só proteje quem ama - só ama quem conhece

só proteje quem ama - só ama quem conhece

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Kalankó

Toy Art Kalankó
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
78KaiankóCacalancó
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
AL390Funasa 2009

Os Kalankó são descendentes de um dos povos indígenas que viveram, durante o século XIX, no aldeamento Brejo dos Padres, em Pernambuco. O impacto que a colonização teve sobre as populações nativas no Nordeste brasileiro foi brutal e uma das principais conseqüências desse processo, além da escravização e do extermínio de vários povos, foi o aldeamento dos indígenas. Na região do rio São Francisco não foi diferente e os Kalankó, assim como outros grupos, foram distanciados de seus antepassados, de suas tradições e suas terras. Foi a partir de 1980 que esta população passou a lutar de forma expressiva pelo reconhecimento oficial de sua indianidade. Suas festas e rituais, muitos dos quais eram reprimidos na época dos aldeamentos, passaram a ocupar novos espaços, dando visibilidade à trajetória dos Kalankó.

 Nome e língua

O nome Kalankó está diretamente relacionado a um outro, Cacalancó, que é o etnônimo de uma das populações que viveram, durante o século XIX, no aldeamento Brejo dos Padres, em Pernambuco. Além desse povo, havia os Pankararu, Pancarú, Geritacó, Cacalancó, Umão, Canabrava, Tatuxi de Fulo (Arruti, 1999).

Os Kalankó, assim como os demais grupos indígenas do alto sertão alagoano, falam português à sua maneira. Há uma série de termos e expressões idiomáticas com conteúdos semânticos bastante distintos, além de um sotaque bastante característico.

 População e localização

Os Kalankó somam cerca de 54 famílias, o que perfaz um total de mais ou menos 390 pessoas.
Território Kalankó

Vivem no município de Água Branca, no alto sertão de Alagoas, mais especificamente em Lageiro do Couro e em outras localidades, todas distantes cerca de quinze quilômetros da cidade. São elas: Gregório, Januária, Gangorra, Batatal e Quixabeira.

Além disso, há algumas famílias que vivem no município de Santa Cruz do Deserto, na mesma região, e outras que moram na comunidade de Barriga, no estado da Bahia.

 Ocupação da região

O alto sertão nordestino compreende uma região de entorno do rio São Francisco, mais especificamente a área que atravessa os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco.

A partir do século XVII, essa região estava na rota de penetração e assentamento de tropeiros e fazendeiros que abasteciam os centros urbanos (principalmente Salvador e Olinda) e também proviam os produtores açucareiros com animais de carga e carne.

Ainda na segunda metade do século XVII, com a expulsão dos holandeses, a ocupação da região se intensificou. As frentes mantiveram contato com os nativos, que pertenciam a diversas etnias, mas eram denominados genericamente como “Tapuias”, ou seja, “os não-Tupi”, “caboclos de língua geral” ou “Cariri” (Assunção, 1999). Estas populações ocupavam a orla marinha do Ceará e o sertão nordestino, desde o lado esquerdo do rio São Francisco até às margens baixas do Itapicuru.

Depois desses contatos, alguns povos foram simplesmente exterminados, outros foram “descidos”, isto é, deslocados do sertão para o litoral a fim de viverem próximos aos núcleos de povoamento. A grande maioria dos indígenas reagiu à invasão de suas terras. Um exemplo claro dessa reação foi a chamada “Guerra dos Bárbaros” ou a “Confederação dos Kariri”, que começou em 1687 e terminou apenas em 1720.

Com a expropriação das terras indígenas e a sua “liberação” para a exploração econômica, a região tornou-se, já em 1710, o centro dos maiores latifúndios brasileiros. Além das grandes propriedades, os pequenos produtores também se faziam presentes. A pecuária necessitava de cereais produzidos pela pequena lavoura e assim o sistema de posse tornou-se uma importante forma de utilização da terra na região.

 Aldeamentos no Sertão

Os missionários, que haviam iniciado seus trabalhos na região litorânea, partiram para o sertão para formar as chamadas missões rurais. Os primeiros a chegar na região do rio São Francisco foram os capuchinhos franceses, que deixaram a região em 1702. Os jesuítas, que tinham a preferência da Coroa Portuguesa no resto do território, foram preteridos - no sertão do São Francisco - pelos carmelitas, oratorianos, franciscanos, beneditinos e capuchinhos, os quais exerceram o papel de capelães militares, sempre ligados ao poder do Estado.

Especialmente no século XVIII, o Estado português intensificou o processo de aldeamento dos povos indígenas. Nos aldeamentos, os indígenas passaram por um longo processo de transformação por meio do contato, muitas vezes violento, com outros grupos indígenas, missionários, negros e com a sociedade do entorno.

A partir de 1850, com a Lei de Terras, os aldeamentos foram progressivamente extintos e as terras anexadas a municípios ou adquiridas por grandes proprietários. Assim as populações indígenas que ali viviam tiveram que migrar. A maior parte das terras indígenas foram consideradas “devolutas” e deixadas à mercê dos latifundiários, que passaram a comprá-las.

