Toy Art Tupinambá |
# | Nomes | Outros nomes ou grafias | Família linguística | Informações demográficas | |||||||||
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205 | Tupinambá | tupinambá | tupinambá |
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Os Tupinambás talvez seja a etnia brasileira mais conhecida graças às aventuras de Hans Staden, um viajante, marinheiro, escritor (cronista) e aventureiro alemão do século XVI que nasceu na cidade alemã de Homberg em 1525 e faleceu, na também cidade alemã de Wolfhagen, em 1579, aos 54 anos.
Staden esteve no Brasil por duas vezes, participando de combates nas capitanias de Pernambuco e de São Vicente contra navegadores franceses e seus aliados indígenas e onde passou nove meses escravo dos índios tupinambás. De volta à Alemanha, Staden escreveu "Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden Nacketen, Grimmigen Menschfresser-Leuthen in der Newenwelt America gelegen (o titulo completo em português é a História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América, Desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os Dois Últimos Anos, Visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a Conheceu por Experiência Própria e agora a Traz a Público com essa Impressão, editada e publicada no ano de 1557), um relato de suas viagens ao Brasil que se tornou um grande sucesso da época.
Na segunda viagem, o navio em que Hans Staden estava naufragou no litoral paulista. O aventureiro alemão conseguiu se salvar, indo parar na cidade de Bertioga. Colonos portugueses que estavam trabalhando na construção de uma fortaleza militar acolheram Hans Staden, que começou a trabalhar num forte da região como artilheiro.
Porém, numa guerra entre os colonos portugueses e os tupinambás, Hans Staden foi capturado por estes indígenas, ficando refém por nove meses. Canibais, os tupinambás iriam se alimentar da carne de Hans Staden num ritual antropofágico. O aventureiro alemão contou em seu livro que fingiu ser francês (os franceses eram aliados dos tupinambás contra os portugueses) e chorou muito. Como os tupinambás não comiam carne de covardes e medrosos, pois acreditavam que iriam adquirir estas características, Hans Staden se livrou deste problema. O alemão conseguiu escapar da posse dos tupinambás após ser resgatado por um navio de piratas franceses.
Os Tupis
O termo "tupis" possui dois sentidos: um genérico e outro específico. O sentido genérico do termo remete aos indígenas que habitavam a costa brasileira no Século XVI e que falavam a língua tupi antiga. O sentido específico do termo remete aos índios que habitavam a região da atual cidade de São Vicente, na mesma época.
Tabajaras
Piragibe foi o cacique mais famoso desse subgrupo, ocupavam o litoral de Alagoas e de Sergipe, os tabajaras se fixaram na Paraíba quando a região já era ocupada pelos potiguaras, que viraram seus grandes rivais. Por causa dessa disputa, acabaram se aliando aos colonizadores portugueses.
Tupiniquins
Tibiriçá o histórico cacique de São Paulo, foi seu principal representante, no entanto havia Tupiniquins em todo litoral brasileiro, do centro-sul da Bahia até Ilha comprida, mas a maior concentração da tribo era na região da atual Grande São Paulo. Um subgrupo tupiniquim, os Guaianases, dominava o litoral sul de São Paulo até regiões perto da cidade de São Sebastião.
Os Tupinambas, grandes rivais dos Tupiniquins, tinha como seu principal representante o cacique Cunhambebe, tinham aldeias no norte da Bahia e em Sergipe. No Sudeste, habitavam do litoral norte do Rio de Janeiro até São Sebastião (SP) – fronteira com o território tupiniquim.
Seu livro de aventuras
No ano de 1555, Hans Staden retornou para a Alemanha e escreveu o livro “Duas viagens ao Brasil” em que contou todas as aventuras que passou nas terras brasileiras. O livro foi lido por muitas pessoas, pois na segunda metade do século XVI havia muito interesse dos leitores europeus sobre a vida, costumes e a cultura na América recém-descoberta.
Os Tupinambás de Olivença
Os Tupinambá de Olivença vivem na região de Mata Atlântica, no sul da Bahia. Sua área situa-se a 10 quilômetros ao norte da cidade de Ilhéus e se estende da costa marítima da vila de Olivença até a Serra das Trempes e a Serra do Padeiro.
Staden esteve no Brasil por duas vezes, participando de combates nas capitanias de Pernambuco e de São Vicente contra navegadores franceses e seus aliados indígenas e onde passou nove meses escravo dos índios tupinambás. De volta à Alemanha, Staden escreveu "Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden Nacketen, Grimmigen Menschfresser-Leuthen in der Newenwelt America gelegen (o titulo completo em português é a História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América, Desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os Dois Últimos Anos, Visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a Conheceu por Experiência Própria e agora a Traz a Público com essa Impressão, editada e publicada no ano de 1557), um relato de suas viagens ao Brasil que se tornou um grande sucesso da época.
Na segunda viagem, o navio em que Hans Staden estava naufragou no litoral paulista. O aventureiro alemão conseguiu se salvar, indo parar na cidade de Bertioga. Colonos portugueses que estavam trabalhando na construção de uma fortaleza militar acolheram Hans Staden, que começou a trabalhar num forte da região como artilheiro.
Livro de Hans Staden conta muito sobre a vida dos Tupinambás de 1550 |
Os Tupis
O termo "tupis" possui dois sentidos: um genérico e outro específico. O sentido genérico do termo remete aos indígenas que habitavam a costa brasileira no Século XVI e que falavam a língua tupi antiga. O sentido específico do termo remete aos índios que habitavam a região da atual cidade de São Vicente, na mesma época.
Tabajaras
Piragibe foi o cacique mais famoso desse subgrupo, ocupavam o litoral de Alagoas e de Sergipe, os tabajaras se fixaram na Paraíba quando a região já era ocupada pelos potiguaras, que viraram seus grandes rivais. Por causa dessa disputa, acabaram se aliando aos colonizadores portugueses.
Tupiniquins
Tibiriçá o histórico cacique de São Paulo, foi seu principal representante, no entanto havia Tupiniquins em todo litoral brasileiro, do centro-sul da Bahia até Ilha comprida, mas a maior concentração da tribo era na região da atual Grande São Paulo. Um subgrupo tupiniquim, os Guaianases, dominava o litoral sul de São Paulo até regiões perto da cidade de São Sebastião.
Os Tupinambas, grandes rivais dos Tupiniquins, tinha como seu principal representante o cacique Cunhambebe, tinham aldeias no norte da Bahia e em Sergipe. No Sudeste, habitavam do litoral norte do Rio de Janeiro até São Sebastião (SP) – fronteira com o território tupiniquim.
Seu livro de aventuras
No ano de 1555, Hans Staden retornou para a Alemanha e escreveu o livro “Duas viagens ao Brasil” em que contou todas as aventuras que passou nas terras brasileiras. O livro foi lido por muitas pessoas, pois na segunda metade do século XVI havia muito interesse dos leitores europeus sobre a vida, costumes e a cultura na América recém-descoberta.
Os Tupinambás de Olivença
Os Tupinambá de Olivença vivem na região de Mata Atlântica, no sul da Bahia. Sua área situa-se a 10 quilômetros ao norte da cidade de Ilhéus e se estende da costa marítima da vila de Olivença até a Serra das Trempes e a Serra do Padeiro.
A vila hoje conhecida como Olivença é o local onde, em 1680, foi fundado por missionários jesuítas um aldeamento indígena. Desde então, os Tupinambá residem no território que circunda a vila, nas proximidades do curso de vários rios, entre os quais se destacam os rios Acuípe, Pixixica, Santaninha e Una.
Saiba mais sobre os Tupinambá Antigos |
Apesar da longa história de contato, a filiação ameríndia é fundamental para compreendermos a vida social dos Tupinambá de Olivença na atualidade. Não se trata de um resquício histórico remoto, mas de uma marca efetiva na organização social e modo de vida dos Tupinambá que hoje habitam a região. Entre outros aspectos, destaca-se sua organização em pequenos grupos familiares e certos gostos alimentares, como a preferência pela “giroba”, uma bebida fermentada produzida por eles.
Ainda que os Tupinambá de Olivença se considerem muitas vezes “caboclos” ou mesmo “índios civilizados”, isso nunca significou um abandono de sua condição indígena. O Estado retirou-lhes os direitos indígenas diferenciados a partir do fim do século 19, em função das visões restritivas que os órgãos oficiais tinham a respeito de quem era ou não indígena. Foi somente com a Constituição de 1988 que se criou abertura legislativa para que as solicitações dos Tupinambá de Olivença, e de outros povos, fossem ouvidas e pudessem ter respaldo.
Em 2001, os Tupinambá de Olivença foram reconhecidos oficialmente como indígenas pela Funai. A primeira fase de demarcação do seu território concluiu-se em abril de 2009 com a publicação do resumo do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.
Ainda que os Tupinambá de Olivença se considerem muitas vezes “caboclos” ou mesmo “índios civilizados”, isso nunca significou um abandono de sua condição indígena. O Estado retirou-lhes os direitos indígenas diferenciados a partir do fim do século 19, em função das visões restritivas que os órgãos oficiais tinham a respeito de quem era ou não indígena. Foi somente com a Constituição de 1988 que se criou abertura legislativa para que as solicitações dos Tupinambá de Olivença, e de outros povos, fossem ouvidas e pudessem ter respaldo.
Em 2001, os Tupinambá de Olivença foram reconhecidos oficialmente como indígenas pela Funai. A primeira fase de demarcação do seu território concluiu-se em abril de 2009 com a publicação do resumo do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.
O uso do nome Tupinambá como autodesignação pelos indígenas de Olivença indica antes de tudo uma identificação social, cultural e histórica com as populações tupi que viveram nessa região.
O padre jesuíta e historiador Serafim Leite foi claro quando identificou os índios do aldeamento de Olivença como Tupi: a aldeia de Nossa Senhora da Escada “era constituída por índios Tabajaras e Tupinaquins”. O Ouvidor da Bahia, Luis Freire de Veras, que em 1768 erigiu a Vila Nova de Olivença, também reconheceu os índios que ali viviam como “índios da nação Tupy”. Ainda que seja sabida a existência, em determinados períodos históricos, de índios Camacã e Botocudo na região de Olivença, a predominância tupi nunca foi questionada. Em 1938, Curt Nimuendaju visitou Olivença e observou que se tratava de um povo Tupinakí.
Segundo o historiador John Monteiro, no século 16, os Tupi estavam divididos entre os povos que habitavam a capitania de São Vicente e a boca do Amazonas – genericamente designados de Tupinambá - e aqueles que habitavam a região ao sul de São Vicente – os Guaranis. De acordo com esta distinção, os índios que viviam na região de Ilhéus durante esse período eram os Tupinambá, que foram mencionados como povos da família linguística Tupi-Guarani em mapas históricos como o de Curt Nimuendaju.
Uma importante descoberta arqueológica que ocorreru durante os trabalhos de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença confirmou a presença histórica de uma populaçao tupi na região. Em uma área rochosa e recolhida nas montanhas, foram encontradas duas peças de cerâmica e uma delas foi identificada como Tupi devido à técnica de corrugado utilizada na confecção, bastante conhecida entre os grupos tupi-guarani da costa atlântica.
Uma análise comparativa das fontes do período colonial e imperial permite indicar que, até o final do século 19, a população de Olivença era quase exclusivamente indígena e somava cerca de 900 habitantes. Os Tupinambá de Olivença contavam, em 2004, com cerca de 3000 pessoas.
Em 2004, os estudos de campo realizados para a demarcação da terra indígena confirmaram os dados levantados no mesmo período pela Funasa, que estimou em 3500 os Tupinambá habitantes na região e indicou a existência de muitos parentes fora dela. Em 2009, a Funasa realizou outro censo que estimou em cerca de 4500 a população tupinambá residente na área.
A análise demográfica dos dados da Funasa (2004), confirmados pelos estudos de campo de 2004, mostra que se trata de uma população com uma expectativa de vida reduzida, uma taxa de mortalidade muito elevada e jovem, visto que mais de 50% da população tem até 24 anos de idade (35% de pessoas com até 14 anos), enquanto os idosos (com mais de 65 anos) representam apenas 5%. A distribuição da população por sexo indica que existem mais homens (53%) do que mulheres (47%), o que pode ser uma consequência demográfica da expropriação territorial sofrida pelos Tupinambá no século 20. De fato, as dinâmicas sociais de gestão territorial passaram a ser escassas, pois as mulheres se casaram com não-índios e, em muitos casos, abandonaram a região, indo morar com seus maridos em outras áreas. Foram os homens que preferencialmente ficaram vivendo nas pequenas áreas de terra de seus pais, perpetuando a ocupação tupinambá.
As áreas do território com maior número de pessoas são a da vila, aquelas na serra, no Acuípe de Baixo e do Meio e em Sapucaeira.
