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domingo, 4 de fevereiro de 2024

Fermentação de Frutas Indígenas e As Guerras do Cajú

 
Todos os anos, nos meses de agosto a janeiro, os Aimorés, Tremembés e Goitacás e outros indígenas da etnia Jê, invadiam  as terras litorâneas, de onde foram expulsos no passado, para entrar em conflito com os Caetes, Tupinaba e outras etnias do tronco Tupi-Guarani - motivo ? - O Caju!

As Guerra e os Caju - Dois Prazeres Ancestrais

Segundo Lawrence H. Keeleyem seu livro War Before Civilization, relata que entre os povos indígenas das Américas, somente 13% não se envolvia em guerras com os vizinhos pelo menos uma vez ao ano. 

As chamadas "guerras do caju" eram uma das guerras cíclicas, como a Guerra do milho (guerra do avati) ou a época da desova de algum peixe, como a tainha (guerra da piracema). que foram ricamente documentadas, evidenciando uma ligação entre a natureza e os conflitos étnicos. 

A relação dos indígenas com o caju transcende o aspecto alimentar, ao contrário do cauim, o caju não precisava de processo de fermentação nem de ritual de preparo - o calor e a umidade permitiram que esse fruto fermentasse ainda na árvore, como um rico presente dos Deuses, transformando-se em símbolo estratégico em contextos de guerras frequentes entre aldeias de etnias do grupo étnico Tupi-Guarani que ocuparam a força todo o litoral, contra so do grupo Jê que foram expulsos para o interior. 

Nos mêses de agosto a janeiro, período que é marcado pela safra deste fruto, marcava o tempo propício para empreender batalhas, a mobilização militar indígena envolvia assembléias compostas por homens adultos, decidindo questões bélicas. 

A logística incluía a construção de canoas, preparação de flechas, cozimento de farinha e consulta ao pajé, que interpretava sonhos. As mulheres desempenhavam papel vital, carregando alimentos, cuidando da logística e acompanhando os guerreiros, enquanto os guerreiros, liderados pelos "roncadores," marchavam em fila indiana, sendo instigados pelo som da inúbia. 

Uma descrição de Thevet revela um pouco da divisão de tarefas:

Seguem as esposas a seus maridos na guerra, não porque vão combater, a exemplo das amazonas, mas porque precisam carregar os alimentos e deles cuidar, assim como transportar outras munições necessárias à guerra (pois, algumas vezes, empreendem viagens, que duram de cinco a seis meses). E, quando partem para essas longas guerras, os selvagens lançam fogo às suas palhoças, ocultando, na terra, os bens de maior valor, que só tornam a buscar quando regressam da empresa.

Na ato da partida (também em todas as ocasiões em que levantam acampamento), os “roncadores” fazem soar a inúbia, espécie de oboé destinado a alvoroçar e a incentivar os guerreiros. Cada guerreiro transporta suas armas, a rede e sua porção de farinha. Os líderes são acompanhados pelas mulheres. Marcham em fila indiana, os mais valentes na dianteira. No mar, não se afastam muito da costa. Assim que se atingem terras alheias, o espia trata de abrir o caminho ao exército.

Com relação à capacidade de mobilização, para a guerra de cerco, André Thevet relata expedições militares que duram até um semestre. Hans Staden testemunha um cerco de quase um mês. José de Anchieta testemunha operações militares dos tamoios envolvendo quarenta e oito canoas, o que na média significava uma tropa de quase quinhentos guerreiros.

O uso de plumas e adornos destacava-se como parte integrante do aparato militar. As expedições militares, muitas durando meses, testemunhavam a resistência e mobilização significativas das tribos, revelando uma complexa estrutura social e militar entre os povos indígenas.

Durante a safra de caju os indígenas macro-jês do interior realizavam incursões ao litoral dominado pelos tupis para colher a fruta. A resistência tupi levava à expulsão de muitas etnias macro-jês para o interior do Brasil.


No entanto, algumas aldeias macro-jês, como os tremembés, aimorés e goitacás, conseguiram resistir e permanecer na costa brasileira. Os goitacás, por exemplo, foram derrotados somente em 1631, dispersando-se pelo interior dos atuais estados brasileiros de Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, passando a ser conhecidos como puris, coroados e coropós.

As etnias macro-jês ofereceram grande resistência à colonização portuguesa, sendo responsáveis pela morte de colonos e pelo fracasso de várias capitanias hereditárias. Algumas aldeias jês se aliaram aos neerlandeses durante a invasão do nordeste brasileiro no século XVII, como a nação tarairiu.

Além disso, as aldeias específicas, como os tremembés, eram originalmente nômades e ocupavam extensas regiões litorâneas. Eram pescadores, cultivavam mandioca e algodão, e apreciavam o caju. Os aimorés, por sua vez, resistiram aos colonos portugueses e foram responsáveis pelo fracasso de capitanias como Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo.

Os registros históricos destacam a agressividade dos macro-jês, como os Aimorés (botocudos), considerados pelos colonizadores como muito agressivos. A descrição dos aimorés como inimigos formidáveis, "gente esquisita e agreste", destaca a beligernâcia entre etnias antigas do Brasil.

O caju (Anacardium occidentale) era sem dúvida a fruta mais adorada pelos antigos indígenas, a pontao de guerrearem por ela. No entanto, outras frutas como o Kumbaru, chamado Chañar na Argentina e no Chile (Geoffroea decorticans) e a Algaroba (Prosopis juliflora) também ofereciam bebidas fermentadas naturalmente bastante apreciadas.

Presente dos Deuses

Além do caju, outras frutas tiveram grande impacto nas comunidades indígenas por fermentarem ainda presas às árvores, como o chañar, que é citado como uma fruta que desempenha um papel na culinária indígena. Vamos abordar algumas das frutas citadas:

Kumbaru (Chañar no sul):

Outra fruta que fornecia o tal presente dos Deuses era o Kumbaru (Geoffroea decorticans), chamado pelo argentinos e chilenos de Chañar, que eram esmagados e misturados com água, passando por um processo de fermentação para criar uma variedade de bebida.

É uma árvore típica da região Sul do Brasil, muito apreciada pelos Carijós e Charruas, que amadurecia durante o verão. Esses frutos, de odor forte e farinhentos, semelhante ao cheiro de percevejos na opinião do autor, eram esmagados, misturados com água e deixados ao calor para fermentação (Florian Paucke, 2010, p. 308). 

Ao contrário das outras variedades de bebida, essa não parece ter um preparo ou consumo especial.

Algarroba:

Temos também a bebida realizada a partir do fruto da algarroba, conhecida como amap para indicar a árvore específica. Com coloração amarelada, essa fruta era coletada em fevereiro nos bosques e consumida apenas quando madura. Após ser seca ao sol e esmigalhada usando os pés, era colocada em um couro, similar ao processo de preparação do mel. 

Água era adicionada e, em seguida, a mistura era deixada ao sol para fermentar. Essa bebida exalava um odor tão forte que era possível identificar a casa onde era feita de longe. 

Florian Paucke destaca aspectos positivos dessa variedade, como sua capacidade de alimentar bem, expulsar umidades ruins do corpo, trazer boas forças e encorpar o indivíduo. Essa específica variedade também era chamada de chicha por outros povos, e pelos mocovies, era denominada latoga, sendo o ñapé o couro utilizado no processo de preparo (Florian Paucke, 2010, p. 308).  

Utilizada na preparação de uma bebida específica, essa fruta era colhida nos bosques durante determinada época do ano. A algarroba, após secar ao sol e ser fermentada, resultava em uma bebida com propriedades alimentares e energéticas.
A algarroba era frequentemente adicionada à bebida de milho na preparação de bebidas fermentadas pelos indígenas na região da Bacia do Prata.