A própria miscigenação, intensificada com a política pombalina, cem anos antes, foi utilizada neste momento para desqualificar o indígena como tal. Dessa forma, vários aldeamentos em Pernambuco e em todo o Brasil foram extintos sob a alegação de não haver mais índios! Ao indígena “desterritorializado”, restou migrar. Incorporaram-se, então, aos municípios vizinhos, escondendo sua origem e suas práticas tradicionais.

Ciência indígena

Os Kalankó, conhecedores do sentido moderno da ciência, apropriaram-se do termo para nomear o conhecimento que, além de garantir-lhes uma identificação indígena, garante-lhes uma forma de manipulação de um recurso fundamental à vida na região – a energia encantada. O termo indígena foi disposto ao lado, afirmando o caráter identitário da técnica, que poderia ser chamada de ciência cabocla ou ciência do sertanejo, aproximando-se dos sujeitos da região, por exemplo, que anteveem a chuva no sertão.

Os Kalankó acreditam numa ciência que tem o sentido final de técnica de transformação. Assim como a de meu tempo que acredita transformar a natureza – em cultura – e assim controlá-la – e a minha ciência que acredita inventar algo chamado cultura – resultado do encontro entre diversos modos de ver o mundo. Eles acreditam, através da ciência indígena, transformar a vida na caatinga alagoana. Esta transformação está ligada à manipulação da energia encantada, recurso que provém dos encantados – os antepassados, que ainda em vida se transformaram em entes protetores da comunidade e que agora vivem no espaço, visitando as aldeias indígenas.

Todos os objetos envolvidos no processo da produção e manipulação da energia encantada atuam ligados ou entrelaçados. Cada um deles, quando envolvido no sistema ritual é denominado vivo e por isso, possui também agência e intencionalidade. Estes elementos pertencem, para os Kalankó, à tradição do índio. Para serem classificados como vivos, eles devem receber o sinal da cruz, ou seja, devem ser encruzados. A cruz neste sistema funciona como uma porta que permite ou não a passagem dos encantos e, consequentemente, da energia encantada. Os elementos classificados como não-vivos não são reconhecidos como tradicionais e, portanto, não têm efeito nos rituais. 

Os elementos vivos muitas vezes são relacionados com a natureza, como o mel, as ervas medicinais, as frutas, as raspas de árvores, os encantados e o corpo. 

A Jurema

O primeiro elemento deste ritual sistema é a madeira de uma árvore: a jurema. 

Ela é comum na área, é considerada viva e com sua madeira faz-se o cachimbo, além de se preparar banhos medicinais. Os Kalankó, porém, não a usam em bebidas, como acontece com outros povos da região. 

Ajucá, que aponta para o ritual de cura Kalankó, é outra denominação para a jurema. Outros elementos que integram este universo provêm da cultura material. Entre os mais importantes está o cachimbo ou campiô (também chamado de poi ou coaqui). O campiô pode ser feito da madeira da jurema, quando pode ser considerado vivo, ou a partir do barro queimado (não-vivo). Ele é usado para a defumação dos outros elementos e deve ser fumado cotidianamente (para isso, desenha-se uma cruz na testa de quem for usá-lo). 

O fumo é misturado, principalmente, com a imburana de cheiro e com o alecrim. Estes objetos agem, também, como símbolos materiais da identidade indígena, colaborando para a sua diferenciação do não-índio e a construção de sua imagem. Para a produção destes itens, utilizam-se os materiais encontrados no meio ambiente, como sementes, madeiras, bambus, cascas do côco, o meiru, uma planta nativa e o carcará, outra – difícil de ser achada atualmente.

Jurema


O ritual da Jurema Sagrada é uma prática espiritual largamente difundida, uma tradição cultural de âmbito espiritual no qual plantas sagradas desempenham papel principal. Diversos povos indígenas do Brasil, principalmente do Nordeste e da região amazônica a praticam. 

O termo Jurema designa várias espécies de Leguminosas dos gêneros Mimosa, Acacia e Pithecellobium. 

Plantas e Prinípio Ativo

No gênero Mimosa, cita-se a Mimosa verrucosa Benth e a Mimosa tenuiflora Willd (ainda comumente chamada de Mimosa hostilis Benth, ou, outrora, Mimosa Nigra ou Acacia jurema Mart, ou Acacia hostilis Mart.). 

No gênero Acacia identifica-se a Acacia piauhyensis Benth. Além disso várias espécies do gênero Pithecellobium também são designadas por esse mesmo nome. A classificação popular distingue a jurema branca e jurema preta. 


Para Sangirardi Jr.(o.c.) a jurema preta é a M. hostilis ou M. nigra, a Jurema branca o Pithecellobium diversifolium Benth e a Mimosa verucosa corresponde a jurema-de-oeiras. Ainda segundo esse autor o termo jurema, jerema ou gerema vem do tupi yú-r-ema – espinheiro. Entre espécies conhecidas como jurema inclui-se ainda jurema-embira (Mimosa ophthalmocentra) e jurema-angico (Acacia cebil), entre outras. 

Lima refere-se a existência de juremas pretas aculeadas e inermes. Das espécies colhidas por ele em Arcoverde (PE), concluiu após análise de renomados botânicos, que ambas podem ser classificadas como Mimosa hostilis Benth ou Acacia hostilis Mart. Reise I e que são possuidoras do mesmo alcaloide.

