Toy Art korubo |
# | Nomes | Outros nomes ou grafias | Família linguística | Informações demográficas | |||||||||
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114 | Korubo | Pano |
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O verbete apresenta, em grande medida, dados sobre a população contatada na década de noventa. Quando são introduzidas informações sobre os Korubo isolados, há no texto menção a esse respeito.
Nomes
Não se sabe como os Korubo denominam a si mesmos. Alguns pesquisadores chegaram a identificar o termo dslala como a autodenominação desse povo. No entanto, trabalhos recentes da Frente de Proteção Etno-ambiental Vale Javari (FPEVJ) revelam que não há uma autodenominação que seja unânime entre os Korubo.
Segundo Pedro Coelho, a denominação Korubo foi dada pelos Matis. Esses últimos afirmam que Korubo seria um nome próprio da onomástica matis. Um Matis revelou o significado da palavra Korubo: “Koru é isso, coberto de areia, de cinza, sujo de barro. Os Korubo se tapam de barro para espantar os mosquitos, ficam assim sujos, cobertos de Koru” (Arisi, 2007: 108).
Philippe Erikson (1999: 74) levanta a hipótese de que Korubo seria uma designação genérica para “inimigo”. Ao comentar sobre os etnônimos dos Panos Setentrionais, esse autor ressalta que os Kulina-Pano afirmam ter exterminado um grupo que vivia no igarapé Esperança, afluente do rio Curuçá, cujo apelido era Korubo. No entanto, é provável que não se trate dos índios que hoje designamos como tal.
Língua
Os Korubo são falantes de uma língua ainda não classificada, que provavelmente faz parte da família lingüística Pano, bastante semelhante às línguas faladas pelos Matis e pelos Matsés (Mayoruna), que vivem em territórios contíguos ao dos Korubo. Por causa dessa proximidade lingüística e geográfica, a maior parte do grupo compreende e fala as línguas dos grupos vizinhos, principalmente a dos Matis.
Sabe-se que o pequeno grupo korubo contatado em 1996 compreende bem os Matis, etnia com a qual tem estabelecido boas relações. Contudo, é importante ressaltar que, antes do contato, ambos os grupos eram inimigos entre si e por isso partilhavam uma história de rivalidades e de guerras. Atualmente, por causa dessa história marcada por mortes, raptos e destruição de casas, os Matis ainda guardam um certo medo dos Korubo que vivem isolados.
A influência que hoje os Matis exercem sobre os Korubo é grande e bastante explícita. Um exemplo claro é o fato de utilizarem a língua Matis para se reportarem aos membros da Frente de Proteção Etno-ambiental Vale Javari. A trajetória pós-contato contribui para que houvesse um melhor entendimento da língua Matis, já que a Frente de Contato e, posteriormente, Frente de Proteção Etno-ambiental Vale do Javari priorizou os Matis como intérpretes e como mediadores das atividades com os Korubo.
Os Korubo também compreendem a língua Matsés (Mayoruna), mas não tão bem como a dos Matis.
Alguns índios, com contatos mais freqüentes com representantes da Frente, compreendem e falam razoavelmente o português. Há uma cobrança por parte do grupo para que aprendam o português, no intuito de melhor interagir com a sociedade nacional. Os Korubo costumam ouvir comentários e relatos dos Matis sobre suas visitas à cidade e assim ficam bastante curiosos. No entanto, mesmo possuindo um conhecimento razoável do português, os Korubo evitam conversar nesse idioma, preferindo usar a língua Matis (ou os próprios Matis como intérpretes) para se comunicarem com os membros da Frente. Além disso, percebe-se que eles se apropriaram de algumas palavras matis e as incorporam em seu vocabulário.
01 - Caçador Korubo com zarabatanas envenenadas sai a caça de bugios |
Além da influência matis sobre a língua Korubo, nota-se que os Matis são supervalorizados pelos Korubo. Estes defendem os Matis em inúmeras situações - tanto verbal como fisicamente - especialmente em ocasiões de conflito com membros de outras etnias e com os funcionários da Frente.
