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terça-feira, 18 de abril de 2023

Kapinawa

 
Toy Art Kapinawá

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
88KapinawáCapinawaCapinawa
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PE3702Funasa 2009


O povo Kapinawá se reconhece como “a rama nova, isto é, descendentes diretos, de índios que foram aldeados na Serra do Macaco ainda no século XVIII.” 




“Até o começo dos anos 80 não eram reconhecidos oficialmente como índios, ocupando de forma livre e tradicional as terras que se estendem entre os municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, na área de transição entre o Agreste e o Sertão de Pernambuco, no Vale do Ipanema, no sertão do Moxotó” (Palitot, 2002). Em fins dos anos setenta, os Kapinawá “começam a ser pressionados pelo avanço de uma frente latifundiária e procuram, então, se organizar para conseguir a regularização de suas terras.
 O reconhecimento do grupo foi longo e marcado por vários conflitos, tanto com posseiros e fazendeiros, como entre os próprios índios que vivenciaram um doloroso processo de faccionalismo. 

Resultado desses conflitos foi a demarcação da área, que contemplou apenas uma parte do seu território tradicional.” (Palitot, 2002)

Parque eólico: povo Kapinawá contra os negócios do vento

O povo indígena Kapinawá, localizado nos municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, na divisa das regiões do Agreste e Sertão de Pernambuco, trava uma longa e intensa luta para defender seu território tradicional, que foi homologado em 1998 de forma diminuta. Isto é, apenas 12.403 hectares, sendo muitas áreas de ocupação tradicional excluídas da demarcação. Relatam que, por diversos momentos na história, enfrentaram fazendeiros poderosos e seus jagunços para garantir sua terra de ocupação tradicional, libertando o território dos interesses econômicos, cortando os arames das fazendas, debaixo das ameaças de rifles, para que hoje consigam desfrutar com liberdade dessa parcela do território que foi demarcada.

Sempre enfrentaram diversos empreendimentos e violações de seu território, como o desmatamento da Caatinga, a pressão de fazendas, os processos de reintegração de posse contra o povo, e, em 2002, com a criação do Parque Nacional (PARNA) do Vale do Catimbau, várias aldeias indígenas Kapinawá foram sobrepostas pela área do parque. Além da sobreposição de território, o PARNA também significa várias dificuldades para o povo, como a desproteção do território e dos sítios arqueológicos, a proibição de construção de moradias, de fornecimento de energia elétrica e do uso sustentável da Caatinga para reforma das casas e estradas.

Desde 2013 o povo Kapinawá enfrenta dois processos de reintegrações de posse, onde são acusados de invadir violentamente duas fazendas. Todavia, acusações que distam da realidade dos fatos e dizem respeito, em verdade, a área de ocupação tradicional do povo que é reivindicada e restou fora da demarcação. Em outubro de 2021, o povo Kapinawá denunciou um grande desmatamento que atingiu a área inserida dentro do PARNA do Vale do Catimbau.



No final do mês de fevereiro deste ano, o povo foi surpreendido com a notícia de uma iniciativa de implementação de um grande parque eólico nos limites da terra indígena demarcada e dentro da área reivindicada pelo povo para ampliação territorial. De pronto, o povo Kapinawá protocolou uma denúncia junto aos órgãos responsáveis, como a Defensoria Pública da União (DPU) no Estado de Pernambuco, o Ministério Público Federal (MPF) do município de Garanhuns/PE, o Ministério Público do Trabalho – MPT – GT de Povos Originários e Comunidades Tradicionais e a Fundação Nacional do Índio (Funai) , com uma série de reivindicações de que o povo necessita para seu Bem-Viver.

O projeto de construção do parque eólico é uma iniciativa privada, encabeçada por um fazendeiro autor de uma das ações de reintegração de posse citadas, o qual prevê a instalação de 70 turbinas eólicas em uma área estimada em mais de 3.000 hectares. Embora a energia eólica provenha de uma fonte renovável de energia, dos ventos, atualmente já é fato público e notório os impactos ambiental e social que esse tipo de energia representa, principalmente se inseridos em áreas de proteção e conservação de biomas (no caso a Caatinga) e de territórios indígenas.

O referido parque eólico já possui um procedimento em andamento em vários órgãos estatais, denominado de “Complexo Eólico Buíque”. Projetado para uma capacidade de 315 MW, o Complexo pode afetar  o Parque Nacional do Vale do Catimbau, o território indígena Kapinawá e toda a população, flora e fauna envolvente, com os possíveis impactos específicos: a) poluição visual causado pelos aerogeradores; b) ruídos das turbinas ou das pás; c) mortandade de aves, especialmente aves em rota migratória e abelhas; d) interferências eletromagnéticas – quando aerogeradores são instalados entre transmissores e receptores de ondas de televisão existentes no Catimbau e em Buíque; e) impacto em sítios arqueológicos (inclusive sítios ainda não identificados na região); f) problemas fundiários; g) desmatamento de áreas de caatinga; h) prejuízo para agricultura, apicultura e criação de animais.

Essa região de Caatinga possui diversas espécies de animais, inclusive, segundo o povo, a área onde se pretende instalar o complexo de geradores eólicos é rota de passagem da espécie animal onça parda. Além disso, a região conta com a presença de diversas espécies nativas e ameaçadas de extinção como o gato-mourisco, mocó, punaré e o pássaro lambu de pele vermelha e roxa. Ainda, na região, são conhecidas mais de 150 (cento e cinquenta) espécies de aves com algumas espécies em extinção e endêmicas da Caatinga.

