Xucuru

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
230Xucuru
Xukuru

UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PE12139Funasa 2010



Os Xukuru habitam um conjunto de montanhas, conhecido como Serra do Ororubá, no estado de Pernambuco. Os registros sobre esses índios datam do século XVI e desde então indicavam que a sua ocupação nessa região já sofria transformações devido aos violentos processos de expropriação de suas terras. Documentos relativos ao período colonial atestam essa invasão por parte dos portugueses e registram que a antiga Vila de Cimbres, hoje uma aldeia xukuru, foi palco de conflitos entre os Xukuru e os colonizadores. Muitas aldeias foram extintas e as terras logo registradas em nome de fazendeiros.

Desde muito tempo conflitos entre os Xukuru e os fazendeiros e políticos locais são constantes, mas sua intensificação se deu especialmente com o início do processo demarcatório de suas terras em 1989. O assassinato de um importante líder xukuru, de outros dois índios e de um procurador, no fim da década de 1990, foram tentativas de inibir o andamento do processo de regularização da Terra Xukuru, assim como os inúmeros processos jurídicos e administrativos que surgiram no caminho. A Terra Indígena somente foi homologada em 2001.

A crença na natureza sagrada é outra característica importante desse povo. É nos terreiros distribuídos nesse território que os rituais religiosos são realizados e constituem o espaço de contato com os caboclos e encantados. O toré se destaca nesse contexto como a principal manifestação do sistema cosmológico xukuru.

 População e Localização

Os Xukuru falam apenas o português, no entanto conhecem cerca de 800 palavras de um léxico que remete a uma língua indígena antiga.

Contavam em 2007 com uma população estimada em 10.536 (Funasa/Siasi).

Atualmente vivem em um território localizado na Serra do Ororubá em Pernambuco. Ali estão distribuídos em mais de 20 aldeias.
Território Xukurú

A Serra do Ororubá é composta por uma cadeia de montanhas com uma altitude aproximada de 1.125 metros. É uma região que dispõe de uma hidrografia privilegiada com a presença de um grande açude e rios, como Ipanema e Ipojuca que cortam a Terra Indígena. Essa conjugação hidrográfica é responsável pela fertilidade de parte das terras dos Xukuru, abastecendo também, em época de seca, a cidade de Pesqueira, ao pé da serra.

Além da Serra do Ororubá, os Xukuru também moram em alguns bairros da cidade de Pesqueira. Durante décadas, esses índios habitaram principalmente, os bairros denominados “Xucurus” e “Caixa d’água”, localizados na área fronteiriça entre a serra do Ororubá e a cidade. Hoje, encontram-se espalhados também por outros bairros.

Os Xukuru estão situados na mesorregião do agreste pernambucano que tem características propícias à agricultura, considerando a existência de água e de um clima ameno. A região também possui uma área semi-árida, localizada entre o Agreste e o Sertão. Limita-se ao norte com o município de Poção e com o estado da Paraíba; ao sul com Mimoso; ao Leste com a cidade de Pesqueira e a Oeste com Arcoverde. Isso faz com que a Terra Indígena esteja incrustada numa região com solo e clima variáveis, possuindo, desde áreas úmidas a áreas extremamente secas e dependentes da chuva.

 Aspectos econômicos

A maior parte da população vive hoje da agricultura, com plantações principalmente de banana, feijão, mandioca, milho e hortaliças, além da criação de gado leiteiro e cabras. Os alimentos produzidos são vendidos na feira da cidade de Pesqueira, que reserva o sábado para a venda dos produtos comercializados pelos Xukuru e a quarta-feira para produtos comercializados de forma conjunta com não-índios.

Nos últimos anos, com a reapropriação do seu território tradicional, os Xukuru têm se organizado para fortalecer as atividades agropecuárias e firmar sua importância na economia local. Como passaram a participar ativamente do abastecimento do município com hortaliças, inclusive orgânicas, frutas e leite, a tensão vivida com a população local, no período inicial da demarcação do seu território, tem sido amenizada, pois demonstram não constituir ameaças para o desenvolvimento do município.