Localização
O território dos Tupinambá de Olivença está localizado no sul do estado da Bahia. Grande parte dele está inserido no município de Ilhéus, mas também situa-se nos municípios de Buerarema e de Una. Trata-se de uma área predominantemente de Mata Atlântica (Mata Higrófila Sul-Baiana) que vai até a costa marítima. A área melhor preservada é aquela que foi utilizada exclusivamente para a extração de piaçaba das palmeiras nativas e que predomina na região próxima à costa marítima (Acuípe, Curupitanga, Campo de São Pedro), penetrando até cerca de 10 km no interior do território indígena. Há uma grande diversidade de recursos naturais na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que também contém áreas de solo pobres e de solos mais ricos, como aqueles que são encontrados na chamada região cacaueira do sul da Bahia.
A faixa litorânea utilizada pelos Tupinambá é formada por praias, mangues e restingas. A zona de estuário é lodosa e repleta de manguezais. O material (sedimentos) que forma esses bancos de areia provém dos vários rios que ali desembocam, como o Acuípe e o Maruim.
Língua
Os Tupinambá de Olivença falam exclusivamente o Português. Referências históricas indicam que, no final do período das missões jesuíticas (segunda metade do século 18), alguns índios do aldeamento já falavam português e a maioria falava a língua geral, o Nheengatu. As fontes do início do século 19 mencionam que a maioria dos índios falava exclusivamente o Português, mas em 1938 Curt Nimuendaju, durante uma visita a Olivença, encontrou vários índios que ainda falavam Nheengatu. Estes dados levam a crer que a generalização absoluta do Português entre os índios teria ocorrido apenas no século 20.
Há entre os Tupinambá de Olivença um sotaque que chamam de “fala de índio” ou “fala de caboclos”. Trata-se de uma maneira pouco ortodoxa de entoar as palavras, uma espécie de sotaque característico dos índios que vivem no interior. A “fala de índio” é um modo de falar que alguns rotulam de “estucado” ou “estiado”. É um ritmo na entoação das palavras que pode ser descrito, por aproximação, ao que na interpretação musical se designa como stacatto. Assim, em uma frase, cada palavra é dita de forma curta, sem prolongamentos, como se fosse intercalada por pequenas pausas.
Histórico da ocupação
Os povos tupi já habitavam a região sul da Bahia quando as primeiras frotas de europeus chegaram à região em 1500. Linguistas, como Métraux, consideram que a migração tupi em direção à costa atlântica teria se dado há algumas décadas antes da chegada dos colonizadores. Entretanto arqueólogos apontam para uma migração anterior: estas populações estavam ali há mais de 700 anos. Vários documentos comprovam que foi na década de 1680 que a aldeia de Nossa Senhora da Escada foi fundada.
O espaço dessa aldeia foi apropriado muito cedo pelos índios que conseguiram, por exemplo, que lhes fossem concedidos cargos administrativos de Capitão-mor e Sargento-mor. Ao mesmo tempo, os índios viviam cotidianamente na área da mata, onde tinham suas roças (a posse de algumas destas áreas, chamadas “terras dos ditos índios”, foi reconhecida na época). Esse modo de ocupação do território em que o tempo cotidiano é dividido entre aldeia e as áreas de mata próximas aos rios (principalmente o curso dos rios Acuípe e o Pixixica) persiste até hoje.
Na segunda metade do século 18, o aldeamento indígena foi convertido em Vila de Olivença de Índios. e sua administração passou a ser regida pelo Diretório dos Índios.
No Período Imperial, os índios que habitavam na Vila de Olivença voltaram a assumir papéis administrativos. Contudo, tal situação não foi resultado de uma mudança nas leis vigentes. Pelo contrário, esta aconteceu apesar da continuidade das leis indigenistas, particularmente, do Código de Posturas, no qual a política de tutela dos índios deixava-os nas mãos de vereadores com interesses econômicos locais bastante claros. A intervenção e ação dos índios da vila se manifestaram de diversas formas: foram eleitos para juiz de paz e considerados proprietários de terras que geriram diretamente.
A análise dos Registros de Óbito do Cartório da Vila de Olivença do final do século 19 permite traçar três formas de ocupação do território praticadas pelos Tupinambá de Olivença neste período. A primeira correspondeu a um modo de vida mais fixo entre o espaço da vila e o seu entorno, onde os Tupinambá mantinham roças. A segunda foi um tipo de ocupação que alternou períodos na vila e na Mata, e a terceira modalidade tratava-se de períodos mais longos na mata, com visitas sazonais ou periódicas à vila.
A partir do inicio do século 20, a expropriação do território dos Tupinambá de Olivença começou a ganhar dimensões cada vez mais alarmantes. Foram dois os fatores que levaram a essa situação: a reclassificação dos índios como “caboclos”, com a extinção dos aldeamentos missionários na costa atlântica, e o interesse fundiário da emergente elite cacaueira na região sul de Ilhéus. Os Tupinambá de Olivença neste período procuraram apoio do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), refugiaram-se e resistiram, mas foram abandonados pelo Estado sem sequer receber o reconhecimento de suas terras.
Um relatório do Serviço de Proteção aos Índios (assinado por Alberto Jacobina, 1932) e um documento de Curt Nimuendaju sobre sua visita a Olivença confirmam que, na década de 1930, os índios da vila estavam sendo “enxotados de seus lotes” e viviam sob grande “pressão fundiária”. Alberto Jacobina menciona já nesse momento a participação dos Delegados de Terra como intermediários nos processos de espoliação fundiária em Olivença.
Entre as décadas de 1920 e 1930, o processo de espoliação foi, em parte, detido pela atuação de uma frente de resistência que ficou conhecida como “a revolta de Marcelino”, levada a cabo por um grupo de índios liderado pelo caboclo Marcelino. Os índios que viviam no interior, na mata e nas serras acolheram e protegeram este grupo da perseguição policial e acabaram sofrendo violências para que denunciassem seu esconderijo. Ainda que a imprensa da época fosse propriedade de fazendeiros, em 1929, o Diário da Tarde afirmou que o caboclo Marcelino havia estado na sede do jornal e foi entrevistado pelo Capitão Vasconcelos, do Serviço de Colonização dos Selvagens. Este jornal apontou ainda que “nas capitanias do estado e da república, consta que andou pelos ministérios e secretarias, tratando muito a sério da defesa dos nossos aborígines […] clamando proteção para os donos verdadeiros da terra e mata virgens”.
De acordo com os Autos do interrogatório feito a Marcelino quando esteve preso, em 1936, ele fez uma última tentativa de obter apoio do SPI quando se deslocou ao Posto Indígena Caramuru-Paraguassu. Lá solicitou ao chefe de Posto que “o apresentasse às autoridades competentes, para que pudesse perante estas reclamar os seus direitos”. Marcelino foi preso logo em seguida. Os índios foram expulsos da vila depois de ações normativas administrativas excludentes que decretaram, por exemplo, a proibição de construção de casas de taipa. Alguns índios se recordam dos episódios violentos que marcaram esse processo.
Nas décadas de 1940 e 1950, os Tupinambá de Olivença fixaram-se mais nas áreas de mata. No entanto, a colonização intensificou-se também nessa região. A privatização de terras por parte de não-índios envolveu permutas com os Tupinambá de Olivença baseadas em um sistema de “laços de dívida”, por meio do qual os Tupinambá acabaram entregando suas roças. Ao que tudo indica, foi principalmente na década de 1970 que a situação fundiária tornou ainda mais complicada a reprodução do modo de vida dos Tupinambá de Olivença.
Esse processo se agravou devido ao boom do cacau, pois mais investidores procuraram as terras que circundavam a região cacaueira e trouxeram um número cada vez maior de trabalhadores assalariados para Olivença. Segundo depoimentos coletados em pesquisa antropológica, foram encontrados indígenas mortos no rio Una, como resultado de tal pressão.
Sem a possibilidade de se deslocar e ocupar todo o antigo território, os Tupinambá passaram a construir suas casas em áreas cada vez menores. Mesmo assim mantiveram o costume de se dispersar no espaço, construindo novas casas.
A partir das décadas de 1980 e 1990, a percepção do confinamento territorial se fez sentir entre os Tupinambá de Olivença. Ficaram impossibilitados de abrir novas roças, estabelecer novas unidades residenciais ou mesmo se deslocar no território para ter acesso a recursos naturais vitais, como a mata, a piaçaba e os rios. As áreas de ocupação ficaram cada vez mais reduzidas, criando entre os Tupinambá uma sensação de “claustrofobia”.
A prática de abrir novas áreas de habitação e de abandonar as anteriores tem sido reconfigurada pelos Tupinambá. Essas casas abandonadas são chamadas de “casas isoladas”, pois ao deixarem de ser habitadas, ficam separadas da vida humana e rodeadas de mato. É fundamental para os Tupinambá a ideia da revitalização da vida a partir do abandono cíclico de espaços, na qual a mata tem um papel muito importante.
Diante da expropriação sofrida ao longo de décadas, é particularmente significativo o fato dos Tupinambá não terem nunca abandonado o seu território. Pelo contrário, eles iniciaram uma luta pela reconquista de sua área de ocupação tradicional. No entanto, muitos parentes dos Tupinambá vivem em bairros de Ilhéus e ainda outros migraram para grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 2003, quando reivindicaram à Funai a demarcação de sua terra, cada uma das áreas de habitação tupinambá tinha em média apenas um por cento (1%) do tamanho considerado na região como uma pequena propriedade fundiária.
Histórico do Contato
Os Tupinambá fixaram-se na região de Olivença a partir do contato com os jesuítas no século 17. Fontes coloniais mencionam que no período do aldeamento jesuítico foram criaram áreas residenciais para os índios chamados de “livres”. Tais áreas localizavam-se na região do rio Una (nas serras) e tinham como objetivo “garantir a subsistência e o trabalho aos índios livres da Aldeia de Nossa Senhora da Escada”.
Durante o período colonial, os índios da Vila de Olivença estabeleceram relações com grupos Jê (Camacã, Botocudo e Pataxó). A relação dos índios aldeados com os Pataxó parece ter oscilado entre o conflito e um convívio apenas temporário.
Várias narrativas dos Tupinambá que habitam a região das serras e do rio Una trazem descrições de índios “selvagens” com quem lidavam no passado de um modo marcado, muitas vezes, por relações de alteridade. Alguns se referem a esses índios “outros” como aqueles que “comiam cru”, que falavam outra língua e usavam arco e flecha. Esse contraste se explica pelo fato dos Tupinambá assumirem a identidade dos “índios civilizados”.
Atualmente os grupos indígenas com os quais os Tupinambá de Olivença têm mais contato são os Pataxó Hã Hã Hãe e os Pataxó, ainda que tais relações não sejam sistemáticas. Os Tupinambá também estabelecem relações com os Tumbalalá por causa das iniciativas organizadas pela organização não-governamental Tidewá. A relação com os Pataxó Hã Hã Hãe de Caramuru-Paraguassu é marcada por autonomia e ao mesmo tempo apoio mútuo. Existe um pequeno grupo de Tupinambá vivendo junto com os Pataxó Hã Hã Hãe na área de Caramuru-Paraguassu. Tal grupo se formou a partir da chegada à área de um homem tupinambá na década de 1930.
Os não-índios, que vivem nas cidades da região cacaueira, sempre tiveram uma atitude discriminatória e ambivalente em relação ao reconhecimento da identidade indígena dos Tupinambá de Olivença. Um exemplo dessa ambivalêcia está no fato de, nas décadas de 1920 e 1930, a imprensa relatar que os índios de Olivença eram “selvagens perigosos” que “flechavam” veranistas na praia e ao mesmo tempo e referidos como “bugres” ou “caboclos”. Ainda hoje, a atitude mais comum entre as autoridades da região de Ilhéus face à identidade dos Tupinambá de Olivença ainda é regida por princípios de desconfiança, fortemente alimentados pelo imaginário do “índio puro, selvagem e extinto”.
O conhecimento que os habitantes não-indígenas da região têm dos Tupinambá baseia-se no contato que estabelecem com eles na vila. Os Tupinambá que freqüentam mais a vila acabam servindo como uma espécie de “vitrine” de seu povo. A surpresa de muitos não-índios que vão à região da Mata pode ser exemplificada com o relato de um funcionário da Funai, transcrito em seu relatório de visita de 1997: “Após contato e revelações do grupo meio arredio pelo pouco que são visitados, pude constatar que vivem em regime fechado e ainda conservam seus traços étnicos, legado dos primeiros povos a habitarem a região costeira da Bahia” (cf. Viegas, 2007).
Lugares, as aldeias tupinambá
Os Tupinambá de Olivença vivem em pequenas unidades residenciais, distribuídas em uma área de cerca de 50.000 hectares. Apesar de não viverem isolados dos vizinhos não-indígenas, os Tupinambá de Olivença vivem em áreas residenciais com características próprias, comumente designadas de lugares.
A designação lugar é normalmente seguida do nome de um dos habitantes da casa principal – geralmente daquele que a fundou: “o lugar de Miguel”, por exemplo. Com relação à organização socioeconômica, pode-se dizer que as casas têm certa independência no que diz respeito à produção e ao consumo. Cada casa possui sua roça e a farinha ali produzida pertence exclusivamente àqueles que cultivaram as mandiocas.
Para além desses lugares, muitos índios moram em “aldeias” que resultaram do "movimento de retomada”, que tem sido o único capaz de viabilizar uma certa reordenação territorial em um período de espera pela efetiva demarcação de sua terra, iniciada em 2003.