Souza et al em estudos de revisão identificou dezenove espécies diferentes conhecidas como "Jurema" onde se constata a presença de alcalóides, embora, segundo seu estudo as espécies conhecidas sobretudo como como "jurema-branca" não contenham alcalóides triptaminicos.

Antes mesmo da colonização, o culto era um elemento sagrado praticado por diversas etnias indígenas da região, por conta de suas propriedades psicoativas. O nome popular dessas plantas pode variar de etnia para etnia, de região para região, como Calumbi, Tepezcohuite, Yurema, entre outros.

Para esses povos indígenas, essas plantas sagradas que possuem poderes curativos e espirituais, são utilizadas em rituais de cura, de fortalecimento espiritual, de conexão com os ancestrais e de proteção contra energias negativas. A prática de consumir a Jurema em rituais é conhecida como "Jurema Sagrada" ou "Jurema Preta".

A Jurema, Mimosa tenuiflora e também pode ser chamada de Jurema-preta ou Vinho-de-jurema, contém diversos princípios ativos, como a dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide psicodélico que é capaz de induzir experiências alteradas de consciência. Além disso, a planta também contém outros alcaloides, taninos, flavonoides e compostos antioxidantes.

No ritual da Jurema, a planta é preparada de diversas formas, dependendo da tradição e da região em que é praticada. Em alguns casos, a casca da raiz é cozida em água para produzir um chá ou uma bebida alcoólica, que é consumida pelos participantes do ritual. Em outros casos, a casca da raiz é pulverizada e inalada, ou então é misturada com outras plantas para produzir um unguento que é aplicado na pele.

Além da Jurema, outros vegetais e plantas podem ser utilizados em rituais que envolvem a planta, dependendo da tradição e da intenção do ritual. Algumas das plantas mais comuns incluem a Arruda, o Guiné, a Quebra-pedra, a Malva-rosa e a Catingueira. Cada uma dessas plantas tem suas próprias propriedades medicinais e espirituais, e são combinadas de diferentes maneiras para produzir diferentes efeitos no corpo e na mente dos participantes do ritual.

A prática da Jurema é realizada por diversas etnias indígenas e afro-brasileiras em diferentes regiões do Brasil. As formas de preparação e uso da Jurema podem variar de acordo com a tradição e a região em que é praticada.

Em relação à forma de consumo, a Jurema pode ser ingerida na forma de um chá ou bebida alcoólica, ou então pode ser aspirada como um rapé. Em alguns casos, a casca da raiz é mastigada para produzir uma pasta que é aplicada na pele ou nos olhos.

Entre as etnias indígenas que praticam a Jurema, destacam-se os Fulni-ô, Pankararu, os Tuxá, os Xucuru-Kariri e os Xukuru, que habitam principalmente os estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia. 

Contexto Cultural Brasileiro

Câmara Cascudo estudou as práticas e crenças relacionadas à Jurema em diferentes regiões do Nordeste, entrevistando praticantes e estudando documentos históricos. Ele escreveu diversos artigos e livros sobre o assunto, incluindo "A Medicina Popular no Brasil", "Superstições e Crendices do Brasil" e "O Dicionário do Folclore Brasileiro".

Câmara Cascudo apontou que a Jurema foi alvo de perseguição e criminalização por parte das autoridades coloniais e republicanas, que associavam as práticas relacionadas à planta a "superstição" e "bruxaria". Ele destacou a importância de valorizar e respeitar as tradições culturais dos povos indígenas e afro-brasileiros, incluindo as práticas relacionadas à Jurema.

Severino Diniz

Existem diversos episódios na história do Brasil em que o uso da Jurema foi criminalizado e perseguido pelas autoridades, principalmente durante os períodos colonial e republicano. Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em 1938, na cidade de Catolé do Rocha, no estado da Paraíba.

Nessa época, o líder religioso Severino Diniz havia fundado a "Casa de Jurema", um espaço dedicado à prática dos rituais relacionados à Jurema. A casa era frequentada por pessoas de diferentes regiões do Nordeste, incluindo indígenas e afro-brasileiros que mantinham as tradições relacionadas à planta.


No entanto, a prática da Jurema foi vista com desconfiança pelas autoridades locais, que a associavam a "bruxaria" e "superstição". Em 1938, a polícia invadiu a Casa de Jurema e prendeu Severino Diniz e outros líderes religiosos, confiscando a Jurema e outros objetos sagrados utilizados nos rituais.

Os líderes religiosos foram acusados de charlatanismo e de atentar contra a saúde pública, e foram levados a julgamento. Durante o julgamento, foram apresentados testemunhos que acusavam a Casa de Jurema de realizar rituais "satanistas" e de oferecer a Jurema a crianças. No entanto, muitos dos depoimentos foram baseados em preconceitos e estereótipos sobre as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas.

Apesar dos esforços de defesa dos líderes religiosos e de intelectuais e ativistas que se mobilizaram em favor da causa, Severino Diniz foi condenado a quatro anos de prisão e a Casa de Jurema foi fechada. O episódio ficou conhecido como "Caso Jurema" e foi um exemplo da perseguição e criminalização das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas no país.