Localização
Os Korubo habitam a região de confluência dos rios Ituí e Itaquaí, que é um afluente direto do Javari, rio que dá o nome à Terra Indígena onde estão inseridos. A TI está situada no extremo oeste do estado do Amazonas e abrange a região de fronteira do Brasil com o Peru.
Território Korubo |
Na TI Vale do Javari, existem, além dos Korubo e de outros grupos isolados, sete etnias que têm estabelecido diferentes relações de contato com a sociedade nacional: Kanamari, Kulina Pano, Kulina Arawá, Marubo, Matis, Matsés (Mayoruna) e um pequeno grupo chamado Tsohom Djapá. É importante ressaltar que a região formada por essa TI e pelas áreas banhadas pelos rios Manu e Purus, no Peru, é o lugar onde há o maior número de índios isolados do mundo.
População
O censo elaborado pela Frente de Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari em 2007 contabilizou 26 pessoas. Entretanto, no final desse ano, uma criança com problemas congênitos faleceu, restando 25 índios.
Houve, na última década, um crescimento populacional considerável. Segundo os censos anteriores, desde o contato estima-se uma elevação demográfica de cerca de 50%. Contudo, a população masculina é predominante, o que dificulta novos casamentos: são 14 homens e 11 mulheres (seis mulheres são crianças e as demais são casadas). Um dos homens adultos não é casado e levanta a possibilidade de buscar companheira entre os Korubo que permanecem isolados. Entretanto, é muito difícil que encontre uma companheira entre os isolados, pois corre risco de ser morto.
Atualmente, os Korubo estão sendo acometidos por diversas doenças, como a malária (no início do ano de 2008, todos os membros do grupo foram infectados) e outras enfermidades resultantes do contato. No mês de maio do ano de 2008, uma força-tarefa da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) em conjunto com as Forças Armadas e diversas instituições de amparo à saúde, realizada com intuito de levantar as enfermidades mais comuns entre os índios e atender toda a população contatada, contabilizou quatro casos de hepatite C entre os Korubo. Na ocasião, verificou-se que dois Korubo foram contaminados com o vírus da hepatite B, mas obtiveram imunização natural, e mais de 50% ainda não foram imunizados por meio das vacinas antivirais.
02 - Após caçar, o homem faz uma linda embalagem de folhas, para presentear a sua amada. |
O mais provável é que a doença tenha sido levada pelos Matis, tendo em vista que esses índios realizam visitas freqüentes às cidades de Atalaia do Norte e Benjamin Constant, áreas com concentração de enfermidades virais como a Hepatite B (VHB) e C (VHC) e o vírus HIV. Acrescenta-se a isso o fato de que as hepatites virais A, B e C têm afligido progressivamente os Matis, e assim tem havido um aumento exorbitante das enfermidades nas aldeias.
Já foi mencionado que os Matis, de uma maneira geral, são bastante estimados pelos Korubo. Aproveitando-se desse contexto de aliança, os Matis usam as comunidades korubo como abrigo e ponto de apoio para suas viagens às cidades mais próximas. Desse modo, quando retornam, pernoitam nas aldeias korubo, já que estão situadas no mesmo rio que leva às comunidades matis, mas em uma área mais próxima de Atalaia do Norte e Benjamin Constant.
Histórico do contato
Há registros de contatos esporádicos do grupo desde os anos de 1920. Segundo um levantamento dos conflitos no Vale do Javari (1996), realizado pelo antigo Departamento de Índios Isolados, o mais antigo registro de massacre de índios Korubo data de 1928, quando mais de 40 índios Korubo foram mortos por um grupo peruano acompanhado de índios Ticuna.
No final do século XIX e início do século XX, inicia-se a exploração econômica do interior do Vale do Javari, em decorrência do surto da borracha. Muitos índios foram obrigados a trabalhar nessa atividade, de forma escravizada, em troca de alguns artigos industriais e da própria sobrevivência. Tinham duas alternativas: ou trabalhavam para os chamados “patrões” ou eram exterminados. Nesse período houve a extinção de diversos grupos indígenas e aqueles que sobreviveram sofreram depopulação.