Aluá – Abacaxi e outros 

O aluá, fermentado de abacaxi é dos fermentados de frutas no Brasil, uma fascinante fusão de influências culturais, com imigrantes e colonizadores desempenhando papéis significativos nesse desenvolvimento. 


O refinamento desses processos, exemplificado pelo método de enterrar garrafas do aluá para assegurar temperaturas adequadas, destaca não apenas a habilidade técnica, mas também a valorização da fermentação espontânea. Essa forma de fermentação ocorre naturalmente, quando os açúcares presentes nas frutas entram em contato com fungos suspensos no ar e nas cascas das frutas. É interessante notar que alguns grupos indígenas consideravam essa fermentação espontânea como um presente dos deuses, enfatizando a ligação cultural e espiritual com esses processos.

A preparação do Aluá de abacaxi envolve fermentação, resultando em uma bebida refrescante e gaseificada. Aqui está uma receita básica:

Ingredientes:

Casca de abacaxi (pode incluir a polpa, mas geralmente é focado na casca para evitar que a bebida fique muito doce)
Açúcar ou rapadura para adoçar
Gengibre para sabor e picância
Água potável
Milho, que é o agente fermentador

Instruções:

Limpe bem a casca do abacaxi.

Corte a casca em pedaços pequenos.

Em um recipiente grande, adicione a casca de abacaxi, gengibre ralado, açúcar ou rapadura a gosto e milho.

Cubra os ingredientes com água potável.

Deixe a mistura descansar em local fresco e escuro por alguns dias. O tempo de fermentação pode variar, geralmente de 2 a 5 dias, dependendo da temperatura ambiente.

Mexa a mistura ocasionalmente para garantir uma fermentação uniforme.
Coe a mistura para remover os sólidos, resultando no líquido fermentado.
Engarrafe o líquido e deixe descansar por mais alguns dias para desenvolver gás natural.

Mantenha refrigerado e sirva frio.

Outras frutas podem ser adicionadas para experimentar diferentes sabores, como maçã, pêssego ou morango. O Aluá é uma bebida bastante versátil, permitindo variações conforme as preferências regionais e pessoais.

Enterra da Garrafa

A prática de enterrar garrafas está associada a métodos tradicionais de fermentação e maturação de bebidas, como o Aluá. Enterrar as garrafas serve a diversos propósitos no processo de produção.

Isolamento Térmico e Controle Ambiental: Ao enterrar as garrafas, cria-se um ambiente mais estável termicamente, protegendo a bebida de variações de temperatura. Isso contribui para o desenvolvimento de sabores e aromas característicos.

Proteção contra Luz: A ausência de luz no subsolo evita reações químicas indesejadas causadas pela exposição à luz, mantendo a integridade dos compostos presentes na bebida.

Pressão Controlada: A fermentação pode gerar dióxido de carbono, resultando em uma bebida gaseificada. Enterrando as garrafas, é possível controlar a pressão gerada durante esse processo.

Simbolismo Cultural: Além dos benefícios técnicos, o ato de enterrar as garrafas pode ter significados simbólicos ligados a práticas culturais e rituais locais, tornando-se uma parte integrante da tradição.

Essa prática ancestral não apenas influencia as características organolépticas da bebida, mas também destaca a riqueza cultural e a ligação com as práticas tradicionais de comunidades específicas.

Preservação e Maturação: Enterrar as garrafas proporciona condições ambientais consistentes, mantendo uma temperatura mais estável e protegendo a bebida contra variações climáticas. Isso contribui para uma fermentação mais controlada e maturação adequada, resultando em um Aluá com sabores aprimorados.

Microflora do Solo: O contato com o solo acrescenta uma dimensão única à fermentação. Os microrganismos presentes no solo podem influenciar a composição e o sabor do Aluá, criando características terrosas distintas. Essa prática não apenas conserva, mas também enriquece a bebida com elementos do ambiente local.

Rituais e Celebrações: Além dos benefícios práticos, enterrar as garrafas assume um significado ritualístico. Desenterrar a bebida em momentos específicos, como festividades ou rituais, simboliza a transformação e renovação. É uma maneira de conectar a bebida à vida comunitária e destacar seu papel em eventos significativos.

Transmissão Cultural: A decisão de enterrar as garrafas foi transmitida ao longo das gerações como parte do conhecimento cultural indígena. A prática reflete a sabedoria acumulada sobre a fermentação, respeitando a natureza e incorporando elementos do ambiente ao processo.


Referências Bibliográficas

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KEELEY, Lawrence H. (1996) War Before Civilization. New York: Oxford University Press.

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MONTEIRO, John. "Bandeiras Mestiças." Dossiê Bandeirantes in Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3, nº 34. pp.17 a 21.

NEVES, Erivaldo Fagundes. "Guerra aos Tapuias." Dossiê Bandeirantes in Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3, nº 34. p.35.

NEUMANN, Eduardo Santos. "Vale o escrito." Dossiê Jesuítas in Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 7, nº 81, p. 19.

PERUSSET, Macarena; Rosso, Cintia N. Guerra. "Canibalismo y Venganza Colonial: Los Casos Mocoví y Guaraní."

RESENDE, Maria Leônia Chaves de. "Sertão mineiro loteado à força." Dossiê Bandeirantes in Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3, nº 34. p.37.

PAUCKE, Florian. Hacia allá y para cá. Ministerio de Innovación y Cultura de la
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STADEM, Hans. "Duas Viagens ao Brasil."

Web:

Dialetico – "Tapuias"
Jornal A União – "A origem siberiana dos Tarairus."
Olimpiadas Nacionales de Contenidos Educativos en Internet – "La cultura Guaraní: ¿Un Paraíso Terrenal?"
Villarrica, seção Folklore – "Los Guaraníes"
Povos Indígenas no Brasil – "Tupiniquim," "Potiguara," "Tremembé"
Blog Família Naves – "Cidade de São Paulo (458 anos), Berço da família Naves no Brasil"
IBGE, Brasil 500 – "Os números da população indígena."

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

A Importância Espiritual do Morro Careca do Inhapuambuçu

 



A maior parte das aquarelas de Debret foram feitas para retratar o Rio de Janeiro, no entanto, para meu prazer há algumas em São Paulo - uma delas chama especial atenção por retratar uma pedra calva no que era a Vila de Inhapuampbuçu.

O Enigma da Aquarela de Debret

Há algum tempo tentei identificar onde estava esta pedra e acreditei, por influência de alguns biógrafos, geógrafos e historiadores, que a pedra ficava próxima do Mosteiro de São Bento.


Era quase uma unanimidade em  dizer que a aquarela panorâmica de São Paulo de Piratininga tinha proporções erradas. Como ilustrador que admira muito o trabalho e a precisão do Debret, tenho certeza que ele jamais cometeria um erro tão grosseiro. 

Hoje é muito difícil perceber os relevos da Acrópole Piratiningana, mas quando olhamos as fotos da época das obras de canalização do córrego Itororó e construção da avenida 23 de Maio, podemos perceber a grande elevação do terreno da antiga Praça da Forca (vide torre Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados do lado esquerdo)

Mas de fato, algo sempre parecia estar errado, a pedra não se encaixava na paisagem.

Ao andar pelas minha desconfiança só aumentava, ficava cada vez mais claro que aquela região não suportaria uma pedra daquele tamanho naquelas dimensões. Pesquisei bastante, andei pela cidade mais algumas vezes, olhei em vários ângulos e notei que a aquarela do Debret estava sendo vista do ponto errado.

A correspondência entre os prédios, o ângulo e suas localizações é inegável, a fortificação foi colocada adicionamento só para ajudar como referência - na época de Debret, obviamente, já não havia mais as muralhas.

A Várzea do Carmo

Para que a pedra realmente ficasse próxima ao Mosteiro de São Bento seria necessário que Debret estivesse fazendo uma aquarela em alguma região do Parque do Carmo, mas como sabemos o parque é um alagadiço plano, e na aquarela há uma elevação e uma árvore, que da vista para o vale, o que induz queo o artista estva em num ponto alto. Na parte oeste do Vale do Anhangabaú, existem vários pontos altos. 

