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sábado, 27 de junho de 2020

Pankararu

Toy Art Pankararu
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
159Pankararu

UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
MG, PE, SP8477Funasa 2010


A exemplo de quase todos os grupos indígenas do Nordeste brasileiro, a história Pankararu remete a políticas públicas e ação missionária implementadas desde o início da colonização portuguesa, que incluíam deslocamentos e aldeamentos forçados, impondo a convivência e a posterior indiferenciação de etnias diversas na região. Seus direitos fundiários não foram respeitados no reconhecimento oficial da Terra Indígena Pankararu. Apenas em 1999, depois de anos de reivindicação, o processo de ampliação dessa terra foi iniciado, mas ainda não está concluído. Assim como os outros povos do Nordeste, o principal emblema da cultura Pankararu consiste no sistema ritual do Toré e no culto aos Encantados a ele associado.
Festividade Pankararu

Contato direto

Acompanhe a produção dos Pankararu e de outros grupos na web em: http://indiosonline.org.br

 Localização e histórico da TI

A Terra Indígena Pankararu, homologada em 1987, está localizada entre os atuais municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no sertão pernambucano, próximo ao rio São Francisco.

Sua forma é a de um quadrado perfeito e corresponde à memória que os Pankararu mantêm da doação imperial de uma sesmaria à missão religiosa que aldeou seus antepassados durante os séculos XVIII e XIX. A única notícia oficial da presença de um aldeamento religioso no local, do qual não há o registro de fundação, diz respeito à sua extinção, em 1878.
Terra Indígena Pankararu

Desde os primeiros registros do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na década de 1930, as terras reivindicadas pelos Pankararu correspondem a "uma légua em quadra", delimitada em 14.290 hectares. Quando da primeira intervenção local do órgão indigenista, em 1940, no entanto, os limites da terra reivindicada não foram respeitados. No trabalho de demarcação, o funcionário responsável reduziu aquele quadrado em meia légua nos seus eixos leste e norte, transformando os mais de 14.000 hectares iniciais nos 8.100 hectares oficialmente reconhecidos.

Os Pankararu intensificaram então os conflitos fundiários com posseiros não-indígenas que habitavam a porção sudoeste da área reconhecida. Ambos passam a reivindicar a decisão da justiça no reconhecimento de seus direitos e a situação permanece nessa dualidade, pontuada por conflitos, até 1984, quando é organizado um Grupo de Trabalho (GT) da Funai para realizar uma revisão da área Pankararu.

O relatório resultante do GT de 1984 propõe ao órgão corrigir a diminuição realizada na área pretendida em 1940, abarcando todo o quadrado maior, com exceção de um pequeno trecho na sua face leste, na qual foi feito um corte para deixar de fora a cidade de Tacaratu, elevando o tamanho para 14.294 hectares. Com relação à área em litígio no vértice sudoeste, o GT realiza o levantamento fundiário das posses, com fim à desapropriação dos "invasores".
Festividade Pankararu
Essa proposta, no entanto, é recusada no Ministério da Agricultura e, num acordo com as lideranças indígenas (cacique, pajé, presidente da associação comunitária), troca-se o acréscimo da área ao norte e ao leste pela promessa de imediato "desintrusamento" do antigo trecho em litígio. Em 1987, a mesma área demarcada pelo SPI é então homologada, agora pela Funai, sem que a promessa de "desintrusamento" fosse cumprida. Apenas em 1993, por força de uma ação civil pública movida pela Procuradoria da República contra a União, Funai e Incra, a Justiça decide-se pela retirada de doze famílias de posseiros, identificados como suas principais lideranças, na tentativa de viabilizar as demais retiradas. Esses posseiros, no entanto, recorrem e ganham a suspensão da decisão, voltando a situação à mesma indefinição anterior.

Complexificando esse quadro, lideranças do grupo de posseiros argumentam existirem famílias descendentes de seus ancestrais casadas com indivíduos Pankararu e hoje consideradas indígenas, da mesma forma que existiriam muitas famílias de posseiros descendentes de índios, mais frequentemente de índias, casadas com não-índios e transferidas para fora do que hoje são os limites da área indígena.

Em 1999, a área restante à extensão homologada foi submetida a um novo processo de identificação sob o nome de Terra Indígena Entre Serras e em 2007 foi homologada.

 Ambiente e economia

Um pequeno brejo, formado pela vaga aberta em meio aos últimos contrafortes da Serra de Tacaratu (mais conhecida pela população local como Serra Grande), ganha a forma de um anfiteatro, com sua cabeceira à leste abrindo-se no sentido oeste em direção às margens do São Francisco. Este pequeno "oásis verdejante", que serviu para a localização do aldeamento de Brejo dos Padres, é um ponto avançado do agreste em plena área sertaneja, contrastante com a paisagem em torno, marcada por uma pecuária ultra-extensiva e articulada, até meados do século XX, a uma agricultura de subsistência em geral pouco expressiva.

As mudanças de infra-estrutura decorrentes da instalação das UHE de Paulo Afonso e Itaparica na década de 1980 e mesmo antes, quando das frustradas tentativas de irrigação das margens do São Francisco pelo DNOCS na década de 1930, atenuam o contraste entre o Brejo e seus arredores, onde se sucedem cidades e áreas de irrigação.

Na seção central da Terra Indígena encontramos uma terra bastante úmida e escura, alimentada por quatro fontes d'água que nascem na cabeceira dos contrafortes e que, antes das obras de canalização realizadas ao longo da década de 1990, formavam um pequeno rio que escorria até a estreita saída desse anfiteatro, procurando desembocar, quando a seca permitia, no São Francisco. Uma região rica em fruteiras, em especial as mangueiras, goiabeiras e pinhas, que podem complementar a renda familiar de seus moradores em épocas menos secas. Como a qualidade do solo permite plantar de tudo, desde o milho e os diferentes tipos de feijão até a cana, introduzida ali em inícios do século XIX, e que por muito tempo alimentou pequenos engenhos de índios, não-índios e do SPI na fabricação de "mel", garapa e rapadura.

Ultrapassando esses contrafortes, a paisagem muda bastante. Não existe mais a proteção natural que permite a concentração e precipitação das poucas nuvens que chegam do litoral, e a secura quase permanente torna a terra branca, arenosa, quando não dura e pedregosa. Na seção sul, a encosta da serra desce de uma única vez, em curvas de nível largas que formam pastos naturais. Duas fontes d'água hidratam um estreito trecho dessa seção, umedecendo a pequena depressão que depois volta a elevar-se, seguindo três ou quatro quilômetros secos até as bordas da área. Nesta parte regada, cerca de um terço de toda a seção, planta-se feijão e milho, ficando os dois terços de encostas restantes dedicados à mandioca. Sua importância para os Pankararu está no papel que essa região desempenha, pois além de reserva de madeira, é também onde floresce o umbu, fruta natural da região, quase um símbolo étnico, central na mitologia de suas festas.

Do lado externo à área homologada, ao norte dos contrafortes, a serra não desce de uma única vez, mas desenha degraus e muitas valas que chegando ao seu ponto mais baixo voltam a subir, formando uma espécie de estreita "barriga" antes de dar continuidade ao contraforte. A forma acidentada dessa seção dificulta muito a agricultura, tornando-a plenamente utilizável apenas para a mandioca, ainda que seus moradores nunca percam a oportunidade de plantar os tradicionais feijão e milho. Por outro lado, torna-a rica em estreitas e altas formações rochosas, às vezes de aspecto imponente, conhecidas como "serrotes".

Nesta seção não há nenhuma fonte d'água natural, o que faz com que seus moradores dependam quase exclusivamente das chuvas, que são complementadas, com dificuldade, por caminhões-pipa que eles mesmos pagam ou que, próximo às eleições, são fornecidos pelo poder público. Na ausência desses dois recursos, o cotidiano é feito das "carradas" de potes d'água entre a serra e o Brejo, no lombo do jegue ou na cabeça de mulheres e crianças, que assim começam os seus serviços matinais às 4:00 e os terminam às 7:00, depois de duas viagens. Tendo em conta o desenho jurídico, essa seção da terra Pankararu fica em grande parte fora da área homologada em 1987 e dentro da identificada em 1984.

As aldeias e as cidades

Cortando essas aldeias e ligando todas entre si, desce o pequeno riacho que nasce na cabeceira do Brejo e o percorre até a cidade de Itaparica, enquanto paralelo a ele sobe a estrada que vem de Itaparica, “cidade livre” e Petrolândia, e que termina no centro quase exato da área indígena. Por ser cortada pela maior e mais movimentada via de acesso à área, é nessa seção que se concentram as residências em forma de arruamento, com pouco espaço para plantio constante e apenas o suficiente para pequenas hortas e para as antigas áreas de pomar, onde floresce grande número de fruteiras que no verão complementam a renda das famílias. Associado a essa falta de terrenos de plantio, é nessa seção que mora a grande maioria dos índios que trabalham nas cidades próximas ou como "meeiros", diaristas ou rendeiros de outros índios, dos posseiros, ou de proprietários vizinhos à área.

Na seção sul, as terras são usadas na maior parte para pasto, mas existem trechos, em especial os que ficam próximos à concentração das fontes nascentes (e onde estão os mais repartidos e povoados: Tapera, Brejinho dos Correias e Carrapateira) que têm se mostrado bons para o plantio, atraindo índios das outras seções. Essa região tem uma ocupação recente, que remete no máximo à década de 1940, servindo hoje como área de expansão.

A seção norte é composta por um caótico roteiro das curvas de nível de um trecho encravado num estreito vale, mas também e ainda que com uma área equivalente às outras duas, possui quase o dobro de repartições, mas uma densidade menor que a seção central.

A instalação do posto indígena em 1940 deu-se na seção central e ecologicamente privilegiada, o Brejo, acrescentando aos seus atributos ecológicos o de sede do órgão tutelar e, progressivamente, o de sede política, até então inexistente. Isso, por sua vez, tornou-a a seção privilegiada na ordem de surgimento e concentração dos prédios públicos, basicamente escolas e farmácias, assim como da assistência mais próxima e constante da ação tutelar.

As outras seções também vieram a ser atendidas com prédios públicos e serviço de assistência, mas ficaram sempre em segundo plano na ordem das implantações e no número de estabelecimentos e de funcionários. Essa desigualdade de recursos nas diferentes seções, até mesmo em função da diferença de concentração populacional, durante muito tempo não ofendeu a paridade relativa entre as aldeias distribuídas por todo o "círculo". No entanto, na década de 1980, uma série de mudanças regionais afetaram esse equilíbrio local, acentuando as diferenças.

