Toy Art Javaé |
# | Nomes | Outros nomes ou grafias | Família linguística | Informações demográficas | |||||||||
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66 | Javaé | Karajá/Javaé, Itya Mahãdu | Karajá |
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Os Javaé, assim como os Karajá e os Xambioá, são um dos poucos povos indígenas da antiga Capitania de Goiás que sobreviveram às capturas e grandes mortandades promovidas pelos bandeirantes, à política repressora dos aldeamentos, às epidemias trazidas pelos colonizadores em épocas diferentes e à invasão crescente do seu território. Muitos estudos destacam a notável capacidade de resiliência cultural 1 desses povos, que souberam dialogar com as mudanças drásticas impostas pelo contato, mantendo aspectos essenciais de sua estrutura social, ritual e cosmológica.
Na literatura antropológica, existe a tendência de se considerar os Javaé como um dos “subgrupos Karajá” ou como uma das três etnias que compõem “os Karajá” em geral: os Karajá propriamente ditos, os Javaé e os Xambioá, todos habitantes imemoriais das margens do rio Araguaia. Tal perspectiva tem relação com o fato dos Javaé e Xambioá terem sido menos pesquisados que os Karajá, permanecendo em segundo plano as especificidades de cada um. Aqui os três povos falantes de dialetos da língua Karajá serão considerados mais como três etnias distintas do que como subgrupos de um mesmo povo, tendo em vista a percepção que eles têm de si próprios como povos únicos, especialmente no caso dos Javaé.
Até o início do século 20, os Javaé mantiveram-se muito mais isolados da sociedade nacional do que os seus vizinhos Karajá e Xambioá, mas as três etnias sempre tiveram um histórico de relacionamento próximo. A história do contato dos Javaé com a sociedade nacional, por exemplo, é indissociável da história do relacionamento dos Karajá com os não-índios, pois os Karajá atuaram como intermediários entre aqueles e os Javaé até o fim do século 19.
Os três grupos falam dialetos da língua Karajá e não há como negar as notáveis semelhanças em termos de organização social, rituais, mitologia ou cosmologia, embora se saiba muito pouco sobre os Xambioá. Minha pesquisa mais recente entre os Javaé, entretanto, tem revelado que as diferenças culturais em relação aos Karajá, pelo menos, são maiores do que se supunha antes.
Os próprios Javaé enfatizam bastante as diferenças e concebem a si próprios como um grupo étnico único e diferente dos Karajá e Xambioá, considerando ofensivo serem chamados de Karajá. Estes últimos são tidos pelos Javaé como um dos diversos povos ixyju 2 (“estrangeiros”), entre outras denominações que contêm uma forte conotação pejorativa, que habitam a região desde antes da colonização européia e com os quais sempre mantiveram variadas trocas. Do mesmo modo, os Karajá chamam os Javaé de ixyju e se consideram moralmente superiores. Enquanto os Javaé tentam se diferenciar dos Karajá no cenário político regional e nacional, os Xambioá (assim chamados pelos Javaé), por sua vez, buscam uma aproximação, preferindo a autodenominação “Karajá do Norte”.
Notas
1. Resiliência (sentido figurado): capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte, às mudanças. Dicionário Houaiss.
2. A grafia correta do termo ixyju pressupõe o uso do y acentuado por ~
Nomes
A palavra javaé ou javaés é de origem desconhecida, enquanto a palavra karajá seria de origem Tupi-Guarani, com o significado de “mono grande” (macaco guariba), provavelmente atribuída ao povo em questão pelos bandeirantes, que utilizavam a Língua Geral. Xambioá, por sua vez, derivaria da expressão nativa ixy 1 biawa, “povo companheiro ou amigo”, ou de sy biawa, “outro lugar”.
