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sábado, 30 de maio de 2020

Fulni-o

Toy art etnia Fulni-ô
#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
49Fulni-ôFulni-ôYaté
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PE4687Siasi/Sesai 2012



Os Fulni-ô fazem parte do único grupo bilingue do Nordeste que conseguiu manter viva e ativa sua própria língua, Yaathê, assim como um ritual a que chamam Ouricuri.

Fulni-ô significa em Yaathê “povo que vem das margens do rio”.

Segundo a tradição oral, uma parte de seus antepassados habitava a margem do Rio Ipanema, principal rio perene da região, como na língua indígena deste povo rio equivale a "Fuli", os que habitavam suas margens passaram a ser conhecidos como Fulni-ô. Assim, todos os indígenas que viviam em Águas Belas passaram, com o tempo, a serem reconhecidos como Fulni-ô.

Apesar de hoje haver uma auto-identificação por esta designação, os Fulni-ô atribuem sua origem a cinco outra etnias ancestrais, como aparece na fala de um dos curandeiros:

"(...) Aqui é 5 raça de indio: Fola, Fokhlassa, Brograda, que eu não sabia, Tapuia, que viviam na Serra Preta e tinha os Carnijós. Agora, justamente, teve essa conjunção de índios, passa um... viu o Rio Ipanema, e nessas épocas eles encontravam muitas dessas coisas que eu falei: mel, caça, raiz, peixe. E dai chega um antropólogo aqui, há muito tempo, e fez um estudo antropológico e deu o nome de a nação Fulni-ô. Todos os índios chegaram a um entendimento e deram o nome de Fuli. Tem sentido porque o rio tem o nome de Fuli, na nossa linguagem, o "o" já somo nós (...) porque o rio é importante pra nós. (...)" 

Na parte central das terras da reserva indígena se encontra assentada a cidade de Águas Belas rodeada totalmente pelo território Fulniô.

Iniciativas de imersão no SESC Santo Amaro (SP)

Desde 2013, o SESC Santo Amaro promove anualmente o evento 'Abril Indígena', no qual intensifica atividades que trazem como tema as lutas, modos de vida e ensinamentos dos povos ancestrais brasileiros.

Luiz Pagano, ao lado dos amigos Fulni-ô 

O trabalho do SESC com os povos indígenas ocorre durante todo o ano, valorizando e divulgando a diversidade cultural desses povos no Brasil, por meio da vivência na culinária, artesanato típico Fulni-ô com palha do coqueiro Ouricuri, por meio do Grupo Yamititkwa Sato, composto por Fulni -ô indígenas de Águas Belas (PE).

Interação dos professores de gastronomia do SESC Santo Amaro (SP) com o Fulni-o

 Nome e língua

No dia 23 de novembro de 2010 Yaathe foi institucionalizado como língua indígena na grade curricular, ensinada nas três escolas públicas presentes em Aguas Belas, como resultado, a educação infantil mudou muito. Em 1982, por exemplo, 80 jovens estudavam em escolas da cidade de Águas Belas, hoje quase três mil alunos têm acesso a escolas bilíngues (Português e Yaathe).

Em Aguas Belas quase três mil alunos têm acesso a escolas bilíngues (Português e Yaathe), chamadas de Escolas de Língua Materna.

Na literatura histórica, e em uma parte da literatura antropológica, os índios de Águas Belas são chamados Carnijós ou Carijós, inclusive Cajaú (Hohenthal, 1960). Não se têm notícias do ano em que foram aldeados; o certo é que, em meados do século XVIII, já eram designados pelo nome de Carnijós. É possível que nesta aldeia tenham se fundido elementos provenientes de vários grupos étnicos que mais tarde se reorganizaram de forma clânica, adotando então o nome do grupo anfitrião: Fulni-ô.

Os Fulni-ô foram durante muito tempo considerados, pelos estudiosos, como os últimos remanescentes dos históricos índios Karirí, cujo hábitat abarcava todo o Nordeste do Brasil (Boudin, 1949). Um exemplo desta posição é a de Mario Melo, que os considerou como o "último rebento dos Cariris que dominaram os nossos sertões" (Melo, 1929). Segundo Boudin (1949), esta confusão ocorreu porque ambos grupos habitavam a mesma região, ou seja o alto e médio São Francisco.

casal da etnia Fulni-ô

A hipótese de que os Fulni-ô foram kariri ficou descartada desde o momento em que uma análise lingüística comparativa concluiu que "a língua dos índios Karnijós difere consideravelmente da dos amerícolas da família kariri" e que o Ia-tê bem pode ser uma língua autônoma, já que "representa as relíquias de uma família lingüística, ainda não computada na relação das línguas americanas do Brasil ou liga-se a alguma família que não tem representantes no nosso território, pelo menos devidamente conhecidos" (Sobrinho, 1935: 49). Recentemente, o lingüista Aryon Dall'Igna Rodrigues (1986) classificou tanto a família kariri como a língua ia-tê como integrantes do tronco macro-jê, embora sem incluir esta língua em uma família particular.