Novos recursos

Nos anos 1980, uma série de recursos e financiamentos especiais passaram a afluir à região pela iniciativa governamental, interessada em minimizar a oposição à construção da barragem da UHE Itaparica, em especial através da atuação da EMATER. Foram realizados relatórios de avaliação do impacto social das barragens que deram maior visibilidade aos Pankararu e a outros grupos indígenas próximos, em especial os Tuxá. Além disso, a imprensa regional dirigia a atenção para o local, marcado pelas paralisações nas obras da barragem realizadas pelos sindicatos. Tudo isso fez com que a região ganhasse interesse também para a ação de órgãos assistencialistas, como a LBA e diferentes tipos de agências não-governamentais, que iam do Lions Club ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Essa mudança de conjuntura possibilitou à Funai propor uma série de projetos econômicos e culturais que então eram canalizados para os postos indígenas da região e que tinham na origem de seus recursos programas governamentais mais amplos, como o Programa de Integração Nacional (PIN), o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP), o Polonoroeste etc. Somam-se a essas ainda as mudanças que atingiram o campo indigenista no Brasil na década de 1990 e conferiram à região Nordeste uma nova visibilidade, atestada pela atenção das antigas agências ou pela criação de novas, na própria região.

Em todos esses casos, no entanto, o ponto de referência para a atuação dentro da área indígena Pankararu é sempre o Brejo dos Padres, local de maior concentração populacional e onde se encontra localizado o posto indígena. Transporte fácil, água encanada e distribuída por caixas d'água públicas, luz gratuita e recursos sociais variados, como creche, casa de farinha coletiva, centro de produção artesanal, clube e um pequeno caminhão, todos surgidos ao longo da década de 1980, marcam hoje uma diferença grande entre o "Brejo" e as outras duas seções, em especial no que diz respeito à seção norte, onde a falta desses recursos se soma às desvantagens de suas geografias jurídica e ecológica.

Boa parte desses recursos surgidos na década de 90 não têm origem nem são mediados pela Funai, mas são alcançados diretamente pelas lideranças indígenas, em mais uma das variações do que chamamos de “busca dos direitos”. Com a ampliação do número de agências governamentais e não-governamentais na região foi possível ampliar ainda mais a noção de “direitos” e o campo de atuação das “lideranças peregrinas” [ver item “História”]. As viagens que passam a ser feitas, então, apesar de estarem sempre vinculadas ao conflito fundiário, não buscam mais exclusivamente soluções fundiárias, nem apenas os empregos na Funai, mas também o apoio de outras agências na forma de projetos de desenvolvimento comunitário, ou de auxílio a "pequenos produtores". Um número relativamente grande de lideranças passa a participar das viagens em busca dos novos “direitos”.

Algumas mudanças se impuseram com o trânsito entre essas novas agências de assistência. Uma delas, e talvez uma das mais importantes, foi o surgimento das “associações comunitárias”, que passaram a ser a interface legal nas transações de transferência de verbas e de realização de convênios entre agências de apoio e grupos indígenas.

 História

Desde o início da década de 1920, os Pankararu, por meio de suas relações com os Fulni-ô, haviam estabelecido contatos com o Padre Alfredo Dâmaso – que passaria a apoiá-los em reivindicações fundiárias desde os primeiros contatos, recomendando-os a autoridades militares de Paulo Afonso (BA), que, nessa época, era a principal cidade das redondezas, onde os Pankararu freqüentavam a feira semanal.

Mas foi na cidade de Águas Belas, em 1935, que o pesquisador Carlos Estevão de Oliveira toma contato com um Pankararu e em seguida faz sua primeira viagem ao Brejo dos Padres. Dois anos depois, profere palestras divulgando a existência do grupo. Então, o Ministério da Guerra, ao qual o SPI estava subordinado, envia ao local um funcionário para uma primeira avaliação. Os trabalhos não teriam continuidade até que, três anos mais tarde, depois transferência do SPI para o MAIC (Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio), o órgão instalasse um posto indígena no Brejo dos Padres.

Nessa época, já existia um circuito de trocas entre comunidades hoje reconhecidas como indígenas que poderíamos descrever segundo dois modelos, as viagens rituais e de fuga, que parecem ser desdobramentos de um padrão de mobilidade ainda anterior. As viagens rituais consistiam no trânsito temporário de pessoas e famílias entre as comunidades, marcado por eventos religiosos, que podem corresponder ou não a um calendário anual. As viagens de fuga eram migrações de grupos familiares em função das perseguições, dos faccionalismos, das secas ou da escassez de terras de trabalho.

Para os Pankararu, a cidade de Rodelas, e “os rodelas”, atuais Tuxá, eram uma referência permanente de suas viagens, antes da construção das usinas hidroelétricas que bloquearam o canal desse fluxo de pessoas. Os Pankararu mantinham contatos também com outros grupos, de outros pontos do São Francisco, como os Fulni-ô e, menos freqüentemente, os Kambiwá. Sua relação com os Pankararé e com os Jeripancó era ainda mais estreita, no caso dos primeiros, em função da memória de uma origem comum, no caso dos segundos, porque estes seriam uma parte desgarrada do Brejo dos Padres, fruto destas viagens de fuga, justamente no momento de maior expropriação das terras do antigo aldeamento de Brejo dos Padres.

Dessa forma, as viagens ligavam grupos, de origens diferentes ou não, por laços de afinidade e parentesco na produção de uma comunidade ritual mais abrangente e em expansão, levando à constituição de circuitos abertos de trocas de homens, informação e cultura. Tais circuitos entre os índios do Nordeste também formaram uma comunidade de problemas (o gado sobre as roças surge em todos os relatos e a expropriação das terras de antigos aldeamentos em quase todos) e memórias comuns.

Tais circuitos rituais e de fugas encontram correspondência em viagens historicamente anteriores, que marcaram a situação histórica dos aldeamentos indígenas ao longo do São Francisco. Os grupos da região sempre mantiveram forte resistência ao assentamento em um único local, de forma que lhe fosse tolhida a perambulação por entre aldeias e grupos vizinhos e o empreendimento colonizador levou muito tempo para reduzir esta mobilidade. O fato de terem sido reunidos em aldeamentos comuns, adaptados à cultura agrícola e introduzidos numa estrutura de poder fixa, não significou o imediato rompimento com essa forma de viagens.

À diferença dos aldeamentos construídos pelos próprios sesmeiros da região, como forma de ocupar largos trechos de terras e livrar seu gado do assédio de grupos indígenas "brabos", as Missões tendiam a ser organizadas de uma forma mais regulada. O padrão de mobilidade daquelas populações étnicas pode, portanto, ser buscado em formas culturais nômades anteriores aos aldeamentos, mas também corresponde a um dos efeitos específicos da dinâmica de territorialização dos próprios aldeamentos, quando estes, a fim de maximizar sua administração, juntavam e repartiam grupos de diferentes origens, criando, com isso, laços entre aquilo que os missionários e outros administradores concebiam como unidades administrativas estanques.

Lideranças peregrinas

Um outro gênero de viagens característico da história Pankararu são as viagens de lideranças dessas comunidades à capital de Pernambuco e até mesmo ao Rio de Janeiro, em busca dos direitos, que têm origem como resposta ao último momento das políticas de expropriação territorial, que levou também à extensão oficial dos aldeamentos. Essas viagens passam a ser uma marca da luta indígena do período compreendido entre o último quarto do século XIX e o primeiro do séc. XX, servindo também como modelo a partir do qual se conformarão as alterações nos arranjos de autoridades internos àqueles grupos depois do advento do SPI na região.

O século XIX parece assistir à passagem dos pedidos de missionários em favor dos índios, para pedidos dos índios em seu próprio nome, por meio de petições ao Imperador ou de viagens que realizavam a fim de vê-lo pessoalmente. As comunidades indígenas passam a ver nas viagens aos centros de autoridade, capazes de as conectar aos poderes extralocais, o único recurso para a conquista ou garantia de seus domínios territoriais.

Não é no vazio, portanto, que surgem, desde o início do século XX, as viagens de representantes da comunidade de Brejo dos Padres às cidades vizinhas, na busca de proteção contra o gado dos fazendeiros que invadia suas roças. A década de 1930, aparentemente sob o impacto dos programas do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), amplia a presença de poderes extralocais na região, produzindo novos centros de autoridade. Mas é na cidade de Bom Conselho que, apesar de não apresentar qualquer papel regional destacado, a presença do Pe. Alfredo Dâmaso e o seu apoio às demandas de grupos de remanescentes criaram um centro de autoridade que passa a substituir outros possíveis centros, até então ineficientes.

Nesse circuito, a importância que passa a ter a cidade de Bom Conselho deriva do seu papel de ponto de convergência de dois circuitos rituais, pois seu pároco tinha no seu roteiro de serviços espirituais a cidade vizinha de Águas Belas, onde se localizam os Fulni-ô, mais um dos pontos do circuito de trocas rituais dos Pankararu, Xukuru, Xukuru-Kariri, Tuxá, Kambiwá e outros.
Chapéu de palha ritual ("capacete"), feito de fibras de buriti, usado pelo jovem que entra no ritual do "menino do rancho".

As demandas dos caboclos do Brejo dirigidas ao Pe. Dâmaso inicialmente não falavam na criação de qualquer área de exclusividade que distinguisse entre aqueles que eram ou não eram índios. A memória de uma ancestralidade indígena servia como fiadora dos direitos que sabiam ter sobre as terras, mas não implicava desde o início na pretensão de uma delimitação formal, subordinada a uma unidade identitária e política. A referência não era um território, mas posses de uso familiar. Não existia um perímetro circundando um território abstrato de uso coletivo (ainda que se conhecessem os marcos do antigo aldeamento), mas a terra sobre a qual se investia um trabalho social, de base familiar e sobre a qual havia um domínio não legal, mas hereditário. Era desse domínio que sabiam estar sendo expropriados.

É apenas depois da entrada do SPI em Águas Belas e do reconhecimento dos Fulni-ô como remanescentes indígenas com direitos a um território, que essa visão do domínio da terra mudará de natureza, potencializando a memória de uma posse coletiva ancestral. Aqueles que viajavam em busca de apoio na defesa de suas posses passam então a viajar em busca do direito a seus territórios como “remanescentes”. Isso repercute sobre todos os aspectos da vida da comunidade, desde sua relação com a memória, até o seu arranjo interno de autoridades, em que passam a ocupar um lugar diferencial justamente aqueles que eram responsáveis pela busca dos direitos.

Da Jurema aos cultos Afrobrasileiros

Os Pankararu possuem uma relação muito forte com a Jurema, uma planta considerada sagrada e utilizada em seus rituais religiosos há séculos. A Jurema é considerada pelos Pankararu como uma entidade espiritual que ajuda a conectar os seres humanos com o mundo divino.

Com relação à Umbanda e ao Candomblé, que são religiões de matriz africana que possuem influências indígenas, há uma relação de sincretismo religioso com a cultura e as crenças dos Pankararu. Muitos Pankararu adotaram elementos dessas religiões em seus rituais, como a utilização de elementos como a água, o fogo, as ervas e os cantos em línguas africanas. No entanto, é importante ressaltar que essa relação não é homogênea em todas as comunidades Pankararu, e pode variar de acordo com as crenças e práticas locais.

Com relação aos caboclos, que são entidades espirituais que aparecem em algumas práticas religiosas, os Pankararu também possuem uma relação de reverência e respeito. Os caboclos são considerados pelos Pankararu como entidades que ajudam a proteger e guiar os seres humanos em suas jornadas espirituais.