Como principal autodesignação, os Karajá e Javaé utilizam o termo Iny, palavra que significa “gente” ou “ser humano”. Em seu sentido mais amplo, todos os seres humanos, incluindo os não-índios, são iny (com letra minúscula). Em seu sentido mais estrito (com letra maiúscula), refere-se apenas aos Javaé, embora os Karajá também o utilizem como autodenominação. Os dois grupos se autodenominam Itya Mahãdu (“o povo do meio”), em razão de se conceberem morando no nível intermediário do cosmos, entre o nível subaquático e o nível celeste. Também se autodesignam Ahana Òbira Mahãdu (“o povo de fora” ou “o povo com a face de fora”), em uma referência à ascensão mítica primordial, quando os humanos que moravam no fundo das águas (um espaço fechado, abaixo do leito do rio Araguaia) saíram de baixo para o nível terrestre atual, concebido como um lugar amplo e aberto.
Notas
1. A grafia correta dos termos ixy, iny e sy pressupõe o uso do y acentuado por ~
Língua
Nos anos 60, depois de um longo período de dúvidas, a lingüística reconheceu o pertencimento da língua Karajá ao tronco lingüístico Macro-Jê, embora ainda não tenha sido classificada em família. Divide-se em três dialetos, pertencentes a três etnias distintas: os Karajá, propriamente ditos, os Javaé e os Xambioá, os quais têm uma certa dificuldade de se compreender mutuamente.
Mais recentemente, o lingüista Eduardo R. Ribeiro (2001/2002) propôs a diferenciação da língua Karajá em quatro dialetos: Karajá do sul, Karajá do norte, Javaé e Xambioá.
A língua Karajá, estudada por vários pesquisadores, é conhecida pela notável diferença entre a fala masculina e a feminina, o que expressa a forte divisão entre as diferentes perspectivas e esferas de atuação de homens e mulheres. O contraste se dá, na maior parte dos casos, pela letra k, como na palavra “chuva”, que é biu, para os homens, e biku, para as mulheres. De acordo com Fortune & Fortune (1986), a diferença é marcada em 30 % das palavras usadas pelas mulheres. Entre os Javaé, cujo dialeto apresenta maiores diferenças intrínsecas em relação aos outros, a diferença entre as duas falas persiste, apesar de não ser tão acentuada como entre os Karajá e Xambioá, ao contrário do que supuseram alguns antropólogos.
Assim como entre os Karajá da Ilha do Bananal, a língua nativa é predominantemente usada no cotidiano javaé. Conforme descreveu o lingüista Marcus Maia (1986), no início dos anos 80 ainda havia um contraste acentuado entre uma maioria de homens bilíngües e uma maioria de mulheres e crianças monolíngües. Tal não é mais a situação atual, em que as mulheres e crianças, em sua maioria, falam e entendem também o Português, embora nem sempre com a mesma desenvoltura dos homens jovens.
Localização
Desde tempos imemoriais, os Javaé, Karajá e Xambioá habitam o vale do rio Araguaia, em cujo médio curso está localizada a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. O rio Araguaia nasce na Serra dos Kayapó, ao sul de Goiás, alcança 2.627 km de extensão e desemboca no baixo Tocantins, no ponto setentrional extremo do Estado de Tocantins, fazendo parte da bacia amazônica. Em grande parte de seu curso, o rio corre por uma imensa planície, inundável durante a estação das chuvas, situada entre o rio Xingu, a oeste, e o rio Tocantins, a leste.
A Ilha do Bananal situa-se no Estado do Tocantins, em uma área de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, e é constituída de inúmeros rios, lagos, savanas inundáveis (conhecidas regionalmente como “varjão”) e matas de galeria. Seu território possui cerca de 2 milhões de hectares e é coberto pelas águas do Araguaia em quase sua totalidade durante a estação cheia. Originalmente chamada de “Ilha de Sant’Anna”, nome dado pelo Alferes Pinto da Fonseca em 1775, a Ilha do Bananal é conhecida pelos Javaé como Iny òlòna1 , “o lugar de onde surgiram (ou saíram de baixo) os humanos”, ou Ijata òlòna, “o lugar de onde surgiram as bananas”, em razão de um grande bananal nativo, cuja origem é atribuída aos parentes míticos do ancestral Tòlòra, ao lado do atual Lago do Bananal.
