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domingo, 31 de maio de 2020

Manchineri

Toy Art da etnia Manchineri

#NomesOutros nomes ou grafiasFamília linguísticaInformações demográficas
133ManchineriMachineri, YineAruak
UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
Bolivia15Censo Nacional 2001
AC997Siasi/Sesai 2012
Peru90INEI 2007




Os Manchineri compartilham com os Piro, na Amazônia peruana, uma língua aruak (do ramo Maipure) e boa parte de seu sistema sócio-cosmológico, podendo ser considerados grupos que fazem ou já fizeram parte de um mesmo povo. Em território brasileiro, a maioria dos Manchineri habita na Terra Indígena Mamoadate, havendo ainda muitas famílias vivendo em seringais no Acre, sobretudo no interior da Reserva Extrativista Chico Mendes.

 Localização e ambiente

Os Manchineri ocupam atualmente uma parte da região sul do estado do Acre no Brasil e outros pontos no Peru e Bolívia. Em território brasileiro,os Manchineri são hoje um povo que se encontra espalhado na Terra Indígena (TI) Mamoadate e na TI Manchineri do Seringal Guanabara e, em menor número, no São Francisco e no Macauã, bem como na cidade de Assis Brasil.
Território Indígena Manchineri

Grosso modo, o ambiente que ocupam é dividido pelos Manchineri em três grupos: os rios, os campos limpos e a mata. Historicamente os Manchineri circulam por estes três ambientes desde que ocupam esta região.

Os rios a as matas são locais um tanto fixos, sem grandes variações sazonais no seu posicionamento. Já os campos limpos estão localizados nas margens dos rios e em geral são aparentes somente nas épocas do verão. Como se trata de planícies que são inundadas nas cheias, quando o rio abaixa, uma parte do terreno antes inundado é ocupado pelas gramíneas de uma forma bem variada. Nestes locais animais pastadores, como os veados, e outros que se dirigem constantemente ao rio, como as capivaras, são encontrados e caçados com alguma freqüência.
Foto: Tony Gross

A mata, grosso modo, se subdivide em: restinga – mata sem taboca (um tipo de bambu com espinhos), limpa por baixo, fácil de andar e com muita caça, constituindo uma vegetação mais velha e próxima do clímax ecológico. Em geral estão a uma certa distância de pontos de ocupação humana. Em oposição direta temos a mata com taboca – onde existem poucas árvores de pequeno e médio porte, sendo uma vegetação nova. É mais comum na beira das trilhas, em volta de roçados e onde estes foram abandonados. Há ainda um espaço de transição, a mata misturada – onde o tabocal completou seu ciclo de vida e começa a morrer, e a mata começa a crescer, havendo poucas ou nenhuma árvore de grande porte.

A Funai criou a Terra Indígena de Mamoadate em 1975. O sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Jr. foi o responsável pela transferência dos índios do seringal Guanabara, onde havia um conflito intenso entre extrativistas e donos de terras, uma vez que vastas áreas estavam sendo vendidas para pecuaristas latifundiários do Sul do país.

A TI Mamoadate situa-se ao redor do rio Iaco (cuja nascente fica no Peru) - tem início no Igarapé Mamoadate e vai até os limites do Brasil com o Peru. Existem na TI as seguintes aldeias: Peri, Jatobá, Santa Tereza, Santa Cruz, Laranjinha, Senegal, Cumaru, Lago Novo e Extrema. Com exceção de Senegal, todas localizam-se na margem direita do rio Iaco (Haverroth, 1999).

Já o Seringal Guanabara ocupa a região noroeste da Reserva Extrativista Chico Mendes. Lá os Manchineri habitam nas seguintes colocações: Altamira, Mamoal, Água Boa, Samaúma, Javali, Mutum, Boa Vista, Natal, Paxiubal, Divisão de Guanabara, Mantiqueira e Livramento (Haverroth, 1999).

 História

O explorador oitocentista Antônio Loureiro identificou os Manchineri como habitantes naturais do Macauã e Caiaté, estando ausentes do Iaco nos idos de 1880 (Gonçalves, 1991). Os Manchineri com cerca de 90 anos, contudo, contradizem essa informação, pois afirmam que sempre viveram lá e que seus pais e avós ocupavam aquela área desde muito tempo. Segundo suas estimativas, eram no passado algo em torno de 2.000 pessoas, ocupando desde o alto Iaco, a partir do igarapé Abismo, até o que é hoje o seringal Nova Olinda, chegando mesmo até Sena Madureira.