Com relação ao cristianismo, muitos Pankararu adotaram a religião católica em suas práticas religiosas, mas também mantiveram elementos de suas crenças e tradições indígenas. Essa relação pode ser vista, por exemplo, na celebração do Dia de São José, que é um importante evento religioso para os Pankararu e é celebrado com danças e cantos tradicionais. No entanto, é importante destacar que essa relação também pode variar de acordo com as crenças e práticas locais, e que muitas vezes os Pankararu adotam o cristianismo em uma forma de resistência cultural e de preservação de suas tradições ancestrais.

Dentro das concentrações dos Pankararu existe uma ciência poderosa, também, agora, depois do mundo de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é nosso protetor dos encantados. O índio sabe e acredita que existe Nosso Senhor, porque Nosso Senhor foi quem criou e deixou a nação criada em cima da terra, justamente os nossos troncos velhos. Foi obra que Nosso Senhor deixou e deixou o índio com o saber indígena, um saber oculto, que só poderá saber ele mesmo. Então eles acreditam que existe Deus, mas dentro da ciência deles eles sabem que têm uma ciência, que imita Nosso Senhor Jesus Cristo". (Ib.:204)

 Se o catolicismo está profundamente enredado em suas concepções, não é nele, contudo, que os Pankararu vão buscar os termos com os quais categorizam o experienciado durante seus rituais, pois não há, no catolicismo, experiências como a do transe e da possessão. 
 
"Empregam expressões e seguem princípios doutrinários comuns no "continuum mediúnico", que vai do Kardecismo à umbanda, indicando influências das religiões mediúnicas urbanas sobre o sistema religioso dos Tuxá e Pankararu, o qual eles denominam "regime". 

Eles lançam mão, ritualísticamente, de expressões, objetos e princípios doutrinários, tais como: "mesa", "terreiro", "trabalho", "centro", "corrente", "cavalo", "descer", "baixar", "incorporar", "linha", "aparelho", "prestar obrigação aos encantados", a "vidência"; as "maes-do-terreiro" "Pequena" e sua filha "Maria Pequena" seriam reproduções da "mãe-de-santo", "Mãe-Pequena"? Os atos litúrgicos de colocar os cachimbos de barro na 'mesa' junto ao pajé, às mães-do-terreiro e de cada "discípulo"; ou quando a mãe-do-terreiro faz a cruz com a fumaça do fumo, sobre o vinho da jurema, no centro.

Jurema


O ritual da Jurema Sagrada é uma prática espiritual largamente difundida, uma tradição cultural de âmbito espiritual no qual plantas sagradas desempenham papel principal. Diversos povos indígenas do Brasil, principalmente do Nordeste e da região amazônica a praticam. 

O termo Jurema designa várias espécies de Leguminosas dos gêneros Mimosa, Acacia e Pithecellobium. 

Plantas e Prinípio Ativo

No gênero Mimosa, cita-se a Mimosa verrucosa Benth e a Mimosa tenuiflora Willd (ainda comumente chamada de Mimosa hostilis Benth, ou, outrora, Mimosa Nigra ou Acacia jurema Mart, ou Acacia hostilis Mart.). 

No gênero Acacia identifica-se a Acacia piauhyensis Benth. Além disso várias espécies do gênero Pithecellobium também são designadas por esse mesmo nome. A classificação popular distingue a jurema branca e jurema preta. 


Para Sangirardi Jr.(o.c.) a jurema preta é a M. hostilis ou M. nigra, a Jurema branca o Pithecellobium diversifolium Benth e a Mimosa verucosa corresponde a jurema-de-oeiras. Ainda segundo esse autor o termo jurema, jerema ou gerema vem do tupi yú-r-ema – espinheiro. Entre espécies conhecidas como jurema inclui-se ainda jurema-embira (Mimosa ophthalmocentra) e jurema-angico (Acacia cebil), entre outras. 

Lima refere-se a existência de juremas pretas aculeadas e inermes. Das espécies colhidas por ele em Arcoverde (PE), concluiu após análise de renomados botânicos, que ambas podem ser classificadas como Mimosa hostilis Benth ou Acacia hostilis Mart. Reise I e que são possuidoras do mesmo alcaloide.

Souza et al em estudos de revisão identificou dezenove espécies diferentes conhecidas como "Jurema" onde se constata a presença de alcalóides, embora, segundo seu estudo as espécies conhecidas sobretudo como como "jurema-branca" não contenham alcalóides triptaminicos.

Antes mesmo da colonização, o culto era um elemento sagrado praticado por diversas etnias indígenas da região, por conta de suas propriedades psicoativas. O nome popular dessas plantas pode variar de etnia para etnia, de região para região, como Calumbi, Tepezcohuite, Yurema, entre outros.

Para esses povos indígenas, essas plantas sagradas que possuem poderes curativos e espirituais, são utilizadas em rituais de cura, de fortalecimento espiritual, de conexão com os ancestrais e de proteção contra energias negativas. A prática de consumir a Jurema em rituais é conhecida como "Jurema Sagrada" ou "Jurema Preta".

A Jurema, Mimosa tenuiflora e também pode ser chamada de Jurema-preta ou Vinho-de-jurema, contém diversos princípios ativos, como a dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide psicodélico que é capaz de induzir experiências alteradas de consciência. Além disso, a planta também contém outros alcaloides, taninos, flavonoides e compostos antioxidantes.

No ritual da Jurema, a planta é preparada de diversas formas, dependendo da tradição e da região em que é praticada. Em alguns casos, a casca da raiz é cozida em água para produzir um chá ou uma bebida alcoólica, que é consumida pelos participantes do ritual. Em outros casos, a casca da raiz é pulverizada e inalada, ou então é misturada com outras plantas para produzir um unguento que é aplicado na pele.

Além da Jurema, outros vegetais e plantas podem ser utilizados em rituais que envolvem a planta, dependendo da tradição e da intenção do ritual. Algumas das plantas mais comuns incluem a Arruda, o Guiné, a Quebra-pedra, a Malva-rosa e a Catingueira. Cada uma dessas plantas tem suas próprias propriedades medicinais e espirituais, e são combinadas de diferentes maneiras para produzir diferentes efeitos no corpo e na mente dos participantes do ritual.

A prática da Jurema é realizada por diversas etnias indígenas e afro-brasileiras em diferentes regiões do Brasil. As formas de preparação e uso da Jurema podem variar de acordo com a tradição e a região em que é praticada.

Em relação à forma de consumo, a Jurema pode ser ingerida na forma de um chá ou bebida alcoólica, ou então pode ser aspirada como um rapé. Em alguns casos, a casca da raiz é mastigada para produzir uma pasta que é aplicada na pele ou nos olhos.

Entre as etnias indígenas que praticam a Jurema, destacam-se os Fulni-ô, Pankararu, os Tuxá, os Xucuru-Kariri e os Xukuru, que habitam principalmente os estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia. 

Contexto Cultural Brasileiro

Câmara Cascudo estudou as práticas e crenças relacionadas à Jurema em diferentes regiões do Nordeste, entrevistando praticantes e estudando documentos históricos. Ele escreveu diversos artigos e livros sobre o assunto, incluindo "A Medicina Popular no Brasil", "Superstições e Crendices do Brasil" e "O Dicionário do Folclore Brasileiro".

Câmara Cascudo apontou que a Jurema foi alvo de perseguição e criminalização por parte das autoridades coloniais e republicanas, que associavam as práticas relacionadas à planta a "superstição" e "bruxaria". Ele destacou a importância de valorizar e respeitar as tradições culturais dos povos indígenas e afro-brasileiros, incluindo as práticas relacionadas à Jurema.

Severino Diniz

Existem diversos episódios na história do Brasil em que o uso da Jurema foi criminalizado e perseguido pelas autoridades, principalmente durante os períodos colonial e republicano. Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em 1938, na cidade de Catolé do Rocha, no estado da Paraíba.

Nessa época, o líder religioso Severino Diniz havia fundado a "Casa de Jurema", um espaço dedicado à prática dos rituais relacionados à Jurema. A casa era frequentada por pessoas de diferentes regiões do Nordeste, incluindo indígenas e afro-brasileiros que mantinham as tradições relacionadas à planta.


No entanto, a prática da Jurema foi vista com desconfiança pelas autoridades locais, que a associavam a "bruxaria" e "superstição". Em 1938, a polícia invadiu a Casa de Jurema e prendeu Severino Diniz e outros líderes religiosos, confiscando a Jurema e outros objetos sagrados utilizados nos rituais.

Os líderes religiosos foram acusados de charlatanismo e de atentar contra a saúde pública, e foram levados a julgamento. Durante o julgamento, foram apresentados testemunhos que acusavam a Casa de Jurema de realizar rituais "satanistas" e de oferecer a Jurema a crianças. No entanto, muitos dos depoimentos foram baseados em preconceitos e estereótipos sobre as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas.

Apesar dos esforços de defesa dos líderes religiosos e de intelectuais e ativistas que se mobilizaram em favor da causa, Severino Diniz foi condenado a quatro anos de prisão e a Casa de Jurema foi fechada. O episódio ficou conhecido como "Caso Jurema" e foi um exemplo da perseguição e criminalização das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas no país.

Assim, as contribuições de Câmara Cascudo foram fundamentais para o estudo e o reconhecimento da Jurema como um elemento importante da cultura popular e da religiosidade dos povos do Nordeste do Brasil.

Jurema Protegida por Lei

Existem algumas leis brasileiras que reconhecem a Jurema como patrimônio cultural e imaterial do país, garantindo o direito dos povos indígenas e afro-brasileiros de praticarem seus rituais e tradições. 

As federações religiosas constituíram, no processo histórico das religiões afro-ameríndias, um importante mecanismo de resistência e legalização. Na Paraíba, foi criado no ano de 1966 a Federação dos Cultos Africanos da Paraíba - FECAP, teve como primeiro presidente o pai de santo Carlos Rodrigues Leal.

Até essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. 

Contudo, a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos elementos religiosos da umbanda paraibana. (SANTIAGO, 2008, s/p)

De acordo com Lima (2020), a Federação impôs-se como uma ferramenta de representatividade religiosa que tinha a intenção de catalogar os terreiros do estado.

O governador João Agripino tornou uma importante referência política para as pessoas de religiões afro-ameríndias, no aniversário de 10 anos de criação da FECAP, o ex-governador foi convidado de honra para a celebração. Em suas falas, Mãe Marinalva destacou a aproximação do ex-governador e ex-ministro em atividades religiosas, como a festa de Iemanjá, realizada na praia de Cabo Branco na capital paraibana.

Algumas dessas leis são:

- Lei 11.645/2008: Esta lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Isso inclui o reconhecimento da Jurema como uma das expressões culturais afro-indígenas do país.

Em 2003 a UNESCO reconhece a jurema como prática da cultura imaterial indígena, Reportagem “Xangô no Arruda” do jornal Diário da Manhã, de 03 de março de 1938 e Mãe Marinalva com a mão sobreposta na cabeça do governador da Paraíba, João Agripino, em evento comemorativo da promulgação da Lei 3.443/1966, na Casa de Mãe Cleonice, Cruz das Armas (JP/PB)

- Lei 12.343/2010: Esta lei reconheceu o ofício das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Entre as práticas reconhecidas como parte do ofício das parteiras tradicionais está a utilização da Jurema em rituais de cura.