A ilha está no centro do território de ocupação imemorial dos Karajá e Javaé e é formada a oeste pelo rio Javaés ou “braço menor” do Araguaia, conhecido nos séculos 18 e 19 como “Furo do Bananal”. Segundo a mitologia javaé, o povo Javaé atual foi formado por ancestrais míticos de origem diversa, tendo destaque o povo de Tòlòra, que ascendeu junto à aldeia Marani Hãwa, e o povo Wèrè, que ascendeu no lago Bòra (ou Lago do Aristóteles) e no lago Bèlybyranõra. Os Karajá, por sua vez, de acordo com a mitologia javaé e karajá, teriam ascendido em um único lugar, em um grande buraco ao lado da antiga aldeia Inysèdyna.
Ao meio, em seu sentido longitudinal, a Ilha do Bananal é dividida pelos rios Jaburu (Ikòròbi Bero) e Riozinho (Wabe ou Wabewo), que atuam como limites naturais entre o território karajá, a oeste, e o javaé, a leste. De acordo com a memória oral nativa e registros históricos escritos a partir do século 17, os Javaé habitavam toda a bacia do rio Javaés e as áreas adjacentes atingidas pelas inundações anuais, o que inclui áreas dentro e fora da Ilha do Bananal, enquanto os Xambioá habitavam o trecho encachoeirado do baixo Araguaia. Os Karajá habitavam o médio curso do rio Araguaia, livre de cachoeiras, em ambas as margens, incluindo a porção ocidental da Ilha do Bananal.
Aldeias
Em 2009, os Javaé estavam distribuídos em 13 aldeias. Com exceção da aldeia Imotxi, que se localiza no interior da Ilha do Bananal, todas as outras estão situadas na margem esquerda do rio Javaés, embora a maioria esteja em sítios já ocupados pelos antepassados dos Javaé antes do contato regular com a sociedade nacional [dados de 2009].
Segundo a memória oral nativa, os Javaé habitaram em mais de 50 aldeias até o início do século 20, de duração e tamanhos diferenciados: as aldeias Marani Hãwa, ao sul, e Wariwari, mais ao norte, eram tidas como as maiores de todas e consideradas como centros de aldeias menores das proximidades. Aldeias pequenas e interligadas localizavam-se na porção centro-norte da Ilha do Bananal, região conhecida como Bèdèky.
Além destas, existiam outras nas margens do médio rio Javaés e fora da Ilha do Bananal. No interflúvio entre o rio Javaés e o seu principal afluente, o rio Formoso do Araguaia, os Javaé moravam em várias aldeias na região do rio Loroti e no próprio rio Formoso do Araguaia. O interflúvio entre o rio Javaés e o rio Água Fria também foi ocupado por aldeias, entre elas Ijanakatu Hãwa, de origem mítica. Por um breve período de tempo existiu uma aldeia nas margens do Rio Verde, importante afluente da margem direita do rio Javaés.
Nas margens do baixo Javaés, ao norte da atual aldeia Boto Velho, existiram muitas aldeias. As aldeias Kòtu Iràna e Iròdu Iràna eram conhecidas como antigos e famosos pontos de encontros rituais e trocas entre os Karajá, Javaé e Xambioá. Iròdu Iràna era conhecida como o local mítico onde o herói mítico Tanyxiwè roubou o fogo dos animais e, devido à sua localização espacial e à sua importância em termos de trocas, era considerada como uma espécie de “meio” ou “centro” do território maior ocupado pelas três etnias no vale do Araguaia. Em termos gerais, a região do baixo Javaés e a porção setentrional da ilha eram habitadas, desde tempos antigos, por aldeias em que famílias javaé e karajá viviam juntas.
Nas primeiras décadas do século 20, devido ao contato cada vez mais próximo com os invasores do território javaé, as novas doenças trazidas por criadores de gado, mineradores de cristal de rocha, caçadores, pescadores, missionários e agentes do Estado provocaram a morte da maior parte da população e a extinção das aldeias. Os sobreviventes deslocaram-se para as margens do rio Javaés, onde foram fundadas novas aldeias a partir dos anos 50.
