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terça-feira, 26 de maio de 2020

Karipuna

Toy Art indio Karipuna

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
93KaripunaAhé, Karipuna, AhéTupi-Guarani
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
RO28Funasa 2010



Em 2004 havia quatorze sobreviventes: não há indicador mais contundente da desastrosa história de contato desse grupo com os não-indígenas. O ciclo da borracha no início do século XX pode ser considerado o marco inicial da seqüência de mortes e invasões em seu território tradicional. Esse foi também o período de construção da ferrovia Madeira-Mamoré, que levou dezenas de milhares de migrantes à região dos grupos Kawahib, trazendo mortes advindas de doenças ou conflitos. Ainda assim, até a década de 1970 um grupo karipuna conseguiu viver relativamente apartado do mundo dos brancos, mas acabou sucumbindo à frente de atração da Funai, que culminou em mais mortes por epidemias e perdas culturais. Hoje possuem sua própria Terra Indígena e procuram protegê-la das constantes invasões de madeireiros, caçadores, pescadores e posseiros.

 Nome e língua

A autodenominação dos assim chamados Karipuna é ahé (“gente verdadeira”). Falam uma língua da família Tupi-Guarani e compreendem com facilidade a língua de grupos com os quais convivem, como os Uru-Eu-Wau-Wau, Amondawa, Tenharim, Parintintin (todos grupos Kawahibi) e Sateré (da família linguistica Mawé), entre outros.
Aldeia Indígena Karipuna

Não se sabe a origem da denominação “Karipuna”. Os primeiros relatos sobre esses índios os designavam como “Bocas Pretas” devido à tatuagem permanente de jenipapo que ostentam ao redor da boca, tradição compartilhada com os Uru-Eu-Wau-Wau e outros grupos Tupi-Kawahibi.

É preciso destacar que esse grupo Karipuna não possui qualquer vínculo com o grupo também conhecido como Karipuna que habita no estado do Amapá.

 Localização e histórico da TI
Território Indígena Karipuna

O território historicamente ocupado por este povo – segundo fontes históricas e relatos orais – compreendia o rio Mutum-Paraná e seus afluentes da margem esquerda (a oeste), igarapé Contra e rio São Francisco (ao norte) e os rios Capivari, Formoso e Jacy-Paraná (ao sul e leste). Este território em parte convergia com a área de ocupação dos Uru-Eu-Wau-Wau e Amondawa (ao sul), Pakaá-Nova (a oeste) e Karitiana (ao norte e leste).

De acordo com Denise Maldi Meireles (1984), a ocupação karipuna na bacia do rio Jacy-Paraná remonta ao início do século XIX. Em fins deste século parece ter ocorrido uma cisão no grupo, um deles rumando para leste e estabelecendo-se nas cabeceiras do rio Capivari e outro se fixando na bacia do rio Mutum-Paraná, ao norte.

A Terra Indígena (TI) Karipuna está localizada nos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré. Ali os Karipuna estão reunidos na aldeia Panorama. A TI tem como limites naturais os rios Jacy-Paraná e seu afluente pela margem esquerda, o rio Formoso (a leste); os igarapés Fortaleza (ao norte), do Juiz e Água Azul (a oeste) e uma linha seca ao sul, ligando este último igarapé às cabeceiras do Formoso.

A primeira medida oficial para a garantia do território dos Karipuna foi apresentada por Benamour Fontes em 1978, propondo à Funai a interdição de uma área com cerca de 202 mil hectares. Em 1981 foi constituído um Grupo de Trabalho (Portarias nº 1.106/E de 15/09/81 e 1.141/E de 9/11/81) para identificar a Terra Indígena, que manteve os limites propostos em 1978 para a demarcação. Nenhuma providência foi tomada, e somente em 1988 a presidência do órgão indigenista oficial interditaria uma área total de 195 mil hectares. Neste mesmo ano, tem início as invasões no limite sul da TI. Em 1994, a Funai constituiu um Grupo Técnico para “promover os estudos de identificação e delimitação da terra indígena Karipuna”, o qual propõe uma área com 153 mil hectares, aproximadamente.