Na atualidade, a vida econômico-social do grupo é bem diversificada. Na mesma Terra Indígena podemos encontrar realidades distintas, que vão desde pessoas que trabalham “de alugado” para outros Xukuru, ganhando dinheiro pela diária na plantação do empregador, passando por esses mesmos “empregadores índios”, com áreas maiores de plantio, até aqueles que destinam sua força de trabalho à agricultura familiar, sendo esses últimos a grande maioria. Há ainda pessoas que trabalham na prestação de serviços públicos, seja na educação, como professores e secretários, seja contratados pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), como agentes de saúde indígena e agentes sanitários.  A produção da renda denominada de “renascença” é uma outra atividade econômica importante para os Xukuru. Sua prática é majoritariamente feminina e está presente em todas as aldeias; a comercialização das peças é feita na feira das cidades de Pesqueira e Poção.

 Histórico do contato

Referências históricas sobre os Xukuru podem ser encontradas desde o século XVI. No entanto, a maior parte da documentação disponível foi produzida por administradores coloniais, autoridades locais, e são fundadas em referenciais da invasão das terras dos Xukuru. Além desses documentos, temos alguns relatos de viajantes e referências de etnólogos - como Nimuendaju, que os apresenta em seu tradicional Mapa Etnográfico, e Hohenthal, em artigo publicado em 1958 sobre os Xukuru.

Em 25 de junho de 1654, D. João IV, rei de Portugal, assinou alvará de concessão de terras ao fidalgo João Fernandes Vieira:

“Da sesmaria de dez léguas de terra em redondo, a contar do último morador que se achasse para as partes de Santo Antão, em Pernambuco”

(Barbalho, 1977).
Esse foi o primeiro momento em que apareceu oficialmente o expurgo das terras dos índios no sertão do Ararobá, em Pernambuco. Ararobá, segundo Maciel (1980), foi a designação de uma das tribos primitivas da cordilheira ororobaense. Além disso, Ararobá também foi a denominação de uma sesmaria de vinte léguas, a partir de Garanhuns. Os indígenas chamavam de Urubá ao aldeamento que se estabeleceu no alto dessa serra. Ainda de acordo com Maciel - citando Alfredo de Carvalho – urubá é corruptela de uru-ibá (gênero de aves galináceas que existiam na serra). Urubá se transformou em Ararobá e depois em Ororubá. Oficialmente o aldeamento que ali se estabeleceu foi chamado de Monte Alegre e, em seguida, passou a ser chamado de Cimbres.

Atualmente a serra onde habitam os Xukuru é chamada de Serra do Ororubá. Os Xukuru são citados em grafias antigas como Sukuru, Xucuru, Shucuru ou ainda Xacururu, sendo que, de acordo com Hohental (1958), a menção mais antiga é de aproximadamente 1599, na versão Xakurru. Estevão Pinto (1935-1938), ao classificar os indígenas no Brasil, afirmou que os Sucurús pertencem ao grupo lingüístico Cariri.
Xukurus resgatando o ritual do toré - perderam muito de suas tradições devido a anos contínuos de perseguição. 
Desde muito tempo conflitos entre os Xukuru e os fazendeiros e políticos locais são constantes, mas sua intensificação se deu especialmente com o início do processo demarcatório de suas terras em 1989. O assassinato de um importante líder xukuru, de outros dois índios e de um procurador, no fim da década de 1990, foram tentativas de inibir o andamento do processo de regularização da Terra Xukuru, assim como os inúmeros processos jurídicos e administrativos que surgiram no caminho. A Terra Indígena somente foi homologada em 2001.

Os Xukuru que sobreviveram ao processo de perseguições sistemáticas durante muitos anos e expropriação de suas terras conservaram poucos traços étnicos e culturais. O ritual do toré é dançado em poucas ocasiões, infelizmente não falam mais sua língua nativa, salvo algumas palavras ainda conhecidas pelos mais velhos como, lombri= água; lomba=terra; clariu= estrela; amum= farinha; echalá= fava; maiu= panela; xigó = milho; chrichaú= feijão; memengo= bode, entre outras.

A crença na natureza sagrada é outra característica importante desse povo. É nos terreiros distribuídos nesse território que os rituais religiosos são realizados e constituem o espaço de contato com os caboclos e encantados. O toré se destaca nesse contexto como a principal manifestação do sistema cosmológico xukuru.