Os Javaé perderam o controle sobre o uso dos recursos de boa parte do território tradicional e um número expressivo de sítios de aldeias e cemitérios antigos está ocupado por não-índios. Diferente dos Karajá, esse povo sofreu um dramático processo de deslocamento territorial, que os obrigou a abandonar as aldeias do interior e de fora da Ilha do Bananal e a se transferir maciçamente para as margens do rio Javaés.
Notas
A grafia correta dos termos Tanyxiwè, Iny (em Iny òlòna), Inysèdyna pressupõe o uso do y acentuado por ~
População
Em termos gerais, as informações históricas sobre a demografia dos povos de língua Karajá evidenciam um dramático e acentuado declínio após a chegada do colonizador europeu ao Brasil Central, no século 16, em função tanto das violências sofridas quanto das epidemias desconhecidas. O primeiro registro escrito de alguém que dialogou com os Javaé e os Karajá foi produzido em 1775, pelo Alferes José Pinto da Fonseca, emissário oficial do governador da Capitania de Goiás. Após os primeiros contatos pacíficos, Fonseca visitou aldeias javaé e karajá, uma delas com “mais de 2.000 almas”, e relatou que existiam seis aldeias karajá e três aldeias javaé, totalizando “9.000 almas”.
No quadro abaixo, há um resumo dos dados populacionais sobre os Javaés, entre outros povos (Karajá e Xambioá), entre 1775 e 1896, lembrando que os 9.000 Javaé e Karajá estimados pelo Alferes Pinto da Fonseca já eram os sobreviventes dos massacres anteriores promovidos pelos bandeirantes paulistas.
Autor Data População n. de Aldeias
Pinto da Fonseca 1775 9.000 (Karajá e Javaé); uma aldeia karajá
com mais de 2.000 pessoas 6 Karajá, 3 Javaé
Alencastre 1861 Mais de 10.000 (Karajá, Javaé e Xambioá)
Couto de Magalhães1876 Entre 7.000 e 8.000 (Karajá, Javaé e Xambioá)
Ehrenreich 1888 4.000 (Karajá, Javaé e Xambioá) 15 Karajá, 3 Javaé
Bispo Silva* 1896 Uma das aldeias javaé com cerca de 1.500 pessoas 3 javaé
* apud Audrin (1946)
Na literatura antropológica, existe a tendência de se considerar os Javaé como um dos “subgrupos Karajá” ou como uma das três etnias que compõem “os Karajá” em geral: os Karajá propriamente ditos, os Javaé e os Xambioá, todos habitantes imemoriais das margens do rio Araguaia. Tal perspectiva tem relação com o fato dos Javaé e Xambioá terem sido menos pesquisados que os Karajá, permanecendo em segundo plano as especificidades de cada um. Aqui os três povos falantes de dialetos da língua Karajá serão considerados mais como três etnias distintas do que como subgrupos de um mesmo povo, tendo em vista a percepção que eles têm de si próprios como povos únicos, especialmente no caso dos Javaé.
Até o início do século 20, os Javaé mantiveram-se muito mais isolados da sociedade nacional do que os seus vizinhos Karajá e Xambioá, mas as três etnias sempre tiveram um histórico de relacionamento próximo. A história do contato dos Javaé com a sociedade nacional, por exemplo, é indissociável da história do relacionamento dos Karajá com os não-índios, pois os Karajá atuaram como intermediários entre aqueles e os Javaé até o fim do século 19.
Os três grupos falam dialetos da língua Karajá e não há como negar as notáveis semelhanças em termos de organização social, rituais, mitologia ou cosmologia, embora se saiba muito pouco sobre os Xambioá. Minha pesquisa mais recente entre os Javaé, entretanto, tem revelado que as diferenças culturais em relação aos Karajá, pelo menos, são maiores do que se supunha antes.