Na verdade, os cerca de 40 mil hectares de diferença entre a proposta do GT e a área originalmente interditada pela Funai resultou de uma negociação entre este órgão, o Incra e o governo de Rondônia para “liberar” a faixa do limite sul, já invadida por 184 colonos, a partir da estrada BR-421 (Ariquemes/Guajará-Mirim). Por este acordo – ao que tudo indica, nunca assinado formalmente – o Incra se comprometeria a extrusar e reassentar colonos invasores das TIs Uru-Eu-Wau-Wau (Projeto de Assentamento Dirigido – PAD – do Burareiro) e Mekéns (já que o próprio Incra havia orientado e expedido os atestados de posses para os colonos invasores dessa TI), assim como adotar um zoneamento fundiário na área “liberada”, a fim de orientar uma ocupação mais racional e com menor impacto sobre as TIs Karipuna e Lage. O Estado de Rondônia deveria financiar os custos com as extrusões e ainda manter fiscalização permanente destas TIs com soldados do batalhão da Polícia Florestal – além de se comprometer a suspender qualquer obra para prolongamento da BR-421.

Apesar do não cumprimento desse acordo, a Terra Indígena Karipuna foi demarcada em 1997 com 152.930 hectares e se encontra homologada (Decreto s/nº de 09/09/1998) e registrada nos cartórios de registro de imóveis de Guajará-Mirim e Porto Velho.

 Histórico do contato

Os primeiros contatos dos Karipuna com segmentos da sociedade não-indígena ocorreram quando seringueiros começaram a penetrar os afluentes do alto rio Madeira, no primeiro boom da borracha, nas primeiras décadas do século XX. Não se tem registros de ataques ou “correrias” efetuadas por seringalistas a estes índios, tampouco os remanescentes mais velhos do grupo os mencionam. Mas os karipuna há relatos de que invadiam “colocações” isoladas na região compreendida entre os rios Mutum-Paraná, Contra, Capivari e Jacy-Paraná para levar panelas, roupas e espingardas.

A penetração das frentes de extração de borracha, crescente a partir de 1910, e a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM), levando a constantes choques entre “índios bravos”, seringueiros e trabalhadores desta estrada, obrigaram o extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) a estabelecer uma série de Posto de Atração no antigo território federal do Guaporé, na década de 1940, sobretudo na bacia do rio Madeira. Dois destes Postos, “Coronel Tibúrcio” e “Tenente Marques”, estavam estabelecidos na área de domínio dos Karipuna acima descrita: o primeiro no rio Capivari e o segundo na margem esquerda do rio Mutum-Paraná. Ambos, segundo um relatório de 1949 da 9ª Inspetoria Regional do SPI, estabelecida em Porto Velho, viviam numa situação de indigência, não tendo a menor condição de cumprir sua missão institucional.

Outros relatórios do período nos dão indicações de como se davam as relações entre os Karipuna, os Postos e os seringueiros. Assim, em 10 de agosto de 1948, o auxiliar Paulo de Almeida Serra comunica ao Inspetor Álvaro (provavelmente o chefe da 9ª. Inspetoria) que “(...) aqui em Mutum–Paraná [refere-se à vila, situada na foz deste rio no Madeira] não tem embarcação de espécie alguma que possa nos conduzir para o alto. Conversei com diversas pessoas que disseram que não existe nada aonde foi o posto [porque] os índios passaram e atearam fogo. Nós estamos sem novidade [e] acampados em uma barraca da EFMM.(...)”.

Em 30 de setembro de 1950, o responsável pelo Posto “Cel. Tibúrcio” (no rio Capivari) informa que “foi visto vestígio de índios no varadouro até bem perto do Posto. Aqui vieram 20 índios dos mais antigos que deram notícias dos outros que estão chegando. Os índios levaram farinha e resto dos terçados e espelhos. Deixaram caça e levaram anta”. Este mesmo funcionário, em documento datado do dia 30 de dezembro de 1950, relatava que:

“Os índios do mês passado estiveram outra vez no posto e levaram farinha, sal, [ilegível] e apitos (!). Os índios bravos estiveram na roça antiga e quando voltavam entraram numa barraca de seringueiro distante 9 kilometros do Posto e carregaram objetos moradores [da casa] não deixando nem roupas nem alimentos. Deixaram uma flexa (sic) em sinal de amizade. Nós atendemos a família do seringueiro com alimento. O seringueiro compreende que os índios não atacaram por mal e que os caripunas já estão amigos do Posto e dos seringueiros. Não se verificou este ano nenhum ataque dos caripunas nestas terras e já se pode considerar que estes índios são amigos [...]”.