Através de um processo lento e contínuo, as terras do Ororubá, pertencentes aos Xukuru, foram sendo tomadas e repassadas para fidalgos portugueses. As inúmeras documentações da colonização atestam essa invasão, tendo a Vila de Cimbres, hoje Aldeia Cimbres, como importante local onde mais fortemente ocorreram embates entre os Xukuru e os colonizadores. Como conseqüência da política indigenista adotada no diretório pombalino e objetivando uma maior ocupação do território indígena, se incentivou o estabelecimento de moradores colonos através de casamentos mistos. Aos poucos se dificultou o reconhecimento da identidade indígena xukuru, em razão da influência proporcionada pelas novas relações de parentesco estabelecidas, através do casamento entre os Xukuru e outros agrupamentos humanos que ali se estabeleceram: índios de outras etnias, negros e brancos colonizadores.

As terras habitadas pelos Xukuru, segundo a tradição oral do grupo e das diversas fontes históricas existentes, abrangiam a Serra do Felipe, Serra da Aldeia Velha, Serra do Aió, Serra do Mají (Pedra Furada), Poço do Mulungu, Serra Isabel Dias, Serra da Gangorra, Serra da Ventania ou do Vento e atrás da Serra do Felipe, em perímetro de aproximadamente 40 léguas. Em termos atuais, este território compreenderia, no sentido leste-oeste, do Brejo da Madre de Deus (PE) à proximidade de Arcoverde (PE), e no sentido norte-sul, da região limítrofe aos estados da Paraíba e Pernambuco até a Pedra Serrana no município de Pedra/PE (Atlas, 1993). Outras informações encontram-se nas referências sobre a Congregação do Oratório da Madre de Deus que, em terras doadas pelo governo, era responsável pela catequese dos índios na Missão Ararobá. Documentos oficiais do Governo de Pernambuco, em meados do século XVIII, apontavam que a colonização da região onde se localizam os Xukuru se iniciou a partir da Vila de Cimbres, local anteriormente denominado aldeia Ararobá, a qual serviu como ponto de catequese de vários grupos indígenas locais por aproximadamente dois séculos. Em 1836, a sede da Vila de Cimbres foi transferida para a povoação de Pesqueira que, segundo história oral xukuru, tratava-se de local tradicional de pescaria daqueles índios.

A aldeia do Ararobá, que deu origem à Vila de Cimbres, também conhecida como Nossa Senhora das Montanhas, foi fundada em 1669. Segundo Valle (1992), este aldeamento também é posteriormente habitado por moradores estranhos. Devido ao seu clima favorável e a abundância d'água, tornou-se próspero e foi elevado à paróquia em 1692 pelo bispo D. Matias de Figueiredo e Melo. A igreja de Nossa Senhora das Montanhas foi ali instalada em 1692 e tornou-se a primeira matriz do agreste de Pernambuco.

A aldeia do Ararobá também teve um nome dado pelos jesuítas, Monte Alegre, mas, ao ser criada a vila em 1761, recebeu o nome de Cimbres, o qual ainda permanece, segundo uns, recordando uma povoação de nome idêntico em Portugal, segundo outros, significando na língua indígena "lugar de ensino" (Maciel, 1977). Na realidade, Cimbres foi um lugar de ensino ministrado pelos brancos aos índios, por mais ou menos dois séculos. No início, era a catequese dos índios pela Congregação de S. Felipe Néri ou do Oratório da Madre de Deus; no século XIX, havia ali um projeto de instalação de um estabelecimento de ensino profissional, o "Colégio dos índios de Urubá".

Chapéu de palha ritual ("capacete"), feito de fibras de buriti, usado pelo jovem que entra no ritual do "menino do rancho".

Em 1813 há referência da existência de 245 índios "Shucurú" naquele local. Este documento representa uma petição do governo provincial de Pernambuco, declarando que a Vila de Cimbres era muito pobre para alimentar os índios supracitados e requeria que a tutela governamental dos aborígenes fosse encerrada porque eram capazes de viver por si próprios (Hohental, 1958).

Em 13 de maio de 1836, a lei provincial número 20, mudou a sede desta vila para a Povoação de Pesqueira, que passou à categoria de vila e cabeça do termo, dando outro rumo à história daquela região. Segundo a tradição oral dos Xukuru, o próprio nome "Pesqueira" é oriundo do local de pescaria dos índios, este, situado nas proximidades de onde estava localizada a Fábrica Rosa, no centro da cidade de Pesqueira.