Os próprios Javaé enfatizam bastante as diferenças e concebem a si próprios como um grupo étnico único e diferente dos Karajá e Xambioá, considerando ofensivo serem chamados de Karajá. Estes últimos são tidos pelos Javaé como um dos diversos povos ixyju 2 (“estrangeiros”), entre outras denominações que contêm uma forte conotação pejorativa, que habitam a região desde antes da colonização européia e com os quais sempre mantiveram variadas trocas. Do mesmo modo, os Karajá chamam os Javaé de ixyju e se consideram moralmente superiores. Enquanto os Javaé tentam se diferenciar dos Karajá no cenário político regional e nacional, os Xambioá (assim chamados pelos Javaé), por sua vez, buscam uma aproximação, preferindo a autodenominação “Karajá do Norte”.
Notas
1. Resiliência (sentido figurado): capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte, às mudanças. Dicionário Houaiss.
2. A grafia correta do termo ixyju pressupõe o uso do y acentuado por ~
Nomes
A palavra javaé ou javaés é de origem desconhecida, enquanto a palavra karajá seria de origem Tupi-Guarani, com o significado de “mono grande” (macaco guariba), provavelmente atribuída ao povo em questão pelos bandeirantes, que utilizavam a Língua Geral. Xambioá, por sua vez, derivaria da expressão nativa ixy 1 biawa, “povo companheiro ou amigo”, ou de sy biawa, “outro lugar”.
Como principal autodesignação, os Karajá e Javaé utilizam o termo Iny, palavra que significa “gente” ou “ser humano”. Em seu sentido mais amplo, todos os seres humanos, incluindo os não-índios, são iny (com letra minúscula). Em seu sentido mais estrito (com letra maiúscula), refere-se apenas aos Javaé, embora os Karajá também o utilizem como autodenominação. Os dois grupos se autodenominam Itya Mahãdu (“o povo do meio”), em razão de se conceberem morando no nível intermediário do cosmos, entre o nível subaquático e o nível celeste. Também se autodesignam Ahana Òbira Mahãdu (“o povo de fora” ou “o povo com a face de fora”), em uma referência à ascensão mítica primordial, quando os humanos que moravam no fundo das águas (um espaço fechado, abaixo do leito do rio Araguaia) saíram de baixo para o nível terrestre atual, concebido como um lugar amplo e aberto.
Notas
1. A grafia correta dos termos ixy, iny e sy pressupõe o uso do y acentuado por ~
Língua
Nos anos 60, depois de um longo período de dúvidas, a lingüística reconheceu o pertencimento da língua Karajá ao tronco lingüístico Macro-Jê, embora ainda não tenha sido classificada em família. Divide-se em três dialetos, pertencentes a três etnias distintas: os Karajá, propriamente ditos, os Javaé e os Xambioá, os quais têm uma certa dificuldade de se compreender mutuamente.
Mais recentemente, o lingüista Eduardo R. Ribeiro (2001/2002) propôs a diferenciação da língua Karajá em quatro dialetos: Karajá do sul, Karajá do norte, Javaé e Xambioá.
A língua Karajá, estudada por vários pesquisadores, é conhecida pela notável diferença entre a fala masculina e a feminina, o que expressa a forte divisão entre as diferentes perspectivas e esferas de atuação de homens e mulheres. O contraste se dá, na maior parte dos casos, pela letra k, como na palavra “chuva”, que é biu, para os homens, e biku, para as mulheres. De acordo com Fortune & Fortune (1986), a diferença é marcada em 30 % das palavras usadas pelas mulheres. Entre os Javaé, cujo dialeto apresenta maiores diferenças intrínsecas em relação aos outros, a diferença entre as duas falas persiste, apesar de não ser tão acentuada como entre os Karajá e Xambioá, ao contrário do que supuseram alguns antropólogos.
Assim como entre os Karajá da Ilha do Bananal, a língua nativa é predominantemente usada no cotidiano javaé. Conforme descreveu o lingüista Marcus Maia (1986), no início dos anos 80 ainda havia um contraste acentuado entre uma maioria de homens bilíngües e uma maioria de mulheres e crianças monolíngües. Tal não é mais a situação atual, em que as mulheres e crianças, em sua maioria, falam e entendem também o Português, embora nem sempre com a mesma desenvoltura dos homens jovens.
