Toy Art etnia Kinikinau |
# | Nomes | Outros nomes ou grafias | Família linguística | Informações demográficas | |||||||||
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109 | Kinikinau | Kinikinao, Kinikinawa, Guaná | Aruak |
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Obrigados a renunciarem a uma identidade Kinikinau e convencidos pelo órgão indigenista oficial, por muito tempo, a se autodeclararem índios Terena, com os quais possuem estreitos vínculos históricos e culturais, nos últimos anos os Kinikinau vêm reivindicando o reconhecimento de sua singularidade étnica e a reconquista de parte de seu território tradicional.
Acolhidos pelos Terena da terra indígena retomada Mãe Terra, localizada no município de Miranda (MS), os indígenas Kinikinau - a única população do estado completamente "sem terra" |
Localização e população
Os indígenas Kinikinau ou Kinikinawa vivem atualmente espalhados por algumas aldeias da porção ocidental do Estado de Mato Grosso do Sul. A maior concentração do grupo habita a aldeia São João, ao sudeste da Reserva Indígena (RI) Kadiwéu, município de Porto Murtinho. Há notícias de membros desse grupo residindo também em aldeias terena, nos municípios sul-mato-grossenses de Aquidauana (Bananal e Limão Verde), Miranda (Cachoeirinha e Lalima) e Nioaque (Água Branca e Brejão).
Terra Indígena Kinkinau |
Em 1998, o censo empreendido na RI Kadiwéu, realizado pela Prefeitura de Porto Murtinho, revelou a presença de 58 indígenas que se autodeclararam Kinikinau em um universo de 195 índios recenseados na aldeia São João, dentre os quais Terena, Kadiwéu e Guarani-Kaiowá. Mais recentemente, em 2003, foram apontados cerca de 180 indivíduos Kinikinau vivendo na aldeia São João. A diferença entre os números se deve ao fato de que em 1998 muitos deles ainda temiam declarar serem Kinikinau. Estima-se que, juntos, os Kinikinau dispersos em aldeias Terena e aqueles que estão na aldeia São João cheguem a aproximadamente 250 indivíduos em 2005.
História
Os Guaná estão entre os grupos que representam a migração meridional dos Aruak pela Bacia do rio Paraguai. Os territórios tradicionalmente ocupados pelos grupos Guaná localizavam-se em áreas distintas, que iam desde a margem esquerda do baixo rio Apa até a área ao norte do rio Negro. Após a chegada dos ibéricos à região, as migrações do grupo se deram no sentido leste.
As primeiras informações sobre os Guaná referem-se ao alto desenvolvimento da agricultura e da enorme quantidade de roças de milho que plantavam. Através da leitura de textos produzidos por cronistas e exploradores do período colonial brasileiro, infere-se que quatro foram os subgrupos Guaná a atravessarem o rio Paraguai, passando para suas margens orientais: Exoaladi, Terena, Layana e Kinikinau. Destes, apenas os primeiros não apresentam, até o momento, remanescentes no atual território sul-mato-grossense. Esses grupos teriam atravessado o rio Paraguai em ondas sucessivas a partir da segunda metade do século XVIII, instalando-se na região banhada pelo rio Miranda, onde foram encontrados pelos viajantes do século XIX.
Homem Kinkinau |
Os escritos de João Henrique Elliot e Augusto Leverger, produzidos na década de 1840, revelam o expressivo papel desempenhado pelos Layana, os Exoaladi (também chamados de Guaná, o que gera certa confusão) e os Kinikinau na economia regional do sul de Mato Grosso. No Relatório da Diretoria Geral dos Índios de 1872, Francisco José Cardoso Júnior revelou que existiam cerca de mil indígenas Kinikinau dispersos por Albuquerque e Miranda, cujas características eram a de serem exímios agricultores e de alugarem seus serviços aos não-índios (apud Vasconcelos, 1999: 96-97).
Embora imprecisos, os dados fornecidos pelo diretor revelam o grupo Kinikinau numericamente significativo mesmo após a Guerra do Paraguai. Enquanto os Layana viviam agregados em fazendas, os Exoaladi e os Kinikinau abasteciam de víveres a população da região. Os três subgrupos Guaná tiveram, segundo o Visconde de Taunay, participação na Guerra do Paraguai:
[...] guanás, kinikináus e layanos ultimamente se uniram com a população fugitiva (de Miranda, rumo à Serra do Maracaju); [...]. Foram os kinikináus os primeiros que subiram a serra do Maracaju, pelo lado aliás mais íngreme e se estabeleceram na belíssima chapada que coroa aquela serra... (Taunay, 1948: 268)
Os Exoaladi, segundo Cardoso de Oliveira, teriam desaparecido por ocasião da Guerra do Paraguai. Os Terena compõem o grupo de maior expressão dentre os remanescentes dos antigos Guaná na atualidade. Os Layana vivem dispersos em aldeias Terena dos municípios de Aquidauana e Miranda. Já os Kinikinau, além de viverem em algumas aldeias Terena do Mato Grosso do Sul, concentram-se na aldeia São João. Contudo, os Kinikinau teriam ficado “ocultos” em meio ao grupo majoritário Terena, sendo pouco mencionados em livros e documentos entre o final do século XIX e o início do século XX. Tornou-se comum referir-se a eles como um subgrupo Terena, especialmente após a destruição do último aldeamento reconhecidamente pertencente ao grupo, localizado próximo à região do rio Miranda. A questão do desaparecimento dos Kinikinau, ainda no século XX, remonta aos trabalhos do antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, em seus clássicos estudos sobre os Terena:
Dentre as inúmeras tribos ou subtribos a desaparecerem ainda no presente século [XX], podemos apontar os Kinikináu (Guaná) e os Ofaié-Xavante. Os primeiros mantinham ainda uma aldeia, junto ao rio Agaxi, de onde se dispersaram, expulsos de suas terras por um civilizado que as teria comprado do Estado do Mato Grosso; seus remanescentes são encontrados hoje em algumas aldeias Terena (Cardoso de Oliveira, 1976: 27).
