|
Toy Art Kreniê
|
|
119 | KrenYê | Timbira | Jê | UF / País | População | Fonte/Ano | MA | 104 | Nascimento/30 RBA 2016 |
|
|
|
|
No início do século XXI, um conjunto de “atores” que vive no município de Barra do Corda/MA, começou a reverter sua condição étnica. Estes atores, antes denominados Timbira, passaram a afirmar o pertencimento a uma etnia considerada extinta, os Krenyê de Bacabal e, a partir disso, a exigir o reconhecimento da identidade étnica e a demarcação de um território. Este artigo trata de alguns elementos constitutivos deste processo de reorganização social Krenyê.
Os Krenyê foram classificados (NIMEUNDAJÚ, 1946) como parte de um conjunto maior de povos falantes da língua Timbira, dentro do tronco lingüístico Macro Jê (RODRIGUES, 1986).
|
No dia 27 de fevereiro de 2019 a escritura da Reserva Krenyê, que fica no município de Tuntum, no Maranhão |
Os Timbira, que habitavam as áreas de cerrado do Maranhão, tiveram seus territórios invadidos no início do século XIX, por sertanejos nordestinos criadores de gado (RIBEIRO, 1996) que encontraram nos territórios nativos áreas apropriadas para a criação de gado. Segundo Nimuendajú (1946), viviam em uma faixa de terra entrecortada pelos rios Tocantins, Gurupi, Grajaú, Mearim e Parnaíba – uma área entre o norte de Goiás e o sul do Maranhão.
As intensas e paulatinas invasões de seus territórios causaram constantes migrações dos povos que habitavam essa região, na tentativa de fugir dos invasores. Entretanto, sem ter muito onde se esconder, já que as povoações cresciam rapidamente espalhando-se pelo território, tornaram-se um “transtorno” para os invasores. Os Timbiras trouxeram, então, insegurança para aqueles que se instalaram e passaram a viver da lavoura do algodão, milho, arroz, mandioca e mamona (DA COSTA, 2006).
Os Krenyê viviam em uma área denominada “Pedra do Salgado”, localizada a região do Médio Mearim, onde hoje se localizam os municípios de Bacabal e Vitorino Freire. Viveram nessa região até aproximadamente as décadas de 1940 e 1950, quando foram atingidos por uma grande epidemia de sarampo em que muitos índios morreram e outros fugiram, indo se abrigar na terra de outros povos indígenas.
Nesse mesmo período, os Krenyê e os Pobzé, povo que vivia próximo a eles, começaram a se apresentar pacificamente aos moradores da região de Bacabal e Médio Mearim (MACHADO, 1856, apud NIMUENDAJÚ, 1946).
Foram, então, criadas duas colônias de índios, através do regulamento de 11 de abril de 1854: uma à margem do rio Pindaré e outra no Alto Mearim ‒esta última denominada Colônia Leopoldina e a primeira, Colônia Januária. Essas colônias deveriam observar todas as disposições da Lei provincial nº 85 de 2 de julho de 1839.
A Colônia Leopoldina, objetivava o aldeamento dos Krenyê, dos Kukóekamekra e dos Pobzé (NIMUENDAJÚ, 1946; GOMES, 2002). Desse modo, os diretores das colônias garantiriam o controle desses povos, para que não constituíssem empecilho aos projetos desenvolvimentistas que começavam a se implantar no país naquele período, como bem afirmou Coelho (1991).
A expulsão completa de seu território se deu na década de 1960, quando já estavam em pouco número e não tinham mais como lutar para permanecer.
Com o processo de dispersão, passaram a viver de forma fragmentada junto a outros povos indígenas e a ser conhecidos genericamente como Timbira.
O processo vivenciado pelos Krenyê assemelha-se ao de muitos povos indígenas no Brasil, principalmente no Nordeste, que foram classificados em inúmeros trabalhos pelo termo etnogênese. Essa dinâmica, embora possua uma concentração no Nordeste, pode ser observada de norte a sul do país
(ARRUTI, 2006).