Pelo que informam estes pequenos fragmentos de relatórios, podemos inferir que, aparentemente, havia dois sub-grupos de “Boca Pretas”, um ocupando a região do rio Capivari (depois este sub-grupo seria conhecido como “Capivari”) e outro a região compreendida entre rio Mutum-Paraná e o igarapé Contra, citado nominalmente pelo servidor Manoel Gonçalves. Por outro lado, os relatos do funcionário responsável pelo Posto “Cel. Tibúrcio” (em 1950 ainda localizado no rio Capivari) indicam claramente que existiam índios em permanente contato com aquele posto e outros ainda “bravos” e que roubavam utensílios dos seringueiros estabelecidos no território Karipuna. O que não sabemos é se os Karipuna do Capivari sofreram muitas perdas depois do contato permanente com o Posto e seus remanescentes foram levados para o posto Ricardo Franco – como era a prática do SPI à época. O fato é que os atuais Karipuna fazem referências aos “Capivari”, mas àqueles cujos descendentes se encontram no Posto Indígena Ricardo Franco (hoje Terra Indígena Guaporé). Podemos inferir ainda que a proximidade lingüística entre estes dois subgrupos era grande, dado que o intérprete “oficial” da atração em 1976 era um índio chamado Pitanga Capivari, originário “(...) do grupo arredio do Rio Capivari, afluente do Jacy-Paraná” e que se encontrava entre os Karitiana, inclusive casado com uma mulher deste povo (Fontes, 1977:1).

Depois dessas notícias dos anos 1948 a 50, não encontramos referências nos arquivos do SPI de Porto Velho sobre os Karipuna. Pode-se supor que a decadência da exploração da borracha e a diminuição do tráfego na EFMM resultaram em uma pressão menor sobre o território karipuna e, dado que estes índios não eram agressivos, o SPI (e depois a Funai, como órgão sucessor) deve ter se retirado da região, priorizando, já no início dos anos 1970, outras áreas onde as “razões de Estado” exigiam atitudes mais enérgicas para liberar áreas onde os índios se mostravam mais agressivos para com o avanço das novas frentes de expansão, sobretudo no sul e leste de Rondônia (Vilhena e Ji-Paraná).

Portanto o SPI estabeleceu postos de atração no território Karipuna e ali permaneceu no período de 1947 à meados dos anos 50, em situação precária. Desse esforço de atração, o que aquele órgão indigenista obteve de concreto foi levar algumas famílias Karipuna do Capivari para o Posto Ricardo Franco e dispersar os “arredios” deste rio, que provavelmente se deslocaram para o norte.

Frente de Atração

Em 1974 a Funai criaria, no papel, uma Frente de Atração para o Jacy-Paraná para contatar os Karipuna e, finalmente, em 1976, uma equipe daquele órgão chefiada por Benamour Fontes é enviada ao Jacy-Paraná para estabelecer o contato com os Karipuna em vista de denúncias sobre o rapto de mulheres brancas, crime reputado àqueles índios. O lugar escolhido para a base foi a colocação denominada “Panorama”, do seringueiro Sebastião Amora, localizada na margem esquerda daquele rio, a cerca de quatro horas de “voadeira” acima da boca do igarapé Fortaleza. Foi nessa localidade onde o primeiro grupo de Karipuna, estabelecido ali próximo, no igarapé Contra, apareceu para ganhar brindes, em setembro de 1976.

A partir desta data, os índios passariam a sistematicamente visitar o Posto à procura de brindes, principalmente roupas. Os relatórios dos anos de 1977 a 1978 dos funcionários Benamour Fontes e do seu auxiliar e substituto Francisco de Assis Silva descrevem, praticamente mês a mês, aquelas visitas. Até a mudança definitiva do grupo para o Panorama (provavelmente em 1980-1), os Karipuna viviam em duas malocas grandes, uma no Contra e outra no Mutum-Paraná, mas somente esta última foi visitada pelos funcionários da Funai (por Benamour Fontes em 1977 e por Francisco de Assis em 1978).

Os Karipuna do igarapé Contra foram os primeiros a manter contato com os funcionários do Posto, que, além de Benamour Fontes, contava com trabalhadores braçais recrutados entre os seringueiros do Jacy-Paraná e, logo depois, com Pitanga Capivari e sua mulher Karitiana, assim como Pereira Karitiana, sua mulher e cinco filhos (Fontes, dezembro de 1977).