Localização
Desde tempos imemoriais, os Javaé, Karajá e Xambioá habitam o vale do rio Araguaia, em cujo médio curso está localizada a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. O rio Araguaia nasce na Serra dos Kayapó, ao sul de Goiás, alcança 2.627 km de extensão e desemboca no baixo Tocantins, no ponto setentrional extremo do Estado de Tocantins, fazendo parte da bacia amazônica. Em grande parte de seu curso, o rio corre por uma imensa planície, inundável durante a estação das chuvas, situada entre o rio Xingu, a oeste, e o rio Tocantins, a leste.
Território Javaé |
A Ilha do Bananal situa-se no Estado do Tocantins, em uma área de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, e é constituída de inúmeros rios, lagos, savanas inundáveis (conhecidas regionalmente como “varjão”) e matas de galeria. Seu território possui cerca de 2 milhões de hectares e é coberto pelas águas do Araguaia em quase sua totalidade durante a estação cheia. Originalmente chamada de “Ilha de Sant’Anna”, nome dado pelo Alferes Pinto da Fonseca em 1775, a Ilha do Bananal é conhecida pelos Javaé como Iny òlòna1 , “o lugar de onde surgiram (ou saíram de baixo) os humanos”, ou Ijata òlòna, “o lugar de onde surgiram as bananas”, em razão de um grande bananal nativo, cuja origem é atribuída aos parentes míticos do ancestral Tòlòra, ao lado do atual Lago do Bananal.
A ilha está no centro do território de ocupação imemorial dos Karajá e Javaé e é formada a oeste pelo rio Javaés ou “braço menor” do Araguaia, conhecido nos séculos 18 e 19 como “Furo do Bananal”. Segundo a mitologia javaé, o povo Javaé atual foi formado por ancestrais míticos de origem diversa, tendo destaque o povo de Tòlòra, que ascendeu junto à aldeia Marani Hãwa, e o povo Wèrè, que ascendeu no lago Bòra (ou Lago do Aristóteles) e no lago Bèlybyranõra. Os Karajá, por sua vez, de acordo com a mitologia javaé e karajá, teriam ascendido em um único lugar, em um grande buraco ao lado da antiga aldeia Inysèdyna.
Ao meio, em seu sentido longitudinal, a Ilha do Bananal é dividida pelos rios Jaburu (Ikòròbi Bero) e Riozinho (Wabe ou Wabewo), que atuam como limites naturais entre o território karajá, a oeste, e o javaé, a leste. De acordo com a memória oral nativa e registros históricos escritos a partir do século 17, os Javaé habitavam toda a bacia do rio Javaés e as áreas adjacentes atingidas pelas inundações anuais, o que inclui áreas dentro e fora da Ilha do Bananal, enquanto os Xambioá habitavam o trecho encachoeirado do baixo Araguaia. Os Karajá habitavam o médio curso do rio Araguaia, livre de cachoeiras, em ambas as margens, incluindo a porção ocidental da Ilha do Bananal.
Aldeias
Em 2009, os Javaé estavam distribuídos em 13 aldeias. Com exceção da aldeia Imotxi, que se localiza no interior da Ilha do Bananal, todas as outras estão situadas na margem esquerda do rio Javaés, embora a maioria esteja em sítios já ocupados pelos antepassados dos Javaé antes do contato regular com a sociedade nacional [dados de 2009].
Segundo a memória oral nativa, os Javaé habitaram em mais de 50 aldeias até o início do século 20, de duração e tamanhos diferenciados: as aldeias Marani Hãwa, ao sul, e Wariwari, mais ao norte, eram tidas como as maiores de todas e consideradas como centros de aldeias menores das proximidades. Aldeias pequenas e interligadas localizavam-se na porção centro-norte da Ilha do Bananal, região conhecida como Bèdèky.