A Pedra Careca do Inhapuambuçu tinha grande importância espiritual para a Aldeia de Tibiriça 

Se a cidade não tivesse mudado tanto sua paisagem, essa seria a vista que teríamos hoje da Pedra Careca do Inhapumabuçu.

Vista atua do Jardim Oriental da Liberdade, onde foi a Pedra Careca do Inhapuambuçu.

Assim que descobri isso, fui procurar pontos altos da cidade que dessem vista para a acrópole piratiningana, tarefa considerada quase impossível devido à enorme quantidade de prédios, o relevo da cidade fica escondido no meio de tantas construções - só conseguimos conhecer o relevo subindo e descendo as varias ladeiras da cidade.

Com tantas avenidas, fica difícil enxergar onde realmente era acrópole piratiningana.

Uma vez identificado o ângulo onde estava Debret, a posição e o ângulo de observação dos edifícios e igrejas e a passagem do vale, com um trecho de planície alagada próximo à pedra, é fácil extrapolar uma vista aérea da Acrópole de Piratininga...

...e sobrepô-lo ao atual cenário caótico das construções urbanas atuais.

Vendo as fotos da época das obras da Avenida 23 de Maio, sobre o Vale do Itororó, fica claro que Debret estava em algum lugar da rua Conde de São Joaquim, próximo ao viaduto Condeça de São Joaquim.

A partir dai, fica tudo mais fácil, tudo o que tenho que fazer é comparar mapas antigos e o panorama da cidade. E confirmando o que eu já esperava, Debret não se equivocou, ele foi preciso.

Descreveu a cidade nos mínimos detalhes, os prédios laterais da Sé e do Pátio do Collégio, a quantidade de torres que existiam nas suas na Vila, batia perfeitamente.

Tudo estava onde deveria estar, mas ainda assim aquela pedra careca era um mistério, ficava fora das fortificações da vila, próximo ao Aldeia do Tibiriçá. Com isso, percebi que o único lugar plausível para que aquela pedra pudesse estar onde é o hoje o Jardim Oriental da Liberdade.

É importante ressaltar que devido à localização do antigo Cemitério dos Aflitos na região, o grande portal xintoísta 'Torii' vermelho que recebe os visitantes no viaduto da Rua Galvão Bueno, cosnstruído para homenagear os primeiros imigrantes japoneses que aqui chegaram em 1912, e a pedra calva do inhapuambuçu, que teve importância espiritual para Tibiriça e para os habitantes da aldeia; tornam aqula região num ponto de grande importância geomântica, que carrega uma enorme egrégora espiritual.

A Região Espiritual do Inhapuambuçu e Sua Transformação ao Longo dos Anos

A região onde atualmente se encontra o trinagulo histórico e o bairro da Liberdade, em São Paulo, tem uma história fascinante de profunda importância espiritual para os Tupis que a habitavam antes da chegada dos portugueses, passando para a sua época sombria na qual os africanos que aqui foram escravizados tiveram seu cemitério, e por fim, para os japoeneses que chegaram, em contínua tranferência espiritual através do tempo aos Japoneses que lá chegavam, culminando com o qu é hoje o Jarim Orintal e o portal da Liberdade, o Torii, marcando a historica importancia espeititual da regiao. 

História Espiritual do Inhapaumbuçu

Como vimos anteriormente, a Aldeia de Inhapuambuçu localizava-se aproximadamente onde hoje fica o calçadão do Fórum João Mendes e a pedra careca na quadra do Morro da Forca até o viaduto da cidade de Osaka, onde hoje fica o Jardim Oriental.

Jardim Japonês, é um elemento de profundo significado espiritual na região da pedra careca, no bairro da Liberdade. Este jardim é muito mais do que uma mera decoração; ele representa a harmonia, a espiritualidade e a ligação com a cultura japonesa, cada elemento do jardim, desde as carpas coloridas até as lanternas suzurantou, tem um significado especial. As carpas, por exemplo, são símbolos de boa sorte, coragem e determinação, quando nadam contra a correnteza, elas representam a superação de desafios.

Antes da chegada dos colonizadores europeus, essa região era habitada por povos indígenas Tupis, para esses ancestrais, a Pedra Careca do Inhapuambuçu já era um local de grande importância espiritual, embora não tenhamos registros exatos de datas, sabemos que a área já possuía uma carga cultural significativa que remonta à pré-história da região.

Nos fins de Agosto de 1553 o Padre Manuel da Nóbrega visitou a recém-criada aldeia Inhapuambuçu, onde os índigenas estavam em processo de conversão ao cristianismo. O local foi escolhido com base em sua topografia e hidrografia favoráveis, tornando-o ideal para a criação de um núcleo de catequese e fudação da Vila de São Paulo de Piratininga.

Naquela época, a principal atividade econômica era o fornecimento de gado que percorria algumas estradas, onde ficavam fazendas e alguns casas foram construídas. A Liberdade foi considerada uma zona periférica até ao século XIX, altura em que era conhecido como Bairro da Pólvora, graças à Casa de Pólvora, construída em 1754 no actual Largo com o mesmo nome.

Em 1779, próximo ao antigo Largo da Forca, foi estabelecido o primeiro cemitério público em São Paulo, localizado entre as ruas Galvão Bueno, Glória e Estudantes, destinado ao sepultamento de indigentes, escravos e condenados à forca até 1858, quando foi inaugurado o Cemitério da Consolação. 

A partir de 1810, no então Bairro da Pólvora, houve um aumento na concessão de terras, vendas e divisões de sítios na área, devido ao crescimento populacional em São Paulo. Em 1850, as autoridades pressionaram os proprietários de diversos terrenos na cidade para que melhor aproveitassem suas terras, isso levou muitos latifundiários a abrir ruas, alamedas e largos em suas propriedades, fazendo arruamentos e loteamentos, o que teve um impacto decisivo na transformação da região.

O centro de São Paulo está localizado em uma região que possui solos predominantemente sedimentares, compostos por diversas camadas geológicas. Na aquarela de Debret, a pedra calva aparece com uma curiosa exposição de rochas riscadas, parte da geologia local, com aspecto de granito. É possível que o granito, rocha ígnea intrusiva, geralmente formada por minerais como quartzo, feldspato e mica, possa estar incluído nas camadas geológicas do acrópole paulistana. As pistas da formação rochosas podem estar presentes nas pedras do jardim, como esta curiosa pedra com marcas verticais, provavelmente extraidas do próprio local onde se encontra.

Em 1912 os imigrantes japoneses passaram a residir na rua Conde de Sarzedas, ladeira íngreme, onde na parte baixa havia um riacho e uma área de mangue.

Um dos motivos de procurarem essa rua é que quase todas tinha porões, e os aluguéis dos quartos no subsolo eram incrivelmente baratos. Nesses quartos moravam apenas grupos de pessoas. Para aqueles imigrantes, aquele cantinho da cidade de São Paulo significava esperança por dias melhores. Por ser um bairro central, de lá poderiam se locomover facilmente para os locais de trabalho.

Já nessa época começaram a surgir as atividades comerciais: uma hospedaria, um empório, uma casa que fabricava tofu (queijo de soja), outra que fabricava manju (doce japonês) e também firmas agenciadoras de empregos, formando assim a “rua dos japoneses”.

Em 1915 foi fundada a Taisho Shogakko (Escola Primária Taisho), que ajudou na educação dos filhos de japoneses, então em número aproximado de 300 pessoas.Em 23 de julho de 1953, Yoshikazu Tanaka inaugurou na rua Galvão Bueno um prédio de 5 andares, com salão, restaurante, hotel e uma grande sala de projeção no andar térreo, para 1.500 espectadores, batizado de Cine Niterói. Eram exibidos semanalmente filmes diferentes produzidos no Japão, para o entretenimento dos japoneses de São Paulo.