De acordo com depoimento do ancião Leôncio Anastácio – concedido ao professor Rosaldo de Albuquerque Souza no final de 2003 –, após a Guerra do Paraguai, os índios Terena e Kinikinau, entre outros, sofreram sérias perseguições por parte de fazendeiros, posseiros e invasores. O grupo dos Kinikinau foi disperso, mas algumas famílias estabeleceram-se em Agaxi, próximo à Miranda. Os invasores de terra novamente os perseguiram, obrigando-os a procurar outro lugar. Ficaram sabendo que no local chamado Corvelo havia terras devolutas e para lá partiram. Nesse tempo, já estavam recebendo orientações de um chefe do SPI, conhecido como Nicolau Horta Barbosa. Chegando ao Corvelo, fizeram suas casas, a terra era boa, então começaram a plantar, mas não demorou muito para aparecer um suposto “dono das terras”. O grupo comunicou o fato ao SPI e este os orientou a procurar o Campo dos Kadiwéu. Foi o que os homens fizeram. No dia 13 de junho de 1940, duas famílias chegaram à aldeia São João, que na época era desabitada. O Coronel Nicolau os acompanhou e determinou onde deveriam construir suas casas. O transporte que usavam era o carretão, uma espécie de carro de boi com rodas e eixo de madeira. O grupo que chegou à aldeia era de aproximadamente 12 pessoas.
Documentos do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) pouco revelam sobre a presença dos Kinikinau na Reserva Indígena Kadiwéu no decorrer do século XX. O que se sabe, ao certo, é que na década de 1940 foi criado pelo SPI o Posto Indígena de Alfabetização e Tratamento São João do Aquidavão, vinculado à Inspetoria Regional 5. Com os Kadiwéu, os Kinikinau teriam estabelecido relações intersocietárias em que os primeiros, essencialmente caçadores e coletores, exigiam dos últimos, agricultores por excelência, tributos em troca da proteção e da permanência em seu território. A esse respeito, o líder Martinho da Silva Kadiwéu, em depoimento ao antropólogo Jaime Garcia Siqueira Jr., comentou que:
[...] na época que abriu o SPI [...] então eles acharam um meio de que botasse alguns colonizadores, no caso dos Terenas, Sabe? Os Terenas começaram, os patrícios usaram os Terenas para poder ser assim um ponto de auxílio para eles. Eles plantaram, os Terenas toda vida gosta de agricultura, eles plantam mandioca, arroz, feijão, milho, isso aí, eles não eram, não são verdadeiros donos, mas cuidavam para os patrícios Kadiwéu, enquanto eles vigiavam essa enorme área que nós temos aqui. [...] Esse São João, aldeia de São João, já vem há muito tempo essa história aí.Esses Terenas vem sendo aliado com os Kadiwéu, sempre vivendo subordinado, os Kinikinau subordinados aos Kadiwéu. Não podia fugir porque eles tinham uma tarefa a fazer com ele, então trouxeram eles. Eles escolheram um lugar como de agricultura e coisa e tal. O único, o recurso mais próximo que eles mesmo acharam de tocar um recurso de agricultura, no caso, uma lavourinha que eles fazem, é aqui para o lado do PI São João, porque fica perto de Três Morros [...]. Então eles, os patrícios disseram: - Então vocês ficam aqui [...] aqui é o canto da nossa área, aqui qualquer coisa, qualquer irregularidade que vocês vêem, procuram nos localizar, nos avisar o que está acontecendo. Agora vocês têm obrigação, planta milho, arroz, feijão, tudo o que se dá aqui vocês planta, e nós vamos comercializar entre nós mesmos, lá pelo rio Paraguai, por aí, tudo o que nós conseguirmos entregamos aqui [...] Nós vamos negociando, isso aí, vocês ficam como vigilante nosso, como ponto de segurança nosso. Aí toparam, onde existe o PI São João. (Siqueira Jr., 1993: 130-131)
O líder Kadiwéu, como se percebe pelo trecho do depoimento reproduzido acima, não faz clara distinção entre os Kinikinau e os Terena. A proximidade lingüística dos dois grupos e o fato de serem ambos descendentes dos Guaná os tornou “iguais” aos olhos dos Kadiwéu e da maioria da sociedade não-indígena.