Organização Social
A aliança conjugal entre os Tupinamba de Olivença é um ato totalmente destituído de ritualização ou de obrigações entre os parentes do noivo e da noiva. O casamento efetiva-se por meio da co-habitação do esposo e da esposa, que constroem uma casa e abrem uma roça. A fundação de uma área residencial ou um lugar é central para as dinâmicas sociais, particularmente para as relações políticas locais. Os critérios que levam alguém a ser visto como liderança na comunidade estão relacionados ao fato de ser ou não fundador de um lugar, além da sua capacidade de atrair para a sua casa os filhos e suas respectivas famílias.
As lideranças voltadas mais especificamente para as relações dos Tupinambá de Olivença com o Estado se formam a partir de lógicas que combinam a escolha de líderes mais jovens e aqueles que conhecem melhor a história do povo, como os mais velhos. O fato de jovens mulheres indígenas terem vivido um certo tempo na cidade e de, mais recentemente, terem mais acesso ao sistema educacional têm feito com que algumas assumam papéis de liderança. Munidas de conhecimento e capacidade de transitar entre os lugares e a cidade, em 1997, as mulheres tupinambá começaram a se envolver com o desafio de serem de intermediárias nas relações com o Estado. A primeira liderança eleita em 2002 pelos Tupinambá de Olivença foi justamente uma mulher.
Noções de Corpo e Pessoa
Os laços entre o bebê e a mãe são muito valorizados. As práticas em torno do parto realçam o estreitamento do corpo da mãe e do recém-nascido. Os termos usados para descrever a placenta fundamentam-se na noção de um corpo comum à mãe e ao filho: “companheira do menino”, “pedaços de pessoa” e “resto da mulher com o menino”.
A placenta pode ser enterrada nos arredores da casa, mas deve sê-la bem fundo. Diz-se que se enterra “para não deixar à toa” e “para bicho não carregar”. Entre os animais que circundam a casa, os mais temidos são as galinhas porque estão geralmente associadas ao ato de espalhar, dissipar ou alastrar.
O período do “resguardo” é um dos momentos cruciais na constituição e consolidação de laços entre casas de um mesmo lugar por meio das mulheres. De fato, a mulher que mais comumente assume a posição temporária da mãe que fica em “resguardo” é a sogra (avó paterna das crianças), pois o mais frequente é que o casal resida junto da casa dos pais do esposo. A substituição temporária de uma mãe nestes casos significa assumir práticas associadas ao cuidado das crianças e a sua alimentação. Ora, quando as sogras substituem as suas noras nas tarefas da casa, elas não cumprem qualquer tarefa de cooperação que seja prevista na relação entre as diversas casas de um lugar. De fato, do ponto de vista das crianças, se o cuidado prestado nestas tarefas se torna sistemático, as avós podem se transformar em mães propriamente ditas.
A valorização da prática de “dar sustento” à constituição dos laços sociais entre pais e filhos é, no caso dos Tupinambá de Olivença, tão intensa que pode vir mesmo a substituir o laço primordial entre a progenitora e o recém-nascido. A casa onde a criança vive e o lugar onde se constitui como pessoa são dimensões estruturantes da vida social. Quando, por exemplo, há uma separação conjugal, a decisão sobre a guarda da criança tende para que ela fique morando no seu lugar de origem. Assim, na maioria dos casos, a criança residirá com o pai e seus parentes de linha paterna (avó e tias mais frequentemente).
Entre os cuidados que envolvem a formação da pessoa tupinambá, aqueles ligados aos hábitos alimentares ganham particular destaque. O beiju e a bebida fermentada de aipim chamada “giroba” são os alimentos que mais condensam esses significados. Os Tupinambá dizem que a giroba é uma bebida particularmente adequada à nutrição do bebê, porque é um alimento que “faz” dos bebês caboclos. Vários adultos dizem que “cresceram bebendo giroba". Esta bebida é constitutiva da pessoa e suscita no corpo certa disposição para ingeri-la e apreciá-la. O modo como os Tupinambá tomam a giroba é também singular, já que é hábito amorná-la antes da sua ingestão. Tal é um hábito muito particular que se encontra em poucos contextos ameríndios, mas que era curiosamente referido pelos cronistas do século 16 e 17. Diziam que os Tupinambá, habitantes da costa atlântica nesse período, preferiam “beber o cauim amornado e a primeira coisa que faz[ia]m as mulheres [era] um pequeno fogo em torno dos potes de barro para aquecer a bebida” (Jean de Léry, 1578).
A maturidade feminina envolve muitos aspectos, e está também associada à mobilidade entre os lugares ou entre a área da Mata e a cidade. As meninas, muitas vezes, saem da Mata e vão para a cidade e outras vão morar com seus maridos em outros lugares. Independentemente do modo como o namoro começou, geralmente se diz que ele teve início quando o rapaz foi “buscar” uma mulher. Os rapazes, por sua vez, exercem “trabalho de ganho” na roça e, geralmente, para consegui-lo têm que deixar a casa dos pais (ao menos temporariamente).
Atividades Produtivas
Os Tupinambá de Olivença produzem uma enorme variedade de alimentos a partir de vários tipos de mandioca. Destaca-se a importância da produção de farinha de mandioca, do beiju e da “giroba” (bebida fermentada) para a vida social e também para a subsistência dos Tupinambá.
O sistema de plantio entre os Tupinambá de Olivença é o da agricultura de coivara que implica na derrubada e queima da mata, na limpeza do terreno e depois na plantação.
Além da agricultura, outra atividade importante para a subsistência dos Tupinambá é a pesca realizada predominantemente nos rios e nas áreas de brejo (entre rios e o mar).
A pescaria com armadilhas e pequenas redes como o jererê é muito utilizada e largamente apreciada pelos Tupinambá de Olivença. O jererê é normalmente confeccionado pelas mulheres, consistindo numa pequena rede sustentada por uma armação de vara de embira com forma cilíndrica.
Para se pescar com este instrumento, os índios têm que entrar no rio e mergulhá-lo dentro de água quando avistam um peixe, de forma a aprisioná-lo na rede. Essa é uma técnica adequada ao período em que o rio está “seco”. São principalmente as mulheres que pescam com jererê.
A armadilha feita com “tapagem” corresponde à construção de uma barragem em áreas de corredeiras, com o objetivo de direcionar a passagem dos peixes maiores para um só local. Nesta passagem é colocada uma armadilha feita de varas trançadas com cipó, chamada de Jiqui. Os Tupinambá de Olivença também fazem tapagens de pedra em áreas onde o rio tem mais força ou mesmo em cachoeiras, como nos rios Santaninha e Una, ou mesmo em cachoeiras. As tapagens são colocadas principalmente no período de chuvas e no verão – quando o rio está mais cheio e agitado -, pois os peixes só ficarão presos no jiqui quando vêm com a correnteza. Há, no entanto, uma outra técnica de “tapagem”, feita com palha, que é utilizada em rio “liso”, sem cachoeira.
A pesca no rio, por sua vez, é complementada pela pesca no mar e pela coleta de crustáceos no mangue. Para os Tupinambá que habitam nas áreas próximas à costa, a pesca no mar é atividade importante que e sempre complementada por outras. Já a coleta de crustáceos no manguezal é fundamental para todos os Tupinambá. A coleta de caranguejo é uma atividade sazonal, realizada apenas entre os meses de janeiro e abril. Este período é denominado pelos Tupinambá de “andada”. O termo descreve o período em que os caranguejos saem debaixo da terra e andam na superfície. Os Tupinambá não gostam de enterrar as mãos na lama e apanhar os caranguejos, é por isso que esperam o período da “andada”. Como é apenas neste período que os índios vão ao mangue, também chamam-no de “data do caranguejo”. É neste momento que “os caranguejos ficam na euforia”, como dizem alguns índios. Através do calendário da lua, os Tupinambá sabem os hábitos dos principais crustáceos que vivem no mangue: uma lua antes da “andada do caranguejo”, quem anda é o guaiamum macho; uma lua cheia antes da “andada do caranguejo”, anda o guaiamum fêmea (“andada da pata choca”). Quando está trovejando, o caranguejo sai do buraco para acasalar. Estas atividades não são e nunca foram praticadas pelos Tupinambá com fins comerciais.
A caça é praticada pelos Tupinambá em todas as localidades de seu território, mas predomina naquelas onde há maior extensão de floresta em fase de regeneração e onde o acesso à mata não é impedido pelos fazendeiros. A caça é uma atividade exclusivamente masculina e o conhecimento técnico associado é compartilhado tanto pelas gerações mais velhas quanto pelas mais jovens. Essas técnicas tradicionais pressupõem conhecimentos acerca do comportamento dos animais e implicam em relações específicas entre o caçador e a caça.
A coleta de piaçaba é a atividade extrativista mais importante entre os Tupinambá de Olivença. De acordo com documentos do período colonial e imperial, a coleta da piaçaba foi uma das primeiras atividades desempenhadas com o objetivo de troca. O que hoje é coletado pelos Tupinambá e valorizado no mercado regional são as fibras de piaçaba. Estas fibras são utilizadas para a fabricação de vassouras de uso caseiro e industrial. No século 19, eram usadas como cordas para amarração dos navios.
Para esse povo, a fibra é o principal elemento aproveitado da piaçaba. Sua produção artesanal está vinculada, sobretudo, a esse recurso. Os Tupinambá produzem vários artefatos, tais como objetos decorativos, utensílios de caça e pesca, utensílios domésticos, como peneiras, pilões, esteiras, cassuás, cestos, flechas, lanças, arapucas, laços, jiqui, além de cocares, colares, cangas e adornos. Sementes coloridas e corantes extraídos de plantas são importantes para a fabricação de muitos desses objetos.
É de especial relevância o fato de que as relações socioeconômicas entre os Tupinambá de Olivença e a sociedade envolvente implicam e implicaram sempre o uso dos seus conhecimentos tradicionais: a extração da piaçaba, a produção de farinha de mandioca, o cultivo de roças e a fabricação de pequenos artefatos. A farinha de mandioca feita pelos índios é bastante valorizada no comércio de Ilhéus e, até hoje na região, se reconhece a sua especialização técnica na coleta de piaçaba.
Práticas rituais e festas
As festas tradicionais dos índios de Olivença estão bastante associadas a rituais católicos e constituem momentos de particular importância para a constituição e consolidação de laços entre habitantes de várias localidades.
A Festa do Divino Espírito Santo realizada no final do mês de maio é um momento especial de reunião entre as pessoas que vivem na Mata e na vila de Olivença. A Festa da Puxada do Mastro ou Festa de São Sebastião, que acontece todo o segundo final de semana de janeiro, ganhou nos últimos anos um papel mais relevante nas relações sociais na vila. A Festa de São Sebastião também se realiza na aldeia tupinambá da Serra do Padeiro, mas apresenta tradições diferentes.
Na Festa do Divino Espírito Santo, a bandeira do Espírito Santo circula durante um mês por todas as localidades da Mata. Os “romeiros”, que carregam a bandeira, visitam as casas e quando a bandeira sai da vila para a Mata diz-se que ela “entrou para o mato”. Em certas localidades os “romeiros” levam consigo pessoas das casas visitadas, que os seguem em outras visitas. Quando se ouve o tambor, instrumento que anuncia a chegada da bandeira em uma casa, os moradores das redondezas se aproximam. A festa propicia momentos de sociabilidade entre os vizinhos, assim como encontros entre as pessoas da vila e da Mata. No encerramento da festa, por exemplo, uma missa é realizada na igreja de Olivença, reunindo índios de diversas localidades. Aqueles que vêm da Mata pernoitam em casas de parentes. A memória dessa visita à vila é relembrada pelos Tupinambá que vivem na Mata com frequência ao longo do ano.
Na Festa da Puxada do Mastro, são os habitantes da vila que mais se destacam. Um dos grupos centrais da festa são os “machadeiros”, escolhidos anualmente. Quinze dias antes da festa, eles têm o papel de “marcar o pau”, isto é, dirigir-se à área do “mato” (a cerca de três quilômetros da vila) e escolher os troncos que serão utilizados para a fabricação do mastro e do “mastaréu”, o mastro das crianças. Além disso, “marcar o pau” implica em extrair parte do casco da árvore para promessas feitas a São Sebastião. Também se usa o casco para fazer um chá que “dá sorte”.
No dia da festa, a alvorada é às cinco horas da manhã e se inicia com o sino da igreja. O encontro para a saída ao mato é na Praça Cláudio Magalhães. As pessoas se alinham de frente ao sino da festa - um sino de bronze acinzentado, envelhecido, mas pujante, que fica pendurado por uma corda no tronco e é transportado por duas pessoas. No mato, o tronco é cortado em um ambiente de enorme animação, com muitas conversas entre os conhecidos e os vizinhos de Olivença, que muitas vezes são companheiros de festa. O corte do tronco é rápido e sua queda provoca muita agitação. Homens se aproximam e alguns, usando o facão, descascam-no. Parte do casco é aproveitada pelos presentes para fazer chá, para proteção ou promessa. O restante é retirado e deixado no chão. O objetivo é tornar o tronco mais liso para rolar com menos dificuldade quando arrastado. Na parte da frente do tronco inicia-se outro trabalho: abertura de um orifício onde será amarrada uma corda. Levantar o tronco do chão é talvez uma das tarefas mais complicadas e árduas.
