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segunda-feira, 4 de maio de 2020

Atikum

Toy Art Índio da Etnia Atikum

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
26AtikumAticum
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PE/BA7929Siasi/Sesai 2012



Os "caboclos da Serra do Umã", do sertão de Pernambuco, aprenderam a dançar o toré com seus vizinhos Tuxá. No início dos anos 40, procuraram o Serviço de Proteção aos Índios, dando início ao processo de seu reconhecimento oficial como grupo indígena.

 Nome

Os membros da "Comunidade Indígena de Atikum-Umã" autodenominam-se índios de Atikum-Umã, em referência a uma ancestralidade. Umã teria sido o "índio mais velho" e pai de Atikum, cuja descendência se criou na aldeia Olho d'Água do Padre (antiga Olho d'Água da Gameleira). Há, entretanto, uma outra versão que afirma ter o nome Atikum surgido durante ritual de toré.
Toré Atikum
No que se refere aos registros documentados, a primeira referência ao nome Atikum data da época do reconhecimento oficial desses índios pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) na segunda metade da década de 40, quando, em comunicação interna do órgão, o chefe da 4ª Inspetoria Regional comenta, referindo-se ao posto indígena da Serra do Umã, que o primeiro nome do posto foi Aticum, devido provavelmente a um grupo com o qual os "Umans" teriam se mesclado e o qual devia se chamar "Aticum" ou "Araticum". Mas, no final do século passado, no Diccionario Chorographico, Historico e Estatistico de Pernambuco, de Sebastião Galvão, "Araticum" constava como um lugarejo do município de Floresta e, em 1968, Cestmir Loukotka, na sua Classification of South American Indian Languages, indicava "Aticum" ou "Araticum" como a língua extinta de uma tribo que então falava apenas português, em Pernambuco, perto de Carnaubeira.

Certo é que a grafia correta para o grupo ficou sendo Atikum e que os índios não estabelecem uma auto-referência como índios Atikum-Umã, mas sempre como índios de Atikum-Umã, indicando uma subordinação à descendência de Umã para Atikum, que formou a aldeia (comunidade indígena).

 Língua

Os Atikum são falantes apenas do português, não lembrando sequer o léxico de uma língua anterior - a não ser pouquíssimas palavras que dão nome a certos elementos da natureza (por exemplo: sarapó = cobra grande e comestível; toê = fogo). Se há uma única referência com relação a Aticum (ou Araticum), como língua extinta, quanto a Umã, pelo espaço territorial pelo qual se deslocavam no século passado, pode-se insinuar, com apoio na Introdução à Arqueologia Brasileira de Angyone Costa e em Os Cariris do Nordeste de Baptista Siqueira, tratar-se de um grupo pertencente à família Cariri, embora outros autores destaquem uma língua Umã como isolada ou desconhecida.

 Localização, demografia

Na Terra Indígena Atikum há vinte aldeias (ou sítios, como preferem chamar os índios), entre as quais Alto do Umã (sede do posto), Olho d'Água do Padre, Casa de Telha, Jatobá, Samambaia, Sabonete, Lagoa Cer-cada, Oiticica, Areia dos Pedros, Serra da Lagoinha, Jacaré, Bom Jesus, Baixão, Estreito, Mulungu, Boa Vista e Angico [dados de 1998]. Conforme o "Memorial descritivo de delimitação (AI Atikum)" da FUNAI, de 1989, contava naquele ano com uma população de 3.582 indivíduos. Segundo cartografia oficial, a área localiza-se na região da serra das Crioulas e Umã, nos limites do atual município de Carnaubeira da Penha, sertão de Pernambuco. Os índios, no entanto, apontam a Serra do Umã como seu território indígena.
Território Indígena Atikum

Com a emancipação de Carnaubeira, em outubro de 1991, do município de Floresta (onde se localizava a área indígena Atikun, distante 54 km da sede desta cidade), foram discriminados dois distritos para o novo município de Carnaubeira da Penha (sede há 13 km do posto indígena): Barra do Silva e Olho d'Água do Padre, este uma importante aldeia Atikum no interior da área indígena, onde, desde a fundação da reserva, funciona uma feira dominical freqüentada também por não índios que lá estabelecem trocas comerciais e outros negócios, bem como promovem atividade política em período eleitoral. Além disso tudo, cabe apontar a presença constante de posseiros e fazendeiros na área Atikum.