Atualmente todos os índios em Águas Belas falam português; em Ia-tê se comunicam principalmente os adultos e idosos; os mais jovens e as crianças usam com mais freqüência o português. Apesar de que o Ia-tê possa estar perdendo terreno para o português, tem ou cumpre um importante papel dentro da sociedade indígena.

Idioma

A língua Yaathe possui um invetário de 33 fonemas, sendo 21 consonantais e 12 vocálicos.

Consoantes

Vogais

O padrão silábico é (C)(C)V(C), com V sendo uma vogal longa.  Os seguintes tipos de sílabas são possíveis: V, CV, VC, CVC, CCV e CCVC. 

A sílaba mínima é V ou V: e todos os segmentos consonantais podem ocupar a posição de onset simples, enquanto os onsets complexos têm restrições: 

a) as consoantes que podem ocupar a posição de C são as seguintes: /t, th, k, k", d  , f, s, J, ts, tf, tf, m/; 

b) a posição C₂ pode ser ocupada por /t, d, th, k, f, s, ts, m, n, V/; 

c) o núcleo  pode ser ocupado por qualquer um dos fonemas vocálicos: /u, u, i, i, o, 0:, e, e:, o, e, a, a:/; 

d) posição C3, posição coda, pode ser ocupada  pelos fonemas /k, s, f, h, ts, m, l, w, j; 

e) o núcleo, sendo ocupado por uma vogal longa, não permite mais uma consoante na coda;

Os principais processos fonológicos,  segundo Costa (1999), são: processos de assimilação - ensurdecimento, nasalização, palatalização e labialização - harmonia vocálica, alongamento compensatório, apagamentos diversos, tanto de vogais quanto de consoantes, fusão e elisão vocálica.  

A seguir segue exemplos dos processos mencionados:

a) desvozeamento de oclusiva

i) A oclusiva coronal sonora /d/ muda para [t] antes de consoante surda.

.-.-.

 ['tʃäna ɔts'kama a'tfe]
/tʃana ǝtska -ma a= tʃe/
aquele homem -INT 2SGPOS= pai

Aquele homem é teu pai?

[ã'hã] - sim

['i:jo] - não

Note que o 'sim e não', são parecidos com o Tupi Antigo

['ama wal'ka 'nede lahi'ane ethu'a/ gostar Você gosta de manga e jaca?


 Localização

Os Fulni-ô atualmente habitam o município de Águas Belas, situado na zona fisiográfica do Sertão, a 273 quilômetros da capital do estado de Pernambuco. O município está compreendido no chamado polígono das secas. A região de Águas Belas é cortada de norte a sul pelo rio Ipanema, que desemboca no São Francisco. 

Importante notar que desde 2011 o rio Ipanema vem sofrendo com secas periódicas, cada vez mais intensas, ficando muitos vezes com o leito seco e prjudicando enormemente a já batante abalada capacidade da aldeia de se alimentar de peixes.

Leito seco do rio Ipanema

A causa dessas secas está geralmente atribuida entre outros fatores, à construção da Barragem de Ingazeira, concebida em 1980 durante o governo militar de J. B. Figueiredo e entregue em 2019.

Em 1980, a população do município era de 37.057 habitantes, dos quais  11.714 viviam na área urbana, e 25.343 na área rural. Esta última cifra inclui a aldeia indígena.
Território Indígena Fulni-ô
A vida dos Fulni-ô transcorre em duas aldeias. Uma delas se localiza junto à cidade de Águas Belas. É nesta aldeia que se encontram as instalações do Posto Indígena da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); a outra é o lugar sagrado do ritual do Ouricuri, onde se estabelecem nos meses de setembro a outubro.

 Informação demográfica

Os dados mais antigos sobre a população Fulni-ô remontam a 1749, quando, segundo registro da "Informação Geral da Capitania de Pernambuco" (1906), na aldeia da Ribeira do Panema, viviam 323 pessoas pertencentes a este grupo. Estêvão Pinto, citando como fonte relatórios da Diretoria dos Índios, diz que em 1855 a população ascendia a 738; já em 1861 esta cifra havia caído quase pela metade, pois só restavam 382 pessoas, que compunham 90 famílias (Pinto, 1956:25). Comenta o autor citado que a causa da diminuição da população pode ter sido uma epidemia de cólera que atacou a aldeia em 1856. Em 1873 o número de indígenas Fulni-ô se reduziu a pouco menos de uma centena (Costa Júnior, 1942:11; Pinto, 1956: 26). Pouco a pouco a população foi se recuperando; em 1922 a aldeia contava com aproximadamente 500 índios "...distribuídos por cento e cincoenta choças, quase todas de palha" (Pinto, 1956: 26). Deduzimos que já para 1937 deva ter aumentado consideravelmente o número de indígenas Fulni-ô, pois, em um artigo escrito naquela época, Carlos Estêvão de Oliveira, ao referir-se a este grupo, comenta que havia um milhar de pessoas que falavam a língua Ia-tê (1942: 171).