Os depoimentos dados ora aos pesquisadores, ora ao Ministério Público Federal ou a cinegrafistas e jornalistas, revelam os diferentes mecanismos e acontecimentos que inviabilizaram ou contribuíram para a vida dos Krenyê, nas diferentes terras por onde passaram.
Terras Indígenas habitadas pelos Krenyê
| | |
T.I | Povo à qual pertence | População | Municípios de Abrangência |
| |
Rio Pindaré | Tentehar –
Guajajara | 775 | Monção e Bom
Jardim |
Governador | Pükob’gateyê –
Gavião | 1.058 | Amarante |
Rodeador | Tentehar –
Guajajara | 683 | Barra do Corda |
Canabrava | Tentehar –
Guajajara | 7158 | Barra do Corda,
Jenipapo dos Vieiras
e Grajaú |
Geralda
Toco Preto | Krepumkateyê | 163 | Itaipava do Grajaú |
Krikati | Pükob’gateyê –
Gavião | 1700 | Montes Altos,
Sítio Novo, Amarante
e Lajeado Novo |
| | | |
O processo de luta por reconhecimento, que tem início nos primeiros anos do século XXI, é alimentado pela crença de se constituírem um povo, portanto, capazes de acessar direitos específicos. A memória dos mais velhos e os conhecimentos repassados por eles ajudam a dar suporte à crença em uma “cultura Krenyê” que foi solapada por forças coloniais, mas que pode agora ser “resgatada”. É também por meio dos mais idosos que a língua, os mitos e a história pode ser “resgatada”. A memória é trabalhada objetivando dar sentido a experiência coletiva, justificando práticas no presente e construindo planos para o futuro.
Assim, o “ser Krenyê” vem sendo construído ao longo desse processo e é influenciado tanto pelo passado quanto pelo presente, tanto por experiências apreendidas através da vivência com outros povos indígenas quanto por ensinamentos apreendidos através da alianças construídas com não indígenas, a exemplo do Conselho Indigenista Missionário, de pesquisadores, agentes do Ministério Público, funcionários dos órgãos indigenistas, e outros.
Uma situação social vivida após o “I Encontro do Povo Krenyê”, abala as relações internas, provoca rupturas, e instaura crises, conflitos e disputas identitárias e territoriais configurando um “drama social” (TURNER, 2008). Este drama leva-os novamente à vida na cidade dificultando não só a vida cotidiana, mas também o acesso a determinados direitos, como saúde e educação.
Os Krenyê ainda estão passando por processos de territorialização, estão submetidos a políticas indigenistas, porém ainda não conseguiram a posse de um território próprio. Assim, apesar do Estado, através de sua agência indigenista, conseguir influenciar algumas estratégias e ações traçadas e desempenhadas pelos Krenyê, tem a sua administração dificultada pelo fato dos Krenyê encontrarem-se dispersos e fora de uma unidade jurídico-política própria.
Após um ano sem homologações de Terras Indígenas, povo Krenyê recebe escritura de reserva no Maranhão
O presidente da Funai, Franklimberg de Freitas, entregou no dia 27 de fevereiro de 2019 a escritura da Reserva Krenyê, que fica no município de Tuntum, no Maranhão. Cerca de 10 famílias ocupavam a área, de oito mil hectares, há exatamente um ano. Os Krenyê somam quase 300 indígenas, mas, desde que foram expulsos, em 2004, da Terra Indígena Rodeador, muitos pediram abrigo em outras TI's e grande parte estava ocupando a periferia da cidade de Barra do Corda. Agora, eles poderão reunir novamente todos os parentes.
"Esperávamos por isso há 15 anos. Muitos riram de nós, falaram que só veríamos o registro dessa terra daqui a 40 anos, quando já estaríamos mortos. Mas não desistimos de lutar e de acreditar que Deus nos daria essa terra", comemorou o cacique Armandinho Krenyê.
A última homologação de Terra Indígena aconteceu em abril de 2018, na Baía dos Guató (MT). Antes disso, o governo do ex-presidente Michel Temer assinou uma Portaria Declaratória, da TI Tapeba (CE), em 2017. Este ano, além da Reserva Indígena Krenyê, a Funai entregará mais duas reservas até o fim do mês de março: em Santa Rita de Cássia, na Bahia; e em São Paulo, para os indígenas retirados do Pico do Jaraguá, em 2017.