Além destas, existiam outras nas margens do médio rio Javaés e fora da Ilha do Bananal. No interflúvio entre o rio Javaés e o seu principal afluente, o rio Formoso do Araguaia, os Javaé moravam em várias aldeias na região do rio Loroti e no próprio rio Formoso do Araguaia. O interflúvio entre o rio Javaés e o rio Água Fria também foi ocupado por aldeias, entre elas Ijanakatu Hãwa, de origem mítica. Por um breve período de tempo existiu uma aldeia nas margens do Rio Verde, importante afluente da margem direita do rio Javaés.
Nas margens do baixo Javaés, ao norte da atual aldeia Boto Velho, existiram muitas aldeias. As aldeias Kòtu Iràna e Iròdu Iràna eram conhecidas como antigos e famosos pontos de encontros rituais e trocas entre os Karajá, Javaé e Xambioá. Iròdu Iràna era conhecida como o local mítico onde o herói mítico Tanyxiwè roubou o fogo dos animais e, devido à sua localização espacial e à sua importância em termos de trocas, era considerada como uma espécie de “meio” ou “centro” do território maior ocupado pelas três etnias no vale do Araguaia. Em termos gerais, a região do baixo Javaés e a porção setentrional da ilha eram habitadas, desde tempos antigos, por aldeias em que famílias javaé e karajá viviam juntas.
Nas primeiras décadas do século 20, devido ao contato cada vez mais próximo com os invasores do território javaé, as novas doenças trazidas por criadores de gado, mineradores de cristal de rocha, caçadores, pescadores, missionários e agentes do Estado provocaram a morte da maior parte da população e a extinção das aldeias. Os sobreviventes deslocaram-se para as margens do rio Javaés, onde foram fundadas novas aldeias a partir dos anos 50.
Os Javaé perderam o controle sobre o uso dos recursos de boa parte do território tradicional e um número expressivo de sítios de aldeias e cemitérios antigos está ocupado por não-índios. Diferente dos Karajá, esse povo sofreu um dramático processo de deslocamento territorial, que os obrigou a abandonar as aldeias do interior e de fora da Ilha do Bananal e a se transferir maciçamente para as margens do rio Javaés.
Notas
A grafia correta dos termos Tanyxiwè, Iny (em Iny òlòna), Inysèdyna pressupõe o uso do y acentuado por ~
População
Em termos gerais, as informações históricas sobre a demografia dos povos de língua Karajá evidenciam um dramático e acentuado declínio após a chegada do colonizador europeu ao Brasil Central, no século 16, em função tanto das violências sofridas quanto das epidemias desconhecidas. O primeiro registro escrito de alguém que dialogou com os Javaé e os Karajá foi produzido em 1775, pelo Alferes José Pinto da Fonseca, emissário oficial do governador da Capitania de Goiás. Após os primeiros contatos pacíficos, Fonseca visitou aldeias javaé e karajá, uma delas com “mais de 2.000 almas”, e relatou que existiam seis aldeias karajá e três aldeias javaé, totalizando “9.000 almas”.
No quadro abaixo, há um resumo dos dados populacionais sobre os Javaés, entre outros povos (Karajá e Xambioá), entre 1775 e 1896, lembrando que os 9.000 Javaé e Karajá estimados pelo Alferes Pinto da Fonseca já eram os sobreviventes dos massacres anteriores promovidos pelos bandeirantes paulistas.
Autor Data População n. de Aldeias
Pinto da Fonseca 1775 9.000 (Karajá e Javaé); uma aldeia karajá
com mais de 2.000 pessoas 6 Karajá, 3 Javaé
Alencastre 1861 Mais de 10.000 (Karajá, Javaé e Xambioá)
Couto de Magalhães1876 Entre 7.000 e 8.000 (Karajá, Javaé e Xambioá)
Ehrenreich 1888 4.000 (Karajá, Javaé e Xambioá) 15 Karajá, 3 Javaé
Bispo Silva* 1896 Uma das aldeias javaé com cerca de 1.500 pessoas 3 javaé
* apud Audrin (1946)
A entidade letani figura no ritual hetohokÿ (“casa grande”), realizado pelos Javaé (TO). O ritual, que marca a entrada dos jovens para o mundo da casa dos homens, foi retomado em 1990. |
No início do século 20, a população dos três grupos havia se reduzido drasticamente. Segundo o relato do etnólogo alemão Fritz Krause (1940-1944), em 1908 os Karajá totalizavam cerca de 800 pessoas, enquanto os Javaé, até então mais preservados do contato com a sociedade nacional, atingiam uma população entre 800 e 1000 pessoas.