Na saída do mato, as crianças vão à frente, puxando o “mastaréu”. O mastro é puxado por todos os presentes. Então ouve-se gritar “agora”, “juntem a corda”, “em frente”, “parem” – palavras de ordem e coordenação entre os que seguram e arrastam a corda. Quando se inicia a descida canta-se bem alto “Ajuê, dão”, “ajuê, dão dão” e com isso se ganha ânimo para puxar o mastro. Depois da pausa para o almoço, os transportadores do sino entram pela praia. Os rapazes com o mastaréu correm para o mar e mergulham junto do tronco. Muitos sentam-se em cima dele para trazer “sorte” e, por vezes, bebês são colocados durante instantes em cima do mastro com o mesmo propósito.
Quando se chega à praia perto da vila, o número de pessoas aumenta substancialmente. O grupo vai ganhando cada vez mais expressão e deixando os tocadores de zabumba para trás. Na subida para a praça a euforia dos que acompanham o processo desde o início é naturalmente enorme. Quando chegam à praça, são lançados foguetes e discursos de agradecimentos são proferidos. Na vila, a festa ganha expressão totalmente diferente, sendo dominada pela administração da vila e pelo turismo.
Uma prática ritual que os Tupinambá de Olivença adotaram desde 2000 é o Porancim. Trata-se de um Toré que surgiu depois de encontros com outros índios da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais, nos quais tiveram acesso aos conhecimentos relacionados à dança e ao cântico.
O Porancim tem cada vez mais importãncia e singularidade entre os Tupinambá de Olivença. Este ritual inicia-se com uma dança circular. Parte substancial dela consiste em bater os pés no chão com força e de forma ritmada, curvando ligeiramente o corpo para frente, mover o braço com os maracás e cantar músicas repetidamente. Eventualmente algumas pessoas entram em transe nesse processo. O Porancim é uma das maneiras dos Tupinambá de Olivença encontrar o pajé. Dançam-no em todas as ocasiões de tensão política, como o fizeram em outubro de 2008 na frente da administração regional da Funai, enquanto esperavam a decisão sobre as reintegrações de posse.
Graças aos livros de Lerry Thevet e Hans Stadens, sabemos como era a sociedade dos Tupis (Tupinambás, Tupiniquins, etc. ). Esses relatos começam com a aventura de Hans Staden, no ano 1553, que ao realizar uma caçada sozinho em Bertioga, foi capturado por indígenas que o trataram com muita violência - Staden logo percebeu que a intenção dos indígenas era a de devorá-lo em um sofisticado banquete, servido com o mais fino Cauim.
Apos passar por vários momentos de terror, Staden sobreviveu ao contato com os canibais, voltou a Europa, quando escreveu sobre essas verdadeiras desventuras quase inacreditáveis no ano de 1556, fazendo do Brasil e seu provo um dos lugares mais incríveis e assustadores do mundo de sua época.
A veracidade dos relatos de Staden são autenticados no ano seguinte no livro do francês André Thevet, de religião católica e posteriormente pelo calvinista Jean de Léry. Thevet teve sua experiência obtida ao fazer parte do grupo denominado França Antártica no Brasil, que após passar dez semanas vivendo na Baía da Guanabara, regressou à França por estar doente. No ano seguinte, publicou a obra intitulada ‘As singularidades da França Antártica (1557)’: uma fonte relevante por ser uma das primeiras obras a fazer menção ao Brasil em pleno descobrimento, no entanto, escrito com ênfase no fantástico ao transparecer a presença do imaginário medieval.
Já Jean de Léry que veio para o Brasil em 1558, juntamente com um grupo de quatorze pastores calvinistas, e cinco donzelas para habitar a França Antártica fez um realto bem mais acurado. No decorrer de sua estadia os conflitos ideológicos entre católicos e protestantes, fez que ele tivesse uma visão muito mais critica ao trabalho de Thevet, que após dezenove anos do seu retorno, publicou seu diário denominado ‘Viagem à terra do Brasil (1577)’, uma obra muito mais elaborada que tinha o declarado intuito de desmentir equívocos e mentiras contidas no livro de Thevet.
Essas três importantes obras ilustradas que renasceram na decada de 1920 Totem e tabu, de Freud, o manifesto Cannibale, de Francis Picábia, lançado em 1920, e o livro L’Anthropophagie rituelle des Tupinambás, de Alfred Métraux, que inspiraram os modernistas de 1922, Tarsila, Oswald e Mario de Andrade, fizeram que nós conhecêssemos a cultura, idioma e hábitos dos povos Tupis com rigor científico em estado de arte.
Banquetes que demandavam por refinada etiqueta, como as européias e éticas de guerra, com rituais semelhantes aos dos Samurais japoneses
O Brasil daquela época era ocupado por tribos irmãs e beligerantes, a guerra era uma atividade constante, Potiguares eram inimigos de Tabajaras, que por sua vez eram inimigos de Caetés, rivais dos Tupinambás, os quais, guerreavam constantemente contra os Tupiniquins. Essas guerras eram regidas por códigos atentamente observados e seguidos a risca por todos esses ‘primos’, falantes de variações do mesmo idioma, o Tupi Antigo.
O ato da guerra era sagrado e tinha como o momento culminante do embate, o apogeu ritualístico definitivo e verdadeira consagração da vitoria, a Antropofagia. Os ARAPURUS (comedores de gente) tinham rituais muito bem coreografados e a dinâmica do ritual canibalístico era muito elaborada, existem relatos de outros atos canibilísticos ao redor do mundo, mas foi aqui, nos litorais brasileiros que essa pratica teve a sua aplicação mais requintada.
1 – A guerra
Enquanto os portugueses estavam preocupados com a exploração dos recursos da nova colônia, os povos indígenas estavam totalmente dedicados aos atos de guerra intertribais. No ano de 1565 os portugueses resolveram tomar uma posição mais forte e uma batalha foi travada entre portugueses, aliados ao Tupiniquins contra os franceses, aliados dos Tupinambás. Poucos anos mais tarde a maior parte dos franceses foi expulsa da região da Gauanbara, que tinha Villegagnon, um cavaleiro católico de Malta como líder, junto aos Tupinambás da resistência. Essa derrota só foi possível com a ajuda dos Tamoios, sob a liderança de Aimberê, dando origem assim ao Rio de Janeiro.
2-O Prisioneiro de Guerra
No exato momento em que o inimigo era capturado, o guerreiro responsável pela captura virava seu dono, e passava a ter responsabilidade direta sobre seu cativo até o final de todo o processo, que culminaria com com sua canibalização. Os prisioneiros eram amarrados pelos pés e mãos, o que impossibilitava sua caminhada, para se locomoverem, eles tinham que dar ‘pulinhos’, situação que se ridicularizava bastante o capturado.
Aos pulos os prisioneiros eram conduzidos até a aldeia dos vencedores, ao passar pela entrada principal, eram recebidos com animosidade e ainda mais humilhação, os residentes jogavam restos de comida e pedriscos e se dava o seguinte dialogo:
O captor dava a ordem ao prisioneiro: -“Enhe'eng tembi'u” (Fale, comida); O prisioneiro então respondia: “Aîur-ne pe rembi'urama” (Estou chegando eu, sua comida);
As pessoas da tribo, jogando pedriscos e restos de comida no prisioneiro completavam: “Opererek îandé rembi'u oîkóbo” (Aí vem chegando nossa comida).
Nos próximos dias, o prisioneiro recebia o tratamento equivalente ao de um primo distante, era hospedado na oca do captor, era bem alimentado, a zombaria cessava 'em parte' e o anfitrião oferecia, alimento, rede e até mesmo sua filha ou sua esposa para que este se satisfizesse sexualmente. Nos primeiros dias, ele recebia também uma longa corda com nós para ser usada ao redor do corpo e pescoço, chamada de MUÇURANA. A Muçurana tinha uma quantidade de nós que representava o numero de ciclos lunares até sua execução. O prisioneiro jamais tentava fugir, pois isso seria a maior vergonha para ele e sua tribo. Na bizarra hipótese da fuga do prisioneiro, as pessoas de sua própria tribo não o aceitariam de volta e o conduziam vergonhosamente a aldeia dos captores para seu destino que já estava determinado pelo condigo de conduta da tradição oral mais antigo que se conhecia.
Os Tupis, tal qual os samurais prezavam a morte digna, o tumulo mais honroso para um guerreiro era o estomago de seu inimigo - Ter suas entranhas devoradas por vermes e insetos era repugnante e desprezível.
3- O Banquete
No dia anterior ao banquete, todos bebiam o Cauim, bebida fermentada de mandioca produzida exclusivamente pelas mulheres pelo processo de mastigação e cusparada (a amilase salivar transformava amido em açúcar, que por sua vez era fermentado por leveduras exógenas, criando assim uma bebida de graduação alcoólica não superior a 8,5%), e tinha inicio uma grande festa.
Na manhã seguinte, o prisioneiro tomava um banho e depois era ornado com penas, casacas de ovos, e outros adereços, eram também feitas pinturas vermelhas de urucum e pretas de jenipapo. Uma pantomima sempre acontecia nesses rituais - permitia-se que o prisioneiro fugisse até a entrada da aldeia quando era recapturado, numa encenação ritualística, e voltava amarrado com a Muçurana pela cintura, trazido por dois guerreiros, um de cada lado da corda e trazido para frente do executor enquanto a tribo toda gritava e se alvoroçava, aumentando assim o clima da festividade ao seu êxtase.
O Executor que também havia se banhado e submetido a uma pajelança com ervas e unguentos, após a longa cauinagem da madrugada, trajava-se de forma ritualística, com plumas pinturas e um maravilhoso MANTO GUARÁ vermelho feito com pele de lobo-guará, ornado com plumas de arara e tucano. Um dos momentos mais acalorados da festa era quando o executor se colocava na frente do prisioneiro, o absoluto silencio se fazia e acontecia outro dialogo:
O executor perguntava: -“Ere-îuká-pe oré anama, oré iru abé?” (mataste nossos companheiros e nossos parentes?)
O prisioneiro então relatava seus feitos heróicos: - “Pá, Xe r-atã, a-iuká, opabe a-‘u. Xe anama xe r-eõ-nama resé xe r-epyk-y-ne. Xe anama e’i-katu pe îukabo” (Sim, eu sou forte, matei-os e comi-os todos, minha família, por minha morte vingar-me-á, minha família irá matar vos).
Após o dialogo, o executor empunhava uma pesada arma, assemelhada a uma enorme maça, com um peso na ponta, ornada com plumas, que previamente fora preparada com orações e libações, chamada ‘IBIRAPEMA’, a manejava com destreza em movimentos marciais coreografados, encaminhava-se para traz do prisioneiro e acertava a base do crânio com muita força.
A morte era rápida, o crânio era despedaçado em sua base.
As mulheres mais velhas rapidamente colocavam um embolo em seu anus para evitar que os fluidos saíssem, recolhiam seus miolos e demais fragmentos espalhados pelo chão e tentavam recolher a maior parte possível de sangue. O corpo permanecia de pé, amparado pelas Muçuranas, fazendo com que seu sangue não fosse espalhado pelo chão, havia uma propósito muito nobre para todo esse sangue.
O sangue colocado em vasos de barro cozido e era bebido ainda quente por todos, as mulheres passavam em seus seios e davam o peito aos bebês, seu corpo era colocado com muito respeito dentro de um caldeirão já com água fervente, para facilitar a retirada da pele, ai então o corpo era desmembrado, cortado pelo dorso e levado para a defumação (moqueágem). Após alguns minutos o corpo era virado, abria-se o ventre e os miúdos eram misturados a farinha e o mingau era dado para as crianças, só os grandes guerreiros podiam comer um mingau preparado com a pele ao redor do crânio, e os órgãos sexuais eram devorados pelas mulheres. A língua e os miolos eram comidos por pré-adolescentes de 12 a 16 anos de idade.
Logo apos a execução, o executor era arranhado pelo líder tribal com dente de onça, de forma que a escarificação já cicatrizada servia-lhe como honraria – Quanto mais escarificado, melhor guerreiro era. Todo esse ritual era acompanhado de musica de flauta feita com os ossos dos prisioneiros abatidos anteriormente.
Ao final de 4 horas, o ritual acabava e os habitantes da tribo se recolhiam aos aposentos para dormir, a final de contas, ficaram acordados a noite toda para o grande evento.
Fontes de informação
Outras leituras
Bibliografia completa organizada pela autora do verbete, Susana de Matos Viegas
Período colonial
Os documentos que trazem informações mais diretas sobre o aldeamento de Nossa Senhora da Escada e a Vila de Olivença para o período colonial foram redigidos principalmente por funcionários do governo e por religiosos.
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LÉRY, Jean de. “Das Grossas Raízes e do Milho com que os selvagens fabricam a farinha, comida em lugar do pão; da bebida a que chamam Cauim”. In: Viagem à Terra do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1972 [1578], pp. 85-94.