 Aspectos ambientais e econômicos

Na serra do Umã prevalece um solo de tipo argiloso, em contraposição ao arenoso característico do sertão que a rodeia. A vegetação na serra é predominantemente arbustiva, sendo que em alguns trechos despontam árvores de maior porte. As capoeiras são uma constante na paisagem local.

Quanto à fauna, destacam-se gaviões, corujas, tiús, pebas, tatus, cangambás, cobras, preás, tamanduás, caititus e jacus. Tais animais, com exceção dos dois primeiros, são freqüentemente caçados - com cachorros e espingardas - pelos habitantes da área. O criatório doméstico é de galinhas, bodes, vacas, carneiros e porcos. O uso de cachorros para guarda das casas é generalizado.

Dos frutos silvestres, destacam-se o umbu e o maracujá. As frutas cultivadas são as seguintes, por ordem de quantidade: banana, manga, caju, mamão, pinha, goiaba, jaca, coco, laranja, limão. Há uma boa produção de mel também.

A agricultura, base da economia Atikum, faz com que as roças de mandioca, fava, milho, feijão, arroz, mamona e algodão sejam também uma constante na paisagem da Serra do Umã. Acrescenta-se a isso o plantio de maconha (Cannabis sativa) que, apesar de não fazer parte de uma agricultura Atikum, soma-se ao panorama geral, uma vez que a serra, bem como os municípios de Carnaubeira da Penha e Floresta se inserem no chamado "polígono da maconha", que engloba vários municípios do sertão pernambucano.

No mais, vale mencionar que prevalecem as habitações de taipa e alvenaria, ocorrendo também as de palha.

 Os Umãs e o Povoamento da Serra

A partir da passagem do século XVII para o XVIII, essa região geográfica foi palco de muitos conflitos entre índios e brancos que penetravam cada vez mais nas terras dos primeiros, levando adiante a frente de expansão pastoril.

Se não há notícias da existência de um grupo indígena com o nome Atikum antes dos anos 1940, existem diversas referências quanto a um grupo denominado Umã, que foi aldeado, juntamente com os grupos Xocó, Vouve e Pipipan, em 1802 por Frei Vital de Frescarolo, em lugar onde hoje é uma das aldeias da área indígena. Tal aldeamento não durou muito e os citados grupos voltaram a migrar pelos sertões, do Ceará a Sergipe, sempre fugindo dos caminhos do gado. Além dos acima citados, vários foram os grupos que se entrecruzaram - inclusive negros quilombolas - nesses deslocamentos.

Sabe-se dos seguintes registros dos Umãs: por volta de 1696 andavam pelo vale do rio São Francisco; em 1713 estavam na ribeira do Pajeú; em 1746 em Alagoas, entre os rios Ipanema e São Francisco; em 1759 em Sergipe; em 1801 foram aldeados em Olho d'Água da Gameleira (onde hoje é a aldeia Olho d'Água do Padre na Serra do Umã) e de onde se dispersaram em 1819; em 1838 são encontrados nas proximidades de Jardim, no Ceará; em 1844 se encontram novamente próximos ao antigo aldeamento, mais especificamente em Baixa Verde. Ainda é bom lembrar que, quando aldeado, o grupo Umã - que recebia diversas denominações, tais como Huanoi, Huamoi, Huamães, Huamué, Humons, Umã, Umães, Uman, Umãos, Urumã, Woyana - foi obrigado a dividir o aldeamento com os grupos Xocó e os Vouvê, que todos estes três grupos sempre se mantiveram próximos aos Pipipãs e que em 1852 ainda existiam "índios bravios" na Serra do Umã ou nas suas vizinhanças. Em meados do século XIX cessam as informações quanto a esses índios, que em 1943 se apresentam no SPI buscando reconhecimento de suas terras.

Num trabalho sobre o cinqüentenário da cidade de Floresta, Alvaro Ferraz (1957) aponta algumas serras que vinham sendo ocupadas por negros desde o período escravocrata: "Tal fenômeno pode se observar na Serra do Umã e na dos Crioulos. Na do Umã, eles se mesclam com facilidade com o grupo indígena ali existente, o que se poderá verificar à simples análise dos tipos humanos do aldeamento Atikum-Umã do alto da serra". Tal mesti-çagem fez com que essa "tribo" ficasse conhecida como "os negros da Serra do Uman". Conclui-se daí que a população que veio habitar definitivamente a Serra do Umã se constitui a partir de grupos (de índios, negros e brancos) de tradições e culturas diversas.