A rua Galvão Bueno passa a ser o centro do bairro japonês,  crescendo ao redor do Cine Niterói, Em abril de 1964 foi inaugurado o prédio da Associação Cultural Japonesa de São Paulo (Bunkyô) na esquina das ruas São Joaquim e Galvão Bueno.Em 1965 foi fundada a Associação de Confraternização dos Lojistas do Bairro da Liberdade, precursora da Associação Cultural e Assistencial da Liberdade – ACAL, sob a presidência de Yoshikazu Tanaka, para defender os interesses do bairro perante as autoridades municipais e estaduais. Com a crescente criminalidade do bairro, promovem encontro com os responsáveis pela Secretaria de Segurança Pública, Polícias Civil e Militar.

A Liberdade passa a ser o local de visita obrigatória para todos os visitantes da cidade. Em 1967, o bairro recebeu a visita do então Príncipe Herdeiro Akihito e da Princesa Michiko, hoje o Casal Imperial do Japão.

O ano de 1968 marca o início das mudanças significativas na Liberdade. A construção da Diametral Leste-Oeste forçou o Cine Niterói, um dos marcos da prosperidade do bairro, a mudar-se para outra localização, a rua Conselheiro Furtado, que era estreita, foi alargada, diminuindo a força comercial do local. Com a construção da estação Liberdade do metrô na década de 70, alguns pontos comerciais das ruas Galvão Bueno e da Avenida Liberdade também desapareceram.

Em julho de 1941 região teve outro momento triste importante quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial. O governo brasileiro ordenou a suspensão da publicação de jornais em língua japonesa, o que afetou a comunidade japonesa estabelecida na área, e em 1942, com o início da guerra no Pacífico, o governo de Getúlio Vargas rompeu relações diplomáticas com o Japão, resultando no fechamento do Consulado Geral do Japão em São Paulo. 

Em 6 de setembro de 1942 a situação atingiu seu ápice quando o governo decretou a expulsão dos japoneses que residiam nas ruas Conde de Sarzedas e Estudantes, alterando profundamente a dinâmica da região.

Somente em 1945, após a rendição do Japão, é que a situação voltou à normalidade na região.

A Liberdade passa a ser o local de visita obrigatória para todos os visitantes da cidade. Em 1967, o bairro recebeu a visita do então Príncipe Herdeiro Akihito e da Princesa Michiko, hoje o Casal Imperial do Japão.
 
Em 23 de julho de 1953, Yoshikazu Tanaka inaugurou na rua Galvão Bueno um prédio de 5 andares, com salão, restaurante, hotel e uma grande sala de projeção no andar térreo, para 1.500 espectadores, batizado de Cine Niterói. Eram exibidos semanalmente filmes diferentes produzidos no Japão, para o entretenimento dos japoneses de São Paulo.
 
Hoje ainda pode-se encontrar este mirante no Jardim Oriental. O Inhapuambuçu, significa “morro que se vê ao longe” em Tupi Antigo. É uma pena que a vegetação local e as construções de prédios, bem como as modificações causadas pelas terraplanagens, tenham feito Inhapumbucu perder a antiga 'bela vista' voltada para o Bixiga, que teve no passado - talvez daí o nome Bela Vista para Brairro do Bixiga.

A rua Galvão Bueno passa a ser o centro do bairro japonês, crescendo ao redor do Cine Niterói, tendo recebido parte dos comerciantes expulsos da rua Conde de Sarzedas. Era ali que os japoneses podiam encontrar um cantinho do Japão e matar saudades da terra natal. Na sua época áurea, funcionavam na região os cines Niterói, Nippon (na rua Santa Luzia – atual sede da Associação Aichi Kenjin kai), Jóia (na praça Carlos Gomes – hoje igreja evangélica) e Tokyo (rua São Joaquim – também igreja).

Em abril de 1964 foi inaugurado o prédio da Associação Cultural Japonesa de São Paulo (Bunkyô) na esquina das ruas São Joaquim e Galvão Bueno.

Em 1965 foi fundada a Associação de Confraternização dos Lojistas do Bairro da Liberdade, precursora da Associação Cultural e Assistencial da Liberdade – ACAL, sob a presidência de Yoshikazu Tanaka, para defender os interesses do bairro perante as autoridades municipais e estaduais. Com a crescente criminalidade do bairro, promovem encontro com os responsáveis pela Secretaria de Segurança Pública, Polícias Civil e Militar.

A Liberdade passa a ser o local de visita obrigatória para todos os visitantes da cidade. Em 1967, o bairro recebeu a visita do então Príncipe Herdeiro Akihito e da Princesa Michiko, hoje o Casal Imperial do Japão.

Na década de 60, as atividades e os interesses dos japoneses em São Paulo foram conduzidas pela Associação Cultural Japonesa (hoje Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa) e pela Associação dos Lojistas, pois eram as duas entidades mais representativas da comunidade.

O ano de 1968 representou o início das mudanças no bairro. A Diametral Leste-Oeste obrigou o cine Niterói, marco inicial da prosperidade do bairro, a se mudar para a esquina da avenida Liberdade com a rua Barão de Iguape (atualmente funciona no local o Hotel Barão Lu). A rua Conselheiro Furtado, que era estreita, foi alargada, diminuindo a força comercial do local. Além disso, com a construção da estação Liberdade do metrô, na década de 70, alguns pontos comerciais das ruas Galvão Bueno e na Avenida Liberdade desapareceram.

O Torii da liberdade, inaugrado erguido em 1974 pela associação de logistas 鳥居 é um símbolo icônico da cultura japonesa com profundo significado espiritual e simbolismo. Ele é frequentemente visto nas entradas de santuários xintoístas e também em alguns templos budistas no Japão. Em sua escrita o 鳥 (Tori): Esta parte do ideograma significa "pássaro", refere-se a algo que voa no céu, simboliza a ligação entre o mundo terreno e o mundo espiritual, e 居 (I) significa "estar" ou "existir". Juntos, "Tori" e "I" formam a palavra "Torii", que pode ser traduzida como "portal onde os deuses estão presentes". Em resumo, o Torii representa a transição do mundo humano para o mundo espiritual, marcando a entrada para um espaço sagrado, onde os deuses podem ser encontrados. 

Um dos marcos mais emblemáticos na história da Liberdade ocorreu em 1974, quando uma reforma significativa transformou a área, culminando na instalação do Torii, um portal japonês que marca a entrada do bairro e o Jardim Oriental sobre a Pedra Careca, que adicionou uma dimensão espiritual e estética à região.

Egrégora espiritual do Povo Brasileiro

Apedra careca do Inhapumabuçu, hoje Jardim Oriental, é hoje um importante ponto de conexão com os ancestrais Tupis, os primeiros habitantes da região, que ali celebravam suas crenças, honrando os espíritos da terra e dos antigos, dos africanos escravizados, quado essa região testemunhou a mairo tristeza historica brasileira, acarretando uma transformação espiritual significativa. 

Inspirado nas energias espirituais da Liberdade, proximo ao Inhapuanbuçu,  fiz há algum tempo, essa ilustração misturando elementos espirituais que formam o Brasil, como se fossem feitas por Hayao Miyazaki (宮崎 駿), co fundador do Studio Ghibli. Na imagem vemos o gigante Anhangá que habita as matas do Anhangabaú, ali próximo, Curupira e o Saci caminhando atrás de uma mulher encarnada, as bolas de fuligem, inevitáveis na cidade de São Paulo, Ootori Sama e o Espírito do Rabanete observando o santo homem do bairro, Chaguinhas. As lanternas japonesas suzurantou, com sua iluminação suave, convidam à contemplação e à meditação. Elas são um símbolo da luz que guia o caminho espiritual. Além disso, o brasão mitsudomoe, que adorna várias partes do jardim, é um emblema que tem raízes profundas na cultura japonesa e pode ter várias interpretações, incluindo a representação do ciclo da vida, morte e renascimento.