- Portaria nº 126/2019: Esta portaria do Ministério da Cidadania incluiu a Jurema como patrimônio cultural imaterial do Brasil, reconhecendo a importância da planta e dos rituais associados a ela para a cultura e a religiosidade dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Essas leis e portarias são importantes instrumentos de reconhecimento e proteção das práticas culturais relacionadas à Jurema no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para garantir o respeito e a valorização dessas tradições por toda a sociedade.

Alem dessas leis nacionais, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a cultura imaterial indígena brasileira  (intangible cultural heritage - ICH) como patrimônio cultural da humanidade. Essa categoria abrange tanto os bens materiais produzidos pelas comunidades indígenas, como suas técnicas, saberes e práticas relacionadas ao uso e manejo dos recursos naturais e do território.

O reconhecimento da cultura imaterial indígena brasileira como patrimônio cultural da humanidade foi oficializado pela Unesco em 2003, quando foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Essa lista foi criada em 2003 para reconhecer e proteger os bens culturais imateriais que são considerados importantes para a humanidade e que requerem proteção e salvaguarda.

O reconhecimento da cultura material indígena brasileira pela Unesco é uma forma de valorizar e preservar o patrimônio cultural das comunidades indígenas do país, promovendo a diversidade cultural e o respeito aos direitos dessas comunidades. Além disso, o reconhecimento da cultura material indígena também ajuda a promover a valorização da biodiversidade e dos recursos naturais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura dessas comunidades.

O toré como emblema de indianidade

O quadro ideológico e estratégico do SPI foi formulado com vistas a sua atuação junto a grupos indígenas ainda não integrados, muitas vezes arredios, beligerantes, que era preciso localizar e seduzir através de tradutores e de presentes, em operações “heróicas” representadas pela máxima formulada por Rondon: “morrer se preciso for, matar nunca”. Esses não eram procedimentos que se adequassem ao contato com índios do Nordeste. O SPI antes de procurar, estava sendo procurado, antes de convencer, tinha que ser convencido, antes de utilizar mediadores era alcançados por eles, que serviam de “porta-vozes” dos “remanescentes”.

O inspetor regional do SPI, Raimundo Dantas Carneiro, frente ao avanço indígena e acompanhando a sugestão presente nos textos de Carlos Estevão de Oliveira, institui a performance do Toré como critério básico do reconhecimento da remanescência indígena, tornado então, expressão obrigatória da indianidade no Nordeste.

A instituição do Toré como expressão obrigatória da indianidade cria um nexo de outra natureza entre os dois circuitos de viagens de que já tratamos. De agora em diante um circuito levará ao outro, não eventual ou acidentalmente, mas necessariamente, já que a troca ritual é transformada em pressuposto da conquista de direitos. É também a conexão entre esses circuitos que permitirá às lideranças peregrinas assumirem um papel político ainda mais largo do que aquele que já desempenhavam como representantes de sua comunidade. Além de realizarem o trânsito de informações sobre os direitos entre os centros de autoridade e seu grupo, passam a atuar como os agentes que disseminarão as regras da expressão obrigatória da indianidade. Agregam à comunidade ritual prévia uma comunidade da busca por direitos, que estará ligada ao isolamento, descontextualização e padronização de um dos seus rituais.

Os posseiros e as “linhas”

Os Pankararu descrevem como um golpe dado pelos poderes locais a repartição das melhores terras, isto é, as terras do "Brejo", em linhas de lotes distribuídos entre não-índios, que por isso passaram a ser conhecidos como "linheiros". Parte dos índios teria fugido imediatamente para outros locais e parte teria se refugiado nas serras. Deste segundo grupo, uma parcela teria começado a descer das serras e retomar as terras expropriadas através de alianças com o invasor, na forma de casamentos, relações de trabalho ou da pura submissão, enquanto uma segunda metade, irredutível, trocava as facilidades ecológicas do Brejo por uma irredutibilidade étnica e moral. Por isso, para muitos Pankararu, as famílias expulsas do centro seriam as mais “puras” e as do Brejo, as mais “misturadas”.

Quando em 1987 a Funai vai rever as dimensões da área, com base nos trabalhos de identificação realizados em 1984 [ver item Localização e histórico da TI], é com esse grupo de lideranças do Brejo que são realizadas as negociações. O trabalho do Grupo Interministerial de 1984 tinha evidenciado o erro na demarcação de 1940 e propunha a correção da área para os 14.290 ha reivindicados historicamente pelo grupo, mas ao negociar uma solução para a rápida homologação da área, que estava sendo exigida pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o órgão propõe, numa reunião em que se encontravam apenas as lideranças do Brejo, manter a área original em troca da promessa de acelerar a retirada dos posseiros da fronteira oeste da seção central. Foi o fechamento deste acordo, que as lideranças da seção norte da TI só ficaram sabendo mais tarde, através de uma notícia de jornal onde aparecia a foto das lideranças ao lado dos funcionários da Funai, que deu uma natureza sísmica ao já existente faccionalismo ritual e mítico entre os grupos Pakararu.

Os Pankararu na Funai

Na década de 1990, inaugurou-se uma nova fase no relacionamento dos índios da região com a Funai, quando cargos de chefia passaram a ser ocupados por “filhos da aldeia”. Se, a princípio, esses chefes filhos da aldeia poderiam significar um ganho político dos grupos indígenas na conquista da plena gestão de seus próprios negócios, o que se observa é o discurso e a prática desses jovens, presos às dualidades, por um lado, da relação tutelar e, por outro, do faccionalismo interno.

Um chefe de posto indígena é, em parte, tutor e em parte tutelado, sem que uma dessas posições elimine a outra, como poderia sugerir o significado mais elementar do termo. No seu discurso, o “índio” aparece alternadamente na terceira e na primeira pessoa e a sua relação com o cargo é tanto de poder, quando exerce sobre a população uma autoridade e um governo cuja origem está fora dela, quanto de dependência, já que se vê obrigado por essa posição a maximizar as ações do órgão em favor do grupo, sem que isso esteja, na maioria das vezes, ao seu alcance. Por outro lado, se é a figura capacitada a fornecer a maior representatividade ao grupo, está definitivamente preso às relações de autoridade familiares, a que deve obediência, sendo antes de tudo e, em parte à sua revelia, instrumento da luta faccional.

 Os Pankararu em São Paulo

Os Pankararu de Real Parque, na zonal sul da cidade de São Paulo, formam um grupo estimado em torno de 1.500 pessoas, que ocupa parte da favela de mesmo nome no bairro do Morumbi, no município de São Paulo. Esse grupo tem origem na intensificação do fluxo de deslocamentos de trabalhadores do Nordeste para as grandes cidades do Sudeste a partir da década de 1940. O trabalho, na maioria dos casos, era nas equipes de desmatamento da Cia. de Luz do Estado e, inicialmente era agenciado por “gatos” que iam buscá-los na própria aldeia, para entregá-los, em lotes, aos “empreiteiros” das obras. A sucessiva elevação de um desses trabalhadores ao papel de “gato” e mais tarde de empreiteiro da obras de desmatamento da Cia. de Luz, acabou acarretando um fluxo direto e constante entre o Brejo dos Padres e São Paulo nas décadas de 1950 e 1960. Em pouco tempo São Paulo tornou-se uma referência para todo o grupo, que tem lá filhos e irmãos.

Inicialmente era um fluxo apenas de homens, que saíam da área indígena para trabalhar curtos períodos em São Paulo, como forma de reequilíbrio do orçamento doméstico em ano de seca ou em situações emergenciais. Sem se integrarem à cidade, voltavam sempre que as necessidades imediatas já tivessem sido cobertas ou quando se anunciasse um bom inverno.

A partir da segunda geração de Pankararu trabalhadores em São Paulo, no entanto, que coincidiu aproximadamente com a idade adulta das primeiras gerações de crianças alfabetizadas pelo posto indígena, as mulheres intensificam suas viagens e aparentemente passaram a servir de base para permanências mais estáveis. A cada núcleo familiar instalado lá, tornava-se mais fácil e provável que novos jovens percorressem o mesmo caminho, fazendo com que essas viagens assumissem um caráter sistemático e familiar. O fato de construírem uma base espacial relativamente homogênea, logrando reproduzir uma organização política e ritual, diminuiu os custos materiais e afetivos dessas migrações, permitindo uma efetiva reterritorialização.

Em 26 de julho de 1994, o jornal Notícias Populares de São Paulo abria a primeira página do caderno "Plantão NP" com a manchete “Índio eliminado na favela - Fugiu da tribo para morrer em São Paulo”. Ao lado da manchete, era estampada a foto do corpo ensangüentado de um índio de 20 anos. O texto explicava que, apesar de estarem ali porque os grandes fazendeiros haviam invadido suas terras em Pernambuco, os índios continuavam realizando seus rituais e conversando “em sua língua nativa, o Iatê”. Duas semanas depois, o jornal Folha de São Paulo dedicava uma página inteira para comentar a inusitada existência de uma tribo indígena em pleno Morumbi, que tinha criado uma "rede de solidariedade" na favela e que se reunia todas as semanas, sob o comando do pajé da favela, para rituais de Toré, que era comparado ao candomblé. Uma semana depois, o assunto teria uma página inteira do jornal Diário de Pernambuco, sob o título “Pankararus que trabalham em São Paulo estão sendo dizimados pela violência urbana”, em que também se registrava que o assassinato teria sido matéria do telejornal Aqui Agora, do SBT.

Com a visibilidade que adquire então a presença indígena na favela Real Parque, suas lideranças passam a emancipar-se do discurso das lideranças do Brejo e a reivindicar a criação de sua própria aldeia em São Paulo. A idéia, entretanto, não foi bem recebida nem pelas lideranças do grupo em Pernambuco, nem pela Funai. Estava em jogo, entre outras coisas, o estatuto das viagens a São Paulo. As reivindicações fundiárias e os projetos de desenvolvimento do Brejo dos Padres freqüentemente contabilizaram a população de São Paulo como parte dos beneficiados, caracterizando sua saída como uma diáspora. Aquela nova postura, no entanto, convertia a diáspora em mais um enxame, o exílio econômico em reterritorialização étnica, dando continuidade ao movimento de fragmentação e expansão da identidade Pankararu que, nesse caso, contrariava a estratégia política do Brejo dos Padres.

 Aspectos cosmológicos

Assim como o Toré é o centro do complexo ritual Pankararu, os Encantados são as figuras centrais de sua cosmologia. “Semente” é a forma material pela qual os Encantados se manifestam pela primeira vez aos Pankararu. Os Encantados são “índios vivos que se encantaram”, voluntária ou involuntariamente e, por isso, o culto a eles, como insistem os Pankararu, não pode ser confundido com o culto aos mortos. A forma desse “encantamento” só pode ser parcialmente narrada, seja porque constitui um mistério para os próprios Pankararu, ou um segredo que não pode ser revelado a estranhos.