 Formação da Comunidade Indígena de Atikum-Umã

No início dos anos 1940, os membros da comunidade camponesa que habitavam a Serra se auto identificavam como os caboclos da Serra do Umã. Nessa época andavam insatisfeitos com a cobrança pela prefeitura de Floresta de impostos sobre o uso do solo ali cultivado e com o fato de os fazendeiros vizinhos virem colocando o gado para pastar sobre suas roças.

Informados por índios Tuxá (do município de Rodelas, na Bahia) de que havia um órgão do governo que estava reconhecendo territórios indígenas no Nordeste, alguns caboclos procu-ram, em Recife, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), afirmando-se caboclos descendentes de índios e reivindicando a criação de uma reserva indígena. Como condição para tal reconhecimento, o SPI impôs a demonstração de um ritual de Toré, tradição que, aos olhos do inspetor do citado órgão no Nordeste, atestaria a "consciência étnica" dos caboclos.

Despreparados para uma exibição dessa tradição ritual, os caboclos procuram os Tuxá, que enviam oito índios à Serra para "ensinar"-lhes o toré. Entre 1943 e 1945, deixam tudo pronto quanto ao serviço do índio e é nesta ocasião que se desloca para a Serra um fiscal do SPI, que assiste a um ritual de toré, atestando, conseqüentemente, a presença indígena ali. Em 1949 é fundado o posto indígena e os caboclos se elevam à categoria de índios oficialmente reconhecidos pelo Estado-Nacional - e até os dias atuais o toré vem sendo usado como sinal diacrítico na manutenção da etnicidade Atikum, o que pragmaticamente lhes dá direito de acesso seguro à terra.

 O Regime de Índio Atikum

Ao "aprenderem" o toré, os Atikum foram se especializando cada vez mais em tal prática ritual. Constituíram um corpo de saber denominado por eles de "ciência do índio", revestida por uma áurea de mistério, e que marcaria sua especificidade como grupo étnico. Esse corpo de saber é dinâmico e seus ingredientes, mutáveis, pois novos elementos surgem durante os rituais e são incorporados pelos seus praticantes. Mas se esse corpo de saber é fluido, deve existir algo para garantir o desempenho ritual que marca a sua indianidade, ou seja, que confirme periodicamente a sua condição de índios face às expectativas do Estado. É preciso, portanto, ter um "regime de índio". É preciso que os membros do grupo sejam "regimados no toré", independentemente de serem detentores de saberes mais profundos, para que o grupo se mostre, de forma essencialmente política, como a "comunidade indígena de Atikum-Umã". (cf: Grünewald, 1993).

Isso leva à questão de quem realmente são considerados índios de Atikum-Umã pelos próprios Atikum. Consideram-se índios aqueles que participam da tradição do toré, sendo, preferencialmente "regimados" na mesma, detendo a "ciência do índio", aqui entendida como um corpo de saberes dinâmicos sobre o qual se fundamenta o "segredo da tribo" (cf: Grünewald, 1993). 

Em toda essa tradição ritual, destaca-se também como elemento fundamental a jurema (Mimosa hostilis Benth) - planta sagrada que, de domínio exclusivamente indígena, promove também uma separação entre índios e brancos, embora seu uso seja comum também a outros complexos rituais do sertão nordestino, como o catimbó, por exemplo. 

Os Atikum utilizam a casca da raiz da jurema macerada e misturada com água como bebida sagrada ("anjucá") que representa o sangue de Jesus e é consumida principalmente durante seus rituais (torés públicos ou privados, estes divididos em trabalhos d``e gentio, terreiro e ouricuri), quando os índios entram em contato - em larga medida pela via da possessão - com os "encantos de luz".

Jurema


O ritual da Jurema Sagrada é uma prática espiritual largamente difundida, uma tradição cultural de âmbito espiritual no qual plantas sagradas desempenham papel principal. Diversos povos indígenas do Brasil, principalmente do Nordeste e da região amazônica a praticam. 

O termo Jurema designa várias espécies de Leguminosas dos gêneros Mimosa, Acacia e Pithecellobium. 

Plantas e Prinípio Ativo

No gênero Mimosa, cita-se a Mimosa verrucosa Benth e a Mimosa tenuiflora Willd (ainda comumente chamada de Mimosa hostilis Benth, ou, outrora, Mimosa Nigra ou Acacia jurema Mart, ou Acacia hostilis Mart.). 