Os africanos trouxeram consigo suas tradições espirituais, como o candomblé e a umbanda, e incorporaram essas crenças à terra que pisavam. É curioso ver a grande quantidade de centros espíritas, de coandombé e Umbanda que se formaram na região desde o Largo da Forca até a Vila Mariana, local onde africanos e afro-brasileiros se reuniam para celebrar suas festividades religiosas, tornando-o um ponto vital da herança espiritual afro-brasileira.

E a migração da energia espiritual não parou por aí, com a chegada dos primeiros imigrantes japoneses na virada do século 20, a área viveu outra enorme mudança espiritual, os japoneses trouxeram consigo o xintoísmo e o budismo, enriquecendo ainda mais a tapeçaria espiritual da Liberdade. - O  Largo da Forca, outrora palco de punições, transformou-se em um local onde se ergueu um Torii majestoso, símbolo de entrada e transição entre o mundo material e espiritual.

Hoje, a região da Pedra Careca do Inhapuambuçu abriga um deslumbrante jardim japonês, com carpas nadando de forma serena sob lanternas orientais. É aqui que todas essas energias espirituais convergem e se misturam, a migração de crenças e tradições, da espiritualidade Tupi à africana e à japonesa, transformou este lugar na área de maior egrégora espiritual na formação do povo brasileiro, é um testemunho da capacidade humana de se adaptar, aprender e crescer espiritualmente, refletindo a diversidade e a riqueza cultural do Brasil.

Referências Blilbiográficas

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segunda-feira, 5 de junho de 2023

A arte Indígena dos Tecidos e Trançados

 
Kushma, vestimenta tradicional Ashaninka, observe que os homens usam listras verticais e gola "V", enquanto as mulheres usam listras horizontais e gola "U".

Os trançados, cordões e tecidos trançados desempenham um papel fundamental na vida cotidiana das comunidades indígenas, são utilizados tanto para funções práticas, como o armazenamento de objetos pessoais e alimentos, quanto para expressar a estética corporal, estabelecendo conexões entre diferentes grupos sociais.

Na vida da aldeia são essenciais para transportar e processar os alimentos necessários à subsistência diária. Cestos trançados são utilizados para colher, armazenar e transportar frutas, raízes e outros produtos da natureza. Esses objetos desempenham um papel central nas atividades de sustento da comunidade, permitindo a organização e o compartilhamento dos recursos alimentares.

Além de sua função prática também desempenham um papel significativo na expressão da identidade cultural e na estética corporal das comunidades indígenas. Eles contribuem para a individualização sexual e etária, definindo papéis de gênero e marcando diferentes fases da vida, como rituais de iniciação e funerários.

Alguns exemplos de trançados indígenas: arapuca Tenetehara, caniçado Tenetehara, trançado costurado espacejado dos Canela-Ramkokamekra, trançado costurado com falso nó e trançado costurado com ponto longo.

Os objetos trançados, como cintos, tipóias ou suportes para ornatos plumários, são adornos utilizados para realçar a beleza e transmitir símbolos culturais. Eles refletem a conexão profunda entre a sociedade e o corpo de seus membros, intermediando a ação social e transmitindo significados culturais.

A preservação e valorização desses tecidos trançados são importantes para as comunidades indígenas. No entanto, a inserção desses artefatos nos museus, que remonta ao século XIX, muitas vezes não representa a totalidade da produção cesteira das sociedades indígenas. A seleção dos objetos exibidos nos museus é influenciada por interesses individuais e logísticos, resultando em coleções que podem não refletir a diversidade e a riqueza cultural dessas comunidades.

Exemplos de técnicas de trançados - quadriculado dos Makuxi; sarjado - casa de abelha dos Kaiaby; sarjado - espinha de peixe com folíulos de buriti, dos Kuikuro; sarjado gradeado (quadricular diagonal) dos Taurepang; a seguir vemos elementos de cores diferentes podem ser utilizados, formando padrões gráficos que simulam a aparência de animais, (Berta Ribeiro 1988:61) chama essa técnica de marchetado. marchetado: hexagonal reticular dos indígenas do Rio Branco; enlaçado embricado dos indígenas do Alto Rio Negro, enlaçado com grade dos Makuxi e torcido vertical dos Xavante. 

A abordagem museológica dos tecidos trançados muitas vezes foca apenas na técnica produtiva dos artefatos, desconsiderando outras dimensões importantes, como a material-prima utilizada, a forma de confecção, a decoração e a função de cada objeto. É essencial considerar a visão e a categorização indígena dos tecidos trançados, reconhecendo sua importância como expressões culturais e não apenas como peças artesanais.

Trançados de Fibras e Palhas

Trançados de fibra de palha são comumente encontrados em comunidades indígenas, onde as plantas nativas fornecem matéria-prima abundante. Essas fibras são extraídas das plantas, geralmente por meio de um processo de secagem e tratamento, para garantir a maleabilidade e resistência necessárias para a tecelagem. Os trançados com fibras de palha podem ser usados para criar uma variedade de objetos, como cestos, esteiras, bolsas e chapéus. Esses materiais naturais conferem aos produtos um aspecto rústico e uma conexão com a natureza.

Trançados de fibras e palha, aqui vemos um cesto platiforme Tikuna da comunidade AMATÜ, detalhe do arremate de borda com reforço entretraçado 

A fibra de arumã (Ischnosiphon polyphyllus) é uma planta da família das matantáceas; uma espécie de cana de colmo liso e reto, que oferece superfícies planas, flexíveis, que suportam o corte de talas milimétricas; 

Esse colmo é descascado, raspado, ariado e pode ser tingido ou mantido na cor natural; também usado com casca, que lhe confere maior resistência e uma cor pardo clara laqueada. O arumã, ou guarimã é utilizado pelos povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão, onde a planta, que tem várias espécies, cresce em regiões semi-alagadas.

É um material extremamente importante para os Ticuna e Baniwa, entre outros. A Associação das Mulheres Artesãs Ticuna de Bom Caminho, AMATÜ, por exemplo, foi criada com a finalidade de organizar a produção e comercialização dos artesanatos de mais de 120 artesãos, visando a valorização e divulgação da cultura Ticuna. 

Os Ticuna possuem um profundo conhecimento sobre as plantas da região e têm habilidades tradicionais de extração e processamento da fibra de arumã.

Os artesãos Ticuna dominam a técnica de trançado dessa fibra, produzindo cestos, bolsas, esteiras e outros objetos utilitários. O trançado da fibra de arumã é uma tradição transmitida de geração em geração e desempenha um papel cultural importante.

Além de garantir retorno financeiro à aldeia, o uso da fibra de arumã na comunidade Ticuna está intimamente ligada à sua relação com a natureza e ao respeito pelos recursos naturais. Os Ticuna têm um profundo conhecimento sobre as plantas e suas propriedades, incluindo as características da fibra de arumã e as melhores formas de usá-la. Eles seguem práticas sustentáveis de coleta, garantindo a preservação das plantas e a renovação dos recursos naturais.

O Umbigo

O termo "umbigo" é utilizado para descrever o início do trançado de cestos, inspirado na nomenclatura dos índios Tiriyó (Frikel 1973:15), o "umbigo" simboliza o centro e nascedouro do artefato trançado.

De acordo com a classificação proposta por Adovasio (1977), os "centros dos cestos" são classificados em três categorias principais: sarjado, torcido e costurado. No entanto, o autor não atribui nomes aos tipos mais comuns, considerando que há tantas variantes que uma taxonomia universalmente aplicável e aceitável é impossível.