Os relatórios acima mencionados apontam as rápidas mudanças dos hábitos em decorrência do contato com o Posto, como a obsessão dos Karipuna pelas armas de fogo e a procura por roupas mais do que de por ferramentas agrícolas para escaparem das pragas dos piuns:

“Informo ainda que os índios não estão mais interessados em facão, panelas, facas etc. e somente pedem roupas e redes, inclusive das que presenteamos alguns disseram que levaram para a aldeia do Mutum Paraná [...]. Todos os índios que nos visitam já vêm vestidos e continuam pedindo roupas. Deixaram de usar os laços nos braços e penas, como também o protetor [peniano]” – (Fontes, relatório de 20/07/1977: 2).

Relatam também as constantes admoestações dos funcionários para que não “visitassem” mais as colocações dos seringueiros: “dia 13 de abril [de 1977] – 18 índios saíram na localidade chamada ‘São Sebastião’, levando tudo de um seringueiro que estava em seu barraco com sua mulher, inclusive três espingardas [...]. No dia 29 de maio atracou em nosso porto um motor informando que os índios estavam na localidade ‘São Sebastião’; imediatamente nosso barco foi buscá-los e explicamos mais uma vez aos índios que não saíssem em outro local a não ser o nosso [...]”.

Apesar das cautelas mantidas pelo chefe do Posto de Atração – “quanto à idéia dos Karipunas se transferirem para o nosso acampamento, no momento não estou de acordo, por motivo de falta de roças suficientes para os mesmos, doenças etc. e a não consolidação da atração” (Fontes, 1977: 2) –, os Karipuna do igarapé Contra já freqüentavam o Posto com uma freqüência quase semanal. Repartiam os brindes, sobretudo roupas, com os da maloca do Mutum-Paraná. Pelo que se pode inferir desses relatórios, aquilo que os funcionários da Funai chamavam de “consolidação da atração” era o contato permanente com os Karipuna do Mutum-Paraná.

De fato, Benamour Fontes visitou essa maloca por duas vezes em 1977 (não temos seu relatório sobre esta visita) e Francisco de Assis a visitou em setembro de 1978, ressalvando que a mesma não era aquela onde Benamour esteve no ano anterior (já haviam mudado de local). Francisco, Pitanga e o índio Tiu (que estava no Posto e convidou Assis para visitar a maloca do Mutum-Paraná) saíram no dia 04 de setembro e chegaram na maloca no dia 07. Essa maloca era habitada por quinze índios e nela encontrou sete sepulturas recentes (quatro delas dentro da maloca e três do lado de fora). O índio Tiu informou a Francisco “que nesta maloca existiam mais índios, que devido à um mal entendido, um grupo grande seguiu para outra, que são parentes; calculamos uns 4 dias de onde estivemos; dizem que o número de índios é muito grande”. Informa ainda que havia trazido uma flecha de um grupo arredio inimigo dos Karipuna, produto de um ataque que estes haviam sofrido tempos atrás. Todos os índios desta maloca o acompanharam no seu retorno ao Posto (Assis, relatório de 19-09-1978: 1-2).

Nessa fase de troca de brindes e aproximações entre os “índios bravos” e os funcionários da frente de contato, o Posto de Atração do Jacy-Paraná encaminhou alguns índios para tratamento de saúde em Porto Velho (os relatórios indicam pelo menos três deles). Todos eles vieram a falecer, ou em Porto Velho ou na aldeia após o retorno. Em relatório datado de julho de 1978, Francisco de Assis (já na qualidade de substituto de Benamour Fontes) informava que em 12 de junho recebeu a visita do índio Abaigai-ubá (do Mutum-Paraná, ao que tudo indica), que relatou ao intérprete Pitanga seis óbitos na sua maloca (cinco por “acidente”), e que um deles era o de um índio (de nome “Karipuna”) que havia sido tratado em Porto Velho. Abaigai-ubá avisou ainda que na próxima “lua” ele traria para o Posto “todo o seu pessoal”. E Francisco de Assis concluiu então que “a notícia desta visita em massa ao Posto de Atração nos deixou radiantes, pois isso prova que, mesmo com os casos de óbitos, eles não se mostram ressentidos conosco”. É de se perguntar porque o funcionário considerava que os índios estariam ressentidos, se os óbitos foram ocasionados por acidente, como relata.