Ainda segundo relato dos Manchineri, anteriormente ao contato mais intenso com as frentes extrativistas eles eram divididos em Manchineri, Hijiuitane, Uinegeri, Cuchixineri, Hahamlineri e Iamhageri. Formavam os Yineri (com origem na palavra Yine, “nós”), morando todos próximos e casando-se entre si. O antropólogo Peter Gow descreve uma situação semelhante para os Piro antigos, que não viviam como um único povo, mas eram divididos em muitos grupos, neru. Cada grupo desses tinha um nome, como os Manxineru (povo da árvore Tamamuri), Koshichineru (povo pássaro pequeno), Nachineru (povo faminto), Getuneru (povo sapo) e Gimnuneru (povo cobra). Contudo, segundo Gow (1991:63), dizem os Piro que estes grupos não casavam-se entre si. Só começaram a fazê-lo quando foram escravizados e obrigados a viver juntos pelos patrões da borracha.

No século XIX há o início das grandes penetrações na região, e os índios passam a sofrer os horrores das correrias. Havia duas frentes de pressão: do Peru para o Brasil, por caucheiros, e do Amazonas para o Bolívia, por extratores de borracha, que inclusive cuidavam de fixar famílias na região. Num primeiro momento os índios não foram incorporados como mão-de-obra extrativista, mas sim como mateiros e guias na busca de novas frentes de seringa. Somente quando a crise (decorrente da queda do preço do produto) se estabeleceu é que eles foram incentivados a extrair borracha.

Segundo contam os Manchineri, a borracha transformou seu modo de vida, acirrando os conflitos inter e intragrupais e a dispersão de seus ancestrais, Yineri. Houve um longo conflito com os bolivianos e peruanos, que tentavam retirá-los de suas terras e depois passaram a escravizá-los para o trabalho na extração da borracha, agricultura, fornecimento de caça e pescado, bem como trabalhos domésticos. Batista & Roquete Pinto em 1926 traçam bem as linhas diretrizes da situação:

“Os Maneteneris são o grupo mais guerreiro da sua região. Caçadores, pescadores, se tornam em pouco tempo excelentes ajudantes dos seringueiros, desbravadores do Acre e construtores das primeiras vilas civilizadas” (in Gonçalves, 1991:181).
A estratégia seguinte para uma tentativa de controle dos índios foi a destruição das malocas, localizadas naquele tempo nas margens do Iaco. O convívio então passa a ser com grupos distintos, indígenas e não-indígenas. Além de cortar seringa, os homens passaram a mariscar, tirar madeira, caçar, e até mesmo plantar para o patrão. As mulheres, da mesma forma, passaram a cuidar dos roçados e da casa dos patrões.

Nas décadas de 1940 e 50 há um novo movimento na indústria extrativista, promovendo nova ocupação de terras antes abandonadas. A partir de 1966 o Governo brasileiro promove um incentivo para que estas terras sejam definitivamente ocupadas e há o investimento na exploração de mineração, extração de madeira e agropecuária. Passa a haver então um movimento especulativo muito intenso. Os seringueiros endividados vendiam grandes propriedades aos especuladores do Sul do Brasil. Neste momento, o índice de concentração fundiária e a consolidação de grandes propriedades que seriam destinadas sobretudo à pecuária se fez à custa de conflitos sociais que resultaram na expulsão dos colonos ou índios das antigas áreas de seringais (Gonçalves, 1991:37).

Demarcação da terra

A tensão iniciada nos anos 40 e 50 se estende por toda década de 70. Em 1975 a Funai através do indigenista José Meireles, resolve retirar os índios de dentro do que estava por se tornar um caldeirão de conflitos. Os Manchineri que foram removidos para a TI Mamoadate habitavam em sua grande maioria o seringal Guanabara. Em 1977 havia 500 índios aldeados lá, entre Manchineri e Jaminawa.

Os problemas entre extrativistas e pecuaristas na região aumenta na década de 80 e culmina nos eventos que levam à morte de Chico Mendes, líder do sindicato local que lutava para manter os seringueiros trabalhando na mata, tentando conter a onda de derrubadas e a posterior criação da Reserva Extrativista que leva seu nome, onde o seringal Guanabara está incluído. Contudo um grupo familiar, que hoje tem laços de parentesco muito limitados com os moradores da TI, permaneceu no seringal.