Cestos Yanomami,  Xotehe, Mororohima e Wii, são cestos trançados de cipó titica (Heteropsis flexuosa) com fios de fungo negro com um rizomorfo de fungo preto chamado uxixi kɨkɨ (Marasmius yanomami) na região do Rio Demini e tiras de raízes da palmeira paxiubinha; Umbigo asterisco dos Makú; asteriscos multiplos dos Sanumá; Umbigo vitória régia, da comunidade de Barcelos, AM;  Umbigo diamante dos Sanumá e Umbigo radial, paradigma indigenas do Brasil.

No caso dos trançados entretorcidos, o tipo "umbigo asterisco" é obtido colocando os elementos da urdidura em posição radial e envolvendo-os com uma trama, adicionando gradualmente novas talas ao urdume. O trabalho continua seguindo o esquema de trançado torcido.

Segundo as três categorias principais em que divide o trançado: sarjado, torcido e costurado, procedimento que também adoto. Entretanto, ele não atribui nomes aos tipos mais correntes que
seleciona como paradigmas, mesmo porque considera que as
variantes são tantas que " . . . o estabelecimento de uma taxonomia universalmente aplicável e aceitável é impossível".

Dessa forma, a fibra de arumã desempenha um papel significativo na cultura Ticuna do Bom Caminho, representando sua conexão com a natureza, suas tradições ancestrais e a preservação de suas práticas artesanais.

Trançados com Fios e Tecidos

Por outro lado, os trançados feitos com fios de tecidos, como algodão e linho, geralmente envolvem a utilização de técnicas de tecelagem mais complexas. Nesse caso, os fios são obtidos por meio de processos de fiação e tingimento, muitas vezes com uso de corantes naturais. Os tecidos são então trabalhados em padrões específicos, como padrões de trama e urdidura, para criar peças de artesanato, como tapetes, mantas, roupas tradicionais e objetos decorativos. A tecelagem com fios de tecidos permite uma maior variedade de cores, texturas e padrões, proporcionando um aspecto mais refinado ao artesanato.

As escolhas entre o uso de fibras de palha ou fios de tecidos podem depender de vários fatores, incluindo a disponibilidade dos materiais locais, as tradições culturais e as preferências estéticas das comunidades indígenas. Ambos os tipos de trançados têm um valor cultural significativo, preservando técnicas tradicionais e transmitindo conhecimentos ancestrais de geração em geração.

Já os Makuxi fazem grande uso do bacuri (Platonia insignis), uma planta amplamente utilizada, principalmente pela comunidade da região do Planalto das Guianas, na fronteira entre o Brasil, a Guiana e a Venezuela. Essa planta é altamente valorizada devido à sua versatilidade, sendo tanto a palha quanto o coquinho aproveitados na confecção de artefatos e utensílios.

Eles extraem as fibras da palha e as trabalham meticulosamente para criar cestos, esteiras, chapéus e outras peças artesanais. Os artesãos Makuxi possuem habilidades tradicionais de trançado, transmitidas de geração em geração, e a palha do bacuri desempenha um papel importante nesse processo.

Eles também coletam os frutos maduros do bacuri, chamados de coquinhos e o utilizam como matéria-prima para a criação de objetos decorativos, como colares, pulseiras e enfeites. Os Makuxi têm grande conhecimento sobre as propriedades do coquinho e sua utilização na confecção de artefatos que possuem significado cultural e estético para a comunidade.

Os Macuxi fazem um trabalho interessante com a palha do buriti, como este interessante cesto bosliforme, em que usam o talo para estruturar o trançado sarjado de folhas, em padrão de espinha.

Ourikuri

A palmeira do ouricuri, conhecida cientificamente como Syagrus coronata, desempenha um papel fundamental na cultura e na história dos povos indígenas Fulnio. Essa espécie de palmeira é nativa do nordeste do Brasil e é especialmente valorizada pelos Fulnio, que a consideram sagrada e a utilizam em diferentes aspectos de sua vida cotidiana.

O local chamado de Foklasá que significa "o lugar de muitas pedras" é uma elevação com pedras e pinturas rupestres. Na pedra principal da Serra dos Cavalos, com desenhos dos elementos da Tartaruga (Txokhlaya) e da Esteira (provavelmente de Ouricuri) comumente usados na pintura corporal.

Um dos aspectos mais marcantes da importância do ouricuri para os Fulnio é encontrado nas pinturas rupestres de esteira de ouricuri na Serra do Cavalo, também conhecida como Foklasá. Essas pinturas são uma expressão artística única e uma manifestação cultural que revela a relação profunda entre os Fulnio e a palmeira do ouricuri. As esteiras feitas a partir das folhas do ouricuri são utilizadas pelos Fulnio para diversos fins práticos, como a construção de casas tradicionais e a confecção de cestas, redes e outros utensílios. As pinturas rupestres retratam essas esteiras e representam a importância da planta na vida e na identidade do povo Fulnio.

Coqueiro Ouricurí - um dos elementos mais fortes da cultura Fulni-ô

Além disso, o ouricuri desempenha um papel central no ritual sagrado dos Fulnio, também chamado de "ouricuri". Esse ritual é realizado anualmente e envolve a coleta do ouricuri e a extração do óleo da palma, que é utilizado em diversas práticas tradicionais, como rituais de cura e cerimônias religiosas. O ouricuri é considerado uma fonte de vida e fertilidade pelos Fulnio, e o ritual do ouricuri é um momento de renovação e conexão com suas raízes culturais.

A palmeira do ouricuri é um símbolo de resistência e resiliência para os Fulnio. Ao longo dos séculos, enfrentaram desafios e adversidades, mas a ligação com o ouricuri permaneceu forte e intacta. A planta desempenha um papel crucial na subsistência, no artesanato, na espiritualidade e na transmissão de conhecimento ancestral. Através do ouricuri, os Fulnio mantêm vivas suas tradições, sua identidade e sua conexão com a natureza.

É importante reconhecer e valorizar a importância da palmeira do ouricuri para os Fulnio e para a preservação da diversidade cultural e biológica. A proteção desse recurso natural e o respeito pela cultura e sabedoria dos Fulnio são fundamentais para garantir a continuidade dessa rica herança e para promover a sustentabilidade ambiental e cultural da região.

Além de sua grande importância espiritual, o ouricuri é fonte de diversas artes e artesanatos, com os quais são feitos tapetes, vassouras e até casas - Até os anos 1930 as casas da aldeia eram feitas de ouricuri, uma das palavras em Yaathe para casa é ke'tutʃia (lugar para ser feliz).

Em suma, a palmeira do ouricuri desempenha um papel central na vida e na cultura dos Fulnio. Suas pinturas rupestres, suas esteiras e o ritual sagrado do ouricuri são exemplos claros da importância dessa planta sagrada para a identidade e a subsistência desse povo indígena. Reconhecer e valorizar a importância do ouricuri é essencial para preservar a história, a cultura e a relação harmoniosa entre os Fulnio e o ambiente natural que os cerca.

O Tipiti

Tipiti é um utensílio tradicional utilizado em diferentes regiões do Brasil, principalmente por comunidades indígenas e agricultores familiares. Existem dois tipos principais de Tipiti: o Tipiti de Peso e o Tipiti de Torção.

Tipiti de Peso é usado como uma espécie de peneira e recipiente para colocar a massa de mandioca ralada em seu interior. É aplicada uma força para esticá-lo, seja através de um puxão com as mãos, da colocação de um objeto com determinada massa ou até mesmo com o peso de uma ou duas pessoas sentadas em uma haste de madeira que está atravessada em uma das extremidades. O Tipiti de Peso pode ser feito com diversos materiais, dependendo da disponibilidade da matéria-prima local. Por exemplo, no Piauí, é comum utilizar a fibra de coco babaçu, uma palmeira da espécie Attalea speciosa, que possui frutos com sementes oleaginosas e comestíveis amplamente utilizados na culinária regional. A fibra é colhida durante o período de preparo das roças para o plantio de legumes.