Segundo os Pankararu, o segredo do encantamento é o núcleo da própria identidade da aldeia. Cada povo indígena tem seu panteão de Encantados, mas como cada tronco é marcado por uma determinada forma de “encantamento”, esses Encantados podem ser partilhados durante um determinado tempo por grupos ligados entre si como “pontas de rama” de um mesmo tronco velho. Atualmente os Encantados Pankararu habitam apenas as serras e os serrotes que demarcam o entorno do Brejo dos Padres. Praticamente para cada uma dessas formações ou maciços rochosos, esteticamente muito impressionantes, corresponde um Encantado. O contato entre os Pankararu e eles restringe-se, atualmente, aos “sonhos”, durante os quais alguns Pankararu podem viajar até os castelos existentes dentro daquelas serras e serrotes.

Os “encantamentos” de “índios vivos” que geraram os atuais Encantados, no entanto, envolviam as extintas cachoeiras de Paulo Afonso e de Itaparica. Algumas narrativas contam que o surgimento dos Encantados e dos próprios Pankararu deve-se ao encantamento de toda uma população de índios, uma “tropa”, que teriam se jogado na cachoeira de Paulo Afonso. Eram esses Encantados, que passaram a habitar a cachoeira e que tinham origem em todas as “nações” antigas, que se comunicavam por meio do estrondo das águas, prevendo desgraças, mortes ou mesmo novos encantamentos. Depois desse encantamento coletivo, que dá origem à própria aldeia, pensada enquanto unidade espiritual, outros índios, depois de serem anunciados e de passarem pela devida preparação, podiam continuar se encantando.

As “sementes” são o transporte dos Encantados. Depois de escolherem uma determinada pessoa que deverá zelar por eles, os Encantados surgem em sonho para essa pessoa e anunciam que ela receberá sua semente. Em pouco tempo essa pessoa se depara com a “semente” anunciada, que tem, de fato, a forma de uma semente vegetal, mas onde pode-se ver a imagem do Encantado. Essa semente deve ser guardada em um pote, que deve ser enterrado sob o solo da casa do zelador escolhido, em um lugar que apenas ele pode conhecer. Trata-se de um outro segredo, nesse caso, doméstico.

Essas sementes, no entanto, não correspondem a apenas um Encantado. Por meio delas podem se manifestar até 25 Encantados para um mesmo zelador. Depois de manifestados, os Encantados passam a ser objeto de culto “particular”, isto é, cerimônias domésticas, em que se fuma, toma-se garapa e canta-se o “toante” do Encantado, mas nas quais não se dança. O toante é a música própria de cada Encantado e só é revelada progressivamente, por meio do exercício ritual do “particular”. É apenas depois que o próprio Encantado pede para ser “levantado”, que ele pode ser cultuado também no Toré, que é a versão pública e coletiva dos “particulares”, em que os vários Encantados da aldeia podem se encontrar em festa. Depois desse pedido, então, o zelador deve tecer o Praiá, que é a “farda” do Encantado, isto é, a saia e a máscara de fibras de croá ou ouricuri que corresponderá a apenas ele.

O zelador dos Praiás tem, por tudo isso, uma grande responsabilidade religiosa frente à aldeia, acumulando com isso também autoridade política. Não é qualquer pessoa que é reconhecida como apta a receber uma “semente”, estando esse lugar marcado por uma certa avaliação coletiva acerca de sua reputação. De outro lado, assim que uma pessoa recebe uma “semente”, ela passa a concentrar à sua volta e à volta de sua casa uma órbita ritual mais ou menos extensa e intensa. Primeiro, ela passa a concentrar os “particulares” de seu próprio núcleo familiar ou da sua família extensa, dependendo da existência de outros zeladores na mesma família ou em núcleos colaterais. Em seguida, depois de ter “levantado” um ou mais Praiás para os seus Encantados, ela passa a ter também um “terreiro” para que esses Praiás dancem e que, por isso, passa a concentrar também parte dos eventos festivos que se realizam na aldeia.

Cada terreiro de pai de Praiá é um ponto de realização de Torés, seja por iniciativa própria, ou em função das visitas que os Praiás fazem a todo o circuito de terreiros em cada festa realizada. Além disso, cada Praiá deve ser vestido por um homem, em geral afiliado ao Encantado correspondente à farda, que deve exercer esse papel em segredo. Nesse caso também não é qualquer pessoa que pode vestir o Praiá e o zelador deve escolher essa pessoa, dentro ou fora de sua família, de acordo também com sua reputação moral. Isso estende a autoridade do zelador, como alguém que também é um avaliador do comportamento moral de outros homens.

O dilema mais dramático, do ponto de vista da identidade étnica para os Pankararu, é o fato de todo esse sistema estar ameaçado em sua reprodução. Depois de terem assistido a sua morada nas cachoeiras de Paulo Afonso serem destruídas pela construção das barragens, os Encantados migraram para a cachoeira de Itaparica, mas recentemente teriam assistido novamente a uma nova destruição de sua morada, por meio da construção de novas barragens. Extintas as cachoeiras, os Pankararu estão limitados ao panteão de Encantados já existente e àquele universo dos que ainda podem vir a se manifestar. Isso, no entanto, é considerado insuficiente para continuar contemplando a sua expansão demográfica. Hoje os Pankararu estão no trabalho de descobrirem um novo “segredo”.

"A cachoeira era um lugar sagrado onde nós ouvíamos gritos de índio, cantoria de índio, berros, gritos. O encanto acabou porque o governo quer assim, né... [...] Olha, essa cachoeira, quando ela zoava, estava perto dela chover ou de um índio viajar. E a cachoeira não zoou mais, chove quando quer... Acabou-se o encanto dela. Então esse era todo o lugar sagrado que agente pediu pra preservar, mas... É a força maior combatendo a menor... Era uma grande cachoeira, de um grande rio, que a gente ouvia os cantos, das tribos indígenas, vários cantos de tribos indígenas cantando junto que nem numa festa. Mas hoje em dia não se vê mais nada... Aquele encanto acabou" (João de Páscoa).

O sistema ritual do Toré

Os elementos constituintes do sistema ritual do Toré Pankararu estão divididos entre: A) personagens: os Encantados, os Praiá, os pais de Praiá e os dançadores; B) situações rituais: o particular e o Toré público, que podem assumir o caráter de simples demonstrações teatrais, como expressão folclórica, ou serem dedicados ao culto dos Encantados, ligados ou não ao pagamento de promessas; e C) locais: as cachoeiras, serrotes, casas e terreiros.

Como apontado no item anterior [Aspectos Cosmológicos], uma vez recebida a semente, o escolhido tem que levantar o Praiá, num período de tempo indeterminado, mas não muito longo, sob pena de sofrer represálias, ou transferir essa responsabilidade para um zelador já respeitado, ao terreiro do qual passa a dever lealdade.

“Levantar é tecer”. Isto é, para levantar um Praiá, o zelador do encantado, que passará a ser também um “pai de Praiá”, deve confeccionar ou contratar a confecção, por um dos poucos artesãos especializados na aldeia, da roupa e da máscara de palha de ouricuri que servem para encobrir a personalidade do dançador e que é, quando vestida sob determinadas prescrições, a materialização do próprio Encantado. O Praiá é a conjunção em ato, do Encantado, do dançador e da roupa e máscara de ouricuri ou croá, devidamente consagrada pelo zelador. Os zeladores não são as mesmas pessoas que ocupam o lugar de dançadores. Aos primeiros cabe um papel mais religioso, de orientação e guarda da tradição, através do cuidado com as sementes que lhes foram transmitidas, com as roupas dos Praiás e com o contato permanente com os Encantados, funções que normalmente se associam às qualidades de rezador e pai de família. Os segundos são normalmente homens jovens, casados ou não, capazes de “segurar a brincadeira” do Toré, já que ela geralmente implica em muitas horas seguidas de dança dentro de pesadas roupas de palha de ouricuri, ou fibras de croá, e nos rituais do Menino do Rancho e da festa do Umbú, em disputas corporais que exigem grande vitalidade física.

Os dançadores são escolhidos pelo zelador da semente do Encantado dentro de seu círculo familiar ou de afinidade. Mesmo sendo comum a população local conhecer e reconhecer, através de suas características corporais ou de suas performances, a identidade dos dançadores, esta não pode ser revelada, fazendo parte sempre respeitada dos segredos que compõem o ritual, sob o risco, para aquele que a pronuncia, de sanções que podem levar da doença à morte.

A escolha e o chamado dos dançadores pelo zelador, para a realização de um Toré, envolve uma antecedência que pode ir de quinze até dois ou três dias, dependendo do rigor do zelador, da importância da situação ou mesmo da freqüência com que o Toré é realizado. Essa antecedência está relacionada às prescrições de purificação física e espiritual que o ritual envolve, tanto para os dançadores quanto para os zeladores: durante aqueles dias lhes é proibido qualquer contato sexual, qualquer bebida e qualquer “sentimento ruim no coração”.

No modelo ideal do sistema do Toré Pankararu, toda vida ritual se concentra num único ou num pequeno número de terreiros mais importantes que servem também à dança dos Praiás dos zeladores menores. Da mesma forma, não se aceita facilmente que dois Torés se realizem simultaneamente em dois lugares diferentes, ou que os Praiás mais próximos, ou dos terreiros mais importantes, não sejam chamados para cada Toré realizado. Assim, quanto menor o número de terreiros, melhor, porque a concentração ritual realiza no plano simbólico a união social e política do grupo. A autoridade moral e religiosa, portanto, está intimamente relacionada à capacidade de criar lealdades, não só através da criação de um grande batalhão de Praiás, mas também pela capacidade de agregar, ao redor de um mesmo terreiro, grande número de dançadores e de outros “pais de Praiá”.

A dança do Toré é regida por uma música fortemente compassada, o Toante, cantado por apenas um “cantador” ou “cantadora” e que encontra respostas periódicas nos gritos uníssonos e ritmados do grupo de bailarinos. É possível que o que passou a ser conhecido por Toré, originalmente não constituísse um ritual autônomo, sendo apenas uma parte recorrente em outros rituais e, com certeza, ele não era idêntico em todos os grupos que o possuíam. Mas foi essa realidade mais imediatamente identificável, isolável e rotulável que assumiu o lugar de marca identificadora, primeiro para o indigenismo, depois, para os próprios grupos indígenas, tornando-se assim, símbolo de indianidade.

 Organização social

Os Pankararu se distribuem basicamente segundo duas classificações, os troncos e as aldeias, ambas relacionadas à organização das famílias, histórica no caso da primeira e espacial no caso da segunda. A classificação dos grupos de famílias em status diferentes, através da sua ligação a "troncos" familiares que se dividem entre os "antigos" e os "recentes", não corresponde a qualquer produção de segmentações, classes ou linhagens, já que ela opera uma dicotomia básica entre aqueles que descendem de índios "puros" e aqueles que descendem de índios "misturados" ou "braiados", em referência a uma forma de organização que é mais histórica do que estrutural. Por isso, essa distinção não chega nem a pôr em risco a identidade indígena dessas famílias de troncos mais novos, já que participam plenamente da repartição da terra, dos rituais e da organização política, nem a criar uma forma de organização da sociedade que tenha repercussão sobre as relações cotidianas ou de parentesco, ficando seu uso relacionado à (des)classificação de alguém ou de algum grupo familiar em ocasiões de oposição especialmente acirrada. A própria distinção entre as famílias de cada tronco não é muito clara e surge como mais um objeto de disputas.

