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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Paresi

Toy Art Paresi

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
162ParesiPareci, Halíti, AritíAruak
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
MT, RO1955Siasi/Sesai 2012


Os Paresí têm uma antiga história de contato com os não índios. As primeiras referências feitas a eles datam do fim do século XVII e, desde então, o contato foi se intensificando e gerando conseqüências muitas vezes devastadoras para o povo. Cada subgrupo paresí enfrentou diferentes situações, devido à proximidade ou distância que se encontraram dos não índios. A intensa relação com os jesuítas da Missão Anchieta (MIA) quase ocasionou a extinção de um dos dialetos falados por eles e trouxe transformações nos aspectos socioculturais deste povo, já que as uniões entre os diferentes povos indígenas eram incentivadas.

Atualmente os Paresí mostram-se preocupados em manter seus costumes e com a recuperação de outros aspectos que consideram importantes para a manutenção das suas práticas socioculturais, tendo em vista todas as conseqüências sofridas ao longo da sua história com os não índios.

Além disso, eles vêm tentando encontrar novas formas de sobrevivência e de estratégias de geração de renda mostrando-se muito interessados com a preservação e conservação de suas áreas.

 Nome

O termo de autodenominação dos Paresí é Halíti, que pode tanto ser traduzido como "gente" numa referência explícita ao gênero humano em oposição aos animais, quanto como "povo" para indicar uma identidade mais inclusiva do grupo.

A palavra "Paresí" não consta no léxico da língua, mas é o nome que, a partir do século XIX, passou a ser aplicado indiscriminadamente a grupos distintos de fala Aruak identificados por cronistas e estudiosos ao longo de cerca de dois séculos e meio de história do contato. Entre esses grupos destacam-se os Kazíniti, Wáimare, Kazárini (este último conhecido também como Kabizi), além dos Warére e Káwali.

O termo foi registrado pela primeira vez na segunda década do século XVIII por Antonio Pires de Campos. Subindo o rio Sepotuba (localizado no atual município de Tangará da Serra, MT), este bandeirante atingiu uma ampla chapada habitada por índios que denominou ‘Parecis’. Mais ao norte encontrou outra “nação” que denominou ‘Mahibarez’; esses índios teriam usos e costumes idênticos aos “Parecis”, diferenciando-se apenas em alguns termos da língua.

"Subgrupo" foi o termo empregado pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon para referir-se aos diversos grupos que encontrou. Distinguiu entre os Paresí os subgrupos Kazíniti, Wáimare e Kozárini, incluindo –erroneamente – os Irantxe como um quarto grupo.

Somente no século XX os Halíti passaram a ser designados, indiscriminadamente, como Paresí.

 População e localização

No início do século XX a população paresí contava com 340 indivíduos distribuídos por 12 aldeias. Por intermédio de Rondon obteve-se o conhecimento mais exato da localização dos subgrupos encontrados por ele: habitavam o planalto denominado Parecis, desde o rio Arinos e cabeceiras do Paraguai até as cabeceiras dos rios Guaporé e Juruena. Na época em que esteve na área, os Kazíniti se espalhavam pelo vale do rio Sumidouro, afluente do Arinos, e cabeceiras do Sepotuba e do Sacuriu-ina.
Território Pasresí

Em 1927 os remanescentes Wáimare e Kazíniti estavam concentrados na estação telegráfica de Utiariti, com exceção de algumas famílias vivendo em São João (próximo a Utiariti), e outras que viviam nas estações telegráficas, encarregadas do serviço de conservação da linha. Os Kozárini haviam sucumbido a uma epidemia de gripe; parte dos sobreviventes havia sido levada pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) para um posto indígena nas proximidades da cidade de Mato Grosso (antiga Vila Bela); outros se encontravam dispersos por Tapirapuán e outras localidades circunvizinhas.

Em 1981 os Paresí chegaram a totalizar 533 indivíduos, vivendo em 23 aldeias. Em 1983 apenas 13 grupos locais se encontravam na área delimitada em 1968, conhecida como “reserva Pareci”.

Três aldeias situadas além do limite sul da reserva Formoso (Hóhako), Estivadinho (Kyárose) e Figueira (Oihoko) tiveram seus limites delimitados em 1982. Além do limite norte da reserva encontravam-se quatro grupos locais (Bacaval, Sacre, Seringal e Walahaliwinã). A oeste da reserva, fora de seus limites, existiam três grupos locais, situados à beira da BR-364 (Capitão Marco, Acampamento da Serraria e Iyatayazá).

Em 2008, os Paresí contavam com cerca de 2.005 indivíduos que se distribuíam em aldeias nas diversas Terras Indígenas. Trata-se de uma área composta por campos, em sua maioria, cerrados e matas de galeria, onde se caça veado, ema, seriema, perdiz, cotia entre outros animais.

 Língua

A língua Paresí, da família Aruak, é falada por estes índios em seus diferentes dialetos, de acordo com o subgrupo de pertencimento (Wáymare, Kozárene, Kaxínti ou Kazíniti, Warére e Káwali), além da portuguesa, que é ensinada nas escolas bilíngues de ensino fundamental localizadas nas aldeias. Há, no entanto, regiões em que o Português é predominante. O subgrupo wáymare, por exemplo, foi um dos que teve mais contato com os não índios. Quase esteve em extinção, devido ao contato e permanência na Missão Anchieta em Utiariti. Lá, eram proibidos de falar a língua materna e obrigados a casar com indígenas de outras etnias, como Rikbaktsa, Irantxe e Kayabi, e incentivados a realizar casamentos entre os subgrupos, perdendo, assim, o idioma tradicional. Em aldeias onde predominam outros subgrupos o Português é falado apenas com aqueles que não são Paresí.

 História do contato

Datam do último quartel do século XVII as primeiras referências ao sertão dos índios Paresí. Na época, bandeirantes paulistas vararam os sertões, na vasta área que compreende hoje o estado de Mato Grosso, à caça de índios – prática que posteriormente aliaram à exploração das riquezas minerais da região. O bandeirante Antonio Pires de Campos, por meio do rio Sepotuba, atingiu um extenso chapadão que denominou “reino dos Parecis”, numa referência ao povo que lá habitava. Chamou-lhe a atenção o fato de constituírem um povo numeroso e de fácil trato. Observou a organização política paresí caracterizando-a como descentralizada. A conjugação destes fatores deve ter estimulado a cobiça dos predadores que iniciaram, em seguida, as caçadas aos “pacíficos” Paresí.

Ao norte da região habitada por estes índios, identificados como “Parecis”, Campos encontrou outros que denominou “Mahibarez”. Assinalou que apresentavam hábitos e costumes semelhantes aos daqueles que encontrara anteriormente, diferindo “em algumas palavras na linguagem”. Estes seriam, no entender de Max Schmidt, etnólogo que visitou a região nos anos 1912 e 1927, membros de um subgrupo Paresí, posteriormente referidos como Wáimare, e aqueles que Campos denominou “Parecis” seriam, de acordo com a localização de sua moradia, membros do subgrupo Kazíniti.

Durante a fase de exploração das minas na região de Cuiabá, as aldeias paresí situadas nas proximidades constituíram-se em pontos de provisão de mão-de-obra escrava, assim como de bens alimentícios. Mas antes mesmo do início do século XIX, a atividade mineradora no sertão decrescia vertiginosamente, e a exploração mineradora se expandiu para as proximidades da cidade de Diamantino. Os Paresí habitantes desta região passaram então a fazer parte do contingente de mão-de-obra escrava das minas, além de serem usados nos trabalhos de navegação do rio Tapajós. Na mesma época a extração de borracha começou a se impor em Diamantino, onde havia a área mais rica em seringais: os sertões dos Paresí. Estes índios tiveram uma participação efetiva nessa atividade econômica, tendo se envolvido, inicialmente, como guias que conduziam os seringueiros pelas trilhas que ligavam as cabeceiras dos rios, onde eram encontradas as árvores de seringa, e mais tarde como mão-de-obra, mediante pagamento de produtos industrializados. Uma vez que os Paresí estabelecem suas aldeias próximas às cabeceiras dos rios, a chegada dos seringueiros foi fatal para determinados grupos locais, que foram perseguidos e expulsos de suas terras.