É possível que a cifra dada por Carlos Estêvão de Oliveira seja um pouco otimista, já que, segundo os relatórios da IVa. Inspetoria Regional correspondentes a 1945 e 1948, a aldeia contava com 823 e 1.263 indígenas respectivamente (Pinto, 1956: 26). Em 1982 residiam na aldeia 2.668; esta cifra havia aumentado para 2.788 em 1989, segundo registros da FUNAI (Povos Indígenas no Brasil 1991/1996, ISA, 1996).

 Antecedentes históricos

No território da Capitania de Pernambuco viviam numerosos grupos tribais que falavam a língua Tupi. Os índios que não falavam tupi eram conhecidos como "Tapuios" ou "Tupuyaa". Na época colonial, os índios que habitavam o litoral foram empurrados para o interior, dando lugar a novas populações. Assim, por exemplo, o povoamento de boa parte do vale do São Francisco se deve aos indígenas e à obra catequista dos sacerdotes.

Também teve muito que ver na conformação de uma nova distribuição demográfica a luta que, em meados do século XVII, sustentaram portugueses e holandeses na disputa pelo território brasileiro. Depois que os holandeses foram expulsos de Pernambuco, os portugueses decidiram reorganizar a administração dos grupos indígenas da região. É possível que, tendo em vista essa reorganização administrativa, a coroa portuguesa tenha decidido reunir em aldeias os indígenas, para manter melhor controle sobre eles. Assim se explica sua insistência em dotar os índios de "uma légua de terra em quadra" para que aí fossem concentrados pelo menos 100 casais indígenas. Supomos que foi aproximadamente nessa época que os Fulni-ô foram aldeados.

 O ritual do Ouricuri

Os preparativos para a mudança para a aldeia do Ouricuri se iniciam nas últimas semanas do mês de agosto. Todos os Fulni-ô que trabalham fora de Águas Belas, como funcionários, professores, policiais, durante a primeira semana do ritual pedem licença para se ausentarem do trabalho e se concentrarem na aldeia do Ouricuri; os que podem aí permanecem sem sair durante todo o ritual.

Coqueiro Ouricurí - um dos elementos mais fortes da cultura Fulni-ô

Todos os Fulni-ô têm como norma a proibição de falar do ritual. Os anciãos asseguram que aqueles que infringiram esta norma tiveram morte estranha. Sem dúvida esta é uma advertência para evitar a quebra do sigilo.

Uma parte do que acontece na aldeia do Ouricuri é de domínio público. Sabemos assim que existem áreas onde as mulheres não podem entrar, embora elas tenham conhecimento das atividades que se realizam nesses lugares. Durante a noite os homens dormem separados das mulheres, estas nas casas e aqueles nos galpões. Durante os meses do ritual está proibido manter relações sexuais dentro da aldeia do Ouricuri. Embora não se pratique uma abstinência sexual absoluta, respeita-se o lugar sagrado do ritual, mantendo este tipo de relações fora da aldeia. Está proibido também tomar bebidas alcoólicas, escutar música, e inclusive assobiar. Quando um Fulni-ô na cidade ou na aldeia do Posto Indígena toma alguma bebida alcoólica, não pode ir à aldeia do Ouricuri. Por esse motivo nesta época evitam tomar qualquer bebida embriagante. No dizer de alguns anciãos no ritual rezam e oram pelo bem de todos, pois asseguram que sua religião é bastante parecida com a religião católica.

Além de sua grande importância espiritual, o ouricuri é fonte de diversas artes e artesanatos, com os quais são feitos tapetes, vassouras e até casas - Até os anos 1930 as casas da aldeia eram feitas de ouricuri, uma das palavras em Yaathe para casa é ke'tutʃia (lugar para ser feliz).

No ritual do Ouricuri, o Ia-tê desempenha um papel fundamental, já que é a língua preferencialmente falada durante as suas quatorze semanas de duração. É aí que se socializam os membros mais jovens pelo ensino de um código simbólico diferente daquele utilizado pela sociedade envolvente.

Um dos eventos de maior importância no ritual é a eleição de suas autoridades, ou seja o Pajé, o Cacique e a Liderança. No ritual do Ouricuri, tanto o Cacique como o Pajé são figuras centrais. Não sabemos quais são suas atribuições nem tampouco os limites de sua autoridade. Quando perguntamos qual dos dois tinha mais autoridade fora do ritual, obtivemos respostas que se contradiziam. Assim, enquanto uns diziam que era o Cacique, outros diziam que era o Pajé. Mas parece haver um consenso de que, ao se abordar qualquer assunto que incumba ao grupo como um todo, os dois devem atuar de comum acordo.

Antigamente a aldeia ritual se erigia com casas de palma de ouricuri. Cada ano, ao aproximar-se a abertura do ritual, os índios levantavam suas respectivas casas, a quais desmontavam ao fim do mesmo. Atualmente as casas são permanentes, embora construídas com materiais de qualidade inferior ao daquelas existentes na aldeia do Posto Indígena. As condições sanitárias são também mais precárias do que nesta última. Até 1981, os Fulni-ô se abasteciam, durante os meses do ritual, da água depositada durante o período das chuvas em dois grandes poços; geralmente a água se esgotava antes da conclusão do ritual; então tinham que buscá-la na cidade, ou nos rios da serra distantes seis ou sete quilômetros, transportando-a em carroças puxadas por mulas. Com a falta de água, as condições sanitárias pioravam ainda mais, e o número de mortes causadas por infecções intestinais era alarmante. Afortunadamente, em 1982, conseguiram que a empresa que provê de água a cidade de Águas Belas fizesse uma extensão de suas instalações até a aldeia do Ouricuri; em troca os indígenas permitiriam que esta empresa (COMPESA) explorasse um dos rios que existem em suas terras para abastecer a cidade de Águas Belas.