 Organização social

Entre os Manchineri, a casa básica é formada pelo avô, avó, filhos e netos. Quando não residem todos na mesma casa, ocupam residências próximas, no mesmo terreno. No entanto, cada casal tem um roçado separado.

As denominações das categorias de parentesco manchineri estão delineadas abaixo. Nas duas primeiras situações as denominações independem do sexo de ego. A denominação dos tios maternos ou paternos independe da relação de idade entre os irmãos. Npaliqleru e Npaliqlero são como os próprios filhos de um dado casal, estando inclusive proibidos sob tabu de incesto de se casarem com os filhos deste casal, designados pelo mesmo nome. É portanto proibida a união entre primos paralelos, algo idêntico ao incesto. Já o casamento entre primos cruzados é muito comum, mas não é uma regra.

Uma outra categoria muito encontrada entre os povos da floresta no Acre, incluindo os Manchineri, são os compadres e comadres. O compadrio tem uma importância fundamental nas questões de aliança entre famílias. Os compadres são mesmo como irmãos, e nota-se na fala a importância deste fato, quando os índios se referem a alguém como seu compadre. Entre seringueiros o procedimento é o mesmo. Tornam-se compadres os padrinhos de batismo e os pais de filhos que se casam.

 Xamanismo e rituais

Xamanismo
A palavra utilizada para pajé me foi descrita como Karrunhotí. Gow a registrou em Piro como Kagonchi. Esse personagem percorria diversos círculos da vida Manchineri.

Tinha o Karrunhotí. Ele ia sozinho na mata tomar cipó. Ia só e com quem ele ia curar, na mata pura. Atava uma rede nas árvores e tomava. No dia seguinte o sujeito estava bom. E num ia mulher de jeito nenhum. Ele era o mesmo que o Tuxau [o chefe político], ele era mais que o Tuxau. Ele conhecia outras coisas diferentes do Tuxau. Ele colocava a rede, começava a cantar, e quando chegava a hora ele dizia ‘chega aqui’. Aí chegava o que estava doente, o que ele podia tirar pegando assim ele tirava, o que num podia ele chupava. No outro dia estava bonzinho. Ele mostrava o que ele puxava. Karrunhotí matava. Quando tinha uma morte vingava mesmo. Eles brigavam entre eles, porque um queria ter mais poder que o outro. Ele fazia assim antigamente. Meu pai contava assim. Diz que ia caçar, um tio, um sobrinho, ele mandava onça acompanhar. Aí se perdia, a onça aparecia e dizia ‘não, o caminho é bem aí!’ a onça contava. Trabalhava pelo Karrunhotí. Meu pai cantava, cantava sozinho assim” (Charuto, filho de um famoso pajé manchineri, Ananias Batista).
Um dos sinais de que o sujeito pode ser iniciado na aquisição das técnicas xamânicas é o encontro com seres sobrenaturais, como o Caboclinho do Mato, um homem pequeno que vive na mata. Ele é o responsável por administrar o quanto se pode ou não caçar. Além disso, é um dos espíritos que ensinam aos aprendizes de pajé. Tais ensinamentos se dão em geral durante sessões de ayahuasca e o encontro com um ser desses em um estado ordinário de consciência é sempre um evento bastante perigoso. O Caboclinho do Mato era um índio que se transformou em Encantado de tanto tomar cipó. Ele foi transportado para o mundo espiritual com corpo e tudo, sem passar pela morte.

A aquisição do poder por um Karrunhotí, antes que conquistado, é dado à pessoa por um ser físico ou espiritual. Todo o processo de formação do Karrunhotí é um meio pelo qual se prepara o corpo e a mente para que o conhecimento possa ser percebido e recebido. Para se perceber deve-se estar pronto para receber, no local certo, na hora certa, e com um estado de espírito determinado. Forma-se então a ponte entre mundos, uma ponte viva na pessoa do xamã, do pajé, do Karrunhotí.

Festas

Entre as festas tradicionais, uma delas é a cerimônia de passagem da menina, aos quinze anos, à condição de mulher. A garota, Iunaulu, é toda pintada pela avó com tinta de jenipapo sobre uma base de urucum cozido. Há então uma festa para toda a aldeia, dada pelos pais da moça, que dura um dia inteiro, com muita caiçuma e comida. Gow (1991:130) menciona que este festival para comemorar a puberdade “não é mais que uma lembrança” para os Piro hoje em dia. Ao contrário, os Manchineri têm nesta festividade a única remanescente de qualquer tipo de cerimônia coletiva. Contudo esta festa só ocorre nas aldeias dentro da Terra Indígena e não nos seringais.