Em 1908 o então coronel Rondon, que mais tarde fundou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), supervisionou a construção da linha telegráfica na região oeste de Cuiabá (MT). Entre os primeiros índios que conheceu estavam os Paresí, cujo trabalho estava sendo explorado por seringueiros. Rondon convenceu-os a instalarem-se mais perto da linha telegráfica, iniciou a construção de escolas e treinou alguns deles para a manutenção da linha. Entretanto, dentro de poucos anos a radiofonia tornou o telégrafo obsoleto e a linha foi abandonada. Uma nova estrada seguindo o itinerário da linha telegráfica foi construída na década de 1960 e pavimentada na década de 1980, dando abertura para o desenvolvimento na região.

A partir de 1946 Utiariti se tornou um centro educacional dos grupos indígenas, sob a égide da Missão Anchieta (MIA). O tempo dos internos e dos familiares era dirigido e ordenado pelos religiosos, ocupado com muito trabalho. Lá eram proibidos de falar a língua materna e encorajados a realizar casamentos entre as diferentes populações indígenas que lá viviam.

A história de algumas aldeias paresí está estreitamente relacionada à Missão Jesuítica, uma vez que foram formadas somente após a desativação do internato de Utiariti. Os membros da aldeia Bacaval, por exemplo, antes de serem transferidos para Utiariti viviam na região do rio do Sangue, em uma aldeia de nome Zotosehalí; após o afastamento dos índios a área foi totalmente ocupada por fazendas. Com o fechamento de Utiariti o grupo estabeleceu-se na região onde formaram a aldeia Bacaval, com o intuito de abrir uma roça de arroz e milho a serviço da Missão. A empreitada se baseava em um acordo feito entre os índios e a MIA, que estipulava que a Missão forneceria toda a infra-estrutura aos trabalhadores em troca de produção. O pagamento seria feito em espécie (mantimentos, calçados, roupas e medicamentos).

A aldeia Sacre foi também criada após o fechamento de Utiariti. Membros da mesma antiga aldeia Zotosehalí foram encaminhados pelos padres para esta nova localidade, onde também se dedicaram a explorar seringa.

Aspectos Sócio-Economicos

Uma etnia que aprendeu a cuidar de si mesma

Os Paresí entendiam que para proteger sua cultura, idioma e tradições, deveriam adaptarem-se às realidades modernas, "não se protege uma cultura colocando uma cúpula sobre ela, devemos criar condições internas de nos protegermos e aumentarmos nossas potencialidades", diziam. A estratégia adotada foi diferente das demais etnias, invés se desgastarem em protestos e ataques, resolveram usar as ferramentas do próprio homem branco, não vendiam artesanato em troca de parcos retornos, adotaram uma forma de crescimento em escala, resolveram plantar grãos em suas terras. 


Na Foto - A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (ambos de óculos e cocares indígenas), juntamente com o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Nabhan Garcia (à esquerda de Cristina), o governador do Mato Grasso, Mauro Mendes (à direita de Salles), juntamente com outros representantes, durante visita à aldeia indígena Hiriti-Paresi em Campo Novo dos Paresis, no Mato Grosso, em 13 de fevereiro de 2019. Imagem de Noaldo Santos/MAPA.


O plantio mecanizado de soja na reserva, demarcada na década de 1980, trouxe uma nova perspectiva de atualização às necessidades do século XXI, sem perder a identidade e cultura da etnia. A ideia de integrar a aldeia às praticas de plantio começou há 15 anos com arroz, em parceria com fazendeiros da região, com isso, aumentaram seu poderio econômico-financeiro.

Más infelizmente, essa atitude inovadora sofre resistência por parte de grupos antagônicos, a aldeia enfrenta ações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a oposição de algumas entidades indigenistas. O órgão já aplicou 44 multas, que totalizam R$ 129,2 milhões, e embargou 16.200 hectares sob a acusação de os índios terem arrendado ilegalmente essas terras na safra 2017. O Ibama constatou ainda o plantio de milho transgênico na reserva, proibido por lei. Foram autuados 16 arrendatários, duas fazendas e cinco associações indígenas. Branco admite o plantio de milho transgênico, mas nega que os Paresi tenham arrendado as terras. Com a ajuda da Fundação Nacional do Índio (Funai), a tribo tenta anular as multas.

Os Paresi criaram uma cooperativa e pela primeira vez estão plantando a soja por conta própria. Parte da safra foi financiada por dois produtores rurais da região. Eles forneceram os insumos, sem qualquer garantia, para receber o pagamento na colheita. A expectativa dos indígenas em 2019 era de colher cerca de 55 sacas por hectare. Do total do lucro, pelo menos R$ 1,8 milhão serão distribuídos às 94 aldeias da reserva, objetivo esse que foi alcançado.

“É a necessidade que faz o sapo pular, né? Todo esse trabalho com a soja tem um propósito: superar as dificuldades que o povo indígena passa. A Funai nos deu a terra, garantiu a demarcação, mas a gente não tem condição de sobreviver na aldeia. Moramos numa região de Cerrado, onde não tem caça nem pesca suficiente para a gente sobreviver. Com a agricultura mecanizada, em apenas duas safras, a gente eliminou a subnutrição na aldeia e reduziu a mortalidade infantil.”

No caminho de volta à lavoura, Branco aponta no mapa da reserva as áreas de plantio. “Abrimos 15.500 de 1,3 milhão de hectares, menos de 2% do total do território. Não estamos devastando a natureza. O Cerrado é uma reserva importante para nós. Daqui tiramos o pequi, a mangaba, o cajuzinho-do-cerrado, as plantas medicinais, a palha para construir nossas casas, os peixes e a caça. A áreas de lavoura estão distantes mais de 10 quilômetros dos rios e das aldeias, para evitar a contaminação pelos agrotóxicos, ao contrário do que acontece nas fazendas nesta região”, diz o líder indígena Arnaldo Zunizakae, de 47 anos, conhecido como Branco.

Antes de assumir a gestão da lavoura, Branco trabalhou alguns anos com saúde indígena na aldeia. “Eu só atestava o grande número de subnutridos e a alta taxa de mortalidade infantil. Não tem como resolver isso com remédios, mas com trabalho. É o que vai dar comida, saúde e educação para os índios”, diz. Para ele, a agricultura mecanizada pode tirar boa parte dos povos indígenas da miséria, da humilhação e da dependência do governo.

“É a saída contra a discriminação, que tacha os índios de vagabundos e preguiçosos. Não adianta o governo gastar milhões de reais com remédios para a população indígena. O que não deixa o índio adoecer é comida, educação, uma moradia digna, saneamento básico. Não dá para tratar o índio como um animal dentro de um cercado. Temos de evitar que nosso povo se envolva com drogas, bebidas e prostituição. Lógico que não se pode generalizar. Os Paresi têm condições de ter autonomia, caminhar com as próprias pernas. Há tribos isoladas, que moram nas florestas, com caça e pesca suficiente para alimentar toda a aldeia, e ainda precisam de proteção”, ele diz.


Indígenas Paresí em moderna lavoura mecanizada de grãos, em Mato Grosso (Foto: Bruno Blecher)

 Aspectos cosmológicos e xamanismo

Os Paresí acreditam que as florestas e os rios são habitados por espíritos. Uma serpente espírito e sua esposa eram cultuados na casa dos homens, onde a serpente era representada por uma espécie de trombeta e sua esposa, por uma flauta. Lá, onde os homens dançavam e cantavam, as mulheres eram proibidas de entrar. Os homens bebiam chicha para aliviar a sede da serpente espírito e comiam grandes quantidades de carne para satisfazer sua fome.

Algumas doenças ainda são tratadas pelos poucos xamãs existentes, que têm a reputação de serem capazes de voar. Curam-nas utilizando plantas medicinais e soprando fumaça de tabaco em seus pacientes. Os Paresí acreditam que feiticeiros são os responsáveis por causar as doenças ao jogar veneno em suas vítimas ou colocando-o em suas bebidas.