Jurema


O ritual da Jurema Sagrada é uma prática espiritual largamente difundida, uma tradição cultural de âmbito espiritual no qual plantas sagradas desempenham papel principal. Diversos povos indígenas do Brasil, principalmente do Nordeste e da região amazônica a praticam. 

O termo Jurema designa várias espécies de Leguminosas dos gêneros Mimosa, Acacia e Pithecellobium. 

Plantas e Prinípio Ativo

No gênero Mimosa, cita-se a Mimosa verrucosa Benth e a Mimosa tenuiflora Willd (ainda comumente chamada de Mimosa hostilis Benth, ou, outrora, Mimosa Nigra ou Acacia jurema Mart, ou Acacia hostilis Mart.). 

No gênero Acacia identifica-se a Acacia piauhyensis Benth. Além disso várias espécies do gênero Pithecellobium também são designadas por esse mesmo nome. A classificação popular distingue a jurema branca e jurema preta. 


Para Sangirardi Jr.(o.c.) a jurema preta é a M. hostilis ou M. nigra, a Jurema branca o Pithecellobium diversifolium Benth e a Mimosa verucosa corresponde a jurema-de-oeiras. Ainda segundo esse autor o termo jurema, jerema ou gerema vem do tupi yú-r-ema – espinheiro. Entre espécies conhecidas como jurema inclui-se ainda jurema-embira (Mimosa ophthalmocentra) e jurema-angico (Acacia cebil), entre outras. 

Lima refere-se a existência de juremas pretas aculeadas e inermes. Das espécies colhidas por ele em Arcoverde (PE), concluiu após análise de renomados botânicos, que ambas podem ser classificadas como Mimosa hostilis Benth ou Acacia hostilis Mart. Reise I e que são possuidoras do mesmo alcaloide.

Souza et al em estudos de revisão identificou dezenove espécies diferentes conhecidas como "Jurema" onde se constata a presença de alcalóides, embora, segundo seu estudo as espécies conhecidas sobretudo como como "jurema-branca" não contenham alcalóides triptaminicos.

Antes mesmo da colonização, o culto era um elemento sagrado praticado por diversas etnias indígenas da região, por conta de suas propriedades psicoativas. O nome popular dessas plantas pode variar de etnia para etnia, de região para região, como Calumbi, Tepezcohuite, Yurema, entre outros.

Para esses povos indígenas, essas plantas sagradas que possuem poderes curativos e espirituais, são utilizadas em rituais de cura, de fortalecimento espiritual, de conexão com os ancestrais e de proteção contra energias negativas. A prática de consumir a Jurema em rituais é conhecida como "Jurema Sagrada" ou "Jurema Preta".

A Jurema, Mimosa tenuiflora e também pode ser chamada de Jurema-preta ou Vinho-de-jurema, contém diversos princípios ativos, como a dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide psicodélico que é capaz de induzir experiências alteradas de consciência. Além disso, a planta também contém outros alcaloides, taninos, flavonoides e compostos antioxidantes.

No ritual da Jurema, a planta é preparada de diversas formas, dependendo da tradição e da região em que é praticada. Em alguns casos, a casca da raiz é cozida em água para produzir um chá ou uma bebida alcoólica, que é consumida pelos participantes do ritual. Em outros casos, a casca da raiz é pulverizada e inalada, ou então é misturada com outras plantas para produzir um unguento que é aplicado na pele.

Além da Jurema, outros vegetais e plantas podem ser utilizados em rituais que envolvem a planta, dependendo da tradição e da intenção do ritual. Algumas das plantas mais comuns incluem a Arruda, o Guiné, a Quebra-pedra, a Malva-rosa e a Catingueira. Cada uma dessas plantas tem suas próprias propriedades medicinais e espirituais, e são combinadas de diferentes maneiras para produzir diferentes efeitos no corpo e na mente dos participantes do ritual.

A prática da Jurema é realizada por diversas etnias indígenas e afro-brasileiras em diferentes regiões do Brasil. As formas de preparação e uso da Jurema podem variar de acordo com a tradição e a região em que é praticada.

Em relação à forma de consumo, a Jurema pode ser ingerida na forma de um chá ou bebida alcoólica, ou então pode ser aspirada como um rapé. Em alguns casos, a casca da raiz é mastigada para produzir uma pasta que é aplicada na pele ou nos olhos.

Entre as etnias indígenas que praticam a Jurema, destacam-se os Fulni-ô, Pankararu, os Tuxá, os Xucuru-Kariri e os Xukuru, que habitam principalmente os estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia. 