Assim, as contribuições de Câmara Cascudo foram fundamentais para o estudo e o reconhecimento da Jurema como um elemento importante da cultura popular e da religiosidade dos povos do Nordeste do Brasil.

Jurema Protegida por Lei

Existem algumas leis brasileiras que reconhecem a Jurema como patrimônio cultural e imaterial do país, garantindo o direito dos povos indígenas e afro-brasileiros de praticarem seus rituais e tradições. 

As federações religiosas constituíram, no processo histórico das religiões afro-ameríndias, um importante mecanismo de resistência e legalização. Na Paraíba, foi criado no ano de 1966 a Federação dos Cultos Africanos da Paraíba - FECAP, teve como primeiro presidente o pai de santo Carlos Rodrigues Leal.

Até essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. 

Contudo, a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos elementos religiosos da umbanda paraibana. (SANTIAGO, 2008, s/p)

De acordo com Lima (2020), a Federação impôs-se como uma ferramenta de representatividade religiosa que tinha a intenção de catalogar os terreiros do estado.

O governador João Agripino tornou uma importante referência política para as pessoas de religiões afro-ameríndias, no aniversário de 10 anos de criação da FECAP, o ex-governador foi convidado de honra para a celebração. Em suas falas, Mãe Marinalva destacou a aproximação do ex-governador e ex-ministro em atividades religiosas, como a festa de Iemanjá, realizada na praia de Cabo Branco na capital paraibana.

Algumas dessas leis são:

- Lei 11.645/2008: Esta lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Isso inclui o reconhecimento da Jurema como uma das expressões culturais afro-indígenas do país.

Em 2003 a UNESCO reconhece a jurema como prática da cultura imaterial indígena, Reportagem “Xangô no Arruda” do jornal Diário da Manhã, de 03 de março de 1938 e Mãe Marinalva com a mão sobreposta na cabeça do governador da Paraíba, João Agripino, em evento comemorativo da promulgação da Lei 3.443/1966, na Casa de Mãe Cleonice, Cruz das Armas (JP/PB)

- Lei 12.343/2010: Esta lei reconheceu o ofício das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Entre as práticas reconhecidas como parte do ofício das parteiras tradicionais está a utilização da Jurema em rituais de cura.

- Portaria nº 126/2019: Esta portaria do Ministério da Cidadania incluiu a Jurema como patrimônio cultural imaterial do Brasil, reconhecendo a importância da planta e dos rituais associados a ela para a cultura e a religiosidade dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Essas leis e portarias são importantes instrumentos de reconhecimento e proteção das práticas culturais relacionadas à Jurema no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para garantir o respeito e a valorização dessas tradições por toda a sociedade.

Alem dessas leis nacionais, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a cultura imaterial indígena brasileira  (intangible cultural heritage - ICH) como patrimônio cultural da humanidade. Essa categoria abrange tanto os bens materiais produzidos pelas comunidades indígenas, como suas técnicas, saberes e práticas relacionadas ao uso e manejo dos recursos naturais e do território.

O reconhecimento da cultura imaterial indígena brasileira como patrimônio cultural da humanidade foi oficializado pela Unesco em 2003, quando foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Essa lista foi criada em 2003 para reconhecer e proteger os bens culturais imateriais que são considerados importantes para a humanidade e que requerem proteção e salvaguarda.

O reconhecimento da cultura material indígena brasileira pela Unesco é uma forma de valorizar e preservar o patrimônio cultural das comunidades indígenas do país, promovendo a diversidade cultural e o respeito aos direitos dessas comunidades. Além disso, o reconhecimento da cultura material indígena também ajuda a promover a valorização da biodiversidade e dos recursos naturais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura dessas comunidades.

 Reconhecimento étnico

A historiografia brasileira, apesar de inúmeros dados sobre o assunto, ignorou por muito tempo a presença indígena no sertão nordestino. A população da região era classificada como “sertaneja” e dessa forma seus direitos como indígena foram negados.

Esse processo de invisibilidade social começou a mudar por volta da década de 1930, quando houve uma associação entre os Fulni-ô, a Igreja Católica, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e alguns antropólogos. Foi somente a partir da luta pelos direitos territoriais indígenas que muitas comunidades voltaram a se afirmar como indígenas.

Este processo de re-afirmação foi fortalecido pelas ações do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) que reconheceu o Toré como elemento marcante da indianidade nordestina.

As comunidades indígenas “ressurgidas” começaram a se classificar como “ramas” de um mesmo “tronco”. Elaboraram um sistema genealógico que envolve de um lado, os “troncos velhos”, representados pelas famílias que viviam nos aldeamentos, e do outro, as “pontas de rama”, as comunidades atuais.

Por volta de cem anos atrás, cinco “pontas de ramas” de um único “tronco velho” migraram para o alto sertão alagoano. Entre elas estavam: os Kalankó, Karuazu, Koyupanká, Katókin e Jiripankó. O “tronco velho” era o aldeamento de Brejo dos Padres em Pernambuco.