O mito de origem

Conta o mito de origem dos Halíti que antigamente não existia ninguém, só enoré, que tinha uma filha e um filho. Quando seus filhos foram buscar água para ele, escutaram um barulho e a terra estremeceu. Eram os Paresí emergindo de dentro da abertura de uma rocha nas proximidades de uma ponte natural de pedra, localizada sobre um dos afluentes do rio do Sangue. O primeiro Paresí estava ali, dançando com as flautas sagradas, até que um pequeno pássaro voou para fora da pedra por uma fenda, retornando mais tarde para dizer aos outros como era bonito lá fora. Então Wazáre, o herói mítico, persuadiu vários pássaros e animais para que aumentassem a fenda para que todos pudessem sair. Um grupo de irmãos saiu do interior da terra por uma abertura na rocha, transportando-se do mundo subterrâneo onde vivia para outro, situado acima, que viria a constituir-se no mundo halíti. Esses irmãos contribuíram, de formas diversas, para a conformação desse mundo. Eram eles: Wazáre, Kamazo, Zakálo, Zalóya, Zaolore, Kóno, Tahóe, Kamaihiye. O primeiro a sair foi Wazáre, o mais velho dos irmãos, que orientou a saída dos mais novos e cuidou de sua instalação em diversos locais do novo mundo que descortinavam.

O mito revela que esse mundo existia antes de Wazáre chegar, mas que foi por seu intermédio que pode ser apreendido cognitivamente e, portanto, habitado pelos Halíti. As cabeceiras, os rios, os pássaros, as árvores e as flores estavam lá, mas foi Wazáre quem as denominou.

Quando saíram da pedra, os irmãos tinham uma aparência singular: eram peludos, possuíam rabos, tinham dentes compridos e membranas entre os dedos das mãos e dos pés sugerindo que estivessem em um estado “quase humano”. Acontecimentos diversos concorreram para a transformação da aparência dos irmãos, num processo gradativo que contou com o auxílio de seres do mundo animal (cutia, mutuca e formiga), que moldaram os corpos dos ancestrais para que atingissem a forma halíti. Mas havia um homem, chamado Kuytihoré, que não arrancou todos os seus pelos corporais. Este homem era rico: tinha gado, cavalos e ferramentas de aço, que ofereceu para compartilhar com Wazáre. Ele deixou Wazáre zangado, e este disse: “eu não quero gado, porque eles vão sujar o espaço em frente às casas dos meus filhos. Não quero ferramentas porque elas são envenenadas e vão matar meus filhos. Vocês vão para o outro lado da ponte de pedra, e não se misturem com os Paresí”. Kuytihoré foi para longe e ficou com os brancos e teve muitos filhos.

Ao final do processo de transformação, os irmãos saídos da pedra se tornaram aptos a manter relações sexuais e procriar. Wazáre e seus irmãos encontraram as filhas do rei das árvores (Atyáhiso) e com elas se casaram. Essas, por sua vez, também não se encontravam completas, isto é, seus corpos não estavam prontos para copular e conceber. O processo de “humanização” das mulheres se fez através dos maridos, que detinham os instrumentos necessários para torná-las “halóti” (ser humano do sexo feminino). Utilizando-se de um dente de paca, os homens modelaram a vagina das mulheres, tornando-se seus criadores. As mulheres também participaram da “humanização” dos seres míticos, uma vez que foram elas que ordenaram às mutucas que modificassem o órgão sexual masculino, de forma a adequá-lo ao tamanho de suas vaginas.

Os frutos destas uniões foram os halíti Kozárini (filhos de Kamázo), os Kazíniti (filhos de Záolore), os Warére (filhos de Kóno), os Káwali (filhos de Tahóe) e os Wáimare (filhos de Zákalo e Zalóya). Wazáre não gerou filhos e Kamaihíye também não deixou descendentes; os Wáimare são filhos de dois irmãos que mantiveram relações sexuais com a mesma mulher.

Os Kozárini, Kazíniti, Wáimare, Káwali e Warére nasceram “completamente humanos”, o que está claramente expresso na noção de halíti (gente – gênero humano), que é aplicada para a totalidade de seus descendentes. Wazáre destinou a cada irmão um território determinado, dando surgimento a grupos sociais específicos.

A morte

Os mortos paresí eram enterrados em suas casas com os seus pertences. O mito que narram sobre a morte conta que quando há um falecimento na aldeia, o espírito do morto vai ao encontro de Zoetete, que o leva à aldeia dos mortos. Zoetete são seres nos quais depois de velhos se transformaram dois homens que podiam ver os deuses (enoré) e que tinham a capacidade de curar as pessoas tirando o feitiço que causavam suas doenças. Em seu caminho para a aldeia dos mortos o espírito do morto deve atravessar uma pinguela de sucuri, enquanto Zoetete espera do outro lado do córrego. Se o espírito tiver feito muita coisa ruim durante a vida, ao atravessar a pinguela, a sucuri se mexe e ele tem de retornar para a margem do córrego. Se isso acontecer o Zoetete terá que atear fogo no espírito para as coisas ruins irem embora, e então ele atravessará a pinguela e a sucuri não mexerá e Zoetete o levará para a aldeia dos mortos. A aldeia dos mortos é uma réplica da aldeia dos vivos diferenciando-se apenas no fato de que lá estão suspensas as proibições do incesto.

Cada grupo tem um lugar próprio na terra, uma aldeia para a morada depois da morte. Os Wáimare vão para um lugar denominado Zolohoiaka e os Kazárini vão para um outro lugar chamado Kalokaré.

Quando chega à aldeia dos mortos o espírito vira um Halíti de novo e ganha uma família igualzinha a que tinha antes de morrer. Deve ficar recluso dentro da casa e os Halíti lhe darão remédios e comida até que ele fique curado da doença que o matou. Depois ele poderá se casar com quem quiser, fazer roça e pescar.

 Morfologia social

Os subgrupos

A denominação Halíti (gente, povo), aplicada a todos os indivíduos indistintamente, expressa a idéia de que existe algo que lhes confere unidade, através da qual é possível construir e manter uma identidade particular de grupo. Ao se qualificarem como Kazíniti, Wáimare, Warére, Kozárini e Káwali estariam expressando outra noção, aparentemente oposta à primeira, de que existem distintas “humanidades” no interior do grupo mais inclusivo halíti.

No início do século XX os subgrupos ainda configuravam grupos sociais bem delimitados, ocupando espaços específicos. Todo o território halíti era cortado por trilhas, ligando aldeias de subgrupos distintos. A interação entre os subgrupos restringia-se à esfera dos rituais, da guerra e do comércio, uma vez que era interditada a formação dos laços de casamentos. Segundo um informante Paresí: “Antes de Mariano (Marechal Rondon) não havia mistura. Wáimare só casava com Wáimare, Kazíniti com Kazíniti. Com o tempo foi diminuindo terra, os imoti (‘civilizado’) foram chegando e os halíti saíram de seu lugar, lugar de vovô. Morreu muita gente de doença também. Aí misturou tudo”.

Os subgrupos, enquanto unidades sociais referidas a um espaço territorial específico, já não existiam no final da década de 1930. O processo histórico de contato implicou na depopulação devido a capturas, matanças e epidemias. Algumas das consequências desse processo foram a migração dos grupos locais e a perda dos territórios originais.

Na década de 1980 os Paresí formavam 23 grupos locais, espalhados por um vasto território. A maioria da população se identifica como Kozárini. De uma maneira geral, representantes de outros subgrupos são encontrados entre a população Kozárini, que compõe a maior parte dos grupos locais. Dentre os remanescentes dos demais subgrupos, somente aqueles que se identificam como Waimaré se reuniram formando grupos locais (aldeia Bacaval, Formoso e Sacre), onde são majoritários; esses grupos preferem trocar as mulheres entre si.

A aldeia

A aldeia é uma unidade social muito significativa entre os Paresí; seus habitantes formam um grupo social específico, cujas relações são marcadas pela solidariedade. As aldeias possuem direito exclusivo sobre os recursos de seus territórios, que contam com limites definidos, em geral um acidente geográfico, como por exemplo, cabeceiras dos rios. Seus integrantes se unem para a realização de certas etapas do trabalho agrícola assim como de eventos rituais. Os produtos da caça são distribuídos por todos os membros de um mesmo grupo local. Uma vez que seus integrantes se classificam como ihinaiharé kaisereharé (parentes verdadeiros), um grupo local é percebido pelos demais como indiferenciado.