Convém reforçar que a Caatinga é, para o povo Kapinawá, a morada dos seus ancestrais: são nesses locais que buscam força, equilíbrio e cura do corpo e do espírito. E, mesmo com a sobreposição de área e os problemas relatados, vale destacar que o Parque Nacional do Vale do Catimbau é um dos mais importantes sítios arqueológicos do Brasil e do mundo, considerado pela Unesco como Reserva da Biosfera da Caatinga.

Acerca do antigo pleito de ampliação territorial, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) garantiu ao povo Kapinawá os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e compete à União sua demarcação, proteção e respeito aos bens nela existentes (Art.231). Os territórios indígenas não podem sofrer iniciativas privadas sobre estes (Art.231 § 6º), além de que a demarcação dos territórios tem natureza meramente declaratória. Isto é, o território integral reivindicado pelo povo Kapinawá é direito congênito do povo e já deveria estar demarcado, e, consequentemente, em posse do povo e devidamente protegido.

Somada à legislação constitucional e infraconstitucional nacional, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garante a consulta aos povos interessados e reafirma a importância de realização de consulta pública, livre, prévia, informada e de boa-fé sempre que alguma obra, ação, política ou programa for planejado e possa afetar os povos indígenas e comunidades tradicionais. No presente caso de construção do parque eólico em território indígena Kapinawá, resta afirmar que o povo Kapinawá não foi em nenhum momento informado, contactado ou consultado sobre o referido projeto que tem grande potencial de impacto negativo sobre o território, saúde e vida do povo Kapinawá e de todas suas gerações, bem como a todo ecossistema da região e do PARNA Catimbau.

No dia 11 de maio de 2022, o povo Kapinawá se reuniu na Escola Indígena Anjuká, na Aldeia Colorau, para tratar do projeto do parque eólico e contou com a presença da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Nordeste, de um coordenador técnico local da Funai ,  do Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (GEPT), vinculado ao Coletivo Direitos em Movimento (DIMO)  do curso de Direito da Universidade de Pernambuco (UPE), representado pela estudante Aylla Oliveira Kapinawá,  e da Defensoria Pública da União (DPU), representada pelo Defensor Regional de Direitos Humanos (DRDH), Dr. André Carneiro, que esteve presente para esse momento de escuta e debate. O encontro contou, ainda, com a presença massiva do povo, dos jovens aos mais velhos, com lideranças de todas as aldeias do povo. O momento foi mediado pelo Cacique Robério.

Já colocando em prática um dos encaminhamentos firmados na reunião do dia 11  de maio, o povo Kapinawá foi em marcha do seu território ao município de Buíque, no dia 19 de maio, para cobrar explicações da prefeitura municipal acerca das tratativas referentes ao projeto e deixar nítido sua posição contrária a esse empreendimento, bem como reafirmar seus direitos constitucionais ao território e de necessidade de realização de consulta.

Nesse sentido, o projeto de instalação do parque eólico no município de Buíque em área de fronteira com o território indígena Kapinawá demarcado, em área inserida dentro da reivindicação de ampliação territorial Kapinawá e em área próxima ao Parque Nacional do Vale do Catimbau, é totalmente repudiado pelo – Cimi Regional Nordeste. Em apoio ao povo Kapinawá, o Cimi Regional Nordeste requer sua suspensão, com base na ausência de escuta e consulta ao povo Kapinawá diretamente afetado, assim como exige a  necessidade de estudo aprofundado de impacto ambiental, social, cultural, arqueológico, e, principalmente, pela existência de procedimento em andamento para a devida ampliação da demarcação do território indígena Kapinawá.

Festas e religiosidade

Palitot (2002) afirma que “a representação do sagrado é feita principalmente através das furnas, onde os Kapinawá crêem que residam os seus antepassados. Como a maioria dos povos indígenas na região Nordeste, os Kapinawá expressam sua religiosidade nos rituais do toré  onde costumam beber o Anjucá, o vinho da Jurema, e receber os espíritos de seus antepassados. Também são adeptos sinceros do catolicismo, festejando o seu padroeiro, São Sebastião, no final de janeiro, com novena, missa, zabumba, pífanos, e samba-de-coco.

O catolicismo dos Kapinawá é aquele popular, místico, amante das novenas e festas, não fazendo conta da burocracia da igreja, comprometido com o santo padroeiro através das promessas e profundamente familiar e íntimo no trato com o sagrado. A relação com o divino é vista como mais um elemento do cotidiano e um espaço/tempo do lúdico e do desprendimento coletivo do que como uma obrigação ou um ato de contrição e expiação de culpas. É assim que o samba-de-coco é uma brincadeira sagrada, realizada tanto dentro da igreja, em festas de santos, como na "taipagem" das casas.”

 Fontes de informação

CIMI.org.br/2022/05/parque-eolico-povo-kapinawa-contra-os-negocios-do-vento/

PALITOT, Estevão Martins & ALBUQUERQUE, Marcos Alexandre dos Santos. Relatório de viagem – Índios do Nordeste (AL, PE, PB). LACED/UFRJ. 2002. 

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