Alguns anos após o início da exploração de borracha na Amazônia houve um período de estagnação econômica em decorrência da exploração da borracha cultivada no Oriente. O declínio do preço da borracha desencadeou a falência dos empreendimentos e, conseqüentemente, o decréscimo de não-índios que ocupavam a região do Vale do Javari. Esse contexto contribuiu para que os grupos indígenas sobreviventes se reestruturassem. Contudo, a pressão das frentes de expansão na região não se extinguiu. Os povos que viviam na chamada “terra firme” do Vale do Javari mantiveram-se “isolados” até os anos de 1950 quando as atividades de extração de madeira se expandiram, alcançando os seus territórios.
Deu-se início aos primeiros conflitos com os índios isolados. O próprio Exército reprimiu duramente os povos da região em favor dos empresários peruanos e brasileiros que se sentiam ameaçados pelos índios e que tinham interesse nas terras por eles ocupadas.
Já na década de 1970, uma parte considerável do interior do Vale do Javari estava ocupada por ribeirinhos que se consideravam ocupantes legítimos da região. Exploravam a mão-de-obra dos índios “mansos” e exterminavam aqueles grupos que apresentavam resistência, os chamados “índios brabos”. Os Korubo faziam - e ainda fazem - parte dos “índios brabos” que povoam o imaginário coletivo da região.
Além disso, na mesma década, houve a incursão da Petrobrás, que iniciou um trabalho de pesquisa de prospecção sísmica, caracterizado pela abertura de clareiras na mata e a realização de explosões. Essas atividades lesivas ao meio ambiente intensificaram o conflito entre índios e os não-índios na região e contribuíram ainda mais para o clima de tensão que já havia, obrigando os grupos isolados, entre eles os Korubo, a se dispersarem.
A Funai iniciou seus trabalhos no Vale do Javari, em 1971, em apoio à abertura da rodovia Perimetral Norte, que fazia parte do Plano de Integração Nacional. Para isso, instalou na cidade de Atalaia do Norte a “Base Avançada de Fronteira do Solimões”, criando cinco Frentes de Atração no interior do Vale do Javari. A maior parte delas acabou prestando assistência aos grupos já contatados e, posteriormente, transformaram-se em Postos Indígenas.
O Posto Indígena de Atração (PIA) Marubo foi criado em 1972, na margem direita do rio Itaquaí, um pouco acima do igarapé Marubo. Uma equipe chefiada por Sebastião Amâncio da Costa tinha por objetivo estabelecer contato pacífico com os índios isolados conhecidos como “caceteiros”, denominação dada aos Korubo pelos regionais. Na época, a Funai acreditava que os isolados eram parte de um grupo marubo.
Um ano após a instalação do PIA, quando já havia se estabelecido alguns contatos com o grupo isolado, houve um ataque dos Korubo ao Posto, resultando na morte da família do servidor Moisés. Ainda no mesmo ano, ocorreu outro ataque dos Korubo, que matou o servidor Sebastião Bandeira e feriu gravemente o servidor Bernardo Muller.
Para amarrar o pacote, o caçador usa fibras da casca de uma Samaumeira muito antiga. |
Depois dos incidentes, o PIA Marubo foi transferido para a margem oposta, um pouco abaixo da confluência dos rios Itaquaí e Branco, e ficou sob a chefia do sertanista Valmir Torres. Segundo os relatos de Torres, os índios sempre chegavam com armas e demonstravam atitudes hostis ao visitarem o acampamento. Acreditava-se que a autodenominação do grupo era Kaniwa (hoje se sabe que kaniwa quer dizer cunhado em diversas línguas da família Pano).
Em novembro de 1974, a equipe do Posto entrou em contato com um grupo korubo. No mês seguinte, foram realizados sobrevôos que localizaram malocas na margem esquerda do rio Ituí. Segundo o Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Vale do Javari, em fevereiro 1975, “cerca de 200 Korubo mostram-se na margem oposta do PIA”.
No mesmo ano, os Korubo visitaram novamente o posto e pediram facões, machados, entre outras coisas. No dia seguinte à visita, a equipe localizou uma aldeia com seis malocas e cerca de 200 índios. Contudo, o PIA foi atacado novamente pelos Korubo, ocasionando mais uma baixa, a do servidor Jaime Sena Pimentel, em 1975. Devido a esse episódio e às falhas na aproximação e no contato pacífico, o posto foi desativado.