As relações entre os Kinikinau e os Kadiwéu nem sempre foram amistosas razão pela qual os Kinikinau têm reivindicado sua própria terra:
Como vivemos em terra alheia, sempre ameaçados por algumas famílias de outra etnia, não queremos mais esta vida sem liberdade. Por isso, pedimos a volta para o nosso território de origem Kinikinau, onde possamos viver em liberdade, garantindo um futuro mais feliz para as nossas crianças, para que não esqueçamos nossas tradições e que todos nos reconheçam e nos respeitem como povo Kinikinau (Seminário Povos Resistentes, 2004.)
Aspectos culturais
Os Kinikinau vivem, sobretudo, da atividade agrícola, falam correntemente uma língua filiada à família lingüística Aruak, assim como os Terena, e também se comunicam em Língua Portuguesa.
A Dança do Bate-Pau, também existente entre os Terena, é realizada atualmente em importantes eventos para os Kinikinau (Festa do Dia do Índio e outras comemorações). Relembrando a participação do grupo na Guerra do Paraguai (1864-1870), a dança é executada por homens e mulheres de várias idades, de crianças a idosos. Toca-se flauta e tambor, para dar ritmo aos passos dos dançarinos. As cores rituais são a vermelha, a azul e a branca. As vestes, de penas de ema e de palha, são especialmente preparadas para a dança ritual. Os homens e as mulheres carregam longas taquaras nas mãos e com elas desenvolvem uma coreografia, ora batendo as taquaras com as de outros dançarinos, ora batendo-as no chão. O final da dança é marcado pela reunião dos dançarinos em círculo e a união das taquaras, sobre as quais é colocado um guerreiro, que é então erguido e ovacionado. Na versão dos Terena, apenas homens dançam o Bate-Pau.
Assim como entre os Terena e os Layana (outros subgrupos Guaná), entre os Kinikinau também havia curandeiros denominados Koixomunetí. Esses curandeiros realizavam rituais nos quais utilizavam um chocalho e um penacho de penas de ema, elementos comuns a curandeiros de outros grupos de origem chaquenha, como os Mbayá-Guakuru, ancestrais dos Kadiwéu. Atualmente, ao que se sabe, não há mais Koixomunetí entre os Kinikinau. Muitos, hoje, são adeptos de religiões cristãs, principalmente de orientação protestante.
5ª Grande Assembleia do Povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias / Cimi MS |
Em relação à cultura material, a cerâmica elaborada pelas mulheres Kinikinau dá continuidade a uma antiga tradição cultural Guaná. Escolhida, além de outros, como símbolo de diferenciação do grupo em relação aos Kadiwéu – a despeito de ser inspirada nos desenhos da cerâmica Kadiwéu – e outros indígenas, a cerâmica Kinikinau desempenha um importante papel como sinal diacrítico. O material tem sido comercializado, sobretudo, na cidade de Bonito.
Fontes de informação
ALVES, M. M. Os Kinikinau: dados históricos e vocabulares. Três Lagoas: CPTL/ UFMS, 2003. 8 p.
BENCINI, R. Escola de índio, professor índio. Finalmente! Revista Nova Escola, São Paulo, edição 171, abril de 2004.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terena. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976 [2. ed].
ELLIOT, J. H. Itinerário das viagens exploradoras... descriptas pelo Sr. João Henrique Elliot. Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do I.H.G.B., Rio de Janeiro, vol. X, (1848), 2. ed.
FONSECA, J. S. da. Viagem ao redor do Brasil: 1875-1878. Rio de Janeiro: [s.e.], 1880-81.
JOSÉ DA SILVA, G. A construção física, social e simbólica da Reserva Indígena Kadiwéu (1899-1984): memória, identidade e história. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), 2004. (Dissertação de Mestrado em História).
. Dias melhores virão: educação escolar entre os Kadiwéu, Kinikinawa e Terena na Reserva Indígena Kadiwéu, município de Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul. Jahui – Revista do Museu do Índio da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 1999.
& SOUZA, J. L. O despertar da fênix: a educação escolar como espaço de afirmação da identidade étnica Kinikinau em Mato Grosso do Sul. Sociedade e cultura, Goiânia, v. 06, n. 02, p. 149-156, 2005.
LEVERGER, A. Roteiro da navegação do rio Paraguay desde a foz do São Lourenço até o Paraná. In: Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Ethnográfico do Brasil, XXV, Rio de Janeiro. [184-]
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO MURTINHO. Censo Kadiwéu 1998. 63 p. Mimeografado.
SEMINÁRIO POVOS RESISTENTES: A PRESENÇA INDÍGENA EM MS. Corumbá, 2003.
SEMINÁRIO POVO KINIKINAWA: PERSISTINDO A RESISTÊNCIA. Bonito, 2004.
SIQUEIRA JR., J. G. “Esse campo custou o sangue dos nossos avós”: a construção do tempo e espaço Kadiwéu. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), 1993. (Dissertação de Mestrado em Antropologia Social).
TAUNAY, A. E. Memórias do Visconde de Taunay. São Paulo: IPE, 1948.
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