À esquerda, a prensa do tipiti, ao puxar a alavanca, as fibras forçam a massa a expelir todo o tucupi, que escorre por entre as fibras em uma gamela. No canto superior direito, observe que quando o tipiti está estendido, exercendo pressão sobre a massa, as fibras ficam com tendências verticais, quando está em repouso, as fibras ficam com tendências horizontais.

Já o Tipiti de Torção é feito de talas da palmeira jacitara (Desmoncus polyacanthos). Consiste em um tubo flexível de fibras que é operado por meio de torção pelas mãos. Esse tipo de Tipiti tem a função de espremer a massa de mandioca, permitindo a extração do líquido amido conhecido como "tucupi" em algumas regiões. A torção aplicada ao Tipiti comprime a massa, liberando o líquido.

Tipiti de Torção é feito de talas da palmeira jacitara (Desmoncus polyacanthos)

Tanto o Tipiti de Peso quanto o Tipiti de Torção são exemplos de tecnologias tradicionais que demonstram a criatividade e o conhecimento dos povos indígenas e agricultores na utilização de materiais disponíveis na natureza. Esses utensílios desempenham um papel importante no processamento da mandioca, uma cultura alimentar fundamental em várias partes do Brasil, especialmente na produção de farinha e outros derivados. Além disso, o uso desses utensílios também contribui para a preservação das técnicas tradicionais e o fortalecimento da identidade cultural dessas comunidades.

A física do Tipiti

A aplicação de força em um tipiti com massa de mandioca num tipiti de peso é consideravelmente grande, observando as mudanças no volume e na pressão interna. É interessante notar que a pressão interna na massa da substância segue as características da mecânica dos fluidos.

Analisando os dados experimentais fornecidos no trabalho academico de Raimundinha Nunes Gomes Vilanova A FÍSICA DO TIPITI: ESTUDO DA PRESSÃO EM ALAVANCAS INDÍGENAS, observamos que a força aplicada é medida em Newton (N), enquanto o volume é expresso em centímetros cúbicos (cm³). Para uma análise mais adequada, podemos converter as unidades de força de Newton para quilogramas por centímetro cúbico (kg/cm³), considerando que 1 N é equivalente a 0,102 kg/cm³.

Essas foram as medidas realizadas no experimento:

Tipiti sem massa inserida:
Volume: 2260,8 cm³

Tipiti com massa inserida (Medida 1):
Volume: 3235,45 cm³
Força: 8,66 N (0,884 kg/cm³)

Tipiti com massa inserida (Medida 2):
Volume: 2923,34 cm³
Força: 22,22 N (2,267 kg/cm³)

Tipiti com massa inserida (Medida 3):
Volume: 2911,03 cm³
Força: 41,34 N (4,219 kg/cm³)

É importante destacar que a resistência das fibras do tipiti é fundamental para evitar o rompimento durante a aplicação da força, essa resistência é necessária para suportar a pressão exercida pela massa fluida, garantindo que o tipiti seja capaz de extrair os líquidos desejados de forma eficiente.

Arte Indígena em Cordões, Tecidos e Nós

Técnica de acoplamento. Manufatura de rede sobre duas estacas fincadas no chão com fibras de burití: tear de varas alçadas. Apud Roth 1924, etnia Warao

Sem dúvida, o povo mais talentoso para a arte da tecelagem são os Ashaninka, eles têm uma rica tradição de tecelagem, que é considerada uma forma de arte e expressão cultural.

Contratorcido alternado com o uso de bobinas, rede de dormir feita por indígenas Guianas e Indigens Urbanos do Vale do Urucuí 

A tecelagem tradicional dos Ashaninkas envolve o uso de teares manuais e técnicas ancestrais transmitidas de geração em geração. Eles utilizam materiais naturais, como algodão e fibras vegetais, para criar tecidos intricados e coloridos. Eles produzem uma variedade de peças tecidas, incluindo roupas tradicionais, como saias e vestidos, mantas, bolsas, cestos e outros objetos utilitários. Cada peça é única e reflete a identidade cultural e a criatividade do artesão.

Tecelagem do Kushma, vestimenta Ashaninka. 

A arte de tecer dos Ashaninkas é valorizada não apenas dentro de sua comunidade, mas também reconhecida internacionalmente como um exemplo de habilidade e conhecimento tradicional. É uma forma de preservar sua cultura e promover o orgulho e a identidade indígena. Conta uma antiga Lenda Ashaninka que uma mulher lua enterrou sua Kushma branca e daquele ponto cresceu o algodão pela primeira vez. A Kushma é a vestimenta tradicional Ashaninka, são tingidas com a Catuaba, Trichilia catigua, chamada pelos Ashaninka de kamanporiki e Abiu-de-cacho, chamada, Pouteria sp de kitsapiki. 

Aqui vemos um tear pré-colombiano utilizado pelos Ashaninka, com urdume na horizontal,  e tramas passadas por uma laçadeira. Observe o gabarito que alinha as carreiras do entretorcido.

A seguir discorreremos sobre uma categoria de artefatos que inclui cordames, nós e tecidos para múltiplos usos, incluindo adorno corporal, porém com pouca ornamentação. Ornamentos feitos de conchas, cocos, sementes, miçangas, garras de animais, tabocas e, principalmente, penas, são classificados em diferentes categorias.

Adornos de materiais ecléticos, indumentária e toucador, e parcialmente na categoria de Trançados. Para evitar confusões com ornamentos semelhantes feitos com diferentes materiais e técnicas, utilizamos o termo "tecido" como modificador nos descritores. Por exemplo: tipoia tecida, saia tecida, aro tecido, pabeira tecida, abano tecido, etc.

Incluímos definições genéricas os termos para os tratamentos da matéria-prima que a tornam utilizável nessa indústria, tais como: fio de duas pernas, fumada, laçada em volta seca, almofada, etc... Além disso, as técnicas básicas são explicadas em sua forma verbal no infinitivo, por exemplo: a técnica genérica de acoplar e o processo de manufatura específico: acoplado, expresso por um adjetivo e/ou acoplado com malha saltada, etc.

É importante destacar que algumas técnicas de tecelagem, como entrelaçar e entretorcer, recebem a mesma denominação que suas equivalentes no trançado. A técnica de entretecer é equivalente à de entrecruzar nessa categoria de artefatos. No entanto, esses termos homônimos são facilmente identificáveis, pois as variações aplicáveis são especificadas no tópico Processos de manufatura. Portanto, nos trançados, utilizamos o termo enlaçado e suas variações na técnica básica de entrelaçar. Já nos tecidos, usamos o termo enlace (com ou sem enodapio) como equivalente. Para diferenciar a técnica de entretorcer no trançado e no tecido, utilizamos a forma adjetivada "torcido" no primeiro caso e "entretorcido" no segundo.

Buscamos evitar confusões ao utilizar essa abordagem, tornando a nomenclatura inclusiva e específica ao mesmo tempo, em outras palavras, é possível diferenciar categorias distintas de artefatos, mesmo que compartilhem elementos estruturais significativos.

Mencionamos também as principais fibras têxteis utilizadas pelos indígenas brasileiros, destaca-se o uso do algodão, da família das malváceas, além de fibras de palmeiras e bromélias. Embora raro, também ocorre o uso do linho obtido de plantas de outras famílias botânicas.

Os corantes vegetais utilizados para tingir o fio são discriminados, excluindo corantes de origem animal. Há menção do uso de barro preto (tejuco) como pigmento para tingir fibras entre os Tiriyó, observado também entre os Jurúna e os Tukina, combinado com corantes vegetais ainda não identificados.

Bolsa Guajajara feito com fibra bacuri, usando a técnica de entretecido símples com nós, de adornos tem-se os coquinhos de bacuri (Platonia insignis), semente de saboneteira (Sapindus saponaria L) e olho de cabra (Ormosia arborea)

O tópico Implementos especifica os objetos utilizados nos processos de fiação e tecelagem. 