Muitos outros documentos informam sobre a administração do aldeamento de Cimbres. Um deles, datado de 1879, trata da denúncia feita pela representação daqueles índios, de que o diretor local estava arrendando terras da aldeia quando eles haviam se retirado do local em conseqüência da seca.

Com a promulgação da Lei 601 de 1850, que procurava regulamentar a administração das terras devolutas do Império, aumentava vultosamente os casos conflituosos devido à ocupação das terras indígenas. O objetivo primordial desta lei “era o de modernizar a agricultura e promover a ocupação das terras ainda incultas”. Porém, a exigência de demarcação e titulação de terras, para reconhecimento do direito de propriedade, tornava vulneráveis aquelas ocupadas pelos grupos indígenas, pois tais medidas não eram compatíveis com os seus parâmetros conceituais de territorialidade.

A extinção de inúmeras aldeias se deu pelo desrespeito do Governo Provincial em relação aos direitos dos índios. Estes, sem atentar para a necessidade de recorrer às medidas legais exigidas e sem condições de pressionar para a garantia de seus direitos, viram suas terras registradas em nome de fazendeiros.

Em 1873, dos sete aldeamentos em Pernambuco estudados pela Comissão constituída pelo Presidente da Província de Pernambuco, apenas o de Cimbres e o de Assunção não foram considerados extintos. Nesta ocasião, foi cogitada, inclusive, a possibilidade de transferência de índios de aldeamentos extintos, para ali se fixarem. No entanto, foi efêmero o propósito governamental de conservar os dois aldeamentos, pois em 25 janeiro de 1879, foi declarada a extinção de Cimbres e suas terras foram entregues à Câmara de Regência de Cimbres, para redistribuição a título de venda ou cessão à pessoas estranhas; só que isto não implicava que os Xukuru perderiam seu direito à terra. Porém, a população não-indígena de Cimbres e Pesqueira assim interpretou, aguçando o esbulho das terras indígenas. Na realidade, a extinção das aldeias significava apenas que deixava de existir a figura jurídica do “aldeamento” e que a tutela governamental dos índios tinha acabado.

Apesar da extinção do Aldeamento de Cimbres pela Província só ter se efetuado em 1879, o conflito existente entre os índios do Ararobá e a sociedade envolvente já havia provocado a Câmara Municipal da Vila de Cimbres a extinguir o aldeamento em 1822 e todas as terras dos índios reverteram para o patrimônio da Câmara. Como se isso não bastasse, em 1824 é formada uma força autorizada pelo governo, oriunda de uma guerrilha da Vila e uma companhia de ordenanças de Moxotó, para abater os índios, alegando roubos e assassinatos por parte dos nativos.

A demarcação das terras do aldeamento era constantemente requisitada pelos índios, na oportunidade das denúncias de posseiros e arrendamento da área. Porém, a demarcação do território xukuru não foi realizada, até que na década de 80 do século XX, estes índios voltassem a se mobilizar para sua efetivação.

 Territorialização

No século XX, um novo campo indigenista é estruturado a partir da dissolução do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e a imediata criação da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967. Os Xukuru estiveram presentes em todo esse processo histórico de transformação das instituições. Na década de 1980, tiveram ampla participação na campanha da Constituinte, ocasião em que as populações indígenas pressionaram o parlamento pela garantia dos direitos constitucionais. Um importante ator, nesse processo da Constituinte e na nova configuração social xukuru, foi Francisco de Assis Araújo, conhecido como Cacique Xicão.

As relações mais recentes entre os índios e sua vizinhança estão também marcadas pela disputa pela posse da terra, agora de maneira mais explícita, pelo fato de o território indígena ter sido objeto, desde 1989, do processo jurídico-administrativo para o seu reconhecimento formal como “terra indígena”, desde quando se estabelece com nitidez o conflito com os fazendeiros e políticos locais. Tais embates passaram a ter acompanhamento sistemático da imprensa, enquanto os recursos administrativos e jurídicos também apontavam para os iminentes conflitos na região e as ameaças feitas aos índios.