"Neste momento, o Estado brasileiro garante o direito constitucional desse povo de ter o seu território e preservar sua língua, sua cultura e as suas crenças. A Funai fica muito feliz por ajudar a garantir o espaço onde eles possam plantar e se desenvolver como quiserem. Em um passado recente, antes de ter a garantia de seu território, uma determinada comunidade tinha 400 indígenas e hoje, 30 anos depois, já tem mais de dois mil", ressaltou Franklimberg.
Ao receberem a escritura da terra, muitos indígenas se emocionaram. O filho do cacique Armandinho, Porrotino Krenyê, de 25 anos, contou, com lágrimas nos olhos, que seus irmãos e ele tiveram que abandonar os estudos para lutar pelo território e garantir o futuro de seus filhos. "Nós nos sacrificamos não só por nós, mas em prol das crianças e dos mais velhos. Eu não podia deixar minha avó e meus pais morrerem sem verem esse documento. Estamos vivendo o que os mais velhos não puderam viver. Ficaram ali por muitos anos, na periferia, sem o privilégio que nós podemos ter agora. Para mim, é um novo ciclo de vida, uma nova história que se inicia, no nosso território", disse o jovem.
As lideranças e toda a comunidade agradeceram a Franklimberg pelo apoio da Funai e pela responsabilidade do presidente com a causa indígena. "Você é um de nós, tem sangue indígena, por isso entende a nossa causa. Eu nunca tinha visto um presidente da Funai de verdade, ao vivo, só pela televisão. Agora eu estou satisfeita, porque o senhor saiu de Brasília para vir aqui entregar a nossa terra." agradeceu a anciã Genecy Krepum Krenyê.
Histórico
Desde 2004, o povo Kreniê reivindica a demarcação de suas terras. Em 2010, após conflitos no local que viviam, os indígenas foram expulsos da Terra Indígena Rodeador e passaram a ocupar a periferia da zona urbana da cidade de Barra do Corda/MA. No mesmo ano, em agosto, a Diretoria de Proteção Territorial da Funai determinou o deslocamento de técnicos para qualificar a solicitação da comunidade.
A partir de então, foram propostas alternativas para colocação das famílias e consultados órgãos federais, estaduais e municipais, no sentido de verificar a disponibilidade de terras para a ocupação dos indígenas. Porém, a manifestação foi pela inexistência de áreas disponíveis.
Diante da demora na resolução do problema, o Ministério Público Federal interpôs a Ação Civil Pública nº 18327-63.2012.4.01.3700, que por decisão do Juiz da 5ª Seção Judiciária do Maranhão, em setembro de 2013, determinou que a Funai criasse grupo técnico para os estudos de identificação e delimitação da área reivindicada pelos indígenas, de acordo com o Decreto 1775/96.
Referências
ARRUTI, J. M. A emergência dos “remanescentes”:notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas. Mana, v.3,n 2, p.7-38,1997.
______. Etnogêneses Indígena. Povos Indígenas no
Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental. 2006.
BARTH, F. Os grupos étnicos e seus limites. In:
POUTGNAT, P. ; STREIFF-FENART, J. Teorias daetnicidade. São Paulo: UNESP, 1998. p. 185-227.
______. O Guru, o Iniciador e Outras Variações Antropológicas Organização de TomkeLask. Rio
de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.
BARTOLOMÉ, M. A. As Etnogêneses: velhos atores e novos papéis no cenário cultural e político.
Mana, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p.39-68, 2006.
BENJAMIN, W. Walter Benjamin: Obras Escolhidas Volume I: Magia e Técnica, Arte e Política. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
BHABHA, H. K. O local da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia
Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.
BRASIL/ FUNAI. Ministério da Justiça. Fundação Nacional do Índio. Relatório circunstanciado de
constituição da reserva indígena Krenyê. ALMEI
Nenhum comentário:
Postar um comentário