Abaixo dos "troncos" está a família, que é a classificação social que funciona cotidianamente, definindo aqueles a quem se pede ajuda, a quem se acompanha nas definições políticas, com quem se planta, perto de quem se mora, e com quem se compartilha a comida e o trabalho da "farinhada". Sua organização está diretamente ligada à disposição espacial das casas, que se distribuem segundo dois tipos: ou agrupadas lado a lado, em linha reta ao longo das principais vias de acesso internas à área, ou em grupos de casas de uma mesma família, cuja disposição tende à forma circular, com o foco gravitacional na casa do patriarca.

Os agrupamentos do primeiro tipo estão bem delimitados geograficamente: localizam-se ao longo da estrada que vai da entrada da área indígena até o sopé da serra, onde se dividem, indo por um lado para o posto indígena e por outro para o "terreiro do nascente", passando por todo o conjunto de prédios públicos do Brejo, como o "centro de produção artesanal", a igreja e o cemitério, a casa de farinha coletiva, o clube, as pequenas "biroscas", as duas escolas, a farmácia, a merendeira e as caixas d'água.

Os agrupamentos do segundo tipo distribuem-se por toda a área indígena, inclusive pelos terrenos que se seguem imediatamente a essas primeiras fileiras de casas em forma de arruamentos, subindo todo o sopé da serra, ocupando-a e se estendendo até os limites da área, e mesmo depois, principalmente no sentido norte, onde se confundem com os agrupamentos de não-índios. Tal organização das residências reúne famílias extensas ligadas por laços de descendência e voltadas para um espaço comum, capitaneado por uma casa principal. Essa casa, de um patriarca ou de uma matriarca, a princípio, está na origem do agrupamento, tendo-se seguido a ela as casas dos filhos, netos e mesmo de irmãos e sobrinhos.

Ao formarem uma unidade mais ou menos definida, tais agrupamentos desenham círculos em que o espaço interno, para onde normalmente estão voltados, pode assumir o lugar de convergência das atividades de lazer e ritual daquele agrupamento familiar (figura 8). Como algumas vezes esses patriarcas são também "pais de Praiá", esses espaços internos servem como terreiros onde se realizam os Torés [ver item sobre O sistema ritual do Toré]. Neste caso, então, ultrapassam as funções de lazer familiares, tornando-se referência religiosa para um círculo de vizinhos de extensão variável.

Para esses Terreiros podem convergir as lealdades mais próximas, dependendo da capacidade do patriarca principal de conseguir manter ao redor daquele núcleo o maior número de "pais de Praiá", ou mesmo de concentrar no seu próprio terreiro um grande número de Praiás, que comporiam um mesmo "batalhão", tão mais factível quanto maior o número de parentes que permanecem ligados ao núcleo original. Além disso, tais famílias, ao manterem laços mais extensos e constantes sob a influência de uma casa principal, mantêm também uma interação cotidiana mais intensa, com a possibilidade de compartilhar da distribuição de gêneros e insumos agrícolas, da disciplina dos jovens e das crianças etc., passando a servir como referência para a administração do posto indígena, onde o "pai" da casa principal serve de interlocutor privilegiado.

Esse modelo de distribuição espacial das famílias em núcleos residenciais não difere muito daquele que é corrente entre a população regional, mas ao ser aplicado ao contexto Pankararu, produz efeitos particulares em termos de organização política e ritual que estão na origem do formato aldeia: unidades político-administrativas de uso mais comum tanto pela população quanto pelo posto indígena, sendo também a base de referência dos censos feitos na área, além de ser, teoricamente, a unidade básica de onde saem as "lideranças".

As unidades que hoje são designadas como aldeias não se distinguem tanto em função de fronteiras territoriais quanto a partir de uma série de laços de respeito e lealdades, a princípio bastante discretos, que as aproximam mais da imagem de áreas de gravidade de núcleos relativamente móveis.

As famílias e grupos de residência reunidos nos arruamentos ao longo da estrada que leva à igreja do Brejo e dela ao Posto Indígena e à “fonte da nascente” tendem à (ou manifestam a) fragmentação de uma urbanização seminal e à individualização das famílias nucleares, voltadas mais para um espaço público que para um espaço familial e ritual. Nesses casos, há uma divisão sócio-espacial das atividades, onde a morada, a roça e o círculo ritual não mais se sobrepõem no espaço. É nesta região que se encontram os “índios sem terras” que trabalham nas terras de outros índios, de posseiros ou fora da área, como rendeiros, “meeiros” ou diaristas. É aí que estão concentrados também aqueles que largaram ou complementam o trabalho na roça com trabalhos nas cidades próximas.

De outro lado, o formato do arruamento não facilita que um núcleo familiar se desenvolva como núcleo residencial e é comum que os filhos dessas famílias se desloquem com relação à casa dos pais, avançando junto com o avanço das ruas, sendo absorvidos em núcleos residenciais fora do Brejo por meio do casamento ou ainda saindo da área indígena, em suas buscas de emprego nas cidades próximas, em São Paulo [ver item A grande árvore e os Pankararu em São Paulo) ou em outras áreas indígenas, às quais têm acesso via parentesco ou via empregos na Funai.

Organização política

A primeira e mais evidente conseqüência desta mudança na organização espacial das residências e na sua concentração no Brejo é a mudança que traz com relação aos arranjos de autoridade anteriores. Deixa de existir o tipo de autoridade que atua sobre uma família extensa reunida no mesmo núcleo residencial, ou sobre um círculo mais ou menos largo de respeito ligado ao exercício do Toré, e a autoridade do chefe de posto emerge como centralizadora da regulação moral. Isso cria forte dependência com relação à intervenção direta do chefe de posto na resolução de conflitos entre vizinhos, na mediação com agentes externos ou na distribuição de gêneros.

A proximidade, mas também essa diferença de organização social faz com que a maior parte do tempo de serviço do chefe de posto seja dedicada à tentativa de resolução desses pequenos conflitos gerados dentro do próprio Brejo, envolvendo disputas de quintal, bebida, ofensas etc., ao contrário do que ocorre com as outras seções, onde disputas menores são mediadas pelas autoridades formais ou informais de base familiar ou ritual.

Não há vestígios de que a organização social e política dos Pankararu apresentasse, no momento em que se dá o contato com o SPI, uma chefia centralizada que englobasse seus diferentes núcleos familiares. As unidades familiares, que tenderam a constituir grupos de residência, ou grupos vicinais, parecem ter tendido a respeitar um tipo de autoridade que emergia da figura de patriarcas dotados de qualidades especiais, geralmente associadas a uma combinação variável de poder mágico, valor moral e outras variáveis, como a capacidade de criação de lealdades rituais, da agregação do maior número de pessoas através de laços familiares e, ou, de trabalho e de crédito, tão importantes nos períodos de seca.

Há, porém, registro de uma designação especial que indicaria o desempenho de um papel de autoridade destacado dos demais. No passado, o sarapó representava a autoridade moral de base religiosa, mas não parece ter exercido outros poderes que os de influência moral e religiosa interna à comunidade. Sua função precípua era a de zelar pelo principal Encantado da aldeia, o Índio Xupunhum, ou, como também é conhecido, o Índio Mestre Guia. Este é o único Encantado a ter uma festa especial em sua homenagem, realizada em seqüência à festa do umbú, que marca o início do calendário agrícola.

Acompanhando essa função de destaque, o sarapó concentrava também a guarda do maior “batalhão de Praiás” da aldeia, concentrando com isso, na sua casa e no seu terreiro, o principal da vida ritual local. Mas mesmo o sarapó, que parece fornecer um lugar estruturalmente diferenciado nesse arranjo de autoridades Pankararu, não parece ter exercido qualquer papel de poder repressivo, de decisão ou governativo sobre o conjunto das outras autoridades estruturalmente indiferenciadas. A primeira novidade neste arranjo, de que temos notícia, foi o surgimento dos mediadores entre a comunidade e as autoridades extralocais que temos chamado de lideranças peregrinas.

As lideranças peregrinas passaram a realizar, desde a década anterior à chegada do SPI, viagens para os lugares de poder, em busca dos “direitos”. Elas se transformarão em referências políticas para a população Pankararu e serão também a via de entrada e de controle das novas formas de autoridade estatutárias, moldadas segundo a repartição de poderes estatal. [ver item História]

 Fontes de informação

ACIOLI, Moab Duarte. O processo de alcoolização entre os Pankararu : um estudo em etnoepidemiologia. Campinas : Unicamp, 2002. 341 p. (Tese de Doutorado)
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Naruvotu

Toy Art Naruvotu
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
149Naruvotu
Karib
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
MT81Fiorini 2003



Antigos habitantes das áreas próximas à confluência dos rios Culuene e Sete de Setembro, os Naruvotu tiveram que se deslocar de seu território tradicional em função do contato intenso com os não-indígenas, especialmente com a expedição Roncador-Xingu, que atraiu vários povos da região do alto Xingu ao redor das áreas que formariam o Parque Indígena do Xingu. Depois das duas grandes epidemias que assolaram a região, em 1946 e em 1954, os Naruvotu foram reduzidos a uma dezena de pessoas que, em busca da sobrevivência física e cultural, passou a residir nas aldeias de outros grupos indígenas, como os Kalapalo e os Kuikuro. Indigenistas chegaram a afirmar que os Naruvotu haviam se extinguido, no entanto estes estavam vivendo com outros povos alto xinguanos. Foi por conta dessa complexa situação que a luta pela identificação e pela demarcação do território Naruvotu se deu tardiamente. Somente em 2006 a Terra Indígena Pequizal do Naruvotu foi identificada e aprovada pela Funai.

 Localização

Os Naruvotu são falantes da língua kalapalo, da família linguística Karíb.

Embora ao longo de séculos os Naruvotu habitassem as áreas próximas à confluência dos rios Culuene e Sete de Setembro, hoje eles estão distribuídos em várias aldeias no Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso.
Naruvotu
O processo de ocupação indígena do alto Xingu começou, segundo Heckenberger, há mais de 500 anos, e se prolongou através do desbravamento e da colonização do Brasil. Há pelo menos 300 anos, os Karíb já estariam presentes próximos às cabeceiras do Culuene, dentro da Terra Indígena Pequizal do Naruvotu, onde seus ancestrais estabeleceram contatos amistosos com os grupos de língua Arúak que viviam nas proximidades, nas cabeceiras contíguas do alto Xingu (Heckenberger, 2000).
Terra Indígena Naruvotu

No entanto, há mais ou menos 250 anos, os grupos karíb que habitavam a região do alto Culuene migraram repentinamente para a região do lago Itavununu, que fica atualmente dentro das terras preservadas pelo Parque Indígena do Xingu. Dados obtidos por Ellen Basso (1973) indicam que o êxodo dos Karíb alto xinguanos de suas terras ancestrais foi provavelmente uma conseqüência do tráfico de escravos. Os Karíb teriam migrado do alto Culuene para fugir dos caçadores de escravos que saqueavam as aldeias indígenas na época, a procura tanto de homens adultos, para o trabalho forçado nas minas, como de mulheres e crianças, para trabalho doméstico. Foi provavelmente depois de uma primeira e antiga depopulação, conseqüência do tráfico de escravos na região do leste mato-grossense, que os grupos karíb ancestrais do alto Xingu se reuniram ao sul do lago Itavununu, onde vieram a residir por muito tempo.