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Publicações
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VIEGAS, Susana de Matos. Socialidades Tupi: identidade e experiência vivida entre índios-caboclos (Bahia/Brasil). Tese de doutorado. Universidade de Coimbra, Portugal, 2003.
Relatórios
ETCHEVARNE, Carlos. Parecer técnico acerca de dois fragmentos cerâmicos procedentes de Olivença, Ilhéus e do local achado (Bahia). Salvador: Laboratório de Arqueologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2004.
PAULA, Jorge Luiz de. Relatório de viagem com o objetivo de levantar dados sobre a demanda fundiária dos índios Tupinambá. Eunápolis, Bahia, 2001. [Viagem realizada ao distrito de Olivença, município de Ilhéus, Bahia, no período de 26/11 a 10/12/2001, conforme instrução técnica executiva Funai nº 140/DAF, de 14/11/2001].
VIEGAS, Susana de Matos & PAULA, Jorge Luiz de. Relatório Final Circunstanciado de Identificação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Fundação Nacional do Índio, Brasília, 2009.
O padre jesuíta e historiador Serafim Leite foi claro quando identificou os índios do aldeamento de Olivença como Tupi: a aldeia de Nossa Senhora da Escada “era constituída por índios Tabajaras e Tupinaquins”. O Ouvidor da Bahia, Luis Freire de Veras, que em 1768 erigiu a Vila Nova de Olivença, também reconheceu os índios que ali viviam como “índios da nação Tupy”. Ainda que seja sabida a existência, em determinados períodos históricos, de índios Camacã e Botocudo na região de Olivença, a predominância tupi nunca foi questionada. Em 1938, Curt Nimuendaju visitou Olivença e observou que se tratava de um povo Tupinakí.
Segundo o historiador John Monteiro, no século 16, os Tupi estavam divididos entre os povos que habitavam a capitania de São Vicente e a boca do Amazonas – genericamente designados de Tupinambá - e aqueles que habitavam a região ao sul de São Vicente – os Guaranis. De acordo com esta distinção, os índios que viviam na região de Ilhéus durante esse período eram os Tupinambá, que foram mencionados como povos da família linguística Tupi-Guarani em mapas históricos como o de Curt Nimuendaju.
Uma importante descoberta arqueológica que ocorreru durante os trabalhos de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença confirmou a presença histórica de uma populaçao tupi na região. Em uma área rochosa e recolhida nas montanhas, foram encontradas duas peças de cerâmica e uma delas foi identificada como Tupi devido à técnica de corrugado utilizada na confecção, bastante conhecida entre os grupos tupi-guarani da costa atlântica.
Uma análise comparativa das fontes do período colonial e imperial permite indicar que, até o final do século 19, a população de Olivença era quase exclusivamente indígena e somava cerca de 900 habitantes. Os Tupinambá de Olivença contavam, em 2004, com cerca de 3000 pessoas.
Em 2004, os estudos de campo realizados para a demarcação da terra indígena confirmaram os dados levantados no mesmo período pela Funasa, que estimou em 3500 os Tupinambá habitantes na região e indicou a existência de muitos parentes fora dela. Em 2009, a Funasa realizou outro censo que estimou em cerca de 4500 a população tupinambá residente na área.
Casal Tupinambá de Olivença |
A análise demográfica dos dados da Funasa (2004), confirmados pelos estudos de campo de 2004, mostra que se trata de uma população com uma expectativa de vida reduzida, uma taxa de mortalidade muito elevada e jovem, visto que mais de 50% da população tem até 24 anos de idade (35% de pessoas com até 14 anos), enquanto os idosos (com mais de 65 anos) representam apenas 5%. A distribuição da população por sexo indica que existem mais homens (53%) do que mulheres (47%), o que pode ser uma consequência demográfica da expropriação territorial sofrida pelos Tupinambá no século 20. De fato, as dinâmicas sociais de gestão territorial passaram a ser escassas, pois as mulheres se casaram com não-índios e, em muitos casos, abandonaram a região, indo morar com seus maridos em outras áreas. Foram os homens que preferencialmente ficaram vivendo nas pequenas áreas de terra de seus pais, perpetuando a ocupação tupinambá.
As áreas do território com maior número de pessoas são a da vila, aquelas na serra, no Acuípe de Baixo e do Meio e em Sapucaeira.
Localização
O território dos Tupinambá de Olivença está localizado no sul do estado da Bahia. Grande parte dele está inserido no município de Ilhéus, mas também situa-se nos municípios de Buerarema e de Una. Trata-se de uma área predominantemente de Mata Atlântica (Mata Higrófila Sul-Baiana) que vai até a costa marítima. A área melhor preservada é aquela que foi utilizada exclusivamente para a extração de piaçaba das palmeiras nativas e que predomina na região próxima à costa marítima (Acuípe, Curupitanga, Campo de São Pedro), penetrando até cerca de 10 km no interior do território indígena. Há uma grande diversidade de recursos naturais na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que também contém áreas de solo pobres e de solos mais ricos, como aqueles que são encontrados na chamada região cacaueira do sul da Bahia.
Território Tupinambá de Olivença na Bahia |
A faixa litorânea utilizada pelos Tupinambá é formada por praias, mangues e restingas. A zona de estuário é lodosa e repleta de manguezais. O material (sedimentos) que forma esses bancos de areia provém dos vários rios que ali desembocam, como o Acuípe e o Maruim.
Língua
Dialogo em Tupi antigo por indios Tupinambá - Qual é seu nome? Mará-pe nde rera? / Xe rera Pindobuçu Eu me chamo Pindobuçu |
Tupi Antigo
Comecemos pela estrela dos idiomas brasileiros, o Tupi Antigo. Alem de ser o idioma que tem mais documentação acadêmica, é também o que mais conhecemos por fazer parte do nosso dia-a-dia, através de nomes de cidades, pontes, shopping centers, etc..
O Tupi antigo, na forma de Língua Geral Paulistana ou Língua Brasílica, foi o idioma mais falado no Brasil até 1750, quando o Marques de Pombal proibiu seu uso em detrimento do Português e expulsou os Jesuítas para Portugal, principais patrocinadores do idioma no Brasil.
Algumas iniciativas isoladas tentam trazer esse importante idioma a tona, no ano de 1994 o Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro aprovou uma recomendação para que o Tupi Antigo fosse ensinado nas escolas de segundo grau e o professor Eduardo Navarro da USP, assim como o personagem fictício Policarpo Quaresma, ainda tem por objetivo lutar pela inclusão do idioma Tupi Antigo como matéria optativa no currículo das escolas paulistas. Eu mesmo aprendi o Tupi Antigo para desenvolver a recriação da receita do Cauim http://ameobrasil.blogspot.com/2015/10/cauim-carauna-o-primeiro-cauim.html , por esse motivo, uso esse idioma como base de referência lingüística, tal qual o Latin para idiomas europeus.
Vogais
oral
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oral
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nasal
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oral
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nasal
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i
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ĩ
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ɨ
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ɨ̃
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u
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ũ
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ɛ
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ɛ̃
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ɔ
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ɔ̃
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a
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ã
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Consoantes
Pós-alveolar
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Surda
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Sonora
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Surda
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Sonora
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Surda
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Sonora
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Oclusiva
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p
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b ~ mb
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t
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d ~ ⁿd
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k
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g ~ ŋg
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ʔ
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Nasal
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m
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n
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ɲ
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ŋ
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Fricativa
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β
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s
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ʃ
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ɣ
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Semivogal
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w
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j
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Vibrante simples
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ɾ
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Gramática
O Tupi Antigo é um idioma que se caracteriza pela fala nasal, sujeito-verbo-objeto (SVO), portadora de média complexidade do ponto de vista linguístico, fonológicas e sintáticas, com pausas (representadas aqui pelo uso do hífen) e tem sons não encontrados na língua portuguesa como o ‘y’ que tem o som do corresponde ao hamza do árabe – ybytyra ( ißi ' tira ) - montanha ; “ y [ Pi ] – água.
No Tupi Antigo os verbos de segunda classe são na verdade adjetivos, por não existir os verbos ‘ser/estar’ , para expressar ação usas-se a adjetivação do substantivo - dessa forma, eu não posso dizer ‘Eu me lembro, tenho que dizer ‘sou lembrante’,
Se quero dizer 'Eu me lembro de sua mãe' devo dizer –‘xe’ma enduar nde sy (resé)’ – lit. Eu sou lembrante (a respeito) de sua mãe.
Uma coisa que eu particularmente gosto do Tupi Antigo é que de forma conceitual, uma pessoa não pode possuir terras, animais e pessoas, e essa noção filosófica é expressa na gramática do idioma; é errado escrever Pindobuçu Ybirá (a arvore de Pindobuçu), isso é inconcebível, pois a árvore pertence à natureza.
Existem os chamados 'nomes possíveis', objetos que permitem a posse, tais como ‘xe akanga’ minha cabeça, ‘Tukana tî’ bico do tucano, ou ‘abati potira’ (a flor do milho), etc.
E existem os 'nomes impossíveis', elementos que não podem ser possuídos por humanos, como ybaka (céu), pirá (peixe), Ybirá (arvore, como já vimos).
Verbos
Os verbos do tupi antigo não expressam tempo,nem presente ou passado, assim como diversos outros idiomas indígenas da America do Sul, a primeira pessoa do plural, ‘nós’ é dividido em inclusivo, quando o ouvinte faz parte do grupo e exclusivo quando este é excluído, exemplo:
-Se dissermos aos índios “nós somos portugueses”, os índios não fazem parte desse grupo, dessa forma usa-se ‘oré peró’
- Se dissermos porem “nós morreremos um dia”, ai sim os índios fazem parte do grupo, dessa forma usa-se Îandé.
Diferentemente do português, o morfema que muda o verbo vem na frente, ou seja, o verbo chegar em português é conjugado da seguinte forma:
Eu che’go – Eu (NOM) che (raiz) go (morfema que muda)
Tu che’gas – Eu (NOM) che (raiz) go (morfema que muda)
Ele che’ga – Eu (NOM) che (raiz) go (morfema que muda)
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Repare que o morfema que muda o vrebo vem na frente:
(Ixé) a-syc – Ixé (NOM) a (morfema que muda) syc (raiz)
(Endé) ere-syc – Endé (NOM) ere (morfema que muda) syc (raiz)
outros verbos:
Verbo falar - Infinitivo: nhe´eng-a
Verbo falar - Infinitivo: nhe´eng-a
(Ixé) a-nhe´eng = eu falo
(Endé) ere-nhe´eng = tu falas
(A´e) o-nhe´eng = ele fala, falou
(Îandé) îa-nhe´eng = nós falamos (inclusivo)
(Oré) oro-nhe´eng = nós falamos (exclusivo)
(Pe´ẽ) pe-nhe´eng = vós falais
(A´e) o-nhe´eng = eles falam
Texto em Tupi Antigo
“Cauim é uma bebida alcoólica tradicional dos povos indígenas do Brasil desde tempos pré-colombianos.
Ainda feito hoje em reservas indígenas, o cauim é feito através da fermentação alcoólica da mandioca e tem graduação alcoólica entre 8 e 12 por cento”.
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Kaûĩ tembi'u karaíba kaûĩtatáramo oikó.
Kaûĩapósára kaûĩ oîapó
abaeté brasil suíxuára rekoágûéra rupi.
Akûeî abaeté o-ka'ú amẽ Brasil-pe
a'e karaíba Colombo séryba'e îepotára renondé.
Kaûĩ îapópýramo oîkó ko'yr abé abáeté retãme.
Asé kaûĩ oîapó mani'oka ratãngatú "fermentação alcoólica" 'îába rupi.
Ko'yté Satãngatú oîkó oito suí doze por cento pukúî.
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Tradução
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Kaûĩ tembi'u (A bebida Cauim) karaíba kaûĩtatáramo (Como a aguardente dos Caraíbas) oikó (é)
Kaûĩapósára (os preparadores de Cauim) kaûĩ oîapó
abaeté (índios legítimos) brasil suíxuára (do Brasil) rekoágûéra (O costume antigo) rupi (de acordo com)
Akûeî abaeté (aqueles índios legítimos) o-ka’ú (bebiam Cauim) amẽ (costumeiramente) Brasil-pe (no Brasil)
a'e karaíba Colombo séryba'e (aquele caraíba que tem o nome Colombo) îepotára (a chegada por mar) renondé (antes de)
Kaûĩ îapópýramo oîkó (Cauim como que é preparado) ko'yr (hoje) abé (também) abáeté retãme (na terra dos índios legítimos - nas aldeias)
Asé kaûĩ oîapó (prepara-se Cauim) mani'oka ratãngatú (A força da mandioca) “fermentação alcoólica" 'îába (chamada fermentação alcoólica) rupi (através de)
Ko'yté (enfim) Satãngatú oîkó (a força dela é)oito suí (de oito) doze por cento pukúî (até doze por cento)
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Asé ka’ugûasúreme, o nhemomara’áramo.
Tábo asé sabeypóra i abaeté.
Îandé tekokuábamo t’îaka’ú.
Quando a gente bebe muito, se torna doente.
A embriaguez pelas aldeias é terrível.
Vamos beber sendo prudentes.
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Peîeapysaká!