Foi a partir de 1980 que essas cinco comunidades do alto sertão alagoano foram reconhecidas oficialmente como indígenas.

Algumas pessoas da região, também ligadas às famílias originárias de aldeamentos missionários, se identificam e são identificadas, no entanto, como não-indígenas. É interessante notar que as cerimônias indígenas não fazem parte da vida destas pessoas, diferente do que acontece com os Kalankó, Karuazu, Koyupanká, Katókin e Jiripankó, já que entre eles as festas e os rituais são fundamentais.

A identidade kalankó funda-se em uma origem indígena comum – são todos descendentes dos índios aldeados de Brejo dos Padres - e em importantes práticas rituais, como o Toré.

 Memória e pertencimento
De Brejo dos Padres a Januária

Um aspecto central da identidade kalankó é a história que os liga ao antigo aldeamento de Brejo dos Padres, em Pernambuco. É a memória de uma origem comum que faz com que os Pankararu e os outros povos indígenas do alto sertão alagoano sejam considerados pelos Kalankó como parentes.

De acordo com os Kalankó, sua presença em Januária remonta há pelo menos cem anos. Lá chegaram graças a uma migração liderada por um antigo pajé Pankararu, que teria se dirigido para lá após a dissolução do aldeamento de Brejo dos Padres no final do século XIX. A partir de então, a viagem de Brejo dos Padres a Januária foi feita por diversas famílias que eram aparentadas entre si.  A região foi sendo ocupada a partir de casamentos entre famílias vindas de Brejo dos Padres e entre famílias não-indígenas (casamentos não-preferenciais), dando origem a novos sobrenomes.

De acordo com os dados da Funai (1998) e informações colhidas entre os Kalankó em 2005, a comunidade está dividida entre as famílias Santos, Silva, Batalha, Gomes, Reis, Conceição e Higino, além de algumas “derivações” como Santos Silva, Conceição Silva, Conceição Santos e Gomes Silva.

A família Higino, primeira a chegar em Januária, é ainda hoje referência para todos os Kalankó. De alguma forma, todos os cantadores e dançadores têm alguma relação com os Higino ou com suas “derivações”.

 Organização política

A partir de 1998, com o seu “re-aparecimento”, os Kalankó passaram a estabelecer relações constantes com agências do Estado como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), com organizações da Igreja Católica, como o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e organizações não-governamentais.

Aos poucos foram re-elaborando a forma de arregimentação de seus líderes, que passou a ser o voto direto, geralmente pautado pelas relações genealógicas e pelo prestígio na vida cerimonial.

Atualmente a comunidade é organizada por dois líderes, o pajé e o cacique. O pajé comanda os rituais, incentiva os valores tradicionais e media conflitos. Além disso, fica bastante atento ao cumprimento das “obrigações” de cada pessoa, especialmente àquelas ligadas às práticas rituais. O cacique, por sua vez, leva as reivindicações da comunidade para fora, representando-a junto ao Estado e à sociedade nacional.

As decisões de ambos são legitimadas por quatro conselhos. O primeiro é chamado de Conselho Tribal e foca nas relações da comunidade com o exterior. O segundo se chama Conselho Local e diz respeito à resolução dos conflitos internos. É interessante notar como os integrantes dos conselhos, com raras exceções, são sempre os principais cantadores e dançadores. Desde 1999, existe o Conselho da Saúde que trata de assuntos relativos à Funasa. O quarto é o Conselho das Crianças, cujas atividades estão voltadas para o aprendizado dos valores kalankó. Este conselho organiza todo mês a “Festa das Crianças” no terreiro de Lageiro do Couro. Nesta festa, realiza-se um Toré no qual somente as crianças participam. É bastante comum a realização de apresentações infantis fora da aldeia.

Os Kalankó também estão envolvidos em atividades relacionadas à questão indígena brasileira e nordestina: visitam outras comunidades; compartilham sua experiência de luta por reconhecimento; e participam de eventos e conferências.

 Festas e rituais

Há entre os Kalankó três rituais diferentes: o Toré, o Praiá e o Serviço de Chão. Todos eles ocorrem preferencialmente à noite, mas também podem ser realizados durante o dia,  e tem como figura central o pajé, que é líder e principal cantador das cerimônias. Em alguns casos, porém, o pajé pode transferir esta responsabilidade a uma outra pessoa de destaque da comunidade. As mulheres podem participar do Toré e do Serviço de Chão, mas não do Praiá. Entretanto, são elas as responsáveis pela preparação das comidas e das pinturas corporais usadas em todos os rituais.

Cantadores e dançadores

Os cantadores são as pessoas de maior prestígio político entre os Kalankó, são eles que têm maior poder de decisão e mais obrigações no grupo.

Os Kalankó dizem que o canto nasce com a pessoa, mas é importante destacar que esta qualidade é transmitida de geração em geração, seguindo uma linha genealógica que remonta às famílias recém-chegadas do aldeamento de Brejo dos Padres (PE). A dança, ao contrário, é aprendida ao longo da vida.

Terreiro

O terreiro é um espaço de forma retangular que existe nas principais aldeias do alto sertão alagoano. É nele que são realizados os rituais Praiá e Toré. O terreiro é um dos lugares privilegiados para se receber os encantados.