Há na memória dos mais velhos um outro evento coletivo, a Hincaclu, uma dança tradicional da qual poucos se lembram de alguns passos. Conta dona Maria Paula:

Meu avô e minha avó moravam no alto Iaco, onde agora é a Extrema, e eles dançavam a dança nossa mesmo de antigamente. Segurava na mão do outro e dançava. Eu nunca vi, mamãe me conta. Antigamente eles brincavam. Se abraçavam. Meu pai chefe tocava e tinha muita comida. Tocava naquela casca de cumaru de cheiro, comprido assim, os meninos chegavam do mato com ela. Meu pai cantava e cantava mulher e homem, tudo junto. Eu num sei mais as músicas, mamãe sabe, eu num sei mais não. Acontecia quando eles estavam querendo brincar, aí conversavam com os outros e faziam a dança, quando queriam comemorar."

 Aspectos cosmológicos

Para os Manchineri, os ‘outros mundos’ estão entremeados dentro deste, sem que barreiras nítidas possam ser distinguidas. Manifestam-se de acordo com o estado de consciência em que o indivíduo se encontra. Ainda que estas alterações não passem necessariamente pelo uso de substâncias inebriantes, o auge disto vem pelo uso da ayahuasca, bastante comum entre os Manchineri.

No início dos tempos, o povo do cipó transformou-se em seres encantados, pois foram levados vivos para o céu. Esses seres auxiliam o pajé em suas tarefas. Mas, para que se possa ir ao céu, é preciso se abster do mundo da caça. Ou então se abre mão do céu para se penetrar no universo da caça. A iniciação como xamã em geral torna o sujeito um mau caçador, pois se pode conversar com os animais, reconhecendo neles parentes, ficando assim difícil matá-los.

Segundo a mitologia, a ayahuasca surge da seguinte forma: um pajé encontra um ser na mata, o próprio cipó, que antes de se identificar como tal diz ser uma pessoa do gênero feminino. A cipó conta ao pajé como deve proceder para prepará-la e com que deve misturá-la – as folhas ou tempero – para que o efeito seja completo.

Como na maioria dos povos ameríndios, muitos mitos manchineri são protagonizados por onças, que encarnam o protótipo do outro, seja ele estrangeiro ou afim. Há narrativas de bando de onças que atacam caçadores na mata, outras que atacam malocas. A primeira maloca manchineri, diz o mito, foi destruída por um ataque de onças. Posteriormente, um novo povoado tem início. Uma mulher casa-se com um índio que não a mantêm direito, não lhe dá carne e vive fora de casa. Ela apenas se alimenta de macaxeira que ela mesma planta. Remexendo as coisas do marido ausente, essa mulher encontra um paneiro com ossos de índios de outras aldeias. Seria este marido um canibal, um guerreiro ou um xamã? O fato é que ele colecionava os ossos, transformados em flautas.

A mulher encontra então um novo marido dentro de casa, uma personificação de um dos ossos, o mais bonito de todos. Surge Tso'lati, pai, no osso, e filho, na barriga da mulher. O pai acaba por ser destruído pelo marido traído. Mas o filho permanece. A mãe é expulsa de casa e tem o filho como guia por suas andanças na mata, até que ela, cansada com a falação do filho ainda dentro de seu ventre, bate na barriga. A criança fica com raiva, pára de orientá-la e a mulher acaba por se perder, indo para a aldeia das onças, onde morre, mas não sem antes dar à luz oito filhos.

Tso’lati vive com fome, até que descobre sua origem e quem era sua verdadeira mãe. Inicia-se um movimento de retaliação e vingança contra aqueles que mataram sua mãe e pouco a pouco, principalmente através de atitudes jocosas que as onças não conseguem imitar, os irmãos acabam por matar todo bando de onças. E no meio da matança Tso’lati se transforma em deus. Um deus que vinga a morte da mãe e que se torna exemplo para os antigos, que para sobreviver fugiam dos inimigos.

Num outro mito, uma onça acha uma menina graciosa e a leva embora. No início os irmãos dela (ela era órfã e era cuidada pelos irmãos já casados) não ligam muito para seu desaparecimento, mas depois resolvem procurá-la. Encontram pelo caminho macacos que contam que a menina já havia se transformado em onça. Eles a encontram e acabam por ir com ela até onde estava vivendo agora, junto com as onças. Desconfiados da companhia, são convidados para dormir lá. No meio da noite fogem, assustados, chamando a irmã para voltar com eles. Mas ela não aceita, pois já tinha virado definitivamente onça.