No início de 1982, com a criação do Posto de Atração do Itaquaí, sob a chefia do indigenista Pedro Coelho, e com acampamento na localidade de Jó, inicia-se uma nova tentativa de aproximação com os Korubo. Em março, Coelho relata que os índios levaram os presentes que a equipe havia deixado em um dos postos de atração. Poucos dias depois, a equipe encontrou um grupo korubo, na margem do rio Itaquaí. Binan Matis, que trabalhou como intérprete no PIA, compreendeu algumas palavras faladas pelos índios. No dia seguinte, os índios apareceram novamente, pintados de urucum e sem armas.
Mãe carregado criança num tipo de sling parietal |
O terceiro contato ocorreu um mês depois. Como da primeira vez, a equipe ficou em um barco, contudo os Korubo nadaram e embarcaram para conversarem durante cinco horas. O comportamento oscilava entre atitudes pacíficas e agressivas. Binan Matis foi novamente o intérprete da conversa. Nessa ocasião, verificou-se que um jovem Korubo estava doente, possivelmente com malária. No dia seguinte, eles voltaram em busca de mais presentes, mas não foram atendidos pela falta de material no posto.
Os Korubo reapareceram novamente somente em julho, bem debilitados e mais magros do que de costume. Na ocasião, permaneceram por quatro horas, comunicando-se à distância, da margem oposta à do posto. No dia seguinte, reapareceram no mesmo local. Dessa vez, cinco deles nadaram até a lancha e foram medicados pelos funcionários do Posto. Os Korubo relataram a Binan Matis que havia mais gente doente em sua maloca.
Todavia, depois desses contatos amistosos, houve novo ataque dos Korubo, que vitimou os servidores Amélio Wandik Chapiwa e José Pacifico de Almeida. O ataque foi o suficiente para a desativação do PIA. Na verdade, o PIA tornou-se um Posto de Vigilância que não teve o efeito esperado, já que não conseguiu retirar e nem mesmo barrar a entrada de novos invasores nos territórios dos índios isolados. Além disso, no mesmo período, foi feito um sobrevôo na região que localizou várias malocas.
Em 1983, a Petrobrás iniciou uma pesquisa sísmica em uma área próxima ao primeiro PIA Marubo. Um ano após o início das atividades, dois servidores da Petrobrás foram mortos pelos Korubo.
Todas essas mortes cometidas pelos Korubo foram uma resposta aos ataques empreendidos pelos regionais contra eles. Por falta de registro desses ataques, é difícil dimensionar o número de índios que morreram ou ficaram feridos.
Depois da morte dos servidores da Petrobrás, por exemplo, foram encontradas várias malocas queimadas e um Korubo morto. Segundo o levantamento de conflitos, realizado pelo Departamento de Índios Isolados-Funai, índios seringueiros, aviados por Flávio Azevedo, massacram a tiros um número desconhecido de índios Korubo no rio Itaquaí, em 1979. Em outro episódio, em 1981, o mesmo Flávio Azevedo, com ajuda de Manoel Vicente e João Bezerra, distribuiu farinha envenenada a um grupo korubo, no rio Itaquaí. Em 1985, um Kanamari encontrou um corpo de um Korubo no rio Itaquaí. Em 1986, três índios foram mortos pelos regionais.
De todos esses ataques contra os Korubo, conhecidos e relatados pelos próprios regionais e presentes nos registros da Funai, apenas três foram legalmente reconhecidos. Contudo, os culpados continuam em liberdade e os processos parados.
Já na década de 1990, dois incidentes, que resultaram na morte de regionais, fizeram com que a Funai reiniciasse as atividades de aproximação com os Korubo. Devido às denúncias da Administração Regional da Funai de Atalaia do Norte sobre a organização de expedições punitivas e a incitação contínua a favor do extermínio dos Korubo por parte do prefeito de Atalaia do Norte, de vereadores e empresários de Atalaia e de Benjamin Constant, um pequeno grupo korubo foi contatado pela equipe da Frente de Contato, subordinada ao Departamento de Índios Isolados (atual Coordenação Geral de Índios Isolados) da Funai.