O termo utilizado para designar aldeia é wénakalatí, indicando, especificamente, que aquele espaço é um “lugar de morada”, não fazendo, portanto, referência ao grupo social que ali habita. As wénakalatí pré-existem aos grupos sociais que, por ventura, procurem ali fixar morada. Os grupos sociais têm uma relação histórica com os locais onde se estabelecem, construída por meio de seus antepassados que os teriam ocupado anteriormente. Aqueles que vivem em uma determinada wénakalatí podem usufruir de todos os recursos contidos em seus limites, tendo acesso a todas as áreas de caça, pesca, coleta e agricultura.

As wénakalatí foram também denominadas por Wazáre, responsável pela classificação do mundo. Seus nomes referem-se a acidentes geográficos, árvores, frutos ou mesmo características próprias do local. As aldeias Paresí têm uma densidade populacional baixa. A tendência à segmentação com a formação de grupos locais de pequenas proporções, com uma família elementar ou família extensa (3 gerações), é percebida pelos Paresí como uma forma de precaução e/ou resolução de conflitos sociais.

A composição ideal de uma aldeia é um grupo de siblings (unidade composta por irmãos reais e classificatórios de uma pessoa) e seus descendentes, desenvolvendo um relacionamento que denota prodigalidade, cooperação e companheirismo. O crescimento populacional de uma aldeia, da perspectiva Paresí, favorece o surgimento de “mexericos” e “fofocas”, considerados elementos detonadores de conflitos sociais. A eclosão de conflitos intra-aldeia é vista como uma ameaça à identidade do grupo, pois se levados às últimas conseqüências poderão destruir os vínculos sociais que os unem. O distanciamento espacial surge como uma estratégia de controle social. Em outras palavras, os Paresí preferem pagar o preço do distanciamento físico para se manterem socialmente próximos.

Em geral uma aldeia tem uma ou duas casas comunais (háti) e uma pequena casa, onde são guardadas as flautas sagradas (Yámaka). Algumas possuem também casas construídas de acordo com o padrão regional visto nas redondezas, abrigando famílias elementares.

Cada casa (háti) corresponde a um grupo doméstico constituído de indivíduos pertencentes a três gerações; um casal com filhos e filhas solteiros, suas filhas e/ou filhos casados e a terceira geração, formada pelos netos e netas.

O plano ideal de uma aldeia consiste em duas háti situadas na extremidade do pátio da aldeia (watéko), em relação de oposição. Estas têm o formato elíptico, com duas portas nas extremidades: uma voltada para o nascente e outra para o poente. Sua estrutura é de madeira (aroeira), e coberta por folhas de guariroba.

O pátio (watéko) é a ante-sala de uma casa; seu estado de conservação revela a prosperidade do grupo local e a excelência de seu chefe. O conjunto formado pelo pátio, a casa e a área posterior contígua à mesma formam um todo social, num continuum que pode ser percebido como uma variação do mais ao menos social. A zona contígua a casa é feminina por excelência. É aí que as mulheres iniciam o processo de transformação dos alimentos crus: a mandioca, o peixe e a carne de caça.

Existe uma classificação interna da casa, demarcando três espaços, basicamente: os situados nas extremidades são designados hitihozóa; a parte onde está o fogo é denominada irikátiaose e o espaço central, designado kotázakõ. A casa é um centro social fundamental. Nela se realiza parte das festas de chicha, as meninas púberes ficam em reclusão, se prepara a comida, tem-se relações sexuais, nascem os filhos e enterram-se os mortos. É também palco de todas as decisões. Cotidianamente os homens se encontram nas casas à noite para conversar sobre atividades realizadas e planejar viagens, festas, assim como os próximos trabalhos a serem realizados. Grande parte das horas livres são passadas em seu interior, nas redes.

A vida de uma casa começa na madrugada, entre 4 e 5 horas da manhã. Primeiro, são as mulheres que se dirigem para o rio, para banharem-se e buscar água. Após seu retorno é a vez dos homens. Na parte da manhã, quando é época de derrubada, os homens vão à roça. Os caçadores saem de manhãzinha, retornando antes do pôr do sol. As mulheres intercalam os dias de trabalho na roça, e quando permanecem na aldeia vão lavar roupa no rio. As tardes das mulheres são quase todas ocupadas na transformação da mandioca. Nesta parte do dia, os homens descansam, fazem artesanato ou saem para pescar. As crianças, lideradas por algum adolescente, fazem incursões nas redondezas da aldeia à cata de frutos silvestres ou então à procura de passarinhos com uso de pequenos arcos e flechas por elas próprias confeccionados. Ao cair da tarde, as famílias se reúnem no exterior das casas. Deitados em suas redes, os homens cantam e contam estórias. As mulheres embalam os filhos pequenos. De repente, todos se calam, e o sono toma conta da casa. De vez em quando alguém se levanta para atiçar o fogo que é mantido sempre aceso. O silêncio pode ser quebrado por qualquer pessoa que resolva relatar um sonho que acabara de acontecer. Risos, exclamações, cigarros acesos, uma reclamação aqui e acolá. O silêncio chega novamente, podendo ser quebrado a qualquer instante.

 Parentesco e casamento

A organização social Paresí não é estruturada com base em unidades sociais efetivas como linhagens ou grupos de idade. Entre eles existe um termo que se aplica a todas as pessoas que um determinado ego pode identificar por meio da terminologia de parentesco: itywasá. O significado aproximado do termo é “nome de parente pra chamar”. Há também a expressão katyawazá, cuja tradução poderia ser “ter (ka) nome de parente pra chamar”. A essa se opõe a expressão máiha katyawázere, onde maiha é uma partícula de negação, indicando a impossibilidade de uma identificação com base na terminologia de parentesco. Utiliza-se essa expressão em referência a pessoas “desconhecidas”, em geral membros de subgrupos distintos, entre as quais inexistem relações que possibilitem nomeá-los.

Além dessas categorias que permitem a dicotomização do universo social em “parentes” e “não parentes”, existem outros termos classificatórios nesse mesmo domínio que possibilitam aos Paresí uma definição mais precisa de suas relações. Assinala-se a existência de relações e pessoas ihinaiharé kaisereharé que traduzem como “parentes verdadeiros” ou “legítimos” e de ihinaiharé sékore ou “parentes de longe ou de consideração”.

A categoria ihinaiharé kaisereharé abrange aqueles indivíduos que conseguem apontar com exatidão seus laços genealógicos, enquanto os ihinaiharé sékore são aqueles cujas relações genealógicas são muito distantes para serem significativas.

De maneira geral, todos os moradores de uma aldeia se reconhecem como ihinaiharé kaisereharé, embora a rede de ihinaiharé kaisereharé de uma pessoa ultrapasse os limites de seu grupo local. Cisões de aldeias e casamentos são os responsáveis pela dispersão dos ihinaiharé kaisereharé, possibilitando a formação de grupos de aldeias localizadas em locais próximos.

A relação entre os ihinaiharé kaisereharé é baseada na repartição generosa de alimentos, hospitalidade, cooperação nos trabalhos de subsistência e na construção de casas e empréstimo de instrumentos de trabalho, havendo também a preferência pelo casamento entre pessoas nessa classificação.

A solidariedade, prodigalidade e companheirismo que marcam as relações desses indivíduos são anualmente reforçadas por meio da realização de um ritual denominado “roça nova” ou “rocinha” que conta com a participação exclusiva da rede de ihinaiharé kaisereharé dos habitantes de uma determinada aldeia. Nos demais rituais – “moça nova” e “batizado” (nominação) – os ihinaiharé kaisereharé daquele que promove a festa participam nas fases de preparativo das mesmas, realizando caçadas coletivas, pescarias, cuidando da limpeza do pátio da aldeia, etc.

Entre os ihinaiharé sékore o caráter de proximidade observado na relação anterior, dá lugar a um relacionamento mais formalizado, de estranhamento. As relações são marcadas pelo distanciamento e cerimônia. O tratamento se expressa, em geral, mediante gracejos e brincadeiras. A troca de alimentos e a cooperação nos trabalhos são elementos ausentes nesse tipo de relação.