Como mencionado, o adjetivo "tecido" é utilizado no item relacionado a vestuário e adorno pessoal para distinguir das vestimentas e adornos feitos de outros materiais, como contas de sementes, cocos, conchas, miçangas, cascos, garras e dentes de animais, além de élitros de coleópteros, canudos, palhas, talas e cascas de árvores. 

Essa classificação e taxonomia foram baseadas no estudo sobre artes têxteis indígenas do Brasil realizado por B. G. Ribeiro (1956), que se baseou em trabalho de campo com os Jurina, Kayabí, Asurinfe Anweté, além de consultas bibliograficas.

Tingimento dos Tecidos

Tecer e tingir tecidos é uma prática ancestral que tem sido realizada por comunidades indígenas no Brasil ao longo de séculos. Essas culturas nativas desenvolveram técnicas e conhecimentos específicos para extrair pigmentos naturais de plantas, insetos e minerais, que são utilizados para tingir suas roupas e acessórios de forma vibrante e duradoura. Esses pigmentos naturais não só conferem cores aos tecidos, mas também carregam significados culturais e simbólicos profundos.

Um dos pigmentos mais conhecidos e utilizados pelos indígenas brasileiros é o urucum (Bixa orellana). Essa planta, nativa da região amazônica, possui sementes de cor avermelhada que são amplamente utilizadas como corante natural. O urucum é rico em carotenoides, compostos químicos responsáveis por sua coloração intensa. Os indígenas extraem os pigmentos das sementes, que podem ser usados para tingir tecidos de tons que variam do vermelho ao laranja. Além de sua utilidade prática, o urucum também tem significados simbólicos para muitas culturas indígenas, representando a vitalidade, a proteção e a conexão com a natureza.

Mulher Araweté separando sementes de urucum. Foto: Eduardo Viveiros de Castro/ISA. Os Ashaninka usam pigmentos de Catuaba, chamada de kamanporiki por eles e Abiu-de-cacho, Pouteria sp (chamada por eles de kitsapiki) para tingir seus tecidos  que normalmente se chama catuaba, diferencia-se em duas plantas, a Eriotheca candolleana e a Trichilia catigua, ambas com pigmentação vermelha. 

Outra planta bastante utilizada pelos indígenas para tingir tecidos é a genipapo (Genipa americana). Essa árvore, encontrada em várias regiões do Brasil, produz um fruto de casca escura que contém um suco de cor azulada. Os indígenas extraem o suco do genipapo e o utilizam para tingir tecidos, geralmente produzindo um tom azul ou preto. Além de seu uso estético, o genipapo também possui significados culturais, simbolizando o luto, a espiritualidade e a renovação.

Outro pigmento amplamente utilizado é o açafrão-da-terra (Curcuma longa), também conhecido como cúrcuma ou açafrão-da-índia. Essa planta, nativa da Ásia, foi introduzida no Brasil por meio do contato com os povos indígenas. O açafrão-da-terra produz uma raiz de cor amarelo-alaranjada intensa, que pode ser utilizada para tingir tecidos. Além de sua utilização como corante, o açafrão-da-terra é apreciado por suas propriedades medicinais e é uma importante planta na medicina tradicional indígena.

Além dos pigmentos de origem vegetal, os indígenas também utilizam pigmentos de origem mineral para tingir seus tecidos. O barro e o caulim são exemplos de minerais que podem ser transformados em pigmentos naturais e utilizados para tingir tecidos. Esses pigmentos minerais geralmente produzem cores terrosas, como o marrom e o ocre. O uso desses pigmentos está muitas vezes associado a rituais e cerimônias específicas, carregando significados espirituais profundos para as comunidades indígenas.

É importante destacar que a prática do tingimento de tecidos com pigmentos naturais é muito mais do que uma técnica de coloração. Ela representa um conhecimento ancestral transmitido de geração em geração, refletindo a conexão das comunidades indígenas com a natureza e com suas tradições culturais. O processo de obtenção dos pigmentos naturais geralmente envolve um profundo conhecimento das plantas, minerais e técnicas de extração, bem como um profundo respeito pelo ambiente em que vivem.

Ao utilizar pigmentos naturais, os indígenas valorizam a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Ao contrário dos corantes sintéticos, que podem ser prejudiciais à saúde humana e ao ecossistema, os pigmentos naturais são biodegradáveis e não poluem o meio ambiente. Além disso, as plantas utilizadas para a extração dos pigmentos geralmente são cultivadas de forma sustentável ou coletadas de maneira consciente, evitando a exploração excessiva e o impacto negativo sobre a biodiversidade.

O tingimento de tecidos com pigmentos naturais também desempenha um papel importante na preservação da identidade cultural das comunidades indígenas. As cores e padrões presentes nos tecidos são elementos fundamentais para a expressão de suas tradições, mitos e valores. Cada cor pode representar uma conexão com a natureza, uma manifestação espiritual, um momento histórico ou um símbolo de pertencimento a um determinado grupo étnico.

Além disso, a produção de tecidos tingidos com pigmentos naturais muitas vezes envolve técnicas artesanais tradicionais, como o tingimento manual, o uso de teares manuais e a aplicação de padrões por meio de técnicas como a pintura ou o bordado. Essas habilidades artesanais são transmitidas de geração em geração, contribuindo para a preservação das técnicas tradicionais e gerando fontes de renda para as comunidades indígenas.

O Preparo do Genipapo

A preparação da tinta de Genipapo varia de acordo com as práticas e tradições de cada comunidade indígena. No entanto, aqui está uma descrição geral do processo utilizado para obter a tinta a partir do Genipapo:

O preparo da tintura de genipapo varia de acordo com as práticas e tradições de cada comunidade indígena.

1- Coleta do fruto: Os indígenas procuram frutos maduros de Genipapo (Genipa americana) em suas áreas naturais. O Genipapo é uma árvore comum em várias regiões do Brasil e seus frutos têm uma casca verde escura que se torna marrom ou preta quando madura;

2 - Preparação da polpa: Os frutos de Genipapo são abertos e a polpa interna é removida. Essa polpa é macerada ou esmagada para extrair o suco contido no fruto.
Fermentação: Em alguns casos, a polpa do Genipapo é deixada para fermentar por alguns dias, o que ajuda a intensificar a cor do suco obtido. Esse processo de fermentação pode variar de acordo com as práticas tradicionais de cada comunidade;

3 - Extração do suco: A polpa macerada ou fermentada é colocada em recipientes, como cabaças ou potes de barro, e água é adicionada para extrair o suco do Genipapo. A mistura é então mexida e agitada cuidadosamente para garantir a liberação completa da cor do Genipapo na água;

4 - Filtragem: Após a extração do suco, ele é filtrado para remover resíduos sólidos da polpa do Genipapo. Isso pode ser feito usando um filtro de pano ou peneira fina para obter um líquido limpo e uniforme;

5 - Aplicação da tinta: O suco do Genipapo obtido é utilizado como tinta para tingir tecidos. O tecido é mergulhado ou imerso na tinta e agitado para garantir que a cor se espalhe uniformemente. Dependendo da intensidade desejada, o tecido pode ser submergido por mais tempo na tinta; 

6 - Fixação da cor: Para garantir que a cor do Genipapo seja duradoura, algumas comunidades indígenas realizam um processo de fixação após o tingimento. Isso pode envolver a exposição do tecido ao sol ou ao calor, ou a aplicação de substâncias fixadoras naturais, como açafrão-da-terra.

É importante destacar que essas etapas podem variar de acordo com as práticas e tradições específicas de cada comunidade indígena. Cada grupo pode ter suas próprias variações no processo de preparação da tinta de Genipapo, adaptando-o de acordo com sua cultura, recursos disponíveis e conhecimentos tradicionais transmitidos ao longo das gerações.

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