A mobilização pela garantia dos direitos indígenas e, em especial, os embates jurídicos e administrativos travados pela garantia de seu território projetaram regional e nacionalmente o cacique Xicão, Francisco de Assis Araújo. O processo de regularização fundiária da Terra Xukuru tem enfrentado os mais variados obstáculos: desde procedimentos dentro da própria Funai que impediram a tramitação do processo com agilidade, até o assassinato de três índios – um deles o próprio cacique Xicão – e do procurador Geraldo Rolim, este último também empenhado na regularização do território xukuru.

O processo de regularização fundiária, portanto, foi iniciado pela Funai em 1989, com a etapa da Identificação e Delimitação. Em 1992 foi declarada de posse permanente dos índios Xukuru, mediante Portaria Ministerial; em 1995, teve sua demarcação física realizada com dimensão de 27.555 hectares e, finalmente, teve publicado o seu decreto de homologação em 2001.

A desocupação da Terra Indígena Xukuru vem acontecendo de forma gradual; em parte por conta das revisões e atualizações do levantamento dos imóveis incidentes na área para atender as normas vigentes e, em parte, pelas contestações apresentadas pelos ocupantes não-índios.

 Organização social e movimento político

Desde 1988, quando Francisco de Assis Araújo, o Xicão, assumiu a liderança do grupo, foi constituído um Conselho de representantes das aldeias, composto por 24 indivíduos, convocados pelo cacique e por outras lideranças, como o pajé.

Mesmo com a organização desse Conselho de Representantes, os Xukuru ainda sentiam dificuldades para tomar algumas decisões mais urgentes. Por esse motivo, quase como conseqüência da complexidade e do tamanho da Terra Indígena, Xicão criou, em 1992, a Comissão Interna, composta de treze lideranças escolhidas por ele e pelo pajé no Conselho de Representantes. A Comissão Interna possui autonomia para discutir e resolver os problemas mais urgentes, sem esperar pela reunião mensal do Conselho de Representantes facilitando a tomada de decisões e permitindo acompanhar os trabalhos com mais regularidade.

As “retomadas” das terras ocupadas por não-índios foram de grande importância para mobilizar e organizar a comunidade e chamar a atenção de entidades que passam a dar apoio aos índios; tais retomadas são tentativas de travar um diálogo entre os índios e o Estado, entre os índios e a sociedade envolvente, não mais através de um tutor, mas com autonomia até mesmo para ingressar em juízo. Paralelamente a essa mobilização, surgem ainda alguns tipos de organização social que compõem o movimento xukuru de maneira mais ampla: a Associação do Povo Indígena Xukuru, criada em 1991 que, diferentemente de outros grupos indígenas, ainda é a única existente entre eles para representá-los; a Comissão de Professores Indígenas Xukuru (Copixo) que acompanha o processo de estruturação da escola com um currículo diferenciado; o Conselho Indígena de Saúde Xukuru do Ororubá (Cisxo), responsável por fiscalizar e acompanhar ações ligadas à saúde diferenciada; e o Jupago (nome de instrumento utilizado na dança do toré, cujas batidas no chão marcam o ritmo dos passos e dos toantes), denominação dada à organização xukuru voltada para as ações de assistência técnica e extensão rural.

Os impactos desses movimentos são visíveis nas diferentes esferas de decisão. Outras estratégias começam a ser utilizadas pelos Xukuru para reforçar o poder de sua articulação. Uma delas é a “retomada” das fazendas ainda ocupadas por não-índios; outra é a mobilização dos professores indígenas junto à Secretaria Municipal e Estadual de Educação para efetivar a educação diferenciada indígena. Todas essas medidas implicam num confronto direto com a população não-indígena e com o poder público nos níveis municipais, estaduais e federais.

Outras ações vêm sendo articuladas pelos Xukuru no campo da arte, envolvendo os jovens indígenas. Esse é o caso do grupo de áudio-visual e de teatro que vêm se destacando com a elaboração de vídeos e peças teatrais que objetivam dar visibilidade ao grupo étnico.

 Práticas rituais e festas

A organização política e social dos Xukuru é resultado não apenas das relações que são estabelecidas entre eles e a rede de pessoas com as quais conviveram ao longo de sua história, mas também do seu universo simbólico. Um dos aspectos mais importantes da cosmologia xukuru refere-se à forma como se relacionam com o sagrado.