Durante a ocorrência das festas de “batizado”, “moça nova” e “roça nova”, as classes de pessoas ihinaiharé kaisereharé e ihinaiharé sékore adquirem contornos nítidos. Esse fenômeno torna-se mais perceptível durante as celebrações que acontecem com a participação de ambos os parentes. Nessas situações extraordinárias, as classes de pessoas podem rever suas classificações, permitindo-se “trocar suas identidades”, experimentando comportamentos e atitudes de seus contrários.

Casamento

O casamento entre grupos classificados como ihinaiharé kaisereharé é considerado ideal pelos Paresí. A justificativa apontada é a facilidade de relacionamento com as parentelas dos cônjuges. O casamento entre pessoas classificadas como ihinaiharé sékore implicaria no distanciamento geográfico e na incerteza de uma aproximação social entre as parentelas dos noivos.

A residência pós-marital mostra-se coerente com o sistema de parentesco que permite que uma pessoa trace o parentesco tanto pelo lado materno quanto pelo paterno. Entre os Paresí vigora a uxorilocalidade temporária (moradia com a família da esposa), o marido vive durante o primeiro ano de casamento na casa dos pais da esposa, tornando-se livre a escolha depois. Essa regra não é observada, em geral, em relação ao filho primogênito dos chefes de grupos locais. Entretanto, atualmente os homens insistem em permanecer na aldeia de seus pais, o que pode ser interpretado como uma tentativa de reforçar o grupo familiar. A decisão de permanecer na aldeia dos pais da esposa ou do esposo parece ser mais facilitada quando as parentelas se reconhecem como ihinaiharé kaisereharé.

O casamento entre os Paresí não é marcado por cerimônia ou qualquer outra formalidade. As negociações se resumem a uma consulta do pretendente ao pai da noiva. O sogro responde ao pedido do genro com uma curta preleção, onde fica assinalado que o pretendente deve cumprir suas obrigações com o sogro, basicamente auxiliá-lo nos trabalhos de agricultura. Em seguida, o rapaz se dirige para a casa da noiva, onde viverá cerca de um ano (com exceção do primogênito do chefe da aldeia).

Tradicionalmente os rapazes e as moças ficavam noivos quando ainda pequenos. Às vezes, um homem jovem criava uma menina desde a infância e quando ela chegava na puberdade, casavam-se. Em outras épocas, o homem dava alguma compensação matrimonial ao sogro. Constava principalmente de artigos de cestaria. Quando ocorriam casamentos entre os ihinaiharé sékore, decorrido um ano de casamento, os pais da noiva organizavam uma grande festa para celebrar a aliança entre os grupos das distintas parentelas.

O relacionamento entre os primos cruzados (filhos da irmã do pai ou filhos do irmão da mãe) de sexos distintos é marcado pela possibilidade de casamento. Gracejos e brincadeiras dão o tom da relação entre cônjuges em potencial ou cunhados e cunhadas.

Relação entre cunhados

A relação entre cunhados implica em obrigações como cooperação em trabalhos agrícolas. A relação de camaradagem e intimidade entre primos paralelos (filhos da irmã da mãe e filhos do irmão do pai) dá lugar a um relacionamento mais formal entre os cunhados. Não é comum que se visitem, e quando viajam, preferem se hospedar na casa de irmãos ou primos paralelos.

A chegada de um novo bebê na família implica em que as irmãs mais velhas passem a cuidar dos irmãos menores. Seu papel é fundamental neste instante, em que as mães estão envolvidas nos cuidados do recém-nascido. À noite, as irmãs mais velhas dividem as redes com as irmãs mais novas e procuram distraí-las para que não sobrecarreguem suas mães. Durante o dia as mais novas ficam sob seus cuidados.

A solidariedade do grupo de siblings (irmãos reais e classificatórios) é muito grande, e se manifesta, além da intensa cooperação no trabalho, no empréstimo de esposos a irmãos ou irmãs solteiros. É permitido a um homem ter relações sexuais com a esposa, a irmã da esposa e a esposa do irmão; a uma mulher é permitida a relação sexual com o marido, o irmão do marido e com o marido da irmã. A unidade do grupo de siblings se expressa, também, através da tendência a se reunirem em um mesmo grupo local.

Relação entre pais e filhos

Pais e filhos formam um grupo significativo na sociedade. A proximidade física no interior de uma unidade residencial não obscurece o fato de que as famílias elementares ocupam espaços específicos. A colocação das redes em um mesmo local, onde se acham também seus pertences, constitui um sinal demarcatório da família. As refeições em conjunto são igualmente fatos indicadores da unidade familiar. Na família a figura paterna é muito expressiva. Sua mulher e seus filhos são identificados a ele. Algumas famílias têm o hábito de estender o cognome brasileiro do chefe de família à mulher e filhos.

Os Paresí dizem que os filhos se assemelham fisicamente ao pai. Na sua perspectiva, o pai tem um papel preponderante na concepção dos filhos. Logo que um filho nasce, o pai e a mãe ficam de resguardo, em reclusão. O homem passa a maior parte do dia em casa dormindo. Enquanto a mulher fica mostram-se preocupados em não perder e a reaprender aspectos que consideram importantes para a manutenção de suas práticas culturais. circunscrita ao espaço da casa, ao homem é permitido circular pelo pátio e mesmo passar alguns momentos em outras unidades residenciais da aldeia. O período de reclusão para os pais depende de sua avaliação sobre o estado de saúde do filho. Se considerarem que o filho está suficientemente “forte”, abandonarão o resguardo.

Na fase de reclusão, o homem não sai pra caçar, não come carne de caça, não pode trançar, nem fazer serviço pesado como carregar lenha e derrubar árvores. A inobservância dessas prescrições poderá acarretar doenças e até a morte da criança.

A mulher, no pós-parto, observa uma série de regras alimentares como não beber olóniti (bebida fermentada feita com o líquido da mandioca brava), nem carnes de espécie alguma. A proibição de realizar trabalhos como o trançado atinge também a mulher. Durante grande período após o parto à mulher é vedado o trabalho na roça a fim de evitar danos às plantações.

O pai é o socializador por excelência dos filhos, assim como a mãe das filhas. Os pais procuram passar suas habilidades aos filhos, ensinando-os a caçar, a pescar e a trançar. As meninas, a partir dos 8 anos aproximadamente, auxiliam a mãe nos cuidados com os irmãos menores, nas tarefas domésticas e no trabalho agrícola.

Relacionamento sogro/genro

Um homem, depois que se casa, assume a posição de devedor perante a parentela de sua mulher. Sua dívida é saldada com “trabalho duro”. Um genro ajuda o sogro na roça, supre a casa de lenha, dos artigos de artesanato que confecciona para o sogro comercializar, sendo, muitas vezes, o principal provedor de utensílios domésticos do grupo residencial. O respeito parece ser a base desse tipo de relação, manifestando-se na atitude cerimoniosa do genro na casa do sogro. A interação sogro-genro não está sujeita a evitações de nomes nem a uma maior proximidade física.

A relação genro-sogra é mais distanciada que a relação sogro-genro. Raramente um genro dirige a palavra à sogra. Entretanto, quando são afins em potencial, a interação se desenvolve através de muitas brincadeiras e gracejos, onde imperam os temas sexuais.

A tensão é um aspecto relativo apenas na interação sogro-genro. Quando moram na casa do sogro, os genros expressam constantemente seu desejo de construir uma casa para eles e suas famílias e, muitas vezes, não escondem seu desagrado em “trabalhar pesado” para o sogro.

 Organização política

As aldeias Paresí são unidades políticas autônomas, e somente àquelas que formam um grupo local compete arbitrar sobre questões relativas à vida social. De um modo geral, é inconcebível a idéia de que moradores de uma aldeia possam vir a intervir diretamente nos assuntos de um grupo local que não o seu. O destino de uma aldeia está nas mãos de seus moradores e as deliberações daquele que lidera o grupo local devem ser respeitadas pelos outros líderes, não sendo admissíveis quaisquer tentativas de dissuasão.

Os grupos locais reconhecem a liderança de um indivíduo weikate wénakalatí (dono do lugar) – que indica ter sido ele que tomou a iniciativa de construir uma háti (casa) naquele local.