O contato oficial com a Funai
Os primeiros avanços no contato com os Korubo começaram em agosto de 1996, quando foi localizada uma aldeia. A equipe, chefiada pelo sertanista Sidney Possuelo, rebocou para a foz do rio Ituí o barco Jacurapá, que serviria de Posto de Fiscalização. Outra embarcação, o Waiká, era o ponto de apoio nas incursões acima da foz, especialmente nas atividades de vistoria do tapiri de atração - uma moradia precária, coberta por palha, construída pelos integrantes da Frente de Contato, na beira do rio Ituí, próxima ao caminho que levava à aldeia. É ali que eram colocados os presentes usados na atração.
Eis um trecho do informe do sertanista Sidney Possuelo, referente à localização da aldeia e do caminho utilizado pela equipe de contato:
Entramos na roça a uma distância de 50 a 60 metros da aldeia, separadas por uma nesga de floresta de aproximadamente 30 metros. Os índios responderam aos nossos cantos, falaram muito, porém não se mostraram. Calculamos que a maior parte dos indígenas estava em caçada ou perambulando pela região. Ficamos na roça não mais que 45 minutos. Após deixarmos alguns presentes, efetuamos o retorno ao barco, abrindo uma picada pela qual esperamos que nos visitassem. Durante as duas noites na caminhada, fomos cercados pelos índios. Eles imitavam vários animais e batiam suas bordunas no chão, chegando a jogar paus no acampamento. Sem maiores incidentes, regressamos. Temos agora concluída uma ligação física entre nós.
No dia 29 de agosto de 1996, os membros da Frente de Contato não encontraram os brindes que haviam colocado no tapiri. Em resposta, deixaram mais brindes e um cacho de banana, em troca da farinha que foi recusada pelos índios.
Em 15 de outubro de 1996, a equipe estabeleceu contato com o grupo. Na ocasião, o grupo era formado por 18 pessoas, sendo quatro mulheres, seis homens, seis meninos e duas meninas. No início do ano de 1998, um homem e dois meninos faleceram, pois contraíram malária.
Dez meses de trabalho depois do contato, com mais de 30 visitas feitas pelos Korubo à base da Frente, integrantes desta foram atacados pelos índios, que mataram a golpes de borduna o servidor Raimundo Batista Magalhães, o Sobral. Dentre as várias interpretações do episódio, a mais plausível indica que o motivo do conflito foi uma lona tomada pelos índios para construírem uma moradia. Sobral foi reclamar a pose da lona e ao recolhê-la acabou destruindo o tapiri, cujo teto havia sido feito com a lona.
A morte de Sobral foi resultado de uma série de equivocos da Frente, que não seguiu as orientações repassadas, em memorando, ao próprio Sobral. Dentre as recomendações expressas no documento, havia uma que dizia para manter sempre a superioridade ou equivalência numérica durante uma interação dos membros da Frente com os Korubo e uma outra que proibia a ida à outra margem do rio caso os índios aparecessem. As duas orientações foram desobedecidas.
Alguns dias depois desse acontecimento, os Korubo reapareceram acima da boca do igarapé Quebrado. Segundo o relato escrito pelo então chefe do PIA Ituí, foram vistos índios Korubo nas margens do Ituí que gritavam e pediam comida, entre outras coisas. A comunicação entre as partes se deu a partir da mediação dos Matis. No entanto, em nenhum momento o barco da equipe se aproximou da margem.
Em novembro de 1998, um grupo de cinco homens, duas mulheres e duas crianças apareceram na localidade Ladário, que fica próxima à confluência dos rios Ituí e Itaquaí, em busca de farinha e panela. Não houve ataque, mas os moradores da comunidade, amedrontados, pediram ajuda à Funai e propuseram à Administração do órgão em Atalaia do Norte que comprasse suas terras.
O último ataque empreendido pelos Korubo foi em 2001, quando três madeireiros foram mortos, no rio Quixito. O ataque aconteceu no período em que a Frente de Proteção Etno-Ambiental abria uma clareira para a construção do segundo Posto de Vigilância e Proteção, em um local bem próximo à ofensiva dos Korubo.