A crença na natureza sagrada faz com que os Xukuru realizem rituais - chamados de pajelança - nas matas, nos lajedos e nos olhos d’água, por considerarem esses locais o espaço onde os caboclos e encantados estão naturalmente presentes. A pajelança pode ser feita por vários motivos, desde a cura de alguma enfermidade até a confirmação, pelas próprias forças da natureza, de alguma liderança política.

Os lajedos também são importantes para os Xukuru. Estes são grandes pedras lisas onde se realizam rituais. Além desses lajedos, os Xukuru consideram importantes algumas pedras especiais que são locais de presença dos espíritos encantados.

Pedra do Dinheiro
A Pedra do Dinheiro se localiza na aldeia Cajueiro, área próxima à aldeia Guarda, em cima de um morro. Possui aproximadamente seis metros de altura e olhando de baixo, dá a impressão de que está solta em cima de três pedrinhas minúsculas.

Seu formato original era o de um cálice. Conta-se que algumas pessoas tentaram dinamitá-la para ver se deslizava, mas nunca conseguiram movê-la, por isso dizem estar ali segura por espíritos da mata. Ainda hoje se vê, em suas proximidades, as lascas de parte da pedra dinamitada. Ela, no entanto, permanece em pé.

Laje do Conselho
Também é chamada de Pedra do Conselho. O seu formato é liso e achatado. Durante a madrugada da festa de São João, é nela que acontece um dos momentos mais importantes em que os Xukuru fazem seus rituais sagrados.

Laje do Patreká
Considerada sagrada, nela também se realizavam rituais. Atualmente, no entanto, com a expansão da aldeia Cimbres, uma parte dessa laje foi tomada pelas casas, caindo em desuso. Segundo os Xukuru, antigamente essa era a primeira laje que abrigava os rituais da noite de São João. Depois que os Xukuru dançavam Toré, na porta da Igreja, ao redor da vila e em frente à casa paroquial, se dirigiam para a laje do Patreká e, a partir daí, seguiam para as outras lajes.

Laje do Crajéu
Esse lajedo se encontra na entrada da aldeia Cimbres. Conta-se que, antigamente, quando os Xukuru subiam a serra para as festas da vila, antes de entrar em Cimbres, eles paravam nessa laje para descansar e iniciar o ritual do Toré. Além de servir como marco inicial das performances nas festas, essa laje também era o momento de parada e descanso, quando os Xukuru traziam algum morto para ser enterrado no cemitério de Cimbres.

Pedra do Rei
Também chamada de Pedra do Reino. É uma pedra gigantesca que se ergue majestosamente, no alto da serra do Ororubá, na aldeia Pedra D’água. É um dos símbolos sagrados mais importantes e, segundo afirma o livro dos professores xukuru, “na mata, tudo é movido por aquela pedra. (...) Porque aquela pedra é a dona dos sete povos indígenas de Pernambuco. Chama-se Pedra do Rei do Ororubá ou Pedra D’água” (1997). É também, na Pedra do Rei, o local onde o cacique Xicão foi enterrado e onde os Xukuru realizam os rituais da festa de Reis, no dia 06 de janeiro. Hoje em dia, se tornou uma obrigação visitar o túmulo de Xicão. Após a sua morte, outros índios também foram enterrados nesse local. É um espaço sagrado destinado aos guerreiros xukuru.

 Reis, Encantados e Divindades

Eh, eh, eh, Orubá Tem um Reinado Encantado  Oi Pisa, pisa, quero ver pisar Terreiro dos índios do Ororubá (Toré xukuru)
Além da importante relação com as pedras há na crença xukuru a centralidade da natureza sagrada. Esta se manifesta por meio de um conjunto de divindades que são recordadas em canções entoadas durante as festividades. Reis encantados como Orubá, Canaã e Jericó são evocados nessas ocasiões, assim como são feitas louvações ao Pai Tupã, à Mãe Tamain e ao Senhor São João.

Desse grupo de divindades é preciso dar destaque à Mãe Tamain - chamada pelos não índios de Nossa Senhora das Montanhas – uma imagem pequena de Nossa Senhora que se encontra no altar central da Igreja de Cimbres. De acordo com o mito de origem da santa, Tamain foi encontrada na mata pelos Xukuru e, portanto, pertence a eles, não podendo ser manuseada por mais ninguém. Para os Xukuru, Mãe Tamain pertence à própria natureza.