O modelo de organização política, tal como se apresenta nos dias atuais, difere dos padrões existentes no passado. Ainda no início do século vigorava um tipo de classificação social que distinguia uma classe de pessoas designadas ezékwaharé – que traduzimos como “doadores” – de outra, composta pelos ewakaneharé, cujo significado etimológico parece ser “mandado” (ver item “categorias sociais”).

Em uma aldeia, os “donos das casas” eram os indivíduos da categoria ezékwaharé, que tinham autoridade sobre os ewakaneharé de seu grupo familiar, exercida a nível de orientação dos trabalhos de grupo e organização das cerimônias (festas de chicha). O prestígio e autoridade de um “dono de casa” se baseava no fato dele ser da classe ezékwaharé, assim como em sua habilidade política para manter o grupo doméstico coeso, atuando como um guardião da ordem. Cabia-lhe apaziguar ânimos exaltados e evitar que pequenas disputas ameaçassem a unidade do grupo familiar.

Em geral, aqueles que tomavam a iniciativa de construir uma nova casa eram homens da categoria ezékwaharé. No caso de sucessão, o filho mais velho ocupava o lugar do pai. O primogênito de um “dono de casa” devia permanecer junto à família de origem, após o casamento.

Entre os ezékwaharé, donos de casas, existiam aqueles que eram conhecidos como ezékwahasetí, que seriam os “chefes verdadeiros” dos grupos locais. Enquanto a autoridade de um “dono de casa” se exercia no âmbito de seu grupo doméstico, o ezékwahasetí podia agir indiretamente sobre os grupos familiares da aldeia, gozando de reconhecimento e prestígio.

Atualmente, os Paresí referem-se aos donos de aldeia pelo termo ezékwahasetí, que sofreu uma ressignificação, uma vez que não se apóia, como antes, na classificação social ezékwaharé/ewakaneharé. O nome indica que o indivíduo é o “chefe” ou “capitão” do grupo local. Hoje a autoridade do ezékwahasetí esta relacionada diretamente aos assuntos da aldeia, tais como administração das atividades de subsistência e a organização das festas de chicha. Os chefes de aldeia nem sempre são os intermediários dos Paresí junto aos agentes não índios. Entretanto, o domínio do idioma português e a sagacidade no trato com estes são fatores que conferem prestígio a um líder de aldeia.

Um chefe de aldeia deve ser muito cauteloso ao se dirigir às pessoas, seja para distribuir tarefas, seja para dar conselhos. Os Paresí não aceitam ordens. Um chefe deve sugerir, nunca mandar.A posição de chefe de uma aldeia se transmite por herança, de pai para filho, preferencialmente o primogênito. O candidato deve ter o dom da oratória, ser enérgico, firme nas decisões e mostrar habilidade para conduzir-se em situações conflituosas.

Na relação inter-aldeias, o prestígio de um chefe se manifesta através do comparecimento às festas de chicha. Quanto mais concorrida for uma festa, maior é a estima que se tem pelo evento. Nelas um chefe de aldeia se apresenta como um doador de chicha, atitude que simboliza a própria concepção de chefia.

 Categorias gerais

Entre os Paresí existe uma classificação social que parece estar remetida às competências das pessoas no campo das atividades sócio-econômicas (agrícolas, caça, construção de unidades residenciais, realização de rituais e trabalhos domésticos). As duas categorias principais dessa classificação são: ezékwaharé e os ewakaneharé. O primeiro termo é uma derivação da palavra ezékane, que significa “o que agente dá”. Ezékane com sufixo haré (pessoa) pode ser traduzido por “pessoa que dá” ou “doador”. Ewakaneharé tem a conotação de “mandado”. A esta classificação corresponderiam dois grupos: o dos chefes e suas parentelas (ezékwaharé) e dos demais moradores de um grupo local, considerados como “povo”.

No passado, essas categorias não regulavam o matrimônio, uma vez que não era vedada a aliança pelo casamento entre indivíduos de grupos distintos. O pertencimento a elas se dava por linha paterna. Sua definição se dá em termos das atribuições que lhes são pertinentes. Assim, os ezékwaharé são indicados como aqueles que “...pensa e manda”, “pensa nas tarefas do ano (tocar lavoura)”, “orienta e coordena o serviço”, “toma conta das pessoas”, “dá conselho”, “não deixa ter fuxico”, “marca as festas” e também “trabalha, não fica só dando ordens”, “faz serviço junto”. Os ewakaneharé “...fazem tudo o que o ezékwaharé manda: serviço de roça, pegar lenha, fazer casa, cuidar da limpeza do pátio da aldeia e caça no dia de festa”.

Aqueles classificados como ezékwaharé seriam os “chefes” em potencial dos grupos locais; geralmente os chefes das aldeias são referidos pelo termo ezekwahasetí.

O fato de existirem atribuições distintas não implica, na ótica paresí, em uma valoração diferenciada dos grupos. As categorias sociais são colocadas lado a lado, como um par de termos complementares. Portanto, a associação terminológica anunciada entre ezékwaharé/patrão e ezakaneharé/empregado ou peão, não deve ser entendida como indicador de uma relação de domínio, de poder de uma categoria sobre a outra. As categorias ezékwaharé/doador/patrão e ewakaneharé/receptor/mandado estão numa relação de interdependência, de troca não desigual.

Existe ainda uma terceira categoria de indivíduos designados como kahéte, que os Paresí traduzem por “vaqueiro”, devido à característica de “viver no mato, junto da criação”. Seriam os responsáveis pelo abastecimento de carne aos grupos locais.

A percepção dos kahéte como “gente braba”, que “briga por qualquer coisinha” surge associada a uma segunda atribuição: a de guerrear. Os descendentes dos kahéte procuram manter uma conduta que serve para reforçar uma imagem aguerrida. Dizem que eles não tinham a maneira de viver halíti, uma vez que teriam sempre “vivido no mato”, em acampamentos de caça, não possuíam roça e viviam vagueando pelos campos a procura de caça, que periodicamente traziam para as aldeias onde recebiam em troca alimentos cultivados e abrigo. Somente após o nascimento do primeiro filho fixavam residência nas aldeias.

 Atividades da aldeia

No processo de provisão da vida material, além do prospero resultado obtido com a lavoura de grãos o grupo doméstico, assim como as famílias elementares, são as principais unidades produtivas. A unidade desse grupo se manifesta na realização da atividade econômica considerada como a mais importante pelos seus membros: o cultivo da mandioca brava.

Os Paresí cultivam vários tipos de mandioca brava; a mais comum é a kéte, produto básico para fazer o beiju (zómose), a farinha de mandioca (tyoloéhe), o polvilho (éhe) com o qual se faz um bolo denominado kenáike e um gênero específico de chicha – olóniti – beberagem feita com o líquido extraído da raiz que, após um processo de fermentação, é consumida, de preferência, em momentos rituais. Outro tipo de mandioca – kázalo – é utilizado somente para o fabrico de bebida. Os Paresí se referem também a outros tipos de mandioca, como a zaterehó, kotohokose, awaizoré, hatinoliró.

Todos os grupos locais têm suas roças, mesmo os que modificaram sensivelmente sua dieta alimentar, como as aldeias que se dedicam à extração da borracha e algumas voltadas para a confecção do artesanato para a venda.

Anualmente são abertas novas roças em locais que distam de três a cinco quilômetros das aldeias. Uma roça é abandonada quando sua produção se esgota, podendo ser reativada anos depois.

Na primeira fase da produção agrícola, que corresponde ao preparo do solo, é acionada a cooperação através de todos os homens. Nessa etapa conta-se, muitas vezes com a cooperação da força de trabalho de outros grupos locais – notadamente aqueles reconhecidos como ihinaiharé kaisereharé. É também esperado que os genros que vivem virilocalmente, isto é, nas aldeias de origem, se desloquem para as aldeias dos sogros para auxiliá-los nos trabalhos agrícolas.

Abril e maio são os meses em que o terreno escolhido é roçado e as árvores derrubadas; nesses trabalhos são utilizados machados, foices e facões. Em agosto, quando as árvores estão secas faz-se a queimada. Em setembro a terra está pronta para a plantação.