Contexto Cultural Brasileiro

Câmara Cascudo estudou as práticas e crenças relacionadas à Jurema em diferentes regiões do Nordeste, entrevistando praticantes e estudando documentos históricos. Ele escreveu diversos artigos e livros sobre o assunto, incluindo "A Medicina Popular no Brasil", "Superstições e Crendices do Brasil" e "O Dicionário do Folclore Brasileiro".

Câmara Cascudo apontou que a Jurema foi alvo de perseguição e criminalização por parte das autoridades coloniais e republicanas, que associavam as práticas relacionadas à planta a "superstição" e "bruxaria". Ele destacou a importância de valorizar e respeitar as tradições culturais dos povos indígenas e afro-brasileiros, incluindo as práticas relacionadas à Jurema.

Severino Diniz

Existem diversos episódios na história do Brasil em que o uso da Jurema foi criminalizado e perseguido pelas autoridades, principalmente durante os períodos colonial e republicano. Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em 1938, na cidade de Catolé do Rocha, no estado da Paraíba.

Nessa época, o líder religioso Severino Diniz havia fundado a "Casa de Jurema", um espaço dedicado à prática dos rituais relacionados à Jurema. A casa era frequentada por pessoas de diferentes regiões do Nordeste, incluindo indígenas e afro-brasileiros que mantinham as tradições relacionadas à planta.


No entanto, a prática da Jurema foi vista com desconfiança pelas autoridades locais, que a associavam a "bruxaria" e "superstição". Em 1938, a polícia invadiu a Casa de Jurema e prendeu Severino Diniz e outros líderes religiosos, confiscando a Jurema e outros objetos sagrados utilizados nos rituais.

Os líderes religiosos foram acusados de charlatanismo e de atentar contra a saúde pública, e foram levados a julgamento. Durante o julgamento, foram apresentados testemunhos que acusavam a Casa de Jurema de realizar rituais "satanistas" e de oferecer a Jurema a crianças. No entanto, muitos dos depoimentos foram baseados em preconceitos e estereótipos sobre as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas.

Apesar dos esforços de defesa dos líderes religiosos e de intelectuais e ativistas que se mobilizaram em favor da causa, Severino Diniz foi condenado a quatro anos de prisão e a Casa de Jurema foi fechada. O episódio ficou conhecido como "Caso Jurema" e foi um exemplo da perseguição e criminalização das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas no país.

Assim, as contribuições de Câmara Cascudo foram fundamentais para o estudo e o reconhecimento da Jurema como um elemento importante da cultura popular e da religiosidade dos povos do Nordeste do Brasil.

Jurema Protegida por Lei

Existem algumas leis brasileiras que reconhecem a Jurema como patrimônio cultural e imaterial do país, garantindo o direito dos povos indígenas e afro-brasileiros de praticarem seus rituais e tradições. 

As federações religiosas constituíram, no processo histórico das religiões afro-ameríndias, um importante mecanismo de resistência e legalização. Na Paraíba, foi criado no ano de 1966 a Federação dos Cultos Africanos da Paraíba - FECAP, teve como primeiro presidente o pai de santo Carlos Rodrigues Leal.

Até essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. 

Contudo, a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos elementos religiosos da umbanda paraibana. (SANTIAGO, 2008, s/p)

De acordo com Lima (2020), a Federação impôs-se como uma ferramenta de representatividade religiosa que tinha a intenção de catalogar os terreiros do estado.

O governador João Agripino tornou uma importante referência política para as pessoas de religiões afro-ameríndias, no aniversário de 10 anos de criação da FECAP, o ex-governador foi convidado de honra para a celebração. Em suas falas, Mãe Marinalva destacou a aproximação do ex-governador e ex-ministro em atividades religiosas, como a festa de Iemanjá, realizada na praia de Cabo Branco na capital paraibana.

Algumas dessas leis são:

- Lei 11.645/2008: Esta lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Isso inclui o reconhecimento da Jurema como uma das expressões culturais afro-indígenas do país.

Em 2003 a UNESCO reconhece a jurema como prática da cultura imaterial indígena, Reportagem “Xangô no Arruda” do jornal Diário da Manhã, de 03 de março de 1938 e Mãe Marinalva com a mão sobreposta na cabeça do governador da Paraíba, João Agripino, em evento comemorativo da promulgação da Lei 3.443/1966, na Casa de Mãe Cleonice, Cruz das Armas (JP/PB)

- Lei 12.343/2010: Esta lei reconheceu o ofício das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Entre as práticas reconhecidas como parte do ofício das parteiras tradicionais está a utilização da Jurema em rituais de cura.

- Portaria nº 126/2019: Esta portaria do Ministério da Cidadania incluiu a Jurema como patrimônio cultural imaterial do Brasil, reconhecendo a importância da planta e dos rituais associados a ela para a cultura e a religiosidade dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Essas leis e portarias são importantes instrumentos de reconhecimento e proteção das práticas culturais relacionadas à Jurema no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para garantir o respeito e a valorização dessas tradições por toda a sociedade.