Foi das margens do Itavununu, considerado também um lago sagrado dos ancestrais karíb, que os Kalapalo, Kuikuro, Tsuva, Matipu, Nahukwá e Naruvotu se desmembraram e formaram grupos locais distintos. Cada um deles foi viver na região em que se encontram atualmente. Os subgrupos formadores dos atuais Kalapalo migraram novamente para as cabeceiras do Culuene e de seus afluentes, o Tanguro e o Sete de Setembro, juntamente com os Naruvotu. Estes grupos retornariam assim aos territórios originais em que habitavam os Karíb do alto Xingu.

Enquanto os Naruvotu escolheram a rica região pesqueira na confluência dos rios Culuene e Sete de Setembro e navegavam rio acima através do último, explorando seus lagos, os Kalapalo foram morar mais tarde a leste, na margem direita do Culuene e nas cabeceiras do rio Tanguro. Portanto, no final do século 19, os Naruvotu já haviam se estabelecido na confluência do Sete de Setembro com o Culuene, onde vieram a construir uma grande aldeia em um córrego da margem esquerda do rio, a aldeia Naruvotu do Pequizal. Esta aldeia tinha na época bem mais que uma centena de índios.

Os eventos que se sucederam no século 20, foram responsáveis pela transferência desse povo para as aldeias Kuikuro, Matipu, Kalapalo e Tanguro, localizadas nos limites do Parque Indígena do Xingu.

 População

Os Naruvotu vivem nas aldeias Kuikuro, Matipu, Kalapalo e Tanguro, situadas nos limites da Terra Indígena Parque do Xingu. Em 2003, o número de Naruvotu que residiam nessas aldeias era respectivamente: 23, 6, 12 e 28. A soma total das pessoas que moravam no alto Xingu era de 69. Nessa época existiam também 12 indivíduos que viviam em Brasília.
AnoHabitantesAldeias/LocalidadeFonte para Cálculo
1850200AngahukügüAhwalu, Camina
1900150/ 100Angaruhütü / TihapeAhwalu, Camina
192080AngaruhütüNoronha (1952)
193170 (?)AngaruhütüPetrullo (1932)
1946 (*)10AngaruhütüAhwalu, Atatiro
1954 (*)9Kah nsuAhwalu, Atatiro
196012Posto JacaréFiorini, projeção
198020/ 04Tanguro, Kuikuro / BrasíliaFiorini, projeção
200369/ 12Tanguro, Kuikuro, Kalapalo, Matipu / BrasíliaFiorini, censo 2003
(*) População depois da epidemia de gripe de 1946.
(**) População depois da epidemia de sarampo de 1954.
 (?) Incertezas com relação ao dado.

Histórico do contato

Os primeiros contatos de exploradores com os povos do alto Xingu foram efetuados pelo alemão Karl von den Steinen em 1884 e 1887. Karl von den Steinen desceu o rio Curisevu, onde encontrou primeiro os Bakairi e posteriormente os Nahukwá. Os termos bakairi colhidos por von den Steinen para um dos grupos vizinhos alto xinguanos, por exemplo, Anuakuru ou Anahuku, podem estar relacionados aos A [n]garahâtâ (Angarühütü), denominação dos Naruvotu entre os Kuikuro, ou Anagafi ti (Angagüfütü), denominação dos Naruvotu entre os Kalapalo.

Primeiros contatos

Em 1920, os Naruvotu foram encontrados próximos ao Culuene e ao Sete de Setembro. Na época, o capitão Ramiro Noronha, que organizou uma expedição ordenada pelo SPI (Serviço de Proteção aos Índios), alcançou dois portos dos Naruvotu na margem esquerda do Culuene. Desde o segundo porto, Noronha seguiu até a aldeia Naruvotu, que ficava a cerca de cinco quilômetros da beira. Segundo ele, a aldeia encontrava-se a um dia de marcha da aldeia dos Kalapalo e da aldeia dos Nahukwá. Noronha notou também que o território dos Naruvotu se estendia até o ribeirão Couto de Magalhães, onde acabavam as corredeiras do alto Culuene e as baías começavam a aparecer (1952: 39).

Esta aldeia visitada por Noronha era certamente a do Pequizal, pois o autor repara no tamanho dos pequizeiros. Havia quatro casas na época e seu chefe tinha acabado de falecer. Uma casa xinguana pode abrigar em média cerca de vinte pessoas. Como Noronha não cita nenhuma situação de calamidade, mesmo tendo falado na morte do líder da aldeia, pode-se calcular que tinha no mínimo oitenta habitantes ou mais. No dia seguinte, Noronha chegou à foz do rio Turuine, assim chamado pelos Karíb, que rebatizou de “Sete de Setembro” para celebrar a data em que o alcançou.

Vincent Petrullo visitou, em 1931, o Xingu sob os auspícios do Museu da Filadélfia. Petrullo localizou os Naruvotu precisamente no mesmo local que Noronha os havia visitado em 1920. Na época, os índios organizavam diversos Kuarup (ritual funerário que marca o fim do luto na cultura alto xinguana), dos quais a maioria dos outros grupos indígenas da região também participava.

Os Naruvotu foram sempre um grupo notório no universo alto xinguano. Eles foram sistematicamente mencionados nas publicações de todos os pioneiros na região, tanto que o etnólogo Kurt Nimuendaju localizou-os no “portal” do alto Xingu, perto da foz do rio Sete de Setembro, no rio Culuene, em sua margem esquerda, no seu mapa etnohistórico do Brasil datado de 1944.

Desde o início do século 20, os povos indígenas do alto Xingu começaram a ser afetados por doenças trazidas para a região através dos Bakairi que integravam a comunidade de Simões Lopes, no rio Paranatinga. Esta comunidade foi criada pelo SPI com vistas à atração e pacificação de todas as etnias da região. Mas apesar dos esforços do SPI e das missões que se instalaram entre os Bakairi do Paranatinga na ocasião, apenas parte desse povo foi atraída para fora do alto Xingu, e ainda, contra a vontade de muitos deles.

Expedições, contatos e doenças

Já as primeiras expedições de exploradores no alto Xingu, como as de Karl von den Steinen em 1884 e 1887, de Herrmann Meyer em 1896 e 1898, de Max Schmidt em 1901 e 1926, de Ramiro Noronha em 1920, de Vincent Petrullo em 1931, e outras que se sucederam, como a expedição Roncador-Xingu, trouxeram moléstias infecciosas em seus lastros e afetaram as populações locais.

Os Naruvotu sofreram sérias conseqüências devido a esses contatos, particularmente por causa da proximidade de sua área tradicional com a zona pioneira no leste do Mato Grosso, que foi se expandindo, e das relações amistosas que mantiveram com outros grupos do alto Xingu que já faziam contatos diretos com a sociedade envolvente. Por isso, muito antes da criação do Parque Nacional do Xingu, os Naruvotu foram sendo dizimados pelas doenças até que se acharam reduzidos a um número pequeno de remanescentes, como aconteceu com diversos outros grupos alto xinguanos. No entanto, os Naruvotu eram tão importantes no universo alto xinguano que foram sistematicamente mencionados por todos os grupos indígenas consultados na época.

Os Naruvotu foram, juntamente com os Kalapalo, os primeiros índios alto xinguanos a entrar em contato direto com a expedição Roncador-Xingu e com os notórios indigenistas Leonardo, Orlando e Cláudio Villas Bôas.

Na época do início da expedição Roncandor-Xingu, em 1946, os Naruvotu ainda viviam na grande aldeia Naruvotu do Pequizal localizada em um igarapé na margem esquerda do rio Culuene. Frequentavam os limites navegáveis do Sete de Setembro e do Culuene até as áreas habitadas pelos Xavante e outros grupos indígenas localizados mais ao sul. A expedição alcançou o rio Sete de Setembro no final de 1945. Os expedicionários montaram um posto avançado na região, o Posto Garapú, distante três quilômetros da margem esquerda do Sete de Setembro e a 50 quilômetros de sua foz no Culuene.

Após o encontro inicial com os expedicionários no Sete de Setembro, os Naruvotu empreenderam várias visitas ao acampamento da expedição Roncador-Xingu no rio Culuene, erigido próximo a uma aldeia kalapalo da época, Kurumidjalo. O acampamento foi rapidamente transformado no Posto Kuluene.

Como decorrência de inúmeras visitas e do aumento de pessoas ligadas à expedição no Posto Kuluene, uma epidemia de gripe eclodiu logo após a chegada dos expedicionários à região, exatamente um mês depois, em dezembro de 1946. Segundo relatos de seus próprios integrantes, esta epidemia se alastrou entre diversos grupos do alto Xingu.

Apesar dos irmãos Villas Bôas terem reportado apenas dados de mortalidade relativos aos Kuikuro e aos Kalapalo, grupos mais numerosos, muitos relatos indígenas indicam que esta epidemia chegou até a aldeia Naruvotu do Pequizal e obrigou-os a abandoná-la pela primeira vez desde a sua criação. De fato, quando o pesquisador do Museu Nacional, Pedro Lima, realizou viagem à aldeia Kalapalo próxima ao Posto Kuluene, em 1948, observou que havia alguns remanescentes naruvotu, sobreviventes da epidemia de gripe que grassara a região.

Sem apoio para permanecer em sua aldeia na região do alto Culuene, que haviam deixado por causa da epidemia de gripe, os Naruvotu permaneceram entre os Kalapalo, uma vez que este grupo morava próximo à base estabelecida pelos irmãos Villas Bôas no rio Culuene. No entanto, os Naruvotu fizeram uma nova tentativa de retornar às suas terras ancestrais ainda no final dos anos 40, mesmo depois da epidemia.

Em 1947, a expedição Roncador-Xingu estabeleceu o Posto Jacaré com a ajuda dos Kamayurá e Trumai. O local escolhido, perto do Morená, onde o rio Xingu recebe as águas de mais dois de seus formadores, o Batovi e o Ronuro e flui para o seu médio curso, é considerado sagrado pelos Kamayurá e pelos grupos arúak alto xinguanos.

A partir de 1950, todos os grupos do alto Xingu, inclusive os que haviam sido atraídos para o Posto Kuluene, foram sistematicamente atraídos para o Posto Jacaré. Para lá acabaram se transferindo a maioria dos índios cujas terras se achavam ao sul, na montante do Culuene e de suas cabeceiras.

Do posto Jacaré, uma grave epidemia de sarampo alastrou-se pela região do alto Xingu em 1954, resultando em 114 mortes oficialmente registradas pelo SPI. Enfraquecidos, os índios que não faleciam, não conseguiam caçar ou plantar, o que acarretava em maior vulnerabilidade e mais mortes, até mesmo por outras doenças, como a malária e a tuberculose, que foram prontamente introduzidas na região com a chegada dos kagaiha (não-indígenas). Esta epidemia parece ter sido o derradeiro golpe aos Naruvotu, ceifando a vida de pessoas que haviam sido atraídas para o Posto Kuluene.