No gênero Acacia identifica-se a Acacia piauhyensis Benth. Além disso várias espécies do gênero Pithecellobium também são designadas por esse mesmo nome. A classificação popular distingue a jurema branca e jurema preta. 


Para Sangirardi Jr.(o.c.) a jurema preta é a M. hostilis ou M. nigra, a Jurema branca o Pithecellobium diversifolium Benth e a Mimosa verucosa corresponde a jurema-de-oeiras. Ainda segundo esse autor o termo jurema, jerema ou gerema vem do tupi yú-r-ema – espinheiro. Entre espécies conhecidas como jurema inclui-se ainda jurema-embira (Mimosa ophthalmocentra) e jurema-angico (Acacia cebil), entre outras. 

Lima refere-se a existência de juremas pretas aculeadas e inermes. Das espécies colhidas por ele em Arcoverde (PE), concluiu após análise de renomados botânicos, que ambas podem ser classificadas como Mimosa hostilis Benth ou Acacia hostilis Mart. Reise I e que são possuidoras do mesmo alcaloide.

Souza et al em estudos de revisão identificou dezenove espécies diferentes conhecidas como "Jurema" onde se constata a presença de alcalóides, embora, segundo seu estudo as espécies conhecidas sobretudo como como "jurema-branca" não contenham alcalóides triptaminicos.

Antes mesmo da colonização, o culto era um elemento sagrado praticado por diversas etnias indígenas da região, por conta de suas propriedades psicoativas. O nome popular dessas plantas pode variar de etnia para etnia, de região para região, como Calumbi, Tepezcohuite, Yurema, entre outros.

Para esses povos indígenas, essas plantas sagradas que possuem poderes curativos e espirituais, são utilizadas em rituais de cura, de fortalecimento espiritual, de conexão com os ancestrais e de proteção contra energias negativas. A prática de consumir a Jurema em rituais é conhecida como "Jurema Sagrada" ou "Jurema Preta".

A Jurema, Mimosa tenuiflora e também pode ser chamada de Jurema-preta ou Vinho-de-jurema, contém diversos princípios ativos, como a dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide psicodélico que é capaz de induzir experiências alteradas de consciência. Além disso, a planta também contém outros alcaloides, taninos, flavonoides e compostos antioxidantes.

No ritual da Jurema, a planta é preparada de diversas formas, dependendo da tradição e da região em que é praticada. Em alguns casos, a casca da raiz é cozida em água para produzir um chá ou uma bebida alcoólica, que é consumida pelos participantes do ritual. Em outros casos, a casca da raiz é pulverizada e inalada, ou então é misturada com outras plantas para produzir um unguento que é aplicado na pele.

Além da Jurema, outros vegetais e plantas podem ser utilizados em rituais que envolvem a planta, dependendo da tradição e da intenção do ritual. Algumas das plantas mais comuns incluem a Arruda, o Guiné, a Quebra-pedra, a Malva-rosa e a Catingueira. Cada uma dessas plantas tem suas próprias propriedades medicinais e espirituais, e são combinadas de diferentes maneiras para produzir diferentes efeitos no corpo e na mente dos participantes do ritual.

A prática da Jurema é realizada por diversas etnias indígenas e afro-brasileiras em diferentes regiões do Brasil. As formas de preparação e uso da Jurema podem variar de acordo com a tradição e a região em que é praticada.

Em relação à forma de consumo, a Jurema pode ser ingerida na forma de um chá ou bebida alcoólica, ou então pode ser aspirada como um rapé. Em alguns casos, a casca da raiz é mastigada para produzir uma pasta que é aplicada na pele ou nos olhos.

Entre as etnias indígenas que praticam a Jurema, destacam-se os Fulni-ô, Pankararu, os Tuxá, os Xucuru-Kariri e os Xukuru, que habitam principalmente os estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia. 

Contexto Cultural Brasileiro

Câmara Cascudo estudou as práticas e crenças relacionadas à Jurema em diferentes regiões do Nordeste, entrevistando praticantes e estudando documentos históricos. Ele escreveu diversos artigos e livros sobre o assunto, incluindo "A Medicina Popular no Brasil", "Superstições e Crendices do Brasil" e "O Dicionário do Folclore Brasileiro".

Câmara Cascudo apontou que a Jurema foi alvo de perseguição e criminalização por parte das autoridades coloniais e republicanas, que associavam as práticas relacionadas à planta a "superstição" e "bruxaria". Ele destacou a importância de valorizar e respeitar as tradições culturais dos povos indígenas e afro-brasileiros, incluindo as práticas relacionadas à Jurema.