Alem dessas leis nacionais, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a cultura imaterial indígena brasileira  (intangible cultural heritage - ICH) como patrimônio cultural da humanidade. Essa categoria abrange tanto os bens materiais produzidos pelas comunidades indígenas, como suas técnicas, saberes e práticas relacionadas ao uso e manejo dos recursos naturais e do território.

O reconhecimento da cultura imaterial indígena brasileira como patrimônio cultural da humanidade foi oficializado pela Unesco em 2003, quando foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Essa lista foi criada em 2003 para reconhecer e proteger os bens culturais imateriais que são considerados importantes para a humanidade e que requerem proteção e salvaguarda.

O reconhecimento da cultura material indígena brasileira pela Unesco é uma forma de valorizar e preservar o patrimônio cultural das comunidades indígenas do país, promovendo a diversidade cultural e o respeito aos direitos dessas comunidades. Além disso, o reconhecimento da cultura material indígena também ajuda a promover a valorização da biodiversidade e dos recursos naturais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura dessas comunidades.

 Os matrimônios interétnicos

Entre os Fulni-ô, numericamente falando, as uniões interétnicas são proporcionalmente importantes. Assim, com base em dados encontrados no Posto Indígena, entre 1940 e 1970 se registraram na aldeia 173 destas uniões.

Um dos requisitos indispensáveis para poder participar do ritual do Ouricuri é a exigência de ser filho de pai e/ou mãe Fulni-ô. Além desse, existe outro requisito: o de assistir ao ritual do Ouricuri desde a mais tenra idade. Quem não o faz perde o direito de participar mais tarde e, portanto, deixa de ser considerado índio Fulni-ô. Assim, todos aqueles filhos de uniões interétnicas que participam do ritual se identificam como índios Fulni-ô e são assim reconhecidos (na maioria dos casos) pelos "brancos" ou "civilizados".

No que tange aos filhos de uniões interétnicas que não assistem ao ritual, podemos dizer que alguns deles se auto-identificam como índios e exigem ser reconhecidos como tais, com o que os Fulni-ô não concordam. Geralmente os filhos de uniões interétnicas, embora não assistam ao ritual, mantêm estreitas relações com os Fulni-ô e vivem dentro da Terra Indígena ou inclusive na própria aldeia do Posto. Os filhos de uniões interétnicas enfrentam problemas devido, como dizia um ancião, estarem "entre duas nações": por um lado os índios legítimos os discriminam chamando-os de "grogojó", por outro os "civilizados" lhes negam seu status de índios, mas sem aceitá-los totalmente como parte da comunidade "branca".

Mas, apesar de ambas as sociedades não aceitarem totalmente os matrimônios interétnicos, estes continuam a se realizar. Quando algum jovem indígena pretende casar-se com uma "civilizada", os anciãos tentam dissuadi-lo. Os "civilizados" tampouco têm simpatia por este tipo de união.

 Remanescentes e descendentes

Existem duas categorias sociais em que os Fulni-ô classificam seus descendentes, mas sem considerá-los parte do grupo. A primeira está formada por aquelas pessoas que vivem nas terras da reserva e que, por possuírem parte delas, a FUNAI as reconhece como índios; a elas chamam remanescentes. A segunda é constituída por aqueles indivíduos que são filhos de uniões interétnicas, mas que não participam no ritual.

Na Terra Indígena viviam em 1982 aproximadamente setenta famílias que possuiam terrenos dentro da mesma. Para a FUNAI estas famílias são indígenas, mas para os Fulni-ô não são. A origem deste grupo é um tanto incerta. O mais provável é que se trata de descendentes de uniões interétnicas que deixaram de assistir ao Ouricuri.

Os Fulni-ô justificam a exclusão dos remanescentes de seu grupo, argumentando que não são índios, pois não assistem ao ritual do Ouricuri, não falam Ia-tê e vivem fora da aldeia. A maioria destes remanescentes tampouco se identifica como índios, embora reconheça que descende de pais indígenas. O único vínculo que atualmente parece existir entre os Fulni-ô e os remanescentes é a possessão da terra e é para mantê-la que os segundos manipulam sua identidade, de modo a alegar direitos sobre as propriedades que possuem.

Quanto à segunda categoria, existem dois grupos: aqueles que se identificam com os índios e que se fazem assim chamar, mas não são reconhecidos como tais; a sociedade Fulni-ô não os rechaça mas tampouco os aceita no ritual. De outro lado estão aqueles que definitivamente foram socializados como brancos e estão totalmente integrados na sociedade regional; a estes os Fulni-ô chamam descendentes quando conhecem sua origem.

 A luta pela terra

Desde sua fundação, há mais de duzentos anos, o atual assentamento dos Fulniô esteve ligado à história da cidade de Águas Belas. A terra indígena foi demarcada a partir da Serra dos Cavalos, que tem um sítio arquelógico com pinturas rupestres. 

O local chamado de Foklasá que significa "o lugar de muitas pedras" é uma elevação com pedras e pinturas rupestres. Na pedra principal da Serra dos Cavalos, com desenhos dos elementos da Tartaruga (Txokhlaya) e da Esteira (provavelmente de Ouricuri) comumente usados na pintura corporal.