Os Kalankó têm dois terreiros onde praticam seus rituais, um em Lageiro do Couro e o outro em Januária. Todo terreiro é chefiado por um indivíduo, que é denominado “pai de terreiro”, e pertence a um encantado, que é o “dono” do espaço.

O terreiro deve, preferencialmente, possuir um poró [casa sagrada onde as vestes cerimoniais são guardadas]. Além disso, em muitos terreiros da região há um espaço denominado oca, onde as pessoas se reúnem para realizar Conselhos ou Torés.

Durante o ritual, o terreiro se transforma em “mato”, espaço de ação dos encantados. Esta transformação acontece a partir de uma formação em cruz, o “encruzamento”, que abre o terreiro para receber a força dos encantados. O encruzamento se refere a um tipo de movimento coreográfico que traça o desenho de uma cruz em todo o terreiro. 

Toré

O Toré é uma prática realizada desde o “tempo dos antepassados”. É geralmente oferecido a um encantado e às vezes é realizado em comemoração a uma data especial ou, como falam, só por brincadeira. Trata-se de um ritual que conta com a participação de toda comunidade e pode contar com a presença de não-índios.
Toré Kalankó

O rito pode ser realizado em diversos espaços: no interior das casas ou fora da aldeia, em ambientes públicos, nos quais o Toré ganha uma forte conotação política. Este ritual acontece com muita frequência e se caracteriza por cantos e danças específicas, que cessam quando o cantador emite um grito.

O canto baseia-se numa estrutura de “pergunta-resposta”, na qual o cantador canta dois versos e os participantes respondem com mais dois. Veja os exemplos a seguir:

Caboclo de pena, não pisa no chão (cantador)  
Peneira no ar, que nem gavião (participantes)  
Vamô minha gente, uma noite não é nada  
ô, quem chego foi Kalankó (cantador)  
no romper da madrugada (participantes)  
Vamo vê se nóis acaba (cantador)  
o resto da empeleitada (participantes)  
Lê lê lê eio há há Há há he Eio a há há (complemento)
No Toré, a voz é o elemento fundamental e a pisada no chão é seu complemento. Um bom cantador é aquele que canta por muito tempo e conhece um grande repertório de cantos.

No final do Toré, consome-se uma garapa – bebida feita a partir da mistura de água com algum tipo de doce, seja rapadura, mel ou mesmo açúcar. Mas antes disso a garapa deve ser “encruzada” (isto é, deve-se fazer o sinal da cruz) três vezes com o maracá e o campiô (cachimbo).

Praiá

O outro ritual é o Praiá ou “Festa dos Encantados”. Ele é realizado apenas em algumas datas especiais: no Sábado de Aleluia, quando tem o nome de “Ritual do Umbu”, pois é a época do umbu selvagem; e no dia 25 de julho, em comemoração ao “ressurgimento” dos Kalankó. Além disso, é praticado quando os Kalankó são convidados para as festas dos outros grupos da região.

O Praiá é um canto masculino que só pode ser realizado nos terreiros. Antes de cada Praiá, o grupo de dançadores se reúne no interior do poró, onde colocam suas vestes e iniciam o rito: cantam, tocam gaita e fazem uso do campiô.

Os cantos do Praiá baseiam-se em jogos de sílabas e vogais emitidos pelo cantador. Além disso, há um complemento característico desses cantos:

Muitas vezes, o desenvolvimento do canto baseia-se na repetição deste complemento.

A dança pode ser realizada de dois modos. O primeiro tipo de formação é em “linha” ou “cordão”, no qual os dançadores dançam em fila, realizando alguns movimentos específicos, mas sempre em roda e em sentido anti-horário.

A cada duas ou três músicas, os dançadores fazem outro tipo de formação, a “parelha”, na qual o canto se torna mais rápido e os dançadores realizam pequenas rodas em casal, com movimentos de ida e volta em direção ao cantador.

O ritual, que tem início às oito horas da noite do sábado, prossegue até o dia seguinte, quando ao meio dia, cada dançador pega seu prato de comida, preparado especialmente para a ocasião, dá três voltas no terreiro, além de um grito em cada um dos pontos de força do terreiro. Em seguida, retiram-se no poró.

No final do ritual, consome-se a garapa, que é colocada no centro do terreiro. Cada dançador, além do cantador, abençoa a garapa com o campiô e o maracá, defumando-a e “encruzando-a”. Realizam mais uma dança e assim o terreiro é “fechado”. Depois disso, os dançadores iniciam o Toré e vão para o poró. E o Toré continua por mais uma hora...

Veste do Praiá

A veste do Praiá é feita de palha de coqueiro (caroá) e é considerada viva. É um elemento marcante dos rituais e da auto-imagem dos Kalankó.

A vestimenta é composta pela máscara, cinta, chapéu e saia. Ela deveria ser refeita anualmente, mas por causa da falta de caroá, os Kalankó fazem-na de dois em dois anos. O chapéu é feito com as penas do peru e o cocar, com as penas da galinha guiné. A máscara é feita da mesma palha da veste. Já a cinta, que é um pano retangular colocado nas costas do dançarino durante o Praiá, é fabricada pela esposa do pajé. Ela é confeccionada com o algodão produzido na região e traz algumas representações gráficas ligadas aos encantados (na maioria das vezes, relacionadas à imagem da cruz).