Segundo os relatos que tomamos de Francisco Sales (funcionário da Funai contratado como mateiro pelo Posto de Atração em 1976 e que ali se encontra até hoje), antes da expedição de Benamour Fontes ao igarapé Contra (bacia do rio São Francisco), a Funai já havia localizado a maloca por sobrevôo (em 1976), onde fizeram lançamentos de arroz, feijão, ferramentas (facas e machados) e bonecas (!). A expedição partiu do Panorama com Benanmour, Pitanga, um índio Pakaá-Nova, dois Karitiana, cinco “mateiros” (incluindo ele, Sales) e dois japoneses (um fotógrafo e um cinegrafista). Fizeram base na colocação “Três Poças” nas proximidades da boca do igarapé Fortaleza. Depois de um dia de caminhada no rumo do igarapé Contra, chegaram a uma roça Karipuna. Pitanga chamou e logo apareceram vários índios, amistosos. Distribuíram brindes e cachorros. Os Karipuna usavam uma fita de palma de açaí onde amarravam o prepúcio; as mulheres não usavam nada para proteger o sexo. Na maloca habitavam 18 índios. Fixaram acampamento perto das roças e lá ficaram, distribuindo brindes, por uma noite. Quando retornaram ao Panorama, oito Karipuna os acompanharam para conhecer o Posto.

Nos anos 1981-2 a maioria dos Karipuna já estava morando nas imediações do Posto. Apenas uma família do grupo do Mutum-Paraná teria ficado “no mato”, como dizem. É difícil recompor a população total deste povo à época do contato. Oficialmente registra-se 33 pessoas (18 da maloca do igarapé Contra e 15 do Mutum-Paraná). Mas, os relatórios e os depoimentos dos remanescentes mais velhos (Katsiká e Aripã) nos levam a considerar um número maior (algo em torno de 55).

Depois da fixação no Posto, começaram os óbitos em grande escala, originados por gripes e pneumonia. Os Karipuna, sem os anticorpos necessários, morriam rapidamente. A Funai chegou a abrir uma pista de pouso na margem direita do Jacy-Paraná para tentar prestar um atendimento mais rápido, mas não funcionou. Em 1996 somente seis Karipuna formavam o grupo que restou do contato; em 2005 eram apenas quatro.

 População

Na genealogia acima identificamos (em azul escuro) toda a população Karipuna atual. Em azul claro está aquela residente na TI Elisângela e Angélica, cujos indivíduos casaram-se com “civilizados” e não moram mais na aldeia do Jacy-Paraná há muito tempo (seus filhos a visitam eventualmente). Caipu (azul claro) casou-se com uma índia Arara e reside há anos na TI Igarapé Lourdes, e não têm filhos.
Gráfico genealígico da atual população Karipuna e cônjuges 

Residindo permanentemente na aldeia Panorama estão Katisiká (casada hoje com Manuel Uru-Eu-Wau-Wau), seus filhos Adriano, André e Andressa; Aripã (casado com Rita Kawahibi – sem filhos) e seu filho Batiti (casado com “civilizada”), o qual tem quatro pequenos filhos. Reside ali (na casa de Katsiká), desde o contato, um índio dito “Tupinambá” levado para servir de intérprete na época da “atração”. Portanto, residem na TI (aldeia Panorama) 14 pessoas [dados de 2004].

 Aspectos culturais

Aparentemente os remanescentes karipuna são advindos de dois grupos locais (malocas): o de Jacaré’humaj e o de Tokwa. Mas a situação atual dos Karipuna nem mesmo remotamente lembra aquela antes do contato. Outros grupos da região, depois do impacto inicial do contato, conseguiram refazer (ou ainda estão refazendo, como os Uru-Eu-Wau-Wau) sua demografia e, com isso, mantiveram os padrões principais da sua organização social. Já a catástrofe demográfica pós-contato ocorrida entre os Karipuna não lhes facultou ou faculta qualquer chance de reprodução de suas estruturas organizativas tradicionais.

Adriano Tangare’i e Antonio Batiti são bilíngües e conhecedores da mitologia e da terminologia de parentesco, mas ambos desposaram “civilizadas” (mas já se separaram) e seus filhos não falam ou entendem a língua Karipuna. De todo modo, realizam ainda a cerimônia da troca dos nomes e, segundo informaram, pretendem fazer festa para a primeira menstruação de Andressa Bó’ri. Correm sérios riscos de realizarem este ritual pela última vez.