Segundo a tradição, foi um homem branco, chamado João Rodrigues Cardoso, tomou as primeiras iniciativas que deram origem ao povoado de Ipanema, que anos mais tarde se transformaria na cidade de Águas Belas. Mario Melo (1929) diz que o fundador, com a ajuda dos Fulni-ô, erigiu a capela de Nossa Senhora da Conceição, obtendo também do governo a nomeação de seu amigo, Lourenço Bezerra Cavalcanti, para diretor dos aldeados, cargo que havia sido criado em 1757.

A Lei Imperial de Terras de 1850 entregava às províncias a posse dos aldeamentos indígenas extintos. Conseqüentemente, as províncias nordestinas tiveram pressa em declarar os índios de seus aldeamentos como extintos. Foi por isso que em 1875 o presidente da província de Pernambuco, pelo ato do 4 de maio de 1875, considerou extintos diversos aldeamentos, entre eles o de Ipanema ou Águas Belas.

Ao se extinguirem os aldeamentos, os "civilizados" ansiosos por expandir suas possessões empreenderam furiosas investidas contra os Fulni-ô, empurrando-os para a caatinga e tomando-lhes os terrenos cultivados, apropriando-se assim ilegalmente das terras que por direito pertenciam aos indígenas.

Possivelmente os Fulni-ô tiveram mais sorte que outros grupos indígenas, pois o governo provincial, tendo em vista as invasões das terras indígenas pelos "civilizados", acudiu os índios, mandando demarcar as terras doadas aos Fulniô por cartas régias e alvarás. 

Em 1875 aconteceu a prineira demarcação de terra entregue aos Fulni-ô a pedido do padre Alfredo Dantas, que fez o primeiro contato com os Fulni-ô às autoridades. Esta demarcação respeitou a doação anteriormente feita à capela de Nossa Senhora da Conceição, cuja superfície era de 759.664 m2 (Pinto. 1956:14).

Esta intervenção do governo provincial em favor dos indígenas, ainda que tenha ajudado a frear os interesses da população "civilizada", não a deteve do todo, pois anos mais tarde novamente começou a pressionar os indígenas a abandonarem as terras que legitimamente lhes pertenciam. Assim, em 1886, a Câmara de Vereadores considerou irregular a demarcação e pediu ao governo "a creação no termo de ... um juizo comissario", com a finalidade de legalizar as terras ocupadas por todos os invasores (posseiros).

No século XX, os Fulni-ô continuaram com sua velha contenda pela terra. Em 1904, com a mudança de governo, os "civilizados", incentivados pelas novas leis que o regime republicano estabelecia, procuravam novas formas (ou formas legais) para se apropriarem dos bens indígenas. Em 1908, as terras da aldeia foram arrendadas a Nicolau Cavalcanti de Siqueira, por um prazo de seis anos. Determinava-se que, ao finalizar esse contrato, os imóveis voltariam ao domínio estadual (Vasconcelos 1962:36; Pinto, 1956:16).

Ao terminar o contrato, o Prefeito Cezar Montezuma de Oliveira, baseando-se na Lei Orgânica dos Municípios, que determinava que as terras devolutas passavam ao poder dos municípios, convidou, por meio de um edital, todos os moradores das terras para providenciarem o respectivo arrendamento. Entretanto, isso não se efetivou, passando as terras novamente ao domínio dos índios.

Em 1928 esta área foi loteada e entregue às familias Fulni-ô, dividida por representantes do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que então incluia o Serviço de Proteção aos Índios. Da divisão resultaram 400 lotes de 550x550 metros (30,25 hectares) e mais outros 27 lotes de menor extensão com dimensões irregulares. Em 14 de maio de 1929 os Fulni-ô receberam títulos individuais da terra que possuiam, de caráter provisório, expedidos pelo mesmo Ministério.

Embora em 1929 cada família Fulni-ô tenha recebido um lote, na atualidade algumas carecem de terra.

 Arrendamento da terra

A partir de 1929, os Fulni-ô começaram a arrendar suas terras aos habitantes não-índios do Município de Águas Belas. Muitos dos "civilizados" que cultivavam estas terras de maneira irregular, começaram a pagar uma quota anual aos índios donos dos lotes, mediante um contrato firmado no Posto do SPI; desde então muitos "civilizados" cultivam as terras pertencentes aos indígenas.

Em 1982, os registros do Posto indicavam que, dos 427 lotes em que está dividida a Terra Indígena, 275 tinham arrendatários que em sua maioria eram pessoas com poucos recursos econômicos.

Outra modalidade de arrendamento é aquela a que chamam de "chão de casa". Devido à peculiar situação da cidade de Águas Belas, a partir da década de 1950, a solução encontrada pelas famílias brancas sem casa foi a construção de moradas dentro da Terra Indígena. Para que um branco possa construir uma casa nesta situação, é necessário que conte com a permissão do respectivo dono e do chefe do Posto. Em 1980, o total de casas era de 485, e estavam situadas em 11 lotes. Um relatório de 1986 menciona 800 casas nesta situação (Povos Indígenas no Brasil 1985-1986, CEDI, 1986).