Serviço de Chão

O terceiro ritual é o Serviço de Chão ou Mesa do Ajucá. Nele, busca-se curar enfermidades por meio da consulta direta aos encantados.

O espaço ritual é criado a partir de um pano quadricular que é colocado no chão, com um pouco de fumo e alho em cada uma das pontas. No início, os indivíduos dão três voltas ao redor do pano, fumando o campiô. Depois de “aberto”, o ritual prossegue com três rodadas de cantos, sendo que a primeira deve ser específica deste ritual. As demais podem conter músicas de outros gêneros (do Toré ou Praiá), mas devem ser consideradas poderosas.

Encruza-se o doente três vezes, com campiô, maracá e alho, e o cantador e seus auxiliares (com seus maracás na mão) cantam algumas músicas. Após a segunda ou terceira, o cantador “recebe” uma energia encantada, que receita remédios do mato, dá conselhos ou responde às consultas. No final, encruza-se a garapa, que é servida a todos os presentes.

Os cantos desse ritual, assim como os do Praiá, são repetições de estruturas baseadas em um jogo de sílabas e vogais, mas a diferença é que aqui o andamento é mais rápido – o que é fundamental para garantir a presença e a ação dos encantados. Normalmente, o encantado faz saudações a Deus, a Nossa Senhora, a alguns personagens importantes do alto sertão, como Padre Cícero, Frei Damião e aos presentes e em seguida inicia as consultas.

Música no complexo ritual

A música é de extrema importância para a constituição e o reconhecimento social dos Kalankó e está presente em muitos rituais característicos dos povos indígenas do alto sertão alagoano. É o motor das cerimônias.

A partir da década de 1930, quando a sociedade brasileira mostrou-se mais interessada na cultura popular, a música se tornou um dos principais marcadores identitários dos povos indígenas do Nordeste e o Toré assumiu um papel central nas lutas por visibilidade social e reconhecimento étnico.

Há, no alto sertão alagoano, uma rede de relações entre as comunidades indígenas que é alimentada pelas festas. As festas são um espaço de criação e de troca de repertórios musicais entre os Kalankó, Karuazu, Koyupanká, Katókin e Jiripankó: as canções ali ouvidas são geralmente reproduzidas no interior de cada grupo.

De uma certa forma, a música criou redes de sociabilidade entre os grupos indígenas da região, que entre outras coisas trocam músicas e assim fortalecem suas alianças. Partilham a mesma linguagem musical e possuem as mesmas canções, entre as quais se destacam as que estão fortemente associadas ao aldeamento de Brejo dos Padres (PE), pois de acordo com os Kalankó, são mais poderosas.

Instrumentos Musicais

Os Kalankó possuem dois instrumentos rituais: o maracá e a gaita. O primeiro está diretamente relacionado com a ação dos encantados e é também conhecido como chichiá. Muitas vezes é identificado com a “semente” do encantado. O maracá é feito com a cabaça do coité, uma fruta característica da região, e é um objeto que deve ser zelado por seu “dono”, pois caso contrário, a música pode sair “fraca”.

A gaita é um instrumento de sopro que é fabricado a partir do bambu ou do cano de PVC. A gaita é usada como um apito e estabelece a comunicação entre os dançadores. Em oposição ao maracá, a gaita não precisa ser zelada e por isso não é fundamental para o contato com os encantados. 

Saiba mais

Conheça a prática do Toré entre outros povos indígenas no Nordeste

Conheça o ritual do Praiá entre outros povos indígenas no Nordeste

Saiba mais sobre a diversidade de rituais indígenas

 Encantados

Os encantados são antepassados que enquanto estavam vivos se transformaram e se tornaram parte da natureza. Muitos, inclusive, estão associados a algum elemento natural, como por exemplo, o encantado Cinta Vermelha que está associado ao umbu.

Os encantados estão diretamente ligados ao sistema medicinal kalankó e atuam de forma a prevenir e curar doenças, entre outras coisas.

O indivíduo é procurado pelo encantado através do sonho ou durante uma consulta espiritual de Serviço de Chão. Em seguida, o encantado surge na forma de uma “semente” que pode ser uma pedra e até uma bola de gude. A “semente” deve ser zelada sempre, senão corre o risco de desaparecer. Os encantados que não possuem “sementes” na comunidade devem ser autorizados a trabalhar ali pelos seus respectivos “donos” (ou seja, a pessoa que tem um vínculo com o encantado).

A partir do momento que uma pessoa encontra uma “semente”, ela tem a obrigação de “colocá-la em trabalho”, isto é, fazer uma consulta espiritual para saber quem é o “dono da semente” e se é preciso “levantar o homem” [fazer a veste que o dançador usará no terreiro]. Nem todos os encantados são “levantados”, a maior parte deles não o é. Geralmente atuam em consultas espirituais (quando invocados) ou apenas zelam pela comunidade durante os Torés.