Enquanto a população karajá estabilizou-se nas primeiras décadas do século 20, como o antropólogo norte-americano George Donahue (1982) já havia argumentado, mantendo-se localizada ao longo do médio Araguaia - onde sempre esteve - os Javaé vivenciaram nesse período um processo de deslocamento territorial e de grandes perdas populacionais. Em 1978, a população javaé chegou a apenas cerca de 300 pessoas (Toral, 1992), enquanto os Karajá alcançavam cerca de 1.500 pessoas (Donahue, 1982). George Donahue chegou à conclusão de que os Karajá sofreram uma perda de mais de 90% da população original desde o início do contato, nos séculos 17 e 18, o que pode ser estendido aos Javaé, apesar de suas peculiaridades históricas.
Nos últimos 30 anos, porém, devido a uma maior atuação do Estado na área da saúde e ao reconhecimento oficial de parte do território indígena, os dois grupos têm recuperado seu contingente populacional de forma acelerada. Em agosto de 2009, a população javaé era de cerca de 1.450 pessoas, enquanto a população karajá alcançava cerca de 3.000 pessoas. No quadro a seguir, temos um resumo dos dados populacionais sobre os Javaé a partir do século 20.
Dados populacionais dos séculos 20 e 21
Autor Data População N. de Aldeias
Memória oral javaé Até o início do século XX Mais de 50
Fritz Krause 1908 Entre 800 e 1000 5
Serviço de Proteção aos Índios - SPI (Mandacaru)*
1912 600 6
Padre R. Tournier 1926 Entre 400 e 500
SPI (M. B. de Mello) 1930 7
H. Ribeiro da Silva 1932 cerca de 12
R. de La Falaise 1933 cerca de 12
William Lipkind 1939 650 8
Zoroastro Artiaga 1940 160 5
Tibor Sekelj 1945 3
SPI (Malcher) 1964 8
SPI (Sallim Oliveira)** 1965 77 em Canoanã e 150 mais ao norte
Christopher Tavener 1966 Cerca de 200 2
Funai (N. Cruvinel) 1976 336 em Canoanã
André Toral 1978 286 2
Patrícia Rodrigues 1993 740 5
Funai (Gurupi) 1998 839 8
Funai (Gurupi) 1999 849 8
Patrícia Rodrigues 2002 1.053 11
Funasa 2005 1.250 12
Funasa 2007 1.371 13
Funasa 2009 1.456 13
* Ver microfilme da Funai n° 324, fotograma n° 10
Histórico do contato
Séculos XVII e XVIII
Os primeiros registros escritos sobre a presença dos povos falantes da língua Karajá no rio Araguaia datam do século 17. No entanto, em razão da presença histórica dos Karajá junto às margens do médio Araguaia, importante canal de navegação no centro do Brasil desde os primórdios da colonização, há um número muito maior de estudos e registros sobre as relações de contato com os Karajá do que sobre os Javaé, os quais permaneceram mais isolados no interior da Ilha do Bananal e na bacia do rio Javaés até o início do século 20. Até o fim do século 19, o contato dos Javaé com os não-índios era feito primariamente por intermédio dos Karajá, de modo que o histórico do contato de ambos era até então indissociável.
Os contatos que os Javaés tiveram com o "Homem Branco" era sempre agressivo ou eles conseguiram se isolar o suficiente ao ponto de não terem contato direto com os Colonos ??
ResponderExcluirTinha lido em outros site que só agora no final do século XX e inicio do século XXI que eles passaram a ter um contato maior conosco.