 Economia

Na atualidade a maioria dos Fulni-ô cultiva suas roças, em média de dois a três hectares, utilizando unicamente a força de trabalho disponível da família. Geralmente, vendem uma parte da totalidade de sua produção agrícola. Produzem a forragem e o algodão principalmente com a intenção comercializá-los em sua totalidade. Já o feijão, o milho e a mandioca são cultivados tanto para venda como para consumo pela unidade doméstica.

A atividade remunerada na qual a unidade doméstica emprega preferencialmente mão-de-obra feminina é a confecção de artefatos de palma. São os homens os que se ocupam de procurar, cortar e transportar a palma da serra para a aldeia. Quando uma família carece de homens, então as mulheres se vêem obrigadas a realizar essa extenuante tarefa.

Os produtos que se elaboram com maior freqüência são bolsas, esteiras, escovas, chapéus, e abanos. Outros artigos, como sandálias, se fazem sob encomenda. Alguns desses produtos são decorados com fibras pintadas com tinta; dizem os anciãos que seus antepassados usavam corantes que eles mesmos fabricavam.

Esses artefatos se confeccionam preferencialmente nos meses de setembro a dezembro, época em que o trabalho nas roças está terminado, quando é mais fácil conseguir a matéria-prima e elaborar os artigos, pois a palma seca rapidamente, o que não ocorre na época das chuvas, quando os Fulni-ô também têm que se ocupar de seus cultivos. Os meses de maior produção coincidem com a época do ritual do Ouricuri; é também neste período que aumenta a demanda desses produtos, embora caiba esclarecer que são fabricados durante todo o ano.

 Os Fulni-ô no mundo dos brancos

Os Fulni-ô participam em várias atividades fora de sua aldeia, alguns como estudantes, outros como trabalhadores. 

Muitos outros trabalhavam fora da Terra Indígena, alguns como funcionários da FUNAI, em postos que não o de Águas Belas. Alguns eram professores nessa cidade; outros, trabalhadores da construção civil em distintas cidades dos estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia, São Paulo e no Distrito Federal.

A participação dos índios na vida política da municipalidade tem sido também muito ativa; e também muito significativa, já que sob determinadas circunstâncias podem decidir a eleição em favor de um ou outro candidato, pois proporcionalmente o número de eleitores índios é alto. Em 1982, o número de votos dos Fulni-ô era suficiente para eleger dois vereadores. Se quisessem, poderiam manter uma representação na câmara municipal. Entretanto, nas eleições de 1982 tal situação não foi possível porque o voto indígena esteve bastante dividido. Nas observações realizadas naquela ocasião, o comportamento político dos Fulni-ô foi bastante heterogêneo: alguns votaram considerando o programa de um partido; outros, seus vínculos pessoais com certos candidatos; e outros, suas relações de clientela com líderes políticos regionais.

Para terminar, vale fazer alusão à opinião que os Fulni-ô deram a Jorge Hernández sobre os livros escritos sobre eles, em particular sobre os assuntos referentes ao ritual do Ouricuri e à organização clânica tratada na obra de Estêvão Pinto. Como são temas zelosamente guardados, um ancião disse que o livro não se baseava numa boa recopilação da informação e que seu conteúdo era uma interpretação do autor: "Foi o civilizado que escreveram isso, de acordo o entendimento deles. Não foi nós nem nossos chefes índios, não foi o índio que escreveu isso. Foi os civilizados que estudaram e interpretaram." Espera-se que em breve sejam os próprios Fulni-ô que escrevam e interpretem sua história para nós.

 Nota sobre as fontes

A primeira elaboração das informações históricas e etnográficas sobre os Fulni-ô data de 1929, quando Mario Melo publicou os resultados de sua investigação. Outras fontes com informação desta natureza são os textos escritos por Max Boudin e Estêvão Pinto a quem se deve a maior parte da informação etnográfica disponível, sobretudo a referente à organização clânica e ao ritual do Ouricuri. Esta informação foi colhida entre os Fulni-ô na década de 40, quando o ritual começava a resguardar-se com segredo.

Dados sobre a fundação da cidade de Águas Belas se encontram na obra de Mario Melo, Estêvão Pinto e num livro escrito por Sanelva de Vasconcelos especificamente sobre esse tema.

No que se refere à estrutura do Ia-tê, a língua dos Fulni-ô, pode-se consultar o livro de Geraldo Lapenda. Outro texto com alguma informação desta natureza é o Lemos Barbosa.

Sobre as condições de vida existentes na aldeia Fulni-ô nos anos 60 existe um relatório escrito por Mabel Cerqueira Vianna.

As dissertações de mestrado de Jorge Hernández Díaz, de 1983, e a de Miguel Vicente Foti, de 1991, ambas defendidas na Universidade de Brasília, contêm informação sobre as novas condições em que se desenvolve o ritual do Ouricuri. Sobre o arrendamento das terras podem-se consultar a dissertação de Hernández Díaz e a de Sidnei Clemente Peres, esta última defendida no Museu Nacional, da UFRJ, em 1992. Há também relatórios mais recentes de Ivson José Ferreira.

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