Severino Diniz

Existem diversos episódios na história do Brasil em que o uso da Jurema foi criminalizado e perseguido pelas autoridades, principalmente durante os períodos colonial e republicano. Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em 1938, na cidade de Catolé do Rocha, no estado da Paraíba.

Nessa época, o líder religioso Severino Diniz havia fundado a "Casa de Jurema", um espaço dedicado à prática dos rituais relacionados à Jurema. A casa era frequentada por pessoas de diferentes regiões do Nordeste, incluindo indígenas e afro-brasileiros que mantinham as tradições relacionadas à planta.


No entanto, a prática da Jurema foi vista com desconfiança pelas autoridades locais, que a associavam a "bruxaria" e "superstição". Em 1938, a polícia invadiu a Casa de Jurema e prendeu Severino Diniz e outros líderes religiosos, confiscando a Jurema e outros objetos sagrados utilizados nos rituais.

Os líderes religiosos foram acusados de charlatanismo e de atentar contra a saúde pública, e foram levados a julgamento. Durante o julgamento, foram apresentados testemunhos que acusavam a Casa de Jurema de realizar rituais "satanistas" e de oferecer a Jurema a crianças. No entanto, muitos dos depoimentos foram baseados em preconceitos e estereótipos sobre as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas.

Apesar dos esforços de defesa dos líderes religiosos e de intelectuais e ativistas que se mobilizaram em favor da causa, Severino Diniz foi condenado a quatro anos de prisão e a Casa de Jurema foi fechada. O episódio ficou conhecido como "Caso Jurema" e foi um exemplo da perseguição e criminalização das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas no país.

Assim, as contribuições de Câmara Cascudo foram fundamentais para o estudo e o reconhecimento da Jurema como um elemento importante da cultura popular e da religiosidade dos povos do Nordeste do Brasil.

Jurema Protegida por Lei

Existem algumas leis brasileiras que reconhecem a Jurema como patrimônio cultural e imaterial do país, garantindo o direito dos povos indígenas e afro-brasileiros de praticarem seus rituais e tradições. 

As federações religiosas constituíram, no processo histórico das religiões afro-ameríndias, um importante mecanismo de resistência e legalização. Na Paraíba, foi criado no ano de 1966 a Federação dos Cultos Africanos da Paraíba - FECAP, teve como primeiro presidente o pai de santo Carlos Rodrigues Leal.

Até essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. 

Contudo, a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos elementos religiosos da umbanda paraibana. (SANTIAGO, 2008, s/p)

De acordo com Lima (2020), a Federação impôs-se como uma ferramenta de representatividade religiosa que tinha a intenção de catalogar os terreiros do estado.

O governador João Agripino tornou uma importante referência política para as pessoas de religiões afro-ameríndias, no aniversário de 10 anos de criação da FECAP, o ex-governador foi convidado de honra para a celebração. Em suas falas, Mãe Marinalva destacou a aproximação do ex-governador e ex-ministro em atividades religiosas, como a festa de Iemanjá, realizada na praia de Cabo Branco na capital paraibana.

Algumas dessas leis são:

- Lei 11.645/2008: Esta lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Isso inclui o reconhecimento da Jurema como uma das expressões culturais afro-indígenas do país.

Em 2003 a UNESCO reconhece a jurema como prática da cultura imaterial indígena, Reportagem “Xangô no Arruda” do jornal Diário da Manhã, de 03 de março de 1938 e Mãe Marinalva com a mão sobreposta na cabeça do governador da Paraíba, João Agripino, em evento comemorativo da promulgação da Lei 3.443/1966, na Casa de Mãe Cleonice, Cruz das Armas (JP/PB)

- Lei 12.343/2010: Esta lei reconheceu o ofício das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Entre as práticas reconhecidas como parte do ofício das parteiras tradicionais está a utilização da Jurema em rituais de cura.

- Portaria nº 126/2019: Esta portaria do Ministério da Cidadania incluiu a Jurema como patrimônio cultural imaterial do Brasil, reconhecendo a importância da planta e dos rituais associados a ela para a cultura e a religiosidade dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Essas leis e portarias são importantes instrumentos de reconhecimento e proteção das práticas culturais relacionadas à Jurema no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para garantir o respeito e a valorização dessas tradições por toda a sociedade.