Em 2000, os Korubo relataram a Rieli Franciscato o último massacre que sofreram, este aconteceu, provavelmente, um ano antes do contato. Segundo o relatório: “ainda em julho de 1998, quando fazíamos tratamento de pele em um jovem Korubo, ao fazer fricção de creme pelo seu corpo, apalpamos algo que chamou a nossa atenção e foi esclarecido a seguir pelos intérpretes Matis: tratava-se de fragmentos de chumbo alojados em diversas partes do seu corpo. Em seguida, outros índios passaram a nos mostrar cicatrizes e chumbo em diversos pontos dos seus corpos. Sem muito entusiasmo deles e com muita insistência da nossa parte, os Korubo nos relataram os acontecimentos” (2000: 6).
A história pode ser resumida da seguinte forma: seis índios foram a uma roça conhecida dos nawa (não-índio) para pegar banana e voltar à aldeia. No regresso, pernoitaram em um local não muito distante do roçado. No segundo dia da viagem de volta, foram emboscados por homens que os esperavam no caminho. Os índios foram baleados e dois, um homem e uma mulher, ficaram caídos, enquanto o restante do grupo fugiu e se escondeu. Após a saída dos agressores, os índios retornaram ao local onde estavam os que tombaram e constataram que o homem estava morto. A mulher ainda tinha sinais de vida, mas não resistiu à caminhada. Como sentiam muitas dores em decorrência dos ferimentos, não puderam enterrar os corpos, muito menos transportá-los.
Segundo os próprios Korubo, após terem corrido dos nawa, esconderam-se no local onde foram contatados em 1996. Segundo a descrição e as informações coletadas entre os Korubo, os autores do massacre foram alguns moradores da comunidade ribeirinha denominada Ladário, que fica próxima à confluência dos rios Ituí e Itacoaí.
Atualmente, o contato com os não-índios se restringe aos encontros com os membros da Frente, especialmente aqueles que integram a equipe do Posto situado na confluência dos rios Itaquaí e Ituí. Algumas vezes os índios se deslocam para a cidade em busca de tratamentos de saúde.
Comunidades korubo
O pequeno grupo korubo contatado em 1996 está dividido hoje em duas comunidades no baixo Ituí: uma, fica bem próxima à base da Frente de Contato e a outra situa-se na antiga comunidade Mário Brasil. A princípio, constatou-se que os Korubo não dão nome às suas comunidades. Mas, recentemente, alguns índios têm chamado a comunidade Mário Brasil de Tapalaya.
Morada Korubo no Vale do Javari |
Cada comunidade é formada por uma grande maloca que acomoda mais de uma família e por algumas moradias menores que agrupam um número reduzido de pessoas. A maloca é semelhante à dos Matis, com algumas diferenças: só há uma ou duas portas de entrada, sem portas laterais. A mais nova maloca possui algumas semelhanças com as casas de palafitas da região. Ela apresenta uma forma externa tradicional, mas o seu interior é parecido com o das casas dos ribeirinhos, com uma estrutura suspensa feita de paxiúba. Há também uma casa elaborada à moda dos ribeirinhos. Em algumas casas tradicionais, constata-se que há buracos no chão para enfiar as bordunas, que ficam próximas às estacas que são usadas para colocar as maqueiras tradicionais ou as redes presenteadas e trocadas com os funcionários da Frente e os Matis. Parece que cada estaca de sustentação da maloca circunscreve um compartimento familiar e organiza a disposição das redes.
Próximos às casas estão os caminhos que levam aos roçados de macaxeira, banana, pupunha e de milho tradicional.
Não há um Posto Indígena nas comunidades, mas o grupo recebe, desde 1996, a assistência da equipe da Frente Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari, ligada à Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII-Funai). Entre os integrantes da equipe estão os indígenas colaboradores, como Matis, Marubo, Mayoruna e Kanamari; os funcionários do quadro da Funai e os indigenistas formados pelo convênio entre o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e a CGII. Há também a presença de um profissional de saúde cedido pela Funasa.