Ta’ýra t’oka’ú umẽ o 18 ro’ý mopore’ỹme bé.
Escutai bem!
Que as crianças não bebam antes de completarem 18 anos.
Os Tupinambá de Olivença falam exclusivamente o Português. Referências históricas indicam que, no final do período das missões jesuíticas (segunda metade do século 18), alguns índios do aldeamento já falavam português e a maioria falava a língua geral, o Nheengatu. As fontes do início do século 19 mencionam que a maioria dos índios falava exclusivamente o Português, mas em 1938 Curt Nimuendaju, durante uma visita a Olivença, encontrou vários índios que ainda falavam Nheengatu. Estes dados levam a crer que a generalização absoluta do Português entre os índios teria ocorrido apenas no século 20.
Há entre os Tupinambá de Olivença um sotaque que chamam de “fala de índio” ou “fala de caboclos”. Trata-se de uma maneira pouco ortodoxa de entoar as palavras, uma espécie de sotaque característico dos índios que vivem no interior. A “fala de índio” é um modo de falar que alguns rotulam de “estucado” ou “estiado”. É um ritmo na entoação das palavras que pode ser descrito, por aproximação, ao que na interpretação musical se designa como stacatto. Assim, em uma frase, cada palavra é dita de forma curta, sem prolongamentos, como se fosse intercalada por pequenas pausas.
Histórico da ocupação
Os povos tupi já habitavam a região sul da Bahia quando as primeiras frotas de europeus chegaram à região em 1500. Linguistas, como Métraux, consideram que a migração tupi em direção à costa atlântica teria se dado há algumas décadas antes da chegada dos colonizadores. Entretanto arqueólogos apontam para uma migração anterior: estas populações estavam ali há mais de 700 anos. Vários documentos comprovam que foi na década de 1680 que a aldeia de Nossa Senhora da Escada foi fundada.
O espaço dessa aldeia foi apropriado muito cedo pelos índios que conseguiram, por exemplo, que lhes fossem concedidos cargos administrativos de Capitão-mor e Sargento-mor. Ao mesmo tempo, os índios viviam cotidianamente na área da mata, onde tinham suas roças (a posse de algumas destas áreas, chamadas “terras dos ditos índios”, foi reconhecida na época). Esse modo de ocupação do território em que o tempo cotidiano é dividido entre aldeia e as áreas de mata próximas aos rios (principalmente o curso dos rios Acuípe e o Pixixica) persiste até hoje.
Na segunda metade do século 18, o aldeamento indígena foi convertido em Vila de Olivença de Índios. e sua administração passou a ser regida pelo Diretório dos Índios.
No Período Imperial, os índios que habitavam na Vila de Olivença voltaram a assumir papéis administrativos. Contudo, tal situação não foi resultado de uma mudança nas leis vigentes. Pelo contrário, esta aconteceu apesar da continuidade das leis indigenistas, particularmente, do Código de Posturas, no qual a política de tutela dos índios deixava-os nas mãos de vereadores com interesses econômicos locais bastante claros. A intervenção e ação dos índios da vila se manifestaram de diversas formas: foram eleitos para juiz de paz e considerados proprietários de terras que geriram diretamente.
A análise dos Registros de Óbito do Cartório da Vila de Olivença do final do século 19 permite traçar três formas de ocupação do território praticadas pelos Tupinambá de Olivença neste período. A primeira correspondeu a um modo de vida mais fixo entre o espaço da vila e o seu entorno, onde os Tupinambá mantinham roças. A segunda foi um tipo de ocupação que alternou períodos na vila e na Mata, e a terceira modalidade tratava-se de períodos mais longos na mata, com visitas sazonais ou periódicas à vila.
A partir do inicio do século 20, a expropriação do território dos Tupinambá de Olivença começou a ganhar dimensões cada vez mais alarmantes. Foram dois os fatores que levaram a essa situação: a reclassificação dos índios como “caboclos”, com a extinção dos aldeamentos missionários na costa atlântica, e o interesse fundiário da emergente elite cacaueira na região sul de Ilhéus. Os Tupinambá de Olivença neste período procuraram apoio do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), refugiaram-se e resistiram, mas foram abandonados pelo Estado sem sequer receber o reconhecimento de suas terras.
Um relatório do Serviço de Proteção aos Índios (assinado por Alberto Jacobina, 1932) e um documento de Curt Nimuendaju sobre sua visita a Olivença confirmam que, na década de 1930, os índios da vila estavam sendo “enxotados de seus lotes” e viviam sob grande “pressão fundiária”. Alberto Jacobina menciona já nesse momento a participação dos Delegados de Terra como intermediários nos processos de espoliação fundiária em Olivença.
Entre as décadas de 1920 e 1930, o processo de espoliação foi, em parte, detido pela atuação de uma frente de resistência que ficou conhecida como “a revolta de Marcelino”, levada a cabo por um grupo de índios liderado pelo caboclo Marcelino. Os índios que viviam no interior, na mata e nas serras acolheram e protegeram este grupo da perseguição policial e acabaram sofrendo violências para que denunciassem seu esconderijo. Ainda que a imprensa da época fosse propriedade de fazendeiros, em 1929, o Diário da Tarde afirmou que o caboclo Marcelino havia estado na sede do jornal e foi entrevistado pelo Capitão Vasconcelos, do Serviço de Colonização dos Selvagens. Este jornal apontou ainda que “nas capitanias do estado e da república, consta que andou pelos ministérios e secretarias, tratando muito a sério da defesa dos nossos aborígines […] clamando proteção para os donos verdadeiros da terra e mata virgens”.
De acordo com os Autos do interrogatório feito a Marcelino quando esteve preso, em 1936, ele fez uma última tentativa de obter apoio do SPI quando se deslocou ao Posto Indígena Caramuru-Paraguassu. Lá solicitou ao chefe de Posto que “o apresentasse às autoridades competentes, para que pudesse perante estas reclamar os seus direitos”. Marcelino foi preso logo em seguida. Os índios foram expulsos da vila depois de ações normativas administrativas excludentes que decretaram, por exemplo, a proibição de construção de casas de taipa. Alguns índios se recordam dos episódios violentos que marcaram esse processo.
Nas décadas de 1940 e 1950, os Tupinambá de Olivença fixaram-se mais nas áreas de mata. No entanto, a colonização intensificou-se também nessa região. A privatização de terras por parte de não-índios envolveu permutas com os Tupinambá de Olivença baseadas em um sistema de “laços de dívida”, por meio do qual os Tupinambá acabaram entregando suas roças. Ao que tudo indica, foi principalmente na década de 1970 que a situação fundiária tornou ainda mais complicada a reprodução do modo de vida dos Tupinambá de Olivença.
Esse processo se agravou devido ao boom do cacau, pois mais investidores procuraram as terras que circundavam a região cacaueira e trouxeram um número cada vez maior de trabalhadores assalariados para Olivença. Segundo depoimentos coletados em pesquisa antropológica, foram encontrados indígenas mortos no rio Una, como resultado de tal pressão.
Sem a possibilidade de se deslocar e ocupar todo o antigo território, os Tupinambá passaram a construir suas casas em áreas cada vez menores. Mesmo assim mantiveram o costume de se dispersar no espaço, construindo novas casas.
A partir das décadas de 1980 e 1990, a percepção do confinamento territorial se fez sentir entre os Tupinambá de Olivença. Ficaram impossibilitados de abrir novas roças, estabelecer novas unidades residenciais ou mesmo se deslocar no território para ter acesso a recursos naturais vitais, como a mata, a piaçaba e os rios. As áreas de ocupação ficaram cada vez mais reduzidas, criando entre os Tupinambá uma sensação de “claustrofobia”.
A prática de abrir novas áreas de habitação e de abandonar as anteriores tem sido reconfigurada pelos Tupinambá. Essas casas abandonadas são chamadas de “casas isoladas”, pois ao deixarem de ser habitadas, ficam separadas da vida humana e rodeadas de mato. É fundamental para os Tupinambá a ideia da revitalização da vida a partir do abandono cíclico de espaços, na qual a mata tem um papel muito importante.
Diante da expropriação sofrida ao longo de décadas, é particularmente significativo o fato dos Tupinambá não terem nunca abandonado o seu território. Pelo contrário, eles iniciaram uma luta pela reconquista de sua área de ocupação tradicional. No entanto, muitos parentes dos Tupinambá vivem em bairros de Ilhéus e ainda outros migraram para grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 2003, quando reivindicaram à Funai a demarcação de sua terra, cada uma das áreas de habitação tupinambá tinha em média apenas um por cento (1%) do tamanho considerado na região como uma pequena propriedade fundiária.
Histórico do Contato
Os Tupinambá fixaram-se na região de Olivença a partir do contato com os jesuítas no século 17. Fontes coloniais mencionam que no período do aldeamento jesuítico foram criaram áreas residenciais para os índios chamados de “livres”. Tais áreas localizavam-se na região do rio Una (nas serras) e tinham como objetivo “garantir a subsistência e o trabalho aos índios livres da Aldeia de Nossa Senhora da Escada”.
Durante o período colonial, os índios da Vila de Olivença estabeleceram relações com grupos Jê (Camacã, Botocudo e Pataxó). A relação dos índios aldeados com os Pataxó parece ter oscilado entre o conflito e um convívio apenas temporário.
Várias narrativas dos Tupinambá que habitam a região das serras e do rio Una trazem descrições de índios “selvagens” com quem lidavam no passado de um modo marcado, muitas vezes, por relações de alteridade. Alguns se referem a esses índios “outros” como aqueles que “comiam cru”, que falavam outra língua e usavam arco e flecha. Esse contraste se explica pelo fato dos Tupinambá assumirem a identidade dos “índios civilizados”.
Atualmente os grupos indígenas com os quais os Tupinambá de Olivença têm mais contato são os Pataxó Hã Hã Hãe e os Pataxó, ainda que tais relações não sejam sistemáticas. Os Tupinambá também estabelecem relações com os Tumbalalá por causa das iniciativas organizadas pela organização não-governamental Tidewá. A relação com os Pataxó Hã Hã Hãe de Caramuru-Paraguassu é marcada por autonomia e ao mesmo tempo apoio mútuo. Existe um pequeno grupo de Tupinambá vivendo junto com os Pataxó Hã Hã Hãe na área de Caramuru-Paraguassu. Tal grupo se formou a partir da chegada à área de um homem tupinambá na década de 1930.
Os não-índios, que vivem nas cidades da região cacaueira, sempre tiveram uma atitude discriminatória e ambivalente em relação ao reconhecimento da identidade indígena dos Tupinambá de Olivença. Um exemplo dessa ambivalêcia está no fato de, nas décadas de 1920 e 1930, a imprensa relatar que os índios de Olivença eram “selvagens perigosos” que “flechavam” veranistas na praia e ao mesmo tempo e referidos como “bugres” ou “caboclos”. Ainda hoje, a atitude mais comum entre as autoridades da região de Ilhéus face à identidade dos Tupinambá de Olivença ainda é regida por princípios de desconfiança, fortemente alimentados pelo imaginário do “índio puro, selvagem e extinto”.
O conhecimento que os habitantes não-indígenas da região têm dos Tupinambá baseia-se no contato que estabelecem com eles na vila. Os Tupinambá que freqüentam mais a vila acabam servindo como uma espécie de “vitrine” de seu povo. A surpresa de muitos não-índios que vão à região da Mata pode ser exemplificada com o relato de um funcionário da Funai, transcrito em seu relatório de visita de 1997: “Após contato e revelações do grupo meio arredio pelo pouco que são visitados, pude constatar que vivem em regime fechado e ainda conservam seus traços étnicos, legado dos primeiros povos a habitarem a região costeira da Bahia” (cf. Viegas, 2007).
Lugares, as aldeias tupinambá
Os Tupinambá de Olivença vivem em pequenas unidades residenciais, distribuídas em uma área de cerca de 50.000 hectares. Apesar de não viverem isolados dos vizinhos não-indígenas, os Tupinambá de Olivença vivem em áreas residenciais com características próprias, comumente designadas de lugares.
A designação lugar é normalmente seguida do nome de um dos habitantes da casa principal – geralmente daquele que a fundou: “o lugar de Miguel”, por exemplo. Com relação à organização socioeconômica, pode-se dizer que as casas têm certa independência no que diz respeito à produção e ao consumo. Cada casa possui sua roça e a farinha ali produzida pertence exclusivamente àqueles que cultivaram as mandiocas.
Para além desses lugares, muitos índios moram em “aldeias” que resultaram do "movimento de retomada”, que tem sido o único capaz de viabilizar uma certa reordenação territorial em um período de espera pela efetiva demarcação de sua terra, iniciada em 2003.
Organização Social
A aliança conjugal entre os Tupinamba de Olivença é um ato totalmente destituído de ritualização ou de obrigações entre os parentes do noivo e da noiva. O casamento efetiva-se por meio da co-habitação do esposo e da esposa, que constroem uma casa e abrem uma roça. A fundação de uma área residencial ou um lugar é central para as dinâmicas sociais, particularmente para as relações políticas locais. Os critérios que levam alguém a ser visto como liderança na comunidade estão relacionados ao fato de ser ou não fundador de um lugar, além da sua capacidade de atrair para a sua casa os filhos e suas respectivas famílias.