Não há xamãs na aldeia, mas tanto Aripã como Katsiká conhecem “remédios do mato”. Já’huj (avô materno de Aripã) foi o último pajé dos Karipuna. Por outro lado, as concepções nativas sobre o destino pósmortem da alma (-éñiñi) ainda permanecem atuantes – apesar de incorporarem o personagem “jesús” (purejapi’nã) como o espírito (anhãgá) predador que, ao devorar o coração do humano, consuma a sua passagem para o “céu” (ywagá). Este lugar é onde vivem as almas e é quase igual à vida na terra: tem caça e peixe, mas ali só conhecem o arco e a flecha (não tem espingarda). Ali também casam-se, mas não obedecem as regras de casamento: “lá no céu é igual aqui; mas estar por aqui é melhor” (Aripã).

 Atividades produtivas

A TI Karipuna é pródiga em animais de caça, peixes, além da castanha e da seringa, assim como outras frutas de palmeiras, como o buriti, o tapaua e a bacaba. Não muito distante da aldeia Panorama, pelo rio Jacy-Paraná, encontram-se um conjunto de treze lagoas perenes fartas em pescado (pirarucu, tucunaré, surubim entre outras espécies) e habitat de jacarés e bichos de casco (tartarugas e tracajás) e de muitas aves aquáticas (patos, garças, jaburus etc.). Em poucas horas de caminhada pela floresta já se retorna com alguma caça. O peixe pode ser encontrado no próprio porto da aldeia com alguma facilidade. Caçam com armas de fogo e pescam com linhadas e arco-flecha.

Desde o contato, a “roça do Posto” é a principal atividade dos funcionários da Funai ali estabelecidos. Planta-se arroz, feijão, mandioca, milho e, nas capoeiras, permanecem a banana, a cana e o mamão. Como a maioria dos povos Tupi-Guarani, os Karipuna tinham no milho a sua principal fonte de alimentação – hoje já superada pela mandioca.

Produzem farinha, cujo pequeno excedente é vendido fora (a produção anual vendida é de seis a oito sacos por ano, a um preço médio de R$ 55,00 o saco). Parte da produção do milho também é vendida. Coletam castanha-do-pará para venda (na média anual, algo em torno de 15/18 sacos, ou cerca de 66 latas a R$ 7,00 a lata). Ou seja, a renda auferida pela comunidade não chega a R$ 1.000,00 por ano.

Existem atualmente três índios aposentados na aldeia e um funcionário do Estado de Rondônia (o professor e atual “cacique”). Até a interrupção do convênio da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) com a Cunpir (Coordenação das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Norte de Mato Grosso e Sul do Amazonas), ocorrida em maio de 2004, um outro índio recebia como agente de saúde. Portanto, mensalmente chegam à aldeia cerca de R$ 1.500,00 em “salários” recebidos pelos índios, que são gastos na aquisição de mercadorias (basicamente pilhas, munição e roupas).

Não fabricam mais cerâmica e os utensílios de palha que ainda confeccionam são cestos (yruá) para carregar produtos e o abanico (tatapekwaba). Katsiká ainda confecciona as tipóias de algodão em seu tear tradicional; mas não faz mais a pesada (segundo descreveram os funcionários da Funai no tempo do contato) rede tradicional.

 Fontes de informação

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo. São Paulo : Companhia Melhoramentos, 1982.


FONTES, Benamour. Relatórios ao SPI. Rio de Janeiro : Museu do Índio, 1976/1978.


IBGE. Diagnóstico integrado e projetos identificados - subsídios ao Plano de Ordenação do Território - área de influência da BR 364 trecho Porto Velho /Rio Branco. Brasília : IBGE, 1988.


LAGO, Nilde e LEÃO, Maria Auxiliadora. Avaliação “Ex-Post” do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil, Polonoroeste. Paraná : Seplan, 1989.


MEIRELES, Denise Maldi. Populações indígenas e a ocupação histórica de Rondônia. Cuiabá : UFMT, 1983 (dissertação de mestrado).


SILVA, Francisco de A. Relatórios micro-filmados. Rio de Janeiro : Museu do Índio, 1977.


HUGO, Vitor. Desbravadores, V.2. Manaus : Ed. Missão Salesiana de Humaitá, 1959.

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