A fase do plantio é precedida pela divisão do terreno em lotes simétricos, referentes a cada grupo doméstico. Neste momento manifesta-se a autonomia das famílias elementares, pois cada uma delas assumirá uma parte do terreno que é definido pelo chefe de cada grupo doméstico, considerando-se o tamanho da unidade familiar.

No plantio, marido e mulher trabalham em conjunto, obedecendo à divisão sexual do trabalho: o homem corta as ramas da mandioca com o facão e cava a terra com a enxada, enquanto a mulher coloca as ramas nos buracos cobrindo-os com auxílio dos pés. Os instrumentos de trabalho utilizados são de propriedade coletiva do grupo doméstico, revezando-se as famílias na sua utilização. Os Paresí dizem que os homens são “donos” das roças e suas mulheres “donas” da safra, de tudo que for colhido.

Nas zonas mais periféricas das roças de mandioca, as mulheres plantam abóbora, mandioca mansa, cana-de-açúcar, batata doce, cará e banana, mas a essas plantas é dada menor importância. Os homens plantam alguns pés de fumo para consumo próprio.

Além das roças de mandioca, os Paresí cultivam roças de milho, produto muito apreciado e utilizado principalmente para fabricar chicha. O milho é plantado em áreas distintas das reservadas à plantação de mandioca. Uma vez que os locais mais próximos às aldeias são utilizados para as roças de mandioca, as roças de milho ficam, muitas vezes, a longa distância de uma aldeia.

A caça

Enquanto a agricultura marca a autonomia dos grupos domésticos, a atividade de caça é fundamental para o grupo local, pois além de ser básica para a dieta do grupo é fonte preciosa de matéria prima para o artesanato.

Os Paresí preferem caçar sozinhos. Percorrem longas distâncias normalmente a pé (algumas áreas de caça ficam a 30 km do centro da aldeia). O caçador não se alimenta durante a caçada, somente pode consumir água. Em um pequeno embornal leva fósforo, fumo e munição. Seus instrumentos são a arma de fogo e zayakoti, um escudo venatório utilizado para se aproximar da caça sem ser percebido pelo animal. Caçam ema (rhea americana), seriema (cariama cristata), e o veado campeiro (ozotocerus bezoarticus). Cada caçador possui uma arma de fogo que é considerada sua propriedade. Enquanto os caçadores não retornam, as mulheres não penteiam os cabelos nem varrem as casas. Essa atitude, acreditam, tem o poder de camuflar o caçador: “a ema, nem o veado, nadinha vê ele”.

A caçada conjunta se dá somente por ocasião das festas de chicha (nominação de criança, festa de moça nova e roça nova). Os caçadores se reúnem na aldeia do festeiro e se dirigem para um determinado ponto de caça, onde montam um rancho e armam um jirau (matyé) para moquear a carne. Nessas situações costumam utilizar a técnica da queimada, que é feita em cooperação. Devido ao fogo, os animais se aglomeram em determinados pontos, tornando-se presas fáceis dos caçadores. A carne é moqueada no rancho e depois levada para a aldeia.

O caçador não toca no animal abatido. Atualmente os caçadores têm por hábito retirar os pés dos veados e as asas das aves imediatamente após tê-las abatido. Tanto as penas das emas e seriemas quanto os pés de veado são matéria-prima valiosa para a confecção de peças artesanais, como os espanadores. Os filhos do caçador, também caçadores, por se dedicarem à prática do artesanato, guardam para si esse material enquanto o pai divide o seu com ambos de forma igualitária. Essa cooperação se dá devido ao fato de o pai não confeccionar artesanato para comercialização, dedicando-se exclusivamente à atividade de caça. Os filhos lhe retribuem, provendo a família paterna com determinados artigos adquiridos nas cidades, como vestimentas, calçados, munição, sabão, açúcar, fósforo e fumo, por meio da comercialização dos produtos que confeccionam.

Distribuição da carne

O corte da caça é feito perante todos. Os ossos das extremidades são divididos entre as crianças e adultos que saboreiam tutano numa alegre disputa. As mulheres de cada família se aproximam com os vasilhames onde serão colocados os miúdos (rim, fígado, coração, víceras) e pedaços de costela (única parte dos animais que é distribuída ainda crua). Os intestinos são doados à mulher mais idosa da aldeia e também às crianças.

As demais partes da caça são levadas para a casa do chefe, onde serão cozidas e moqueadas. Quando se decide que a carne será moqueada, o chefe constrói um jirau e responsabiliza-se pelo assado. As mulheres cuidam da carne quando esta passa pelo processo de cozimento na água.

A distribuição da carne cozida obedece ao mesmo critério aplicado na partilha dos miúdos. Em relação a eles, faz-se o revezamento pelas crianças de cada casa familiar: aqueles que em uma partilha haviam recebido, por exemplo, os rins, na seguinte receberiam outro tipo de miúdo, como o fígado. Os chefes dos grupos domésticos, “donos de casas”, alternam-se para receber as cabeças dos veados. O mesmo acontece em relação ao peito e as coxas dos animais: a casa que recebera na partilha anterior a carne do peito, na próxima fica com a parte da coxa e vice-versa.

Enquanto as práticas agrícolas e de caça são percebidas como “trabalho duro”, outras atividades de subsistência como a pesca e a coleta são vistas como atividades complementares, associadas, também, ao prazer.

A pesca

O pescado torna-se uma alternativa para a dieta quando há escassez de caça, principalmente na época das chuvas. Todos se dedicam a essa atividade, embora os homens tenham uma participação mais efetiva. A técnica comumente utilizada é a pescaria com anzol. Em geral, os homens pescam sozinhos. Nas ocasiões em que saem para pescar acompanhados de suas mulheres, diz-se que vão ter relações sexuais.

As mulheres têm uma participação importante na pescaria de timbó (ahó), um tipo de cipó que produz uma seiva que asfixia os peixes. Os homens coletam e enfeixam o cipó. Os feixes são macerados pelas mulheres até que escorra o seu suco. Em seguida, os homens fazem o represamento do rio, fixando no local os feixes de timbó. Nesse tipo de pescaria, participam todos os moradores de uma aldeia, sendo considerado um evento muito aprazível em que homens, mulheres e crianças, lado a lado, divertem-se pegando os peixinhos. O produto da pescaria é consumido coletivamente pelos membros de um mesmo grupo doméstico.

A coleta

A coleta de frutos silvestres, como o coco da bacaiúva, o babaçu, o abacaxi do mato, é uma atividade marcadamente feminina na qual tem grande importância a cooperação infantil. Essa atividade se intensifica no período imediatamente posterior à seca, estendendo-se pela estação chuvosa, quando as mulheres e crianças da aldeia perambulam pela redondeza à cata de frutos que são consumidos por todos os participantes.

Existem outras modalidades de coleta, associadas diretamente à atividade artesanal, principalmente para a produção de artigos para a venda. Com o incremento da produção de objetos para a comercialização, assistiu-se a uma diversificação dos materiais básicos utilizados para a produção. A coleta de matéria prima é realizada pelos integrantes de um grupo doméstico, sendo observadas distintas modalidades de cooperação. Uma vez que nem todos os grupos locais possuem em seu território as matérias-primas necessárias à confecção dos artigos é comum que coletores viajem às outras aldeias para obter aquilo de que necessitam.

Os Paresí estão entre as poucas populações indígenas sul-americanas que domesticavam abelhas. Mantinham-nas em cuias, nas quais faziam duas aberturas, uma para que as abelhas entrassem e a outra era selada com cera para a remoção dos favos de mel. Atualmente criam cães, galinhas, patos e porcos.

 As festas de chicha
Os Paresí designam como festa de chicha os eventos em que a sociedade se reúne para beber olóniti (beberagem feita de polvilho torrado da mandioca brava), dançar e cantar seus mitos. Esses acontecimentos, via de regra, se dão com o concurso de vários grupos locais, o que não exclui a possibilidade de membros de uma aldeia decidirem se reunir em uma de suas casas, à noite, para beber chicha, cantar e dançar.