Alem dessas leis nacionais, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a cultura imaterial indígena brasileira  (intangible cultural heritage - ICH) como patrimônio cultural da humanidade. Essa categoria abrange tanto os bens materiais produzidos pelas comunidades indígenas, como suas técnicas, saberes e práticas relacionadas ao uso e manejo dos recursos naturais e do território.

O reconhecimento da cultura imaterial indígena brasileira como patrimônio cultural da humanidade foi oficializado pela Unesco em 2003, quando foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Essa lista foi criada em 2003 para reconhecer e proteger os bens culturais imateriais que são considerados importantes para a humanidade e que requerem proteção e salvaguarda.

O reconhecimento da cultura material indígena brasileira pela Unesco é uma forma de valorizar e preservar o patrimônio cultural das comunidades indígenas do país, promovendo a diversidade cultural e o respeito aos direitos dessas comunidades. Além disso, o reconhecimento da cultura material indígena também ajuda a promover a valorização da biodiversidade e dos recursos naturais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura dessas comunidades.

 Organização social e política

O sistema de compadrio que opera na Serra do Umã, sobrepondo-se ao parentesco, parece prover, mais que os elos étnicos, o principal elemento de união entre os habitantes da Serra, embora muitas vezes ele ultrapasse os limites da fronteira étnica.

A organização política Atikum divide-se, por imposição do órgão tutor (primeiro SPI e depois Funai), em cacique (papel de representante da comunidade frente à sociedade nacional, além de aconselhamento interno), pajé (para cuidar da saúde dos índios) e representantes das aldeias que formam a liderança tribal. Todas essas funções deveriam ser preenchidas através de eleições, mas faccionalismos têm promovido a permanência nas lideranças dos que detêm poder coercitivo, em especial os produtores de maconha.

 Nota sobre as fontes

Os textos que tratam especificamente desta etnia são a dissertação de mestrado de Rodrigo de Azeredo Grünewald, "Regime de Índio" e faccionalismo, defendida no Museu Nacional em 1993 e, ainda, do mesmo autor, o artigo "A tradição como pedra de toque da etnicidade" publicado no Anuário Antropológico/96, os dois capítulos, "Apresentando: Índios e Negros na Serra do Umã" e "Etnogênese e 'Regime de Índio' na Serra do Umã" em livros a sairem em breve, o artigo "A Jurema no 'Regime de Índio': O caso Atikum" que aguarda publicação na Fundação Joaquim Nabuco e a comunicação "A Jurema e o 'Regime de Índio' Atikum", apresentada no I Encontro de Estudos sobre Rituais Religiosos e Sociais e o Uso de Plantas Psicoativas, no âmbito do Seminário internacional "O Uso e o Abuso de Drogas", realizado na Universidade Federal da Bahia. Informações preliminares de quarenta anos atrás podem ser encontradas no levantamento de Hohenthal Jr. "As tribos indígenas do médio e baixo São Francisco".

 Fontes de informação

COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1980.
FERRAZ, Alvaro. Floresta : memória de uma cidade sertaneja no seu cinqüentenário. Cadernos de Pernambuco, Recife : Secretaria de Educação e Cultura, n. 8, 1957.
GALVÃO, Sebastião de V. Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco. Recife : s.ed., 1897.
GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Etnogênese e ‘regime de índio’ na Serra do Umã. In: OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de (Org.). A viagem de volta : etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro : Contra Capa, 1999. p.137-72. (Territórios Sociais, 2)
--------. A jurema no “regime de índio” : o caso Atikum. In: MOTA, Clarice Novaes da; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de (Orgs.). As muitas faces da Jurema : de espécie botânica a divindade afro-indígena. Recife : Bagaço, 2002. p.97-124.
--------. "Regime de índio" e faccionalismo : os Atikum da serra do Umã. Rio de Janeiro : UFRJ, 1993. 238 p. (Dissertação de Mestrado)
--------. A tradição como pedra de toque da etnicidade. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, n. 96, p. 113-25, 1997.
HOHENTHAL JÚNIOR, W. D. As tribos indígenas do Médio e Baixo São Francisco. Rev. do Museu Paulista, São Paulo : Museu Paulista, n. 12, 1960.
LOUKOTKA, Cestmir. Classification of South American indian languages. Los Angeles : University of California, 1968.
PINTO, Clélia Moreira. A jurema sagrada. In: MOTA, Clarice Novaes da; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de (Orgs.). As muitas faces da Jurema : de espécie botânica a divindade afro-indígena. Recife : Bagaço, 2002. p.125-50
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro : Cátedra, 1978.


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