Toré dos Xukuru

O Toré é um elemento fundamental no sistema cosmológico xukuru. Enquanto manifestação comum entre os índios da região nordeste do Brasil, o Toré possui várias classificações e significados. Entre os Xukuru, não podemos precisar exatamente a época em que se iniciou o Toré, enquanto performance. O que podemos identificar é que os viajantes e pesquisadores que estiveram na Vila de Cimbres, desde o início do século XX, fazem referência à “dança do Toré” que é executada por descendentes indígenas, durante as festividades nessa Vila. O significado do Toré para os Xukuru é polissêmico, ou seja, em alguns momentos, o Toré é um ritual; em outros, uma brincadeira, ou ainda uma dança que integra o ritual.

A partir do momento em que começou a desintrusão da terra indígena, os Xukuru construíram terreiros sagrados para as performances do Toré. O terreiro é uma clareira aberta na mata. Normalmente, algumas árvores altas e de tronco fino compõem o cenário. No centro dessa área é construída uma espécie de cabana de orações, feita de palha de coqueiro, ou uma gruta, feita de pedras, chamadas de Peji ou trapiche pelos Xukuru. Nelas se colocam panelas de barro com uma bebida, denominada jurema, feita da árvore de mesmo nome, algumas velas acesas e muitas flores que enfeitam o local.

A relação com o sagrado, evidenciada no Toré, se consolida principalmente na figura do pajé, conhecido na literatura antropológica como xamã, mediador entre o mundo dos homens e o mundo dos espíritos. O pajé é o principal mediador no sistema cosmológico Xukuru. Ele responde não apenas pelo aspecto sagrado, mas também participa das decisões políticas, da organização social e principalmente da cura. O pajé detém um poder que se estende, além dos domínios físicos, mas que atua primordialmente na esfera humana; um poder que precede inclusive ao poder do próprio cacique. Nenhuma decisão é tomada sem o consentimento das forças da natureza que se expressam através do pajé. Há cerca de quarenta anos, Seu Zequinha (Pedro Rodrigues Bispo) exerce esse papel entre os Xukuru.

Calendário anual e o ciclo das festas

Os Xukuru elaboraram um calendário dos eventos considerados mais importantes. As datas, em sua maioria, referem-se à festas, retomadas de terras e homenagens às principais lideranças. O calendário demonstra também que esses três itens estão intimamente ligados. Festa, luta política e a memória das lideranças assassinadas se entrelaçam no universo simbólico xukuru.  As aldeias possuem festas próprias, como é o caso, por exemplo, da festa de São Miguel (na aldeia Cimbres), porém, no calendário construído pelos Xukuru, apenas três festas são ressaltadas: a festa de Reis, a festa de São João e a festa de Mãe Tamain. São as maiores festas, pois nelas participam os Xukuru de todas as aldeias.

 Notas sobre as fontes

A bibliografia sobre os Xukuru é farta, embora eles só tenham sido estudados com profundidade, no início dos anos noventa do século vinte. O primeiro trabalho teoricamente consistente sobre esses índios foi realizado por Vânia Fialho de Paiva e Souza, em 1992, em dissertação de mestrado de antropologia (UFPE). Vânia Souza fez um trabalho minucioso que, posteriormente, foi publicado em livro: As Fronteiras do ser Xukuru. A partir de sua experiência como antropóloga do Grupo de Trabalho (GT) de identificação e delimitação do território ocupado pelo grupo indígena Xukuru, Vânia Fialho estabeleceu como objetivo de sua dissertação analisar o processo administrativo de identificação da Terra Indígena Xukuru, com seus reflexos no domínio das identidades e da definição de fronteiras étnicas (1998).

Em 1994, Francisco Siqueira produziu uma monografia de especialização sobre associativismo indígena xukuru. Esse trabalho foi apresentado no departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e nele o autor procura demonstrar o modo de organização social Xukuru, através do associativismo.