Na atualidade, as festas ocorrem principalmente quando se celebram os rituais de passagem individuial – nominação de crianças e moças púberes – e de um ritual de calendário, o da colheita da primeira safra de uma roça de mandioca.

Os Paresí qualificam suas festas em grandes e pequenas. As festas grandes – olóniti kalóre – são aquelas que congregam várias aldeias. Para esse tipo de festa os membros de todas as aldeias são convidados em potencial. As festas pequenas, ou “festinhas”, mobilizam, preferencialmente, os moradores de uma aldeia que, via de regra, convidam seus ihinaiharé kaisereharé, para juntos celebrarem a passagem de mais um ciclo de trabalho agrícola. As grandes festas são comumente realizadas na fase intermediária do período seco, de maio a setembro, quando a roça de mandioca brava atinge um ponto ótimo de maturação. As festinhas ocorrem geralmente na passagem da estação chuvosa para a estação seca, nos meses de março e abril, quando há geralmente a primeira coleta de uma roça nova.

Nas grandes festas, as pessoas classificadas como ihinaiharé kaisereharé dos moradores da aldeia anfitriã serão também os co-patrocinadores, uma vez que participam dos preparativos, notadamente, da caçada coletiva. Assim, as aldeias convidadas são aquelas classificadas como ihinaiharé sékore. Nas festinhas, por sua vez, não há uma nítida distinção entre patrocinadores e convidados, pois tanto os membros da aldeia anfitriã como seus ihinaiharé kaisereharé, que integram outros grupos locais, se reúnem para realizá-la.

Os convidados de uma festa são denominados “festeiros” (olóniti hoaháre – aquele que bebe chicha), e aquele que promove a festa é designado “dono da festa” (harékahare).

O momento dos preparativos para a festa é de muita alegria, pois é uma ocasião em que todos os moradores da aldeia trabalham lado a lado, capinando, colhendo mandioca brava para transformá-la em olóniti, fazendo beiju, na compra de fogos de artifício e confecção de cigarros, entre outras atividades coletivas. O dono da festa dirige-se às aldeias onde vivem seus ihinaiharé kaisereharé para convidá-los a participar de uma caçada coletiva que terá a duração de 5 a 7 dias. Então um mensageiro é enviado para fazer o convite às pessoas de outras aldeias, que o recebem com muita alegria.

Ao chegarem à aldeia da festa os convidados são recebidos com chicha e cigarros e se dirigem a casa onde uma série de rituais será realizada, além de beberem olóniti e comer as carnes previamente preparadas. Ao escurecer os homens se reúnem no pátio e começam a tocar flautas e fazer discursos de oferendas dirigidos a todos os presentes e às Yámakas, as grandes flautas que representam os espíritos dos ancestrais. Dançam, cantam e bebem, enquanto as mulheres e crianças ficam reclusas em suas casas, impossibilitadas de ver o que se passa do lado de fora, pois a elas é proibida a visão da Yámaka.

(Extraído de Costa, Romana Maria Ramos, 1985 – Dissertação de Mestrado/UFRJ)

 Jogos

O zikonahiti é um jogo masculino disputado com uma bola de mangaba, designada igomaliró, com cerca de 13 cm de diâmetro. A principal característica do jogo é o arremesso da bola, com um golpe de cabeça, entre equipes dispostas em um campo retangular dividido em duas partes por uma linha riscada no solo. Cada equipe é formada por homens de um mesmo grupo local ou por indivíduos que se consideram ihinaiharé kaisereharé (“parente verdadeiro”).

Para que haja o jogo é preciso que uma aldeia convide a outra. O convite é irrecusável; dizem que a recusa em participar de um jogo é considerada uma afronta aos que tomaram a iniciativa de realizá-lo. Os Paresí referem-se ao convite por “desafio”.

Por ocasião das festas de chicha, quando vários grupos locais se reúnem, os dias são praticamente dedicados aos jogos de bola, em que confrontam-se grupos de aldeias ihinaiharé kaisereharé (“parente verdadeiro”) e aldeias ihinaiharé sekoré (“parente longe ou de consideração”).

Um elemento fundamental do jogo é a aposta. Ao se formar, cada equipe indica um individuo para cumprir o papel de apostador. Antes de o jogo ser iniciado cada jogador entrega aos apostadores objetos variados como caixas de fósforo, linhas de pesca, anzois, pentes, sabonetes, peças de vestuário, armas, munição, que serão apostados. Os apostadores ficam lado a lado e sentam-se, via de regra, próximos à casa do chefe da aldeia. As mulheres e as crianças assistem ao jogo juntas, perto das casas. As apostas são feitas antes de cada partida, e se sucedem até que os apostadores não tenham mais o que apostar. Em geral suspende-se o jogo quando uma das equipes esgota sua provisão de coisas, e então o apostador da outra equipe distribui o resultado pelos jogadores. Entretanto, um jogo só chega ao final quando ambas as equipes alcançam a vitória, o que pode levar até um mês.

Há ainda um outro jogo, chamado tirimotiati, em que os jogadores fixam duas estacas de madeira no solo, lado a lado, e colocam-se cerca de 10 metros de distância delas. Neste jogo é permitida a participação de mulheres e pode ser disputado pos duas equipes ou apenas por dois indivíduos. Ele consiste no arremesso manual do marmelo (taholiri) pelo chão, visando derrubar a estaca fincada pelo adversário. Também neste jogo os jogadores apostam seus pertences antes de cada rodada. Quando o jogador (ou a equipe) acertar a estaca do adversário, arrebanha as coisas apostadas. Há notícia de dois casos de mulheres que foram apostadas por seus irmãos.

 Arte e cultura material

Tradicionalmente os homens paresí andavam nus, com exceção do uso do estojo peniano, ao passo que as mulheres vestiam uma saia curta de algodão. Eram excelentes nos trabalhos de arte plumária. As mulheres usavam uma espécie de avental com belas plumagens e uma touca de penas, que eram também utilizadas na confecção dos enfeites nasais. Ambos os sexos eram tatuados, costume este que foi abandonado.

Os Paresí fabricam, para o uso próprio, cestos de palha trançada e fiam e tecem algodão para fazer zamata (tipóia para carregar bebês), redes, bem como braçadeiras e cintos. Confeccionam diferentes instrumentos musicais, alguns deles considerados sagrados, como as grandes flautas (Yámaka) que ficam nas casas cerimoniais, proibidas ao olhar das mulheres.

A produção de artesanato para a comercialização configurou-se em um novo empreendimento paresí, pois iniciaram a produção de artigos feitos à mão visando exclusivamente o mercado externo. Para isso criaram novos motivos e passaram a utilizar diferentes materiais na confecção de bolas de mangaba coloridas, colares e pulseiras de contas do mato, leques, cocares, cestos e peneiras, arcos e flechas e espanadores que vendem aos imóti (homem branco), gerando, desta forma, uma outra fonte de renda.

 Fontes de informação - atualizado 2021

Costa, Romana Maria Ramos, 1985 – Dissertação de Mestrado/UFRJ
Documento, O, 18/05/2008, (http://www.odocumento.com.br/noticia.php?id=261878), consultado em 12/08/2009
Pasca, Dan: Nos tentáculos do agronegócio, In: Povos Indígenas no Brasil-2001/2005, 2006 – Instituto Socioambiental, São Paulo
Povos Indígenas no Brasil-2001/2005, 2006 – Instituto Socioambiental, São Paulo
Projeto ‘Povo Paresí-Kozarene retomando a medicina tradicional’, enviado pelas comunidades das aldeias Rio Verde, Kotitiko, Kamaé e Kalanaza, Prêmio Culturas Indígenas – Edição Xicão Xukuru, 2008 – São Paulo, SESC-SP
Projeto ‘Waymaré Niriyawenw Waiye... Kehala (Os Waymaré tem fala bonita)’, enviado pelas aldeias Bacaval, Vale do Papagaio, Sacre II e Bocaiuval para o Prêmio Culturas Indígenas – Edição Xicão Xukuru, 2008 – São Paulo, SESC-SP
https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2019/01/indigenas-reivindicam-direito-de-plantar-graos-em-mato-grosso.html
https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2019/12/indigenas-poderao-retomar-uso-de-areas-embargadas-pelo-ibama-em-mt.html

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