As lideranças voltadas mais especificamente para as relações dos Tupinambá de Olivença com o Estado se formam a partir de lógicas que combinam a escolha de líderes mais jovens e aqueles que conhecem melhor a história do povo, como os mais velhos. O fato de jovens mulheres indígenas terem vivido um certo tempo na cidade e de, mais recentemente, terem mais acesso ao sistema educacional têm feito com que algumas assumam papéis de liderança. Munidas de conhecimento e capacidade de transitar entre os lugares e a cidade, em 1997, as mulheres tupinambá começaram a se envolver com o desafio de serem de intermediárias nas relações com o Estado. A primeira liderança eleita em 2002 pelos Tupinambá de Olivença foi justamente uma mulher.
Noções de Corpo e Pessoa
Os laços entre o bebê e a mãe são muito valorizados. As práticas em torno do parto realçam o estreitamento do corpo da mãe e do recém-nascido. Os termos usados para descrever a placenta fundamentam-se na noção de um corpo comum à mãe e ao filho: “companheira do menino”, “pedaços de pessoa” e “resto da mulher com o menino”.
A placenta pode ser enterrada nos arredores da casa, mas deve sê-la bem fundo. Diz-se que se enterra “para não deixar à toa” e “para bicho não carregar”. Entre os animais que circundam a casa, os mais temidos são as galinhas porque estão geralmente associadas ao ato de espalhar, dissipar ou alastrar.
O período do “resguardo” é um dos momentos cruciais na constituição e consolidação de laços entre casas de um mesmo lugar por meio das mulheres. De fato, a mulher que mais comumente assume a posição temporária da mãe que fica em “resguardo” é a sogra (avó paterna das crianças), pois o mais frequente é que o casal resida junto da casa dos pais do esposo. A substituição temporária de uma mãe nestes casos significa assumir práticas associadas ao cuidado das crianças e a sua alimentação. Ora, quando as sogras substituem as suas noras nas tarefas da casa, elas não cumprem qualquer tarefa de cooperação que seja prevista na relação entre as diversas casas de um lugar. De fato, do ponto de vista das crianças, se o cuidado prestado nestas tarefas se torna sistemático, as avós podem se transformar em mães propriamente ditas.
A valorização da prática de “dar sustento” à constituição dos laços sociais entre pais e filhos é, no caso dos Tupinambá de Olivença, tão intensa que pode vir mesmo a substituir o laço primordial entre a progenitora e o recém-nascido. A casa onde a criança vive e o lugar onde se constitui como pessoa são dimensões estruturantes da vida social. Quando, por exemplo, há uma separação conjugal, a decisão sobre a guarda da criança tende para que ela fique morando no seu lugar de origem. Assim, na maioria dos casos, a criança residirá com o pai e seus parentes de linha paterna (avó e tias mais frequentemente).
Entre os cuidados que envolvem a formação da pessoa tupinambá, aqueles ligados aos hábitos alimentares ganham particular destaque. O beiju e a bebida fermentada de aipim chamada “giroba” são os alimentos que mais condensam esses significados. Os Tupinambá dizem que a giroba é uma bebida particularmente adequada à nutrição do bebê, porque é um alimento que “faz” dos bebês caboclos. Vários adultos dizem que “cresceram bebendo giroba". Esta bebida é constitutiva da pessoa e suscita no corpo certa disposição para ingeri-la e apreciá-la. O modo como os Tupinambá tomam a giroba é também singular, já que é hábito amorná-la antes da sua ingestão. Tal é um hábito muito particular que se encontra em poucos contextos ameríndios, mas que era curiosamente referido pelos cronistas do século 16 e 17. Diziam que os Tupinambá, habitantes da costa atlântica nesse período, preferiam “beber o cauim amornado e a primeira coisa que faz[ia]m as mulheres [era] um pequeno fogo em torno dos potes de barro para aquecer a bebida” (Jean de Léry, 1578).
A maturidade feminina envolve muitos aspectos, e está também associada à mobilidade entre os lugares ou entre a área da Mata e a cidade. As meninas, muitas vezes, saem da Mata e vão para a cidade e outras vão morar com seus maridos em outros lugares. Independentemente do modo como o namoro começou, geralmente se diz que ele teve início quando o rapaz foi “buscar” uma mulher. Os rapazes, por sua vez, exercem “trabalho de ganho” na roça e, geralmente, para consegui-lo têm que deixar a casa dos pais (ao menos temporariamente).
Atividades Produtivas
Os Tupinambá de Olivença produzem uma enorme variedade de alimentos a partir de vários tipos de mandioca. Destaca-se a importância da produção de farinha de mandioca, do beiju e da “giroba” (bebida fermentada) para a vida social e também para a subsistência dos Tupinambá.
O sistema de plantio entre os Tupinambá de Olivença é o da agricultura de coivara que implica na derrubada e queima da mata, na limpeza do terreno e depois na plantação.
Além da agricultura, outra atividade importante para a subsistência dos Tupinambá é a pesca realizada predominantemente nos rios e nas áreas de brejo (entre rios e o mar).
A pescaria com armadilhas e pequenas redes como o jererê é muito utilizada e largamente apreciada pelos Tupinambá de Olivença. O jererê é normalmente confeccionado pelas mulheres, consistindo numa pequena rede sustentada por uma armação de vara de embira com forma cilíndrica.
Para se pescar com este instrumento, os índios têm que entrar no rio e mergulhá-lo dentro de água quando avistam um peixe, de forma a aprisioná-lo na rede. Essa é uma técnica adequada ao período em que o rio está “seco”. São principalmente as mulheres que pescam com jererê.
A armadilha feita com “tapagem” corresponde à construção de uma barragem em áreas de corredeiras, com o objetivo de direcionar a passagem dos peixes maiores para um só local. Nesta passagem é colocada uma armadilha feita de varas trançadas com cipó, chamada de Jiqui. Os Tupinambá de Olivença também fazem tapagens de pedra em áreas onde o rio tem mais força ou mesmo em cachoeiras, como nos rios Santaninha e Una, ou mesmo em cachoeiras. As tapagens são colocadas principalmente no período de chuvas e no verão – quando o rio está mais cheio e agitado -, pois os peixes só ficarão presos no jiqui quando vêm com a correnteza. Há, no entanto, uma outra técnica de “tapagem”, feita com palha, que é utilizada em rio “liso”, sem cachoeira.
A pesca no rio, por sua vez, é complementada pela pesca no mar e pela coleta de crustáceos no mangue. Para os Tupinambá que habitam nas áreas próximas à costa, a pesca no mar é atividade importante que e sempre complementada por outras. Já a coleta de crustáceos no manguezal é fundamental para todos os Tupinambá. A coleta de caranguejo é uma atividade sazonal, realizada apenas entre os meses de janeiro e abril. Este período é denominado pelos Tupinambá de “andada”. O termo descreve o período em que os caranguejos saem debaixo da terra e andam na superfície. Os Tupinambá não gostam de enterrar as mãos na lama e apanhar os caranguejos, é por isso que esperam o período da “andada”. Como é apenas neste período que os índios vão ao mangue, também chamam-no de “data do caranguejo”. É neste momento que “os caranguejos ficam na euforia”, como dizem alguns índios. Através do calendário da lua, os Tupinambá sabem os hábitos dos principais crustáceos que vivem no mangue: uma lua antes da “andada do caranguejo”, quem anda é o guaiamum macho; uma lua cheia antes da “andada do caranguejo”, anda o guaiamum fêmea (“andada da pata choca”). Quando está trovejando, o caranguejo sai do buraco para acasalar. Estas atividades não são e nunca foram praticadas pelos Tupinambá com fins comerciais.
A caça é praticada pelos Tupinambá em todas as localidades de seu território, mas predomina naquelas onde há maior extensão de floresta em fase de regeneração e onde o acesso à mata não é impedido pelos fazendeiros. A caça é uma atividade exclusivamente masculina e o conhecimento técnico associado é compartilhado tanto pelas gerações mais velhas quanto pelas mais jovens. Essas técnicas tradicionais pressupõem conhecimentos acerca do comportamento dos animais e implicam em relações específicas entre o caçador e a caça.
A coleta de piaçaba é a atividade extrativista mais importante entre os Tupinambá de Olivença. De acordo com documentos do período colonial e imperial, a coleta da piaçaba foi uma das primeiras atividades desempenhadas com o objetivo de troca. O que hoje é coletado pelos Tupinambá e valorizado no mercado regional são as fibras de piaçaba. Estas fibras são utilizadas para a fabricação de vassouras de uso caseiro e industrial. No século 19, eram usadas como cordas para amarração dos navios.
Para esse povo, a fibra é o principal elemento aproveitado da piaçaba. Sua produção artesanal está vinculada, sobretudo, a esse recurso. Os Tupinambá produzem vários artefatos, tais como objetos decorativos, utensílios de caça e pesca, utensílios domésticos, como peneiras, pilões, esteiras, cassuás, cestos, flechas, lanças, arapucas, laços, jiqui, além de cocares, colares, cangas e adornos. Sementes coloridas e corantes extraídos de plantas são importantes para a fabricação de muitos desses objetos.
É de especial relevância o fato de que as relações socioeconômicas entre os Tupinambá de Olivença e a sociedade envolvente implicam e implicaram sempre o uso dos seus conhecimentos tradicionais: a extração da piaçaba, a produção de farinha de mandioca, o cultivo de roças e a fabricação de pequenos artefatos. A farinha de mandioca feita pelos índios é bastante valorizada no comércio de Ilhéus e, até hoje na região, se reconhece a sua especialização técnica na coleta de piaçaba.
Práticas rituais e festas
As festas tradicionais dos índios de Olivença estão bastante associadas a rituais católicos e constituem momentos de particular importância para a constituição e consolidação de laços entre habitantes de várias localidades.
A Festa do Divino Espírito Santo realizada no final do mês de maio é um momento especial de reunião entre as pessoas que vivem na Mata e na vila de Olivença. A Festa da Puxada do Mastro ou Festa de São Sebastião, que acontece todo o segundo final de semana de janeiro, ganhou nos últimos anos um papel mais relevante nas relações sociais na vila. A Festa de São Sebastião também se realiza na aldeia tupinambá da Serra do Padeiro, mas apresenta tradições diferentes.
Na Festa do Divino Espírito Santo, a bandeira do Espírito Santo circula durante um mês por todas as localidades da Mata. Os “romeiros”, que carregam a bandeira, visitam as casas e quando a bandeira sai da vila para a Mata diz-se que ela “entrou para o mato”. Em certas localidades os “romeiros” levam consigo pessoas das casas visitadas, que os seguem em outras visitas. Quando se ouve o tambor, instrumento que anuncia a chegada da bandeira em uma casa, os moradores das redondezas se aproximam. A festa propicia momentos de sociabilidade entre os vizinhos, assim como encontros entre as pessoas da vila e da Mata. No encerramento da festa, por exemplo, uma missa é realizada na igreja de Olivença, reunindo índios de diversas localidades. Aqueles que vêm da Mata pernoitam em casas de parentes. A memória dessa visita à vila é relembrada pelos Tupinambá que vivem na Mata com frequência ao longo do ano.
Na Festa da Puxada do Mastro, são os habitantes da vila que mais se destacam. Um dos grupos centrais da festa são os “machadeiros”, escolhidos anualmente. Quinze dias antes da festa, eles têm o papel de “marcar o pau”, isto é, dirigir-se à área do “mato” (a cerca de três quilômetros da vila) e escolher os troncos que serão utilizados para a fabricação do mastro e do “mastaréu”, o mastro das crianças. Além disso, “marcar o pau” implica em extrair parte do casco da árvore para promessas feitas a São Sebastião. Também se usa o casco para fazer um chá que “dá sorte”.
No dia da festa, a alvorada é às cinco horas da manhã e se inicia com o sino da igreja. O encontro para a saída ao mato é na Praça Cláudio Magalhães. As pessoas se alinham de frente ao sino da festa - um sino de bronze acinzentado, envelhecido, mas pujante, que fica pendurado por uma corda no tronco e é transportado por duas pessoas. No mato, o tronco é cortado em um ambiente de enorme animação, com muitas conversas entre os conhecidos e os vizinhos de Olivença, que muitas vezes são companheiros de festa. O corte do tronco é rápido e sua queda provoca muita agitação. Homens se aproximam e alguns, usando o facão, descascam-no. Parte do casco é aproveitada pelos presentes para fazer chá, para proteção ou promessa. O restante é retirado e deixado no chão. O objetivo é tornar o tronco mais liso para rolar com menos dificuldade quando arrastado. Na parte da frente do tronco inicia-se outro trabalho: abertura de um orifício onde será amarrada uma corda. Levantar o tronco do chão é talvez uma das tarefas mais complicadas e árduas.