Outras dissertações foram produzidas sobre os índios Xukuru, na Universidade Federal de Pernambuco. O primeiro trabalho dessa nova geração foi a dissertação de mestrado em Antropologia (1999) de Rita Neves, que versou sobre as festas na Vila de Cimbres (hoje aldeia Cimbres), tanto as indígenas quanto aquelas protagonizadas por não-índios. É um trabalho que procura estabelecer a relação entre os diversos segmentos que viviam na Vila de Cimbres - índios e não-índios - a partir de seu universo mítico.

Em 2000, Eliene Almeida produziu uma dissertação de mestrado sobre os Xukuru, no departamento de Educação da UFPE. Seu trabalho discute a educação escolar indígena e a prática pedagógica dos Xukuru na construção de uma política educacional diferenciada. Em 2004, mantendo o mesmo tema da educação, porém com um enfoque sociológico, Heloisa Cavalcanti defendeu dissertação sobre o papel da escola no projeto de sociedade dos Xukuru.

Ainda na UFPE, em 2003, Vânia Fialho, em tese de doutorado no departamento de sociologia, com o tema do associativismo indígena, analisa sob essa ótica três etnias diferentes: Xukuru, Kambiwá e Pipipã. Em 2004, mais uma dissertação sobre os Xukuru é defendida no departamento de Antropologia. Liliane Souza analisou o modelo etiológico xukuru, a partir de seus especialistas de cura.

Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), duas monografias de término de curso foram apresentadas no departamento de Ciências Sociais (Palitot, 2003) e no departamento de Jornalismo (Oliveira, 2001), respectivamente. A monografia de Estevão Palitot tratou da morte do cacique Xicão e a reconstrução da identidade xukuru. Kelly Oliveira, por sua vez, retomou, em forma de reportagem e a partir de documentos, a vida do cacique Xicão. Oliveira também defendeu dissertação de mestrado (2005) em que discute a organização política dos Xukuru.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Cláudia Moreira da Silva desenvolveu trabalho de conclusão de Curso em Serviço Social (2004) sobre a participação política dos jovens xukuru.

Mais recentemente, em 2005, Rita Neves defendeu tese de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina sobre performance política dos Xukuru. Edson Silva, em 2008, também defendeu tese na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sobre a história e memória xukuru entre os anos de 1950-1988. Por fim, Hosana Oliveira, em 2009, defendeu dissertação de mestrado na UFPE sobre a organização social xukuru nos espaços de retomada.

Além desses trabalhos acadêmicos sobre os Xukuru, vários artigos foram publicados por esses e outros autores. Silva (2000, 2002) publicou textos sobre os Xukuru na área de história; o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) produziu cartilhas sobre os Xukuru (1997) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), através de seu jornal Porantim, também publicou vários artigos sobre os conflitos desde a morte de Xicão. Os Xukuru também escreveram dois trabalhos importantes sobre sua organização social e religiosa: Xukuru: filhos da mãe natureza, em 1997, e Cadernos do tempo, em 2002. Por fim, vários relatórios técnicos e pareceres elaborados para a Funai e para o Ministério Público contribuíram para compreensão de todo o contexto político que envolve os Xukuru.

Em campos e áreas diferentes, a maioria desses trabalhos seguiu o viés de uma literatura etnológica produzida a partir de trabalhos orientados pelo professor João Pacheco de Oliveira, do Museu Nacional (RJ). São trabalhos sobre os chamados “índios misturados”, revendo posições sobre a problemática do “contato interétnico” e das chamadas “fronteiras étnicas”.

 Fontes de Informação

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Filmes

XUKURU. Auçuba, 1992. Direção: Verônica Barreto; Roteiro e edição: Ricardo Paiva, Câmera: Gustavo Silva, Argumento: Vânia Fialho. 17min.
XICÃO XUKURU. TV Viva. 1999. Direção Nilton Pereira. 20min.
POVO XUKURU: perseguições e resistência. 2007.  Produção Antônio Carrilho. 21min.
XICÃO XUKURU. 2007. Cabra Quente Produções
XUKURU ORORUBÁ. Produção Marcília Barros, BA, digital, P&B;, 15min, 2008

2 comentários:

  1. Minha família tem indígenas do xukuru mas nós fomos criadas em Recife e só tivemoa contato quando éramos crianças pequenas

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  2. Acho muito interessante
    Mas não sabemos como retomar os laços e até mesmo ser reconhecidas como tal

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