O grupo dos encantados é bastante dinâmico. Antigamente havia encantados como a Sereia do Mar que apesar de não possuir veste e não atuar mais no Praiá mantinha seus Torés na comunidade. Além da Sereia do Mar, existiam outros encantados que se destacavam no “tempo dos antepassados”: Manoel Brabo, Caboclo da Meia Noite, Caboclo da Imburana, Caboclo Xofreu, Lenço Branco, Mestre Bizunga e Quebra Pedra.

Cada encantado tem um número específico de músicas. Quanto mais cantos possuir, mais forte ele é. Os encantados mais fortes entre os Kalankó são Carro Branco, Sereno, Lambuzinho e Cinta Vermelha.

O mundo encantado se assenta em uma ordem hierárquica: comandante, capitão, dono de batalhão, mestre e caboclo. Os encantados do alto sertão alagoano também fazem parte de um sistema mais abrangente e acabam atuando em todas as comunidades indígenas do alto sertão nordestino.

Para os Kalankó, a “força encantada” decorre da presença e atuação dos encantados no terreiro. Esta força atua em três níveis: no Toré, quando a partir do canto, os encantos apenas observam o evento; no Praiá, quando a “força encantada” chega ao terreiro e é compartilhada com todos os dançadores; e no Serviço de Chão, quando é incorporada pelo cantador e, dessa forma, o encantado fala diretamente com os presentes.

A “força encantada” é fonte de coragem e proteção, mas nem todas as pessoas conseguem recebê-la, pois o corpo precisa ser forte.

 Obrigações rituais

A vida kalankó é repleta de obrigações. Para que os elementos rituais se mantenham poderosos, seja a “semente”, a veste, ou o terreiro, seus “donos” devem cumprir algumas obrigações.

Geralmente, essas obrigações são “encruzar” e defumar o elemento. O maracá é “encruzado” de dois em dois dias. A veste do Praiá, todo dia. A “semente”, que representa materialmente o próprio encantado, também deve ser cuidada.

As obrigações também estão ligadas aos cuidados com o corpo. Deve-se tomar nove banhos cheirosos antes do ritual. Os Kalankó, ao acordar, fazem o sinal da cruz, que é novamente feito antes de dormir. Fumam o campiô diariamente e este é “encruzado” duas vezes ao dia.

Alguns rituais também são vistos como “obrigações”. Este é o caso do Ritual do Umbu, no Sábado de Aleluia.

 Atividades produtivas

Os Kalankó possuem lavouras de subsistência durante o inverno (de abril a setembro), nas quais plantam feijão, milho, mandioca e em algumas árvores frutíferas, como o cajueiro, a aceroleira, o coqueiro e o umbuzeiro - que é uma árvore bastante comum e cujo fruto é muito apreciado. Além disso, cultivam o algodão herbáceo que é comercializado nos centros urbanos mais próximos, principalmente em Delmiro Gouveia (Alagoas). Possuem também uma pequena criação de ovinos e caprinos, que dura o ano inteiro. A carne de caça é bastante apreciada e os animais preferidos são o peba (espécie de tatu) e uma espécie de lagarto. Algumas pessoas trabalham na lavoura de outros proprietários em troca de diárias miseráveis. Outros migram no verão (que vai de outubro a fevereiro) para o litoral, onde trabalham na lavoura de cana-de-açúcar de grandes proprietários rurais e usineiros, a maioria, políticos da região.

 Fontes de informação

ARRUTI, José Andios. “A árvore Pankararu”. In: Oliveira, João Pacheco de (org.). A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena/. Rio de Janeiro: Contracapa, 1999.
ASSUNÇÃO, Luiz Carvalho de. O reino dos encantados – caminhos, tradição e religiosidade no sertão nordestino/. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia da PUC-SP, São Paulo, 1999.
AMORIM, Siloé Soares. Índios ressurgidos: a construção da auto-imagem. Os Tumbalalá, os Kalankó, os Karuazu, os Catókinn e os Koiupanká. Campinas: Instituto de Artes da UNICAMP, Dissertação de Mestrado, 2003.
HERBETTA, Alexandre Ferraz. A idioma dos índios Kalankó – por uma etnografia da música no alto sertão alagoano. Dissertação de mestrado. Departamento de Antropologia Social. Universidade Federal de Santa Catarina, 2006.
GRUNEWALD, Rodrigo de Azeredo (org.). Toré – regime encantado do Índio do Nordeste. Pernambuco: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2005.
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. Atlas das Terras Indígenas do Nordeste. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1993.
___________. “Fronteiras étnicas e identidades emergentes”. In: Povos Indígenas no Brasil 1991-1995.    Instituto Socioambiental, São Paulo, 1996.
___________.  “Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais”. In: Mana 4 (1), Rio de Janeiro, 1998, pp. 47-77.   
___________. (org.). A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contracapa, 1999.
___________.  Ensaios em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.
___________.  “Três teses equivocadas sobre o indigenismo (especial sobre os índios do Nordeste)”. In: Santo, Marco Antônio do Espírito (org.). Política Indigenista – Leste e Nordeste Brasileiros. Brasília: FUNAI, 2000.

Nenhum comentário:

Postar um comentário