Na saída do mato, as crianças vão à frente, puxando o “mastaréu”. O mastro é puxado por todos os presentes. Então ouve-se gritar “agora”, “juntem a corda”, “em frente”, “parem” – palavras de ordem e coordenação entre os que seguram e arrastam a corda. Quando se inicia a descida canta-se bem alto “Ajuê, dão”, “ajuê, dão dão” e com isso se ganha ânimo para puxar o mastro. Depois da pausa para o almoço, os transportadores do sino entram pela praia. Os rapazes com o mastaréu correm para o mar e mergulham junto do tronco. Muitos sentam-se em cima dele para trazer “sorte” e, por vezes, bebês são colocados durante instantes em cima do mastro com o mesmo propósito.
Quando se chega à praia perto da vila, o número de pessoas aumenta substancialmente. O grupo vai ganhando cada vez mais expressão e deixando os tocadores de zabumba para trás. Na subida para a praça a euforia dos que acompanham o processo desde o início é naturalmente enorme. Quando chegam à praça, são lançados foguetes e discursos de agradecimentos são proferidos. Na vila, a festa ganha expressão totalmente diferente, sendo dominada pela administração da vila e pelo turismo.
Uma prática ritual que os Tupinambá de Olivença adotaram desde 2000 é o Porancim. Trata-se de um Toré que surgiu depois de encontros com outros índios da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais, nos quais tiveram acesso aos conhecimentos relacionados à dança e ao cântico.
O Porancim tem cada vez mais importãncia e singularidade entre os Tupinambá de Olivença. Este ritual inicia-se com uma dança circular. Parte substancial dela consiste em bater os pés no chão com força e de forma ritmada, curvando ligeiramente o corpo para frente, mover o braço com os maracás e cantar músicas repetidamente. Eventualmente algumas pessoas entram em transe nesse processo. O Porancim é uma das maneiras dos Tupinambá de Olivença encontrar o pajé. Dançam-no em todas as ocasiões de tensão política, como o fizeram em outubro de 2008 na frente da administração regional da Funai, enquanto esperavam a decisão sobre as reintegrações de posse.
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Apos passar por vários momentos de terror, Staden sobreviveu ao contato com os canibais, voltou a Europa, quando escreveu sobre essas verdadeiras desventuras quase inacreditáveis no ano de 1556, fazendo do Brasil e seu provo um dos lugares mais incríveis e assustadores do mundo de sua época.
A veracidade dos relatos de Staden são autenticados no ano seguinte no livro do francês André Thevet, de religião católica e posteriormente pelo calvinista Jean de Léry. Thevet teve sua experiência obtida ao fazer parte do grupo denominado França Antártica no Brasil, que após passar dez semanas vivendo na Baía da Guanabara, regressou à França por estar doente. No ano seguinte, publicou a obra intitulada ‘As singularidades da França Antártica (1557)’: uma fonte relevante por ser uma das primeiras obras a fazer menção ao Brasil em pleno descobrimento, no entanto, escrito com ênfase no fantástico ao transparecer a presença do imaginário medieval.
Já Jean de Léry que veio para o Brasil em 1558, juntamente com um grupo de quatorze pastores calvinistas, e cinco donzelas para habitar a França Antártica fez um realto bem mais acurado. No decorrer de sua estadia os conflitos ideológicos entre católicos e protestantes, fez que ele tivesse uma visão muito mais critica ao trabalho de Thevet, que após dezenove anos do seu retorno, publicou seu diário denominado ‘Viagem à terra do Brasil (1577)’, uma obra muito mais elaborada que tinha o declarado intuito de desmentir equívocos e mentiras contidas no livro de Thevet.
Essas três importantes obras ilustradas que renasceram na decada de 1920 Totem e tabu, de Freud, o manifesto Cannibale, de Francis Picábia, lançado em 1920, e o livro L’Anthropophagie rituelle des Tupinambás, de Alfred Métraux, que inspiraram os modernistas de 1922, Tarsila, Oswald e Mario de Andrade, fizeram que nós conhecêssemos a cultura, idioma e hábitos dos povos Tupis com rigor científico em estado de arte.
Banquetes que demandavam por refinada etiqueta, como as européias e éticas de guerra, com rituais semelhantes aos dos Samurais japoneses
O Brasil daquela época era ocupado por tribos irmãs e beligerantes, a guerra era uma atividade constante, Potiguares eram inimigos de Tabajaras, que por sua vez eram inimigos de Caetés, rivais dos Tupinambás, os quais, guerreavam constantemente contra os Tupiniquins. Essas guerras eram regidas por códigos atentamente observados e seguidos a risca por todos esses ‘primos’, falantes de variações do mesmo idioma, o Tupi Antigo.
O ato da guerra era sagrado e tinha como o momento culminante do embate, o apogeu ritualístico definitivo e verdadeira consagração da vitoria, a Antropofagia. Os ARAPURUS (comedores de gente) tinham rituais muito bem coreografados e a dinâmica do ritual canibalístico era muito elaborada, existem relatos de outros atos canibilísticos ao redor do mundo, mas foi aqui, nos litorais brasileiros que essa pratica teve a sua aplicação mais requintada.
1 – A guerra
Enquanto os portugueses estavam preocupados com a exploração dos recursos da nova colônia, os povos indígenas estavam totalmente dedicados aos atos de guerra intertribais. No ano de 1565 os portugueses resolveram tomar uma posição mais forte e uma batalha foi travada entre portugueses, aliados ao Tupiniquins contra os franceses, aliados dos Tupinambás. Poucos anos mais tarde a maior parte dos franceses foi expulsa da região da Gauanbara, que tinha Villegagnon, um cavaleiro católico de Malta como líder, junto aos Tupinambás da resistência. Essa derrota só foi possível com a ajuda dos Tamoios, sob a liderança de Aimberê, dando origem assim ao Rio de Janeiro.
2-O Prisioneiro de Guerra
No exato momento em que o inimigo era capturado, o guerreiro responsável pela captura virava seu dono, e passava a ter responsabilidade direta sobre seu cativo até o final de todo o processo, que culminaria com com sua canibalização. Os prisioneiros eram amarrados pelos pés e mãos, o que impossibilitava sua caminhada, para se locomoverem, eles tinham que dar ‘pulinhos’, situação que se ridicularizava bastante o capturado.
Aos pulos os prisioneiros eram conduzidos até a aldeia dos vencedores, ao passar pela entrada principal, eram recebidos com animosidade e ainda mais humilhação, os residentes jogavam restos de comida e pedriscos e se dava o seguinte dialogo:
O captor dava a ordem ao prisioneiro: -“Enhe'eng tembi'u” (Fale, comida); O prisioneiro então respondia: “Aîur-ne pe rembi'urama” (Estou chegando eu, sua comida);
As pessoas da tribo, jogando pedriscos e restos de comida no prisioneiro completavam: “Opererek îandé rembi'u oîkóbo” (Aí vem chegando nossa comida).
Nos próximos dias, o prisioneiro recebia o tratamento equivalente ao de um primo distante, era hospedado na oca do captor, era bem alimentado, a zombaria cessava 'em parte' e o anfitrião oferecia, alimento, rede e até mesmo sua filha ou sua esposa para que este se satisfizesse sexualmente. Nos primeiros dias, ele recebia também uma longa corda com nós para ser usada ao redor do corpo e pescoço, chamada de MUÇURANA. A Muçurana tinha uma quantidade de nós que representava o numero de ciclos lunares até sua execução. O prisioneiro jamais tentava fugir, pois isso seria a maior vergonha para ele e sua tribo. Na bizarra hipótese da fuga do prisioneiro, as pessoas de sua própria tribo não o aceitariam de volta e o conduziam vergonhosamente a aldeia dos captores para seu destino que já estava determinado pelo condigo de conduta da tradição oral mais antigo que se conhecia.
Os Tupis, tal qual os samurais prezavam a morte digna, o tumulo mais honroso para um guerreiro era o estomago de seu inimigo - Ter suas entranhas devoradas por vermes e insetos era repugnante e desprezível.
3- O Banquete
No dia anterior ao banquete, todos bebiam o Cauim, bebida fermentada de mandioca produzida exclusivamente pelas mulheres pelo processo de mastigação e cusparada (a amilase salivar transformava amido em açúcar, que por sua vez era fermentado por leveduras exógenas, criando assim uma bebida de graduação alcoólica não superior a 8,5%), e tinha inicio uma grande festa.
Na manhã seguinte, o prisioneiro tomava um banho e depois era ornado com penas, casacas de ovos, e outros adereços, eram também feitas pinturas vermelhas de urucum e pretas de jenipapo. Uma pantomima sempre acontecia nesses rituais - permitia-se que o prisioneiro fugisse até a entrada da aldeia quando era recapturado, numa encenação ritualística, e voltava amarrado com a Muçurana pela cintura, trazido por dois guerreiros, um de cada lado da corda e trazido para frente do executor enquanto a tribo toda gritava e se alvoroçava, aumentando assim o clima da festividade ao seu êxtase.
O Executor que também havia se banhado e submetido a uma pajelança com ervas e unguentos, após a longa cauinagem da madrugada, trajava-se de forma ritualística, com plumas pinturas e um maravilhoso MANTO GUARÁ vermelho feito com pele de lobo-guará, ornado com plumas de arara e tucano. Um dos momentos mais acalorados da festa era quando o executor se colocava na frente do prisioneiro, o absoluto silencio se fazia e acontecia outro dialogo:
O executor perguntava: -“Ere-îuká-pe oré anama, oré iru abé?” (mataste nossos companheiros e nossos parentes?)
O prisioneiro então relatava seus feitos heróicos: - “Pá, Xe r-atã, a-iuká, opabe a-‘u. Xe anama xe r-eõ-nama resé xe r-epyk-y-ne. Xe anama e’i-katu pe îukabo” (Sim, eu sou forte, matei-os e comi-os todos, minha família, por minha morte vingar-me-á, minha família irá matar vos).
Após o dialogo, o executor empunhava uma pesada arma, assemelhada a uma enorme maça, com um peso na ponta, ornada com plumas, que previamente fora preparada com orações e libações, chamada ‘IBIRAPEMA’, a manejava com destreza em movimentos marciais coreografados, encaminhava-se para traz do prisioneiro e acertava a base do crânio com muita força.
A morte era rápida, o crânio era despedaçado em sua base.
As mulheres mais velhas rapidamente colocavam um embolo em seu anus para evitar que os fluidos saíssem, recolhiam seus miolos e demais fragmentos espalhados pelo chão e tentavam recolher a maior parte possível de sangue. O corpo permanecia de pé, amparado pelas Muçuranas, fazendo com que seu sangue não fosse espalhado pelo chão, havia uma propósito muito nobre para todo esse sangue.
Os ABAPURUS banqueteavam por 4 horas, o ritual canibal acabava e os habitantes da tribo se recolhiam nos seus aposentos para dormirem |
O sangue colocado em vasos de barro cozido e era bebido ainda quente por todos, as mulheres passavam em seus seios e davam o peito aos bebês, seu corpo era colocado com muito respeito dentro de um caldeirão já com água fervente, para facilitar a retirada da pele, ai então o corpo era desmembrado, cortado pelo dorso e levado para a defumação (moqueágem). Após alguns minutos o corpo era virado, abria-se o ventre e os miúdos eram misturados a farinha e o mingau era dado para as crianças, só os grandes guerreiros podiam comer um mingau preparado com a pele ao redor do crânio, e os órgãos sexuais eram devorados pelas mulheres. A língua e os miolos eram comidos por pré-adolescentes de 12 a 16 anos de idade.
Logo apos a execução, o executor era arranhado pelo líder tribal com dente de onça, de forma que a escarificação já cicatrizada servia-lhe como honraria – Quanto mais escarificado, melhor guerreiro era. Todo esse ritual era acompanhado de musica de flauta feita com os ossos dos prisioneiros abatidos anteriormente.
Ao final de 4 horas, o ritual acabava e os habitantes da tribo se recolhiam aos aposentos para dormir, a final de contas, ficaram acordados a noite toda para o grande evento.
Fontes de informação
Outras leituras
Bibliografia completa organizada pela autora do verbete, Susana de Matos Viegas
Período colonial
Os documentos que trazem informações mais diretas sobre o aldeamento de Nossa Senhora da Escada e a Vila de Olivença para o período colonial foram redigidos principalmente por funcionários do governo e por religiosos.
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LÉRY, Jean de. “Das Grossas Raízes e do Milho com que os selvagens fabricam a farinha, comida em lugar do pão; da bebida a que chamam Cauim”. In: Viagem à Terra do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1972 [1578], pp. 85-94.
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Publicações
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LINS, Marcelo da Silva. Os Vermelhos nas Terras do Cacau: a presença comunista no sul da Bahia (1935-1936). Dissertação de mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
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Relatórios
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PAULA, Jorge Luiz de. Relatório de viagem com o objetivo de levantar dados sobre a demanda fundiária dos índios Tupinambá. Eunápolis, Bahia, 2001. [Viagem realizada ao distrito de Olivença, município de Ilhéus, Bahia, no período de 26/11 a 10/12/2001, conforme instrução técnica executiva Funai nº 140/DAF, de 14/11/2001].
VIEGAS, Susana de Matos & PAULA, Jorge Luiz de. Relatório Final Circunstanciado de Identificação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Fundação Nacional do Índio, Brasília, 2009.
O manto dos Tupinambás não era da pele do lobo Guará, mas das penas a ave Guará (Ibes vermelho).
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