O Posto de Vigilância e Proteção localizado na confluência dos rios Ituí e Itaquaí, a base da Frente, controla e documenta a passagem de quem sobe ou desce o rio, inclusive dos indígenas habitantes da TI, para evitar a entrada de pessoas não-autorizadas pela Funai e um possível contato com os isolados, além de servir como barreira contra as frentes predatórias de exploração de recursos naturais. Os viajantes são sempre alertados sobre a presença dos isolados e os riscos que um contato pode trazer à essas populações, especialmente no que diz respeito à disseminação de doenças.
Aspectos culturais
Não é possível descrever os rituais desse povo, já que muitas práticas caíram em desuso depois da cisão com o antigo grupo (isolado). Trata-se hoje de um grupo formado basicamente por jovens que não tiveram a oportunidade de aprender com os mais velhos muitos aspectos da sua cultura. Contudo, realizam algumas danças e um tipo de choro que se mescla com um canto ritual.
Com relação à cultura material, nota-se que o grupo utiliza quase que exclusivamente os seguintes instrumentos de caça e guerra: a zarabatana, o arco e flecha, a borduna e um tipo de lança. A ponta do dardo da zarabatana é embebida em um veneno elaborado a partir da raspagem de dois tipos de cipó.
As cerâmicas ainda estão presentes na vida cotidiana, mas sua fabricação já não é tão comum, dada a substituição dos artefatos tradicionais por utensílios industriais, presenteados pelos funcionários da Frente e pelos Matis.
Quanto aos adornos corporais, não há a mesma exuberância existente entre outros grupos Pano. O que pode ser classificado como adorno tradicional é o bracelete de tucum. Muito do que é usado hoje pelo grupo já é uma apropriação dos elementos tradicionais dos Matis, como as pulseiras e a perfuração na orelha. As mulheres usam uma faixa de tucum para carregar os filhos pequenos.
Uma outra característica tradicional dos Korubo é o corte de cabelo em meia cuia (ou meia lua): conserva-se somente o cabelo que vai do centro da cabeça até a testa, raspando o restante com auxílio de um capim típico da região. Há ainda um outro corte tradicional que é feito com a raspagem de quase toda a cabeça, deixando somente uma faixa de cabelo que vai de uma orelha à outra, como se fosse uma “tiara”.
Os homens korubo tomam uma bebida elaborada a partir de um cipó denominado Tati com objetivo de ficarem fortes e aptos para a caça.
Fontes de informação
AMORIM, Fabrício. Povos Indígenas Isolados da Terra Indígena Vale do Javari. CGII-FUNAI, 2008.
ARISI, Bárbara Maisonnave. Matis e Korubo: Contato e índios isolados - Relações entre povos no Vale do Javari, Amazônia. Florianópolis. UFSC, 2007.
CAVUCENS, Sílvio & NEVES, Lino João de Oliveira. Povos Indígenas do Vale do Javari. Campanha Javari. Manaus: CIMI, OPAN, 1986.
MELATTI, Júlio Cezar. Povos Indígenas no Brasil. vol. 5. Javari. São Paulo: CEDI, 1981.
CEDI. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1982. São Paulo: CEDI, 1983.
CEDI. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1983. São Paulo: CEDI, 1984.
CEDI. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1984. São Paulo: CEDI, 1985.
COUTINHO, Walter. “Relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Vale do Javari.” Memo nº168/DEID/DAF/FUNAI, 158 p. Maio, 1998.
ERIKSON, Philippe. 1999. El Sello de los Antepasados. Quito, Ecuador: Abya Yala/IFEA.
_____. Los Mayoruna. In SANTOS-GRANERO, Fernando & BARCLAY, Frederica (ed.). Guía Etnográfica de la Alta Amazonía. Quito, Ecuador: FLACSO – Sede Ecuador/IFEA, 1994.
FRANCISCATO, Rieli. Relatório sobre o Massacre de índios Korubo, ocorrido em 1995. DEII/FPEVJ- FUNAI, 2000.
SÖDERSTRÖM, Erling. The Hidden Tribes of The Amazon. França: Striana-France Films, DVD (55 min.), 2002.
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