Os poucos Naruvotu que haviam permanecido no pequizal sobreviveram. De toda forma, esse povo foi profundamente afetado por estas mortes, pois tudo indicava que iam se extinguir como grupo. Com estas últimas fatalidades, os Naruvotu decidiram se precaver, passando a residir no Posto Kuluene, onde podiam obter cuidados médicos. A história da grande aldeia Pequizal do Naruvotu seria então esquecida por alguns anos para deixar passar a tristeza causada pelas mortes. Além das doenças nesta época, havia os constantes ataques perpetrados por índios que não pertenciam à cultura xinguana, principalmente os Ikpeng.

Os grupos, como os Kalapalo e Kuikuro, que acolheram os sobreviventes também perceberam, ao menos a princípio, a assimilação de membros naruvotu como uma tentativa de manter o equilíbrio da população local. Aos sobreviventes naruvotu, que eram em sua maioria mulheres e crianças, não restava outra opção a não ser juntar-se a grupos vizinhos, com os quais muitos de seus parentes viviam. O fato de não haver homens adultos o suficiente entre os Naruvotu [homens que pudessem assumir uma postura mais pública nas sociedades alto xinguanas e promover a reconstituição de sua comunidade, bem como a reapropriação de suas terras] demonstra porque os fatos sobre os Naruvotu não vieram à tona anteriormente.

Expropriação das terras tradicionais

Os Naruvotu foram atraídos para o Posto Jacaré, no rio Xingu, muito além de suas terras tradicionais, no início dos anos 70. A primeira tentativa de transferi-los para lá foi depois da desativação do Posto Kuluene nos anos 60. No entanto, os Naruvotu ainda assim continuaram a ocupar suas terras ancestrais nas cabeceiras do Culuene e do Sete de Setembro. Mesmo durante a permanência no Posto Jacaré, faziam esta viagem sazonalmente, principalmente durante os meses de outubro e novembro, no tempo do pequi, e em várias outras ocasiões durante o ano. Mas as terras ocupadas anteriormente pelos Naruvotu já haviam sido alienadas pelo Estado do Mato Grosso. Quando foram atraídos para uma região mais ao norte de sua terra tradicional, esta já havia sido invadida por posseiros e por seus novos proprietários.

As conseqüências foram muito sérias para os Naruvotu, pois enquanto foram atraídos para longe de suas terras, outros grupos alto xinguanos, que também sofreram depopulação e chegaram a ser quase tão poucos como os primeiros, tiveram seus territórios tradicionais reconhecidos e recuperados em alguma medida. Os índios do Pequizal foram forçados a residir permanentemente com outros grupos karíb do alto Xingu, particularmente com os Kalapalo, para garantirem sua sobrevivência física. Casaram-se com eles, mas mantiveram o tempo todo uma identidade distinta, diferentemente do que pensavam os kagaiha (não-indígenas), com suas idéias de “assimilação” e “aculturação”.

Desterritorialização e “extinção”

Desterritorializados, os Naruvotu vieram a repetir por um tempo a idéia de sua condição como remanescentes, noção esta oficializada pelo SPI e pela Funai. Ao mesmo tempo, inconformados com as sucessivas investidas contra suas terras tradicionais, os Naruvotu continuaram a explorar e ocupá-las frequentemente, como ainda têm feito, porém, sempre tendo que voltar a cedê-las para aqueles que as expropriaram.

Desde os primeiros contatos realizados na região do alto Xingu por exploradores, pelas frentes de atração do SPI e pela famosa Expedição Roncador-Xingu, circunstâncias históricas, geográficas e políticas levaram ao não-reconhecimento dos Naruvotu como um grupo autônomo. Mesmo no alto Xingu, muitos índios vieram a aceitar a idéia de extinção de certos grupos, como os Naruvotu, idéia esta divulgada por indigenistas que vieram a manter relações permanentes com as comunidades da região.

Em 1999, os novos “proprietários” kagaiha da área ocupada tradicionalmente pelos Naruvotu resolveram terminar, de uma vez por todas, com as tentativas de reapropriação e as visitas constantes dos índios. Os proprietários temiam que a área se tornasse uma Terra Indígena como o Parque do Xingu e assim resolveram derrubar o pequizal para eliminar os vestígios das antigas aldeias.

A reação dos Naruvotu a esta tentativa de erradicação dos sinais evidentes de sua presença na região foi organizar expedições para desocupar suas terras tradicionais. As últimas duas expedições deste tipo foram realizadas entre 1999 e 2003, respectivamente. Na primeira, empregados de fazendeiros que estavam desmatando o pequizal foram expulsos, enquanto na segunda, os índios conseguiram impedir o desmatamento de áreas mais a oeste, que parecem ter sido abertas para o plantio da soja. Este desmatamento incidiu sobre a área de preservação permanente do Parque Indígena do Xingu e era, portanto, ilegal. Além disso, ocorreu também uma invasão dessa mesma TI, que foi explicada pelos fazendeiros como sendo “um erro cartográfico”. Uma outra derrubada foi realizada na região dos Naruvotu em junho de 2004 e foi novamente rechaçada pelos índios.

Em 2006, a Terra Indígena Pequizal do Naruvotu, localizada nos municípios de Canarana e Gaúcha do Norte, no Mato Grosso, foi identificada e aprovada pela Funai.

 Sistema de nominação

Entre os Karíb do alto Xingu, cada indivíduo possui pelo menos dois nomes, um é herdado do avô ou avó paternos e o outro do avô ou avó maternos. Portanto, cada pai geralmente chama seu filho ou filha por um dos nomes de seus pais, enquanto cada mãe chama igualmente seus filhos pelos nomes de seus próprios pais. Como entre as regras sociais dos Karíb xinguanos, existe a proibição de pronunciar os nomes das pessoas com quem se estabeleceram laços de parentesco através do casamento e genros e noras não podem pronunciar os nomes de seus sogros e sogras. Os pais não podem, portanto, usar os nomes alternativos para seus filhos que correspondem aos nomes dos pais das pessoas com quem se casaram. Não há uma regra agnática (que dê preferência à descendência paterna) na nominação, a identificação de um indivíduo é determinada através do gênero.

No sistema de nominação naruvotu, se um indivíduo é do sexo masculino e um de seus avôs era Naruvotu, ele também será Naruvotu. Igualmente, se uma mulher tiver (ou tiver tido) pelo menos uma avó naruvotu, ela também será Naruvotu. Casamentos mistos, portanto, não são suficientes para erradicar a identidade, seja ela Naruvotu ou qualquer outra.

 Atividades produtivas

Os Naruvotu realizam constantes viagens visando o usufruto sazonal de suas terras ancestrais de forma mais efetiva, organizando expedições pesqueiras às baias entre os rios Sete de Setembro e Culuene, inclusive nas épocas em que os lagos aprisionam peixes, e explorando diversas vezes duranuizal.

Coletam o pequi em novembro, durante as chuvas, e continuam a explorar o caramujo perto da foz do córrego acima referido, adentrando as florestas adjacentes ao Parque do Xingu, nas regiões a oeste e nordeste do pequizal, para a caça de macacos e outros animais.

Outras atividades desenvolvidas na região dos Naruvotu são a coleta de hastes de flecha. A área ao norte da aldeia Naruvotu do Pequizal servia para o plantio de mandioca, uma vez que o solo encontrado nesta área, de uma variedade negra, é bastante fértil.

Uma das principais atividades produtivas dos Naruvotu é a confecção de colares de caramujo, suas conchas, que são a matéria-prima para essa confecção, só são encontradas em suas terras ancestrais.

A maioria dos grupos alto xinguanos obtém as conchas dos Xavante, nas terras de quem elas são abundantes. Isto não era possível, no entanto, antes da chegada dos não-índios, pois os Xavante eram inimigos tradicionais desses grupos. Os Naruvotu detinham, portanto, uma das matérias-primas mais cobiçadas do alto Xingu.

A importância do pequizal e o monopólio econômico sobre o colar de caramujo tornaram os Naruvotu um grupo local essencial na economia regional alto xinguana. O pequi também se tornou um dos itens comerciais de “marca” naruvotu. Tanto na mitologia como na história oral desse povo, o aparecimento do pequi está ligado à fertilidade e ao poder criativo das mulheres. De fato, os intercasamentos entre os grupos alto xinguanos são expressos de forma ritual através do pequi, símbolo da fertilidade na cultura da região. As mulheres naruvotu conceberam e incentivaram os diversos retornos de seu grupo local ao pequizal, pois são sempre elas que lembram aos homens da necessidade de colher o pequi.

 Aspectos culturais

Os Naruvotu podem ser considerados o grupo karíb alto xinguano que está mais ao sudeste da “área cultural do uluri”, tal como definida por Galvão (1960). O uluri é um adorno genital usado pelas mulheres como uma espécie de “biquini (ou fio-dental) do pudor”. Embora ele não cubra completamente o órgão genital feminino, quando as mulheres usam o uluri, elas se sentem “vestidas”. Hoje em dia, no entanto, o uluri não é muito usado pelas mulheres alto xinguanas, por influência dos parâmetros de pudor da sociedade brasileira.

Os homens naruvotu eram tidos entre os melhores lutadores do huka huka no alto Xingu. Há nomes de campeões naruvotu que são reconhecidos até os dias de hoje. Eles são também os grandes conhecedores das baías e lagoas dos estuários dos rios Sete de Setembro (que chama de Turuwíne) e do alto Culuene. Os Naruvotu, juntos com os demais povos karíb do alto Xingu, são os “donos do caracol”, por terem o monopólio deste item cultural alto xinguano, e são também donos de um dos maiores pequizais da região.

O córrego Naruvotu é o único local no alto Xingu onde existem áreas de ocorrência concentrada dos dois tipos de caramujo empregados na confecção dos colares de conchas que são a marca identitária da cultural da região. “Há, basicamente, dois tipos de caramujo: o iñô e o oink, menor que o primeiro, mais valorizado e ‘mais que papel’. Os caramujos vivem em lugares como brejões, tocos de árvores e debaixo de folhas, sendo bem valorizados. Com essas conchas, confecciona-se dois tipos de colares: o uruka, feito com conchas cortadas em pequenas tiras redondas, e o divériku, feito de pedaços maiores e quadrados, com menos conchas” (Estevão Rafael Fernandes, 1999: 14).

Como detentores desta matéria prima essencial para rituais anuais, tais como o Egitsu (Kuarup), o , o Tolo e o Yamurikumã (o ritual do próprio pequi), o monopólio que os Naruvotu tinham sobre as conchas de caramujo era tão importante como os monopólios que outros grupos alto xinguanos tinham de itens igualmente cobiçados: panelas de barro waujá, “sal” de jacinto mehinako, arcos kamayurá etc. Estes monopólios não se acham mais tão pronunciados hoje em dia, por causa da influência do comércio de artesanato com os não-indígenas, mas perduraram até os anos 1990.

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