Assim, o convívio transforma a pessoa, o corpo é moldado pelo universo onde a pessoa está inserida. Migra-se de mundo, alimenta-se de outras comidas, convive-se com outras pessoas. Com o tempo a pessoa acaba por se transformar, adota a forma típica da cultura onde agora está vivendo. Mas, de acordo com os Manchineri, a incorporação do sal na dieta alimentar (decorrente do contato com os não-indígenas) representa o fim da capacidade de transformação de humanos em seres diversos. Hoje em dia homens não se transformam mais em bichos porque possuem sal no corpo. O sal, ao surgir, quebra o que antes era uma continuidade entre o doce e o amargo, criando um novo arranjo simbólico.

 Atividades produtivas

A caça entre os Manchineri acontece de diversas maneiras: uma delas é em trilhas um tanto particulares, não por pertencerem a alguém, mas principalmente por começar no terreno de alguém, com um uso mais ou menos restrito, ainda que ninguém tenha que pedir autorização para usá-la. Tais trilhas podem ser curtas, algo em torno de meia hora de caminhada, ou percorrer uma distância maior, indo cerca de 3, 4 horas de distância da casa. O caçador pode estar munido de espingarda ou apenas de terçado, mas geralmente utiliza cães.

O pior para um caçador é ficar com panema. Os bichos fogem, os tiros se perdem. Volta-se para casa de mãos vazias, e falta a carne, tão valorizada, na refeição da família. Para tirar a panema deve-se passar tipi pelo corpo todo (uma planta cultivada, também usada como veneno de pesca) e tomar sanango (outra planta, da qual se utilizam as folhas), um emético, por dez dias seguidos. A cada seção de vômitos o organismo do caçador vai se purificando, pondo para fora o que estava o prejudicando.

Mariscar, ou seja, pescar de tarrafa, é também uma das grandes fontes de alimentação. Usam ainda linha e anzol, além de mergulharem e pegarem os peixes com fisga quando o rio está baixo e a água clareia. Ainda que não se tenha carne para comer (algo muito valorizado), se terá o peixe, tanto do rio Iaco quanto de igarapés e igapós.

O marido trabalha na roça quando não está caçando, a mulher o faz a maior parte do tempo. Mas mulheres que cuidam de filhos pequenos não trabalham na roça. Logo que começa o verão, junho, é época de bater o roçado, para que em agosto já esteja seco o suficiente para a queima. Deve-se terminar de colher o arroz (que teve início em setembro). O roçado se queima em agosto, no meio do verão. Após a queima se planta abóbora, macaxeira, milho e arroz, nesta seqüência, seguido de mamão e batata (inhame e cará). Às vezes cana e amendoim. O aspecto do produto e a sensibilidade do agricultor determina o ponto da colheita. Quando chega o inverno deve-se replantar o roçado velho e limpá-lo.

A forma atual de agricultura na TI é extremamente similar ao que é praticado entre os habitantes da Reserva Chico Mendes. Existem variações (pequenas) quanto aos produtos, mas não são tão significativas assim.

 Fontes de informação

FUNAI (Fundação Nacional do Índio), 1977. Jaminaua e Machineri do Alto Rio Iaco. Brasília: Núcleo de História Indígena e do Indigenismo, Fundação Nacional do Índio, Ministério do Interior.


GONÇALVES, M. A., 1991. Acre: História e Etnologia. Rio de Janeiro: Núcleo de Etnologia Indígena, Universidade Federal do Rio de Janeiro.


HAVERROTH, M., 1999. Relatório da Viagem à Terra Indígena Mamoadate. Rio Branco: Comissão Pró-Índio. Programa de Saúde Sujo, Limpo & Contaminado. Capacitação de Agentes de Saúde em Higiene e Saneamento Ambiental e Assistência Primária de Saúde


MAUÉS, R. H., 1994. Medicinas populares e “pajelança cabocla” na amazônia. In: Saúde e Doença, um Olhar Antropológico (P. C. Alves & M. C. S. Minayo, orgs.), pp. 73-81. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.


MERCANTE, M. S., 2000. A Seringueira e o Contato: Memória, Conflitos, Situação Atual e Identidade dos Manchineri no Sul do Acre. Florianópolis : UFSC, 2000. (dissertação de mestrado)


SMA (Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre), 1991. Áreas de Proteção Ambiental (Mapa). Rio Branco: